O sol já ardia lá fora quando abri os olhos, arrumei-me e sai como uma camponesa comum. A maior parte do vilarejo estava adormecida, sob seus quentes cobertores de tricô, mas já se podiam ver muitos trabalhando ferrenhamente sob o sol nas plantações. Era época de colheita do trigo, se a colheita fosse próspera haveria festivais agradecendo pela grande colheita, caso fosse ruim nós organizaríamos para dividir igualmente a pouca quantidade entre todos os cidadãos, acho que não preciso dizer que queria que houvesse uma colheita próspera!!!

            Fui em direção aos campos, a manhã ainda estava com aquele friozinho proveniente da noite e o orvalho matinal se acumulava nas folhas das plantas. Estava com uma sandália de couro, esta não protegia meus pés por completo, eu sentia a água gelada que estava anteriormente na grama molhar meus pés; era bom, revigorante.

            Meu cabelo ─ que ia ate abaixo do meu bumbum ─ loiro escuro estava preso em um coque, deixando apenas alguns fios soltos conferindo-me um aspecto um tanto quanto descuidado.

            ─ Claire!!!

            Vir-me-ei assustada.

            ─ Claire, espera! ─ disse Jensen.

            Parei. Jensen era um grande amigo, ele tinha vinte e quatro anos, era simplesmente lindo; tinha olhos azuis, cabelo castanho-escuro batendo no ombro, suas feições eram fortes, ele tinha queixo afilado e ao mesmo tempo dividido, seu rosto era longo com uma testa que ficava coberta pela franja castanho-escura, sobrancelhas grossas e cílios curtos e negros, o nariz era afilado e perfeito, tinha lábios finos e lindos; sua musculatura era forte, proveniente do trabalho pesado. Ele queria desposar-me, sempre o flagrava com os olhos percorrendo-me. Agora ele vinha em minha direção com aquele sorriso branquíssimo aberto amistosamente.

            ─ Já esta acordada? Devia ter dormido mais tempo. ─ ele comentou chegando perto de mim.

            ─ Fui dormir cedo noite passada...

            ─ Não te vi na festa.

            ─ Não fui. ─ então ele chegou ate mim e se aquietou ao meu lado.

            ─ Foi animado... Queria que estivesse lá, seria interessante.

            Jensen devia ter uns 1,94 de altura, enquanto eu tinha 1,58, era uma grande diferença.

            Ele colocou a mão em meu rosto e começou a acariciar-me, nossos olhos se encontraram e ele parecia analisar-me.

            ─ Queria... Queria conversar com teu pai e pedir-lhe tua mão em casamento. Queria ter-te ao meu lado pela eternidade ─ começou ele. ─ O que acha... Viver ao meu lado... Formar uma família...?

            Fiquei calada.

            ─ Claire!!!

            Mais uma vez assustei-me virando bruscamente. Era meu irmão Lucas com sua cara de “O que você esta fazendo!? Se não vir para meu lado agora eu te arranco a cabeça!!!” . Olhei estática.

            ─ Jensen, não quero ver vocês dois sozinhos!!! Claire, vá pra casa, quero conversar a sós com ele.

            ─ Sim... ─ disse, olhei para Jensen, ele assentiu e eu corri para casa.

            Lucas era um ótimo irmão, mas era como um pai quando meu verdadeiro pai não estava em casa; como pai eu tinha que obedecê-lo, afinal, ele era mais velho que eu.

            Lucas tinha 28 anos, era o mais velho da casa, logo depois vinha Ártemis, com 18 anos, então eu e a pequena Emily com sete anos.

            Quando cheguei em casa corri para meu quarto, afastei o lençol que servia de cortina e olhei para ver o que estava se passando. Os dois pareciam conversar normalmente, a única diferença era que Lucas tinha uma expressão séria no rosto. Isso era bom, significava que era um encontro pacifico. Logo Lucas parecia estar vindo me buscar; saí correndo da janela e sente-me na beira da cama.

            Ele entrou com seus olhos verdes serenos olhando para mim.

            ─ Jensen é um bom cara... ─ começou ele. ─ O que quer mana? Não quero saber se ele quer ter você ou não, quero saber se você quer ser dele...

