é sempre assim! escrita por joss


Capítulo 3
ESA 3 - Erick chega no Colégio Montenegro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/12881/chapter/3

Não era que estudar no Colégio Montenegro fosse pior que estudar no Colégio alemão Albert Rochestein. Erick ponderou. Mas realmente estar no meio daquelas pessoas frívolas cujo único papo que se aproximou de uma filosofia existencial tinha sido a nova coleção da TNG de verão, era mesmo um martírio. Fora isso, Erick já estava de saco cheio de toda aquela gente torcendo os pescoços quando ele passava nos corredores da escola só porque gostava de usar calça de flanela xadrez – ou listradas! –, pulseiras de couro nos braços e uma bota de combate com duas correntes que se arrastavam no chão! Ele até se sentia diferente, mas tinha certeza que não era tão diferente assim.

Não, imagina!

Em poucas horas o novo aluno do segundo colegial já fazia parte das fofocas mais bem articuladas do colégio. Primeiro: ele era mesmo esquisito. Segundo: ele tinha dois piercings na boca e apenas dezesseis anos! E por último, mas não menos importante: não era todo dia que um garoto esquisito podia andar com a nata da escola. – “Nata” era o quarteto fantástico composto pelo pessoal pop: Joyce, Guta, André e Renato.

Nem mesmo Cecília e Sofia que vez ou outra estavam com eles podiam se dar ao luxo de passear pelas bocas maldosas de todos os alunos do colégio, uma vez que as gêmeas mais eram consideradas as coadjuvantes da Byoncé – que podiam mudar e mudar que ninguém perceberia realmente quem eram elas – o preço por ser gêmea idêntica: você não possui identidade.

Erick deveria se considerar o cara mais sortudo do mundo: quem é que muda de escola e já é assim, tão popular?

O caso seria simples, mas esperar que um garoto com pinta de rock-star e atitude descolada – ou desclassificada! – achasse esse negócio de popularidade algo legal, desejado e louvável, era simplesmente demais. Erick se sentia até enojado só de pensar que só porque morava na mesma casa que André podia ser comparado com aquele tipo de mauricinóide!

Ouvia Guta falar sobre as novas botas cor-de-abacate que estavam na vitrine da Arezzo e que combinavam perfeitamente com sua saia da Ellus e Joyce comentando sobre como queria um cachecol da Acessorize para usar no inverno que se aproximava. Sentiu um arrepio ridículo subir pela sua espinha: tinha que fugir dali mais rápido do que o diabo foge da cruz...e não contou outra. Quando percebeu que nenhum de seus novos colegas – os mauricinóides populares - estava olhando para o que ele estava fazendo, ficou de pé e sem dizer mais nada, saiu arrastando suas correntes da bota para bem longe.

Não era que detestava a companhia dos novos amigos – se é que podia chamá-los de amigos –, era simplesmente porque não se sentia feliz como eles. Estava aborrecido com a recente morte da sua mãe e a repentina mudança de humor de seu padrasto.

Droga! Eles se davam bem e tinham ido juntos para a Disney quando Erick tinha treze anos. Agora só porque era um adolescente que bebia demais nas festas de fim de ano, não precisava ser tratado como um leproso e ser expulso de casa... se bem que Erick sabia que não era bem esse o problema de Gregory... era que Heloísa havia morrido e Gregory era um homem jovem com uma carreira pela frente, não precisava de um aborrescente mimado que dava aos vizinhos o que falarem. Gregory era um tipo de pai inexperiente e liberal demais... nunca repreendia Erick por ser irresponsável... achava até que “fazia parte dessa idade”.

Ah, como queria pular os muros daquela escola desprezível, como fazia há 3 dias atrás em Brasília!

Mas não podia.

Tinha que dar ares de ser um filho responsável e blá blá blá, antes que Márcio o enviasse para bem longe ou o pior, o mandasse para um desses colégios católicos que obrigam os alunos a irem na missa e a confessar seus pecados para que a partir dali caminhassem por um caminho mais correto, quer dizer, como pecadores arrependidos.

O problema era que Erick não queria se arrepender de pecado nenhum!

- Ai, que merda! – uma voz fininha esbravejou.

Erick só reparou que havia dado um encontrão com uma garota quando ela reclamou. Seus olhos foram direto para o suco de goiaba que molhava toda a camisa do uniforme escolar branco e azul.

