Entre Fogo e asas escrita por ACunha


Capítulo 9
Nada Além de Um Segredo


Notas iniciais do capítulo

Dois capítulos de uma vez! Quem gostou levanta a mão o/
—não.
Enjoy =D



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-Ouviram o que o diretor disse?

-É a primeira vez na história dessa escola... Quer dizer, internato!

-Já estava na hora, não acham? 

-Hora de quê? - perguntei me aproximando de Meg e suas seguidoras fiéis. Elas cochichavam baixinho e pareciam animadas demais para o humor frequente da escola. Meg me olhou indiferente, como sempre, e deu um sorrisinho.

-Vamos ter uma festa de Halloween! - ela disse com a voz arrastada e maliciosa. 

Bom, isso vai ser interessante. 

-Sério? - exclamei parecendo educadamente surpresa. - Quando?

-No dia do Halloween... - ela respondeu como se eu fosse retardada. - Quando mais?

Balancei a cabeça, constrangida com minha lentidão. 

-Ok... então, vai ser à fantasia? - perguntei. 

-Claro! - Nancy, uma das góticas, exclamou. Na minha opinião, ela não tinha nada de triste. Estava sempre iluminando o humor negro das amigas com seus cabelos dourados e impecavelmente lisos. E seus grandes e infantis olhos azuis não combinavam com as toneladas de rímel que passava. - Eu vou fantasiada de bruxa. E você?

Nancy? Uma bruxa? Sei.

-Não sei - disse sinceramente. - Nem sabia que haveria uma festa. - Onde eu iria achar uma roupa? 

-Vamos à cidade neste fim de semana - Meg comentou. - Você pode ir na mala - sorriu sarcasticamente e fez suas amigas gargalharem. 

Suspirei desaprovando a brincadeira de mal gosto.

-Seria ótimo ir na mala do seu carro, Megan, eu agradeço pela oferta - sorri duramente. - Mas eu estou sem dinheiro. E também, esse fim de semana prometi que passaria com meus pais. 

-Ah, tudo bem - ela deu de ombros. - Trago uma fantasia de sininho para você. Que tal? 

Apenas balancei a cabeça e revirei os olhos. Virei para ir embora enquanto outros risinhos estouravam atrás de mim, mas não estava com raiva de Meg. Ela era assim mesmo. Já estava naquele internato fazia um mês, e só o que aprendi foi: nada é o que parece. 

Pegue Logan como exemplo. Depois de me dar o maior susto da minha vida ao pular a janela do terceiro andar de um prédio, não o vi estatelado no chão, que era como devia estar. E depois daquela semana particularmente estranha e cheia de acidentes, tudo ficou normal. A não ser, é claro, pelo fato de ele e Collin estarem me evitando, não me deixando outra opção além de lamentar e me aproximar de Meg. 

Acho que o mais estranho de tudo que aconteceu naquele último mês foi meus sonhos premonitórios terem totalmente sumido. 

No fim de semana, como prometido, viajei de volta para Bluefield com meus pais. Eles disseram que achariam um jeito de irmos à praia. Não que eu tivesse pedido isso; apenas era a única opção para passarmos algum tempo juntos. Então, fizemos nossas malas e dedicamos quatro longas horas indo de carro até Myrtle Beach, na Carolina do Norte, onde meus avós moram. E passou em um piscar de olhos, para não dizer o contrário. Pelo menos meu iPod estava carregado.

Joseph e Karen Sparks moravam em um apartamento de frente para a praia. Eles eram bronzeados, é claro. Uma qualidade que o filho não adquiriu. E nem eu, aliás. Bom, eles não tinham absolutamente nada de avós comuns. Nos receberam com algo queimando no forno enquanto vovô dedilhava algo na sua guitarra e vovó, sempre muito tagarela, gargalhava com alguma amiga no telefone. 

-Sam! - eles exclamaram juntos, e depois vovó desligou o telefone para vir falar comigo. - Ah, querida, soubemos do que aconteceu, e sentimos tanto! - então me abraçou e eu senti o cheiro do seu perfume francês. 