            ─ Eu não sei... Queria saber... Mas não sei. ─ parei para pensar. ─ Ele é um homem lindo, honrado, com fama entre vários vilarejos por ter lutado na guerra há dois anos... Mas...

            Lucas rapidamente se levantou e se ajoelhou na minha frente pegando minhas duas mãos e juntando.

            ─ Pense bem mana, depois que um casamento acontece não há como cancelá-lo.

            Olhei meu irmão nos olhos.

            ─ Pensarei, fique tranqüilo. ─ disse com um sorriso.

            Ele retribuiu.

            ─ Vamos pros campos, temos que terminar a colheita. Você vem? ─ perguntou ele se levantando.

            ─ Sim.

            Então me levantei e segui com ele para os campos. Quando chegamos lá Jensen estava ajudando minha mãe a colher o trigo, ele era um ótimo rapaz.

            Horas mais tarde fomos para casa, Ártemis havia voltado da caçada com um porco do mato, hoje haveria carne! Isso era perfeito.

            Mamãe estava assando o porco, este que já estava sem pele e pelos e já havia sido temperado. Todos os camponeses pareciam já ter acordado, sai pela porta da frente da casa e vi Jensen e Lucas conversando; pareciam descontraídos e felizes, isso era realmente bom, significava que não tinham se estranhado após Jensen pedir minha mão.

            Logo o grande porco já estava pronto, Lucas pareceu chamar Jensen para o almoço, ele aceitou sem nem questionar. Sentaram-se todos na mesa e começaram a devorar o porco.

            Ficamos durante toda a tarde conversando sobre o passado, eu não tinha muito o que contar pois minha geração já havia nascido em paz, desde meu nascimento eu não havia presenciado nenhuma guerra. Isso era um milagre, Jensen já havia visto duas guerras ocorrerem, tendo participado de uma delas em campo de batalha.

            O ocaso chegava lentamente, o sol se deitava no horizonte e Emily já estava com sono, eram umas seis horas da tarde.

            ─ Vamos andar um pouco? ─ indagou Jensen.

            Olhei terna. ─ Sim, vamos lá.

            Olhei para Ártemis, ela tinha aquele sorriso engraçado no rosto. Aquele mesmo sorriso que dava pra todos quando conseguia caçar uma boa presa. Ártemis era uma caçadora incrível, quando tinha uma flecha e um arco em mão conseguia pegar qualquer coisa.

            Eu e Jensen saímos; o brilho alaranjado de fim de tarde iluminava fracamente a terra. Fomos ate o grande muro que guardava meu vilarejo em uma caixa.

            Olhei para a muralha, o grande portão estava se abrindo, um cavalheiro estava entrando montado em um cavalo negro, o homem estava completamente vestido de preto deixando apenas os olhos verdes esmeralda aparecerem. O cavalo e ele poderiam simplesmente desaparecer na noite.

            Olhei para Jensen, então ele se virou e olhou com uma cara preocupada. Aquilo parecia ser mau presságio. Vir-me-ei e vi Thomas sair de casa; Thomas era como que o governante do vilarejo, ele era inteligente e sabia como lidar com o povo, era perfeito com palavras. Ele evitou olhar para os lados e seguiu direto na direção do peculiar forasteiro, este que por sua vez desceu do cavalo para cumprimentar o homem que vinha em sua direção. Eles começaram a conversar e pude perceber o forasteiro pedindo para que eles fossem a um lugar reservado, que não era um assunto apropriado para se dizer na frente do povo, Thomas assentiu e os dois foram andando para a casa de Thomas, o forasteiro deixou o lindo cavalo negro com Benjamin, este que era o responsável pelos animais do vilarejo.

            Thomas e o forasteiro entraram na casa. Benjamin veio em nossa direção trazendo o arisco cavalo.

            ─ Benjamin... De onde aquele homem veio? ─ perguntou Jensen.

            ─ É um noelleano, segundo ele, ele veio de Baltazar a mando do imperador Edward. Parece ser algo sério. ─ disse Benjamin com olhar fixo na casa de Thomas.

            Jensen ficou parado.

