As Cores do Invisível
O cheiro forte de terebintina das tintas e do solvente saturava o ar. Sua náusea passou rápido a um estado de discreta tontura. Suava por debaixo da armadura e suas costas doíam pelas horas sentado no banco incômodo. A vontade de levantar-se dali crescia, cada vez mais irresistível. Acaso seria muito cedo para pedir uma pausa? Queria tanto beber um copo de água longe daquele material tóxico de pintura a óleo...
A verdade é que mal se movera nos últimos minutos. Seguia obedientemente estático numa postura rígida que pareceria pouco natural a qualquer um, exceto o severo Cavaleiro de Capricórnio. Ninguém poderia acusá-lo de fazer poses. Aquele era ele mesmo: tornozelos entrecruzados, a coluna ereta, braços cobrindo-lhe o peito de modo carrancudo. A cabeça agora estava inclinada na direção da janela grande, por onde a luz da manhã se derramava, levando-o franzir ainda mais o rosto de traços agudos.
Não se podia dizer que era um personagem simpático.
Talvez por isso a artista sofresse com tanta dificuldade em encontrar um resultado que satisfizesse os padrões dela. Era uma pintora experiente e de confiança de Shion, e isso só tornava mais preocupante a sua demora em concluir o quadro.
A pintura do retrato de Shura de Capricórnio, que deveria figurar na galeria do décimo terceiro templo – conforme a tradição de vários séculos –, já se arrastava por semanas a fio. Naquela manhã, ele batia o recorde de dez dias corridos no estúdio improvisado. Em comparação com os colegas, Afrodite e Máscara da Morte perderam não mais que alguns períodos espaçados servindo de modelo. Até o espevitado Aiolia conseguiu se livrar da tediosa tarefa de posar para o seu quadro em três míseras visitas.
E Shura nem era o mais inquieto ou o mais rebelde de todos – muito pelo contrário. Ele se pôs como um boneco nas mãos da arista para que tudo acabasse o mais depressa possível. Permanecia feito estátua por longos intervalos e seguia as instruções dela à risca quanto às mudanças de posição.
Todas as manhãs, ele deixava as obrigações rotineiras para subir até uma saleta apertada no décimo terceiro templo, escolhida a dedo pela própria pintora por contar com uma janela que alcançava do chão ao teto. A artista então o acomodava no banquinho e besuntava seus pincéis preferidos nas tintas já misturadas para retomar o trabalho de onde tinha parado. A iluminação era ideal, os materiais de pintura não pareciam ser um obstáculo, o modelo era mais que colaborativo...mas o bendito retrato nunca ficava pronto. A cada final de expediente, Capricórnio esperava angustiado por sua alforria, somente para ouvir a frustrante sentença de que “ainda faltavam detalhes”.