Souberam do quê? Que meu irmão morreu ou que fui oficialmente trancada em um internato?

-Ah, nosso pobre netinho - ela choramingou no meu ombro enquanto seu cabelo loiro e curto fazia cócegas no meu nariz. 

Ah, isso. 

-Agora quem vai ouvir meus solos? - vovô brincou meio triste. Ele se levantou em todo seu um metro e noventa e me encarou com os braços cruzados. - Está diminuindo, querida? 

Suspirei e sorri.

-Eu também gosto de rock, vovô - o lembrei, ignorando o comentário sobre minha altura.

-Ah, ótimo - ele sorriu. - Então... querem dar uma volta na praia, pedir comida pra viagem ou assistir umas reprises de Two And a Half Man? 

Olhei acusadoramente para meus pais. Eles estavam meio envergonhados. Mas é claro; quem não ficaria? Deixei que eles se resolvessem com meus avós e fui até o quarto de hóspedes, o antigo quarto do meu pai, para deixar minhas coisas lá. Depois peguei um casaco preto e fui até a sala comunicar minha decisão.

-Vou dar uma volta na praia - eu disse e saí antes que alguém me detesse.

Myrtle Beach é uma cidade grande meio estranha. Prédios até onde a vista alcança, e, bem ali escondido, está o oceano. Azul como os olhos da minha mãe. Como os olhos de Ian. Como minha blusa favorita que ganhei de natal. Mas por que eu estava pensando nisso? Ah, eu estava distraída. Nada mais fazia sentido. Que mundo era este, onde Ian não existia mais, e Collin era um super herói tímido e Logan era um vilão sexy e arrogante? 

Deus, Sam, você está perdendo o controle dos seus pensamentos. 

Caminhei pela calçada por alguns minutos, e finalmente vi aquela imensidão azul. E suspirei. Tudo estava calmo. Os pássaros cantavam suas últimas canções do dia, o pôr-do-sol tingia o céu de laranja, vermelho vivo, dourado, rosa, lilás... Um infinito de cores. E ali, do outro lado, já se podia ver um vislumbre da lua crescente que teríamos naquela noite. Era um visão reconfortante depois de toda aquela loucura de sombras e armas flutuantes. 

Desci até lá. Tirei meus tênis e dei um nó nos cadarços para poder pendurá-los ao redor do pescoço; uma atitude que se tornou comum para mim quando queria caminhar descalça pelos campos de Bluefield. Qualquer um que olhasse me acharia louca; mas eu gostava. Nada como caminhar pela areia com All Stars nos seus ombros e suas mãos nos bolsos.

Caminhei um pouco de cabeça baixa, chutando algumas conchas de volta para a água, e pensando. Sempre pensando. O que Ian diria se estivesse aqui agora? 

Ele lhe chamaria de louca por fazer o lance dos cadarços novamente, disse uma voz irritante na minha cabeça. E perguntaria por que está reclamando tanto da vida se tudo está perfeito. 

Tem razão, Ian, respondi à voz. Tudo está perfeito; meus pais estão me tratando como se eu fosse uma bomba prestes a explodir e meus amigos me ignoram completamente. Nossa, se melhorar, estraga.

Com raiva de mim mesma, chutei um pouco de areia para a frente e recebi um grito de dor como resposta. Olhei para cima. 

-Ah, meu Deus! - ofeguei. - Collin! 

Eu havia chutado areia direto nos seus olhos. Muito típico de mim. Ele esfregava os olhos com as mãos e, por mais ridículo que pareça, sorria como um bobo. 

-Também estava com saudade, Sam - ele riu. 

-Droga, desculpe! - me estiquei para tentar ajudá-lo, mas ele afastou minhas mãos e me encarou com os olhos meio vermelhos.

-Não tem problema - disse sincero. - Mas e aí? O que uma dama como você faz andando por aqui à esta hora? 

Fiquei completamente vermelha. Seus olhos azuis me analisavam intensamente, e suas mãos estavam em meus pulsos. 