            ─ Isso não é bom, faz um bom tempo que não vejo um noelleano vindo nos visitar. É sinal de algo errado. Será que vamos ter mais uma guerra? ─ perguntou Jensen com olhar no cavalo negro.

            ─ Ah Jen... Tenho meus quarenta anos e já presenciei umas seis guerras, e em apenas uma delas vi um noelleano nos visitar, e essa guerra a qual me refiro foi a maior já vista, mais de um milhão de cidadãos saphiros morreram. Foi a pior guerra que já vi. E agora esse vampiro me deixou de cabelos em pé.

            ─ Já to vendo, espero que não seja guerra... Se for todos meus planos estão completamente dizimados. ─ comentou Jensen.

            ─ Seus planos? ─ indaguei.

            ─ Sim.

            ─ Quais são seus planos menino!? ─ indagou Benjamin.

            ─ Ah... Em primeiro lugar é conseguir a mão da moça com qual quero me casar.

            ─ E por que não pede logo? ─ novamente Benjamin questionou.

            ─ É que o pai dela não está aqui e o irmão mais velho disse que não quer me ver nem perto dela. ─ disse Jensen olhando para mim com o sorriso “To falando descaradamente de mim e você”.

            Benjamin caiu na gargalhada.

            ─ Sempre soube que vocês seriam um belo casal. ─ disse ele sorrindo para nós dois. Ele olhou para a casa de Thomas. ─ Bom, adoro conversar com vocês, mas tenho que levar esse cara aqui. ─ disse ele batendo do dorso do cavalo negro.

            ─ Vai lá. ─ disse Jensen apertando a mão de Benjamin.

            ─ Tchau Ben... ─ falei.

            ─ Tchau gente.

            Então ele se foi. Já havia escurecido e eu e Jensen ficamos mais algum tempo em silêncio; Jensen olhou para mim e eu para ele, seu olhar era definitivamente hipnotizante.

            ─ Ei crianças, o que fazem aqui ainda? ─ Thomas falou interrompendo nosso momento.

            Eu e Jensen nos viramos rapidamente, lá estava ele, parecia meio abatido e com uma expressão descontraída que parecia apenas esconder algo maior.

            ─ Estávamos esperando pra ver se você nos dizia o que está acontecendo e quem é aquele noelleano. ─ falou Jensen.

            ─ Bom... Ele veio a mando de Edward... E realmente não trouxe boas noticias. Vamos ter uma guerra, e Reeland resolveu se intrometer na história; ou seja, vai ser uma guerra entre Noelle e Saphira contra Irine. Amanha um exercito de Edward chegará para nos defender, como somos um vilarejo perto das fronteiras teremos de ter cuidado. Enfim... Estamos em guerra e não temos defesas próprias. Estava pensando em mandar as crianças e mulheres para longe daqui, para um lugar seguro.

            ─ É uma ótima idéia. Ao menos assim você poderia ficar em segurança. ─ disse Jensen para mim.

            ─ Não vou sair daqui. ─ retruquei.

            Thomas olhou estranhando.

            ─ Discutiremos isso depois. Mas agora vão para casa. Daqui para frente serão dias difíceis.

            ─ Venha, vou te levar para casa. ─ disse Jensen me puxando pelo braço.

            ─ Boa noite Thomas!!! ─ acenei para ele ainda sendo puxada por Jensen.

            ─ Boa noite crianças. ─ disse Thomas.

            Jensen sorriu e continuou a me levar.

            Quando chegamos à porta da minha casa ele me olhou nos olhos. Seu singelo sorriso fez transparecer o que ele sentia por mim.

            ─ Boa noite princesa, fique quietinha em casa, e qualquer coisa vá para o porão... Sabe que tudo que quero é sua segurança.

            ─ Sim eu sei. ─ respondi.

            Ele deu um beijo em minha testa.

            ─ Entre, meu amor. ─ disse ele.

            Abri a porta e dei um ultimo sorriso. Pra que tanta despedida? Amanha claramente nos veríamos novamente. Mas sempre era bom se despedir das pessoas como se fosse o ultimo dia de nossas vidas.

            Fechei a porta, amanhã seria um novo dia.