- Desculpa! – disse de imediato e levantou os olhos azuis para encarar a garota, que tinha as sobrancelhas avermelhadas curvadas em um ar aborrecido, segurando ainda o copo com a mão melecada de suco para longe do corpo e com a outra mão os cadernos.

- Pelo menos não molhou meu trabalho de artes! – ela aliviou-se entregando para ele o copo transbordado de suco de goiaba. – Que nojo...! – seu uniforme estava cor-de-rosa escorrendo – O que é que eu vou fazer, hein?

Só depois que Sofia levantou o olhar e viu que havia se trombado com Erick foi que seu rosto ficou mais rosado do que o suco de goiaba que manchava seu uniforme. Que jeito horrível de encontrar com o cara que você tá paquerando, né?

- Trocar de uniforme comigo? – ele sugeriu, meio sem graça encantado por aqueles lábios rosados de brilho labial dela. Sofia era mesmo bonita.

- Você tá doido? Eu não vou tirar minha roupa aqui no meio da...

- Eu quis dizer no banheiro. – ele apontou para longe, onde havia o vestiário feminino. Largou o copo de suco de goiaba na primeira lata de lixo que encontrou e lambeu os dedos enquanto andava até o banheiro feminino.

Sofia o seguiu com a cabeça baixa conferindo seus desenhos para a aula de artes e dando graças a deus que só sujou um pouquinho. Ela estancou na porta do banheiro e Erick arrancou o uniforme que vestia por cima de uma camiseta de manga comprida verde, combinando com a mesma calça xadrez verde e preta que usara na noite anterior no churrasco de André. Sofia pegou a camiseta de Erick e entrou no banheiro feminino e só saiu de lá dez minutos depois segurando sua camiseta suja e fedida de suco de goiaba, usando o uniforme de Erick, que era enorme para o corpo pequenino e magro dela.

Erick pegou a camiseta suja de Sofia com um sorriso nos lábios com piercing, amarrou em seu cinto, sem se importar com a sujeira.

- Você é irmã da... Cecília, né?

- Sou sim, impossível não notar... – ela sorriu envergonhada, sentindo os joelhos tremerem, abaixando os olhos. – Obrigada pela camiseta!

- De nada. Eu sou Erick.

Ela já sabia, ouviu a noite inteira o que Cecília tinha a dizer sobre ele e seu prêmio de fotografia e como ele ia ajudá-la na coluna de entretenimento, fotografando para o jornal no lugar do tal Adalberto.

- Sofia. – apresentou-se.

Um silêncio estranho se impôs entre os dois. Não era falta de assunto, era falta de coragem de iniciar um.

Sofia olhou no relógio para disfarçar a falta de saber o que fazer ou falar e acabou levando um susto! O intervalo já estava no fim.

– Droga, estou atrasada! Tenho que ir, tchau! – virou correndo, saindo apressada.

- Amanhã eu trago sua blusa limpa! – ele gritou de longe para ela, que apenas acenou com a mão delicada.

Sofia correu pelo pátio da escola segurando seus desenhos ainda sem acreditar que havia trocado de uniforme com Erick e que agora estava usando sua camisa... com um cheirinho maravilhoso, por sinal. O perfume dele era mesmo muito bom!

Ela corria um pouco desajeitada com sua sandália de salto preta e só parou quando encontrou Joyce e Guta, sentadas na ponta da quadra enquanto viam Renato e André tirar um-a-um na quadra de basquete.

- Olá! – aproximou-se, com as bochechas rosadas de correr – ou de vergonha por estar usando a camiseta de Erick! Mas como uma boa coadjuvante da Beyoncé, nem foi notada.

- Olá! – Joyce respondeu sorrindo com seu ar de princesa que faziam dela a menina mais popular do colégio. – Sofia ou Cecília?

- Sofia, né! – ela riu, sentando-se ao lado de Guta, tentando não amassar seus desenhos. – Desculpem a demora...!

- Deixa eu ver! – Joyce agarrou os desenhos da menina. – Sofia, você é mesmo talentosa... devia expor seus desenhos em uma galeria de arte!

- Oi Sofia! – Renato parou de jogar e se sentou ao lado da garota assim que ouviu ela dizer quem era. – Tudo bem?

- Sim, sim...!

- A Cecília cadê? – Guta quis saber meio aborrecida porque agora André se sentava ao lado de Joyce dando-lhe um mega-beijo de novela no meio do pátio da escola.

- Ah, ela tá ocupada com as coisas do jornal...! Você sabe como é!

- Ainda bem que não sei! – Guta foi sincera. Cecília sempre estava envolvida com as coisas do jornal, aspirando em breve passar de jornalista à Editora, uma vez que a editora atual era uma aluna no terceiro ano e estava se despedindo do jornal naquele ano.

- E então, o que você vai fazer hoje? – indagou Renato para Sofia.

- Vou acompanhar Cecília em sua mais nova idéia mirabolante para a coluna de entretenimento da semana! – Sofia riu, afastando os cabelos alaranjados e lisos do rosto. – Aliás, porque vocês não vêm com a gente? Iremos ao Café Ville Leonora, aquele café-livraria que abriu ali na Rua Rouxinol.

- Pode ser uma boa idéia! – Guta se animou. – O que é que tem por lá?


- É um café-livraria! – Cecília exasperou-se com um cartão de visita do café na mão, entregando para Erick. – Vai ter um show de jazz hoje por lá, parece que toda segunda eles vão ter atrações musicais depois das dezenove horas.... hmmm vocês estão sentindo um cheiro de goiaba azeda?

- Ah, sei... jazz... – Erick respondeu meio sem saber o que falar. Seu portfólio estava na mesa há mais de meia hora e Cecília ainda nem tinha aberto a pasta preta para ver suas fotos e só sabia falar sobre as áreas do jornal, especialmente a coluna fixa de entretenimento, que era para onde escrevia. Além disso, o cheiro da camiseta de Sofia amarrada em seu cinto estava mesmo um horror! Mas ele não ia confessar que era a camiseta que ele carregava que tinha aquele cheiro nojento...

- Se você fizer umas fotos lá, tenho certeza que a Mariluce, a editora e aluna do terceiro ano, não vai se opor se eu usar suas fotos ao invés das de Adalberto. Talvez ele ainda fique fotografando as outras sessões, mas não agüento mais aquelas fotos horríveis dele. – sorriu.

- Viu só, vai ser ótimo! – André, que estava na sala apertada do jornal e olhava as paredes cheias de recortes e fotografias, comentou. – O pessoal estava mesmo querendo ir lá hoje, vai ser bem divertido.

- Com certeza! – Cecília concordou, aparentemente animada, ficou encarando Erick esperando ele dizer alguma coisa.

- Tá bem. – Erick deu de ombros. Uma foto ou outra não ia matá-lo também. E de repente era alguma coisa útil para se fazer naquela escola cheia de mauricinhos e patricinhas. Quem sabe ele não acabava tendo um pouco de diversão?

- Espero você lá. E vê se não vai se atrasar, hein? Seria ridículo perder fotos perfeitas, só porque chegou tarde e perdeu a luz. – Cecília arrebitou o nariz de forma detestável, como ela sempre fazia quando se tratava da coluna de entretenimento do Jornal de Alunos do Colégio Montenegro, definitivamente a coisa mais importante de sua vida!

Erick segurou a risada, para não ser indelicado. Não que fotografar às dezenove horas em uma livraria fosse depender da luz natural... Fora isso, sua câmera tinha um ótimo flash se estivesse de pilhas novas e corretores de luminosidade automáticos. – Definitivamente ia levar a máquina digital.

- Combinado. – André abriu a porta da pequena saleta que só tinha duas mesas, o laptop de Cecília em uma delas. – Vamos deixar você trabalhando agora.

- É. – Erick saiu primeiro pela porta. – Até mais tarde.

- Tchauzinho! – Cecília enviou um beijinho estalado com a sua mão. Fechou a porta assim que os meninos saíram da sala do jornal.

André e Erick andaram pelos corredores da escola até saírem no pátio.

- Mesmo que as suas fotos sejam uma merda, publicar aqui no jornal da escola vai ser um trabalho e tanto, vai ajudar a garantir uma vaguinha na faculdade de jornalismo, né? – André riu quebrando o silêncio.

Erick não se deu ao trabalho de responder por “n” motivos. Um deles era que não estava interessado em pensar em faculdades – e se pensasse definitivamente não seria jornalismo! – e segundo, porque não achava que André soubesse de alguma coisa para dizer que suas fotos eram uma merda... aliás, nem Cecília quis olhar seu portfólio.

- Ai que droga, esqueci meu portfólio lá!

- Ah tudo bem, vou mandar um recado pra Ceci e hoje à noite ela te devolve. – André puxou seu celular do bolso e rapidamente digitou alguma coisa. - Pronto, num piscar de olhos como mágica.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "é sempre assim!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.