-Eu que pergunto - respondi depois de um tempo. - O que você está fazendo aqui?!

-Eu? - ele pareceu surpreso. - Não lembra onde foi que conheci seu irmão? 

Parei um pouco para lembrar. É claro. Alguns anos atrás, nós havíamos viajado para Myrtle Beach para ver nossos avós. No intervalo de uma semana, Ian conheceu e ficou amigo de Collin, que morava com os tios aqui. Então, no semeste seguinte, para a surpresa de todos, Collin estava sendo transferido para Bluefield High School.

-Nossa - suspirei. - Esqueci completamente. Desculpe.

-Que nada - ele deu de ombros. - Também estava quase esquecendo de como era morar perto da praia. Por isso resolvi passar o fim de semana aqui com meus tios. 

-Que... coincidência - sussurrei. - Não acha estranho termos escolhido o mesmo fim de semana para virmos para a mesma cidade? 

Ele deu de ombros novamente e franziu a testa.

-Você acha? - perguntou. 

Revirei os olhos. 

-Ah, tanto faz - e voltei a andar. Ele me acompanhou. - Mas e aí... - sussurrei. - Por que não tem falado comigo na Virgínia's Black Hole? 

Ele não respondeu de início. Olhei para seu rosto e o vi olhando para frente, concentrado em alguma coisa. Depois respirou fundo.

-Eu... devo tomar cuidado - respondeu com a voz rouca. - Com algumas coisas... 

E lá estava novamente, sua máscara cansada e tranquila. Ele havia colocado as mãos nos bolsos agora, e apertado os lábios até ficarem como uma linha rígida de preocupação. O sol já havia sumido no horizonte, então tudo que eu podia ver eram seus cabelos dourados (agora meio acinzentados) e o contorno perfeito do seu rosto. Se eu olhasse para o outro lado, eu sabia que as luzes da cidade me cegariam.

-Collin... - comecei meio sem saber o que dizer. - Por favor, me conte o que está acontecendo.

Ele suspirou.

-Não posso - murmurou chutando uma pedrinha que foi parar no meio do oceano.

-Por favor? - implorei como uma criança mimada.

-Não posso... - ele repetiu reprimindo um sorriso.

-Está rindo de mim? - perguntei incrédula.

-Não! - agora ele se tremia de rir. - É que a areia está fazendo cócegas no meu pé...

Empurrei seu ombro e avancei até ficar na sua frente. Coloquei minhas mãos em seu peito para impedir que ele continuasse andando, mas logo me arrependi. Ah, aqueles músculos...

-Collin - eu disse com a voz rouca e hesitante. Limpei a garganta para passar minha ordem. - Você vai me dizer agora mesmo o que está acontecendo naquele internato maluco.

-Não vou não - ele sorriu como um garotinho levado.

-Ah, vai sim! - insiti. - Você sempre me contou tudo, e sempre me ajudou quando eu precisei, e nos últimos dias você tem me tratado como... - respirei fundo. - Como...

-Como o quê? - ele pressionou.

-Ah, eu não sei! Estou com os adjetivos em falta; então digamos apenas que você tem estado estranho ultimamente. 

-Estranho - ele assentiu. - Como?

O encarei em um silêncio furioso até que ele percebesse meu estado de espírito.

-Sam, não fique assim - ele acariciou minha bochecha com seu polegar. - Só... existem coisas que precisam ficar em segredo. 

-Coisas como... - tomei coragem para continuar. - Aquela arma flutuando apontada para Joshua? 

Ele congelou sua expressão. 

-Ela não estava... - ele pigarreou. - Flutuando. 

-É, tem razão - cruzei os braços com força. - Estava sendo segurada por... O que diabos era aquilo afinal? Uma Sombra?

-Não diga esse nome - ele murmurou rapidamente. - Não faz ideia do tipo de coisas que os nomes podem libertar.

Ok, agora eu estava chocada. Ele percebeu que havia falado demais e olhou para o oceano, parecendo derrotado.

-Sombras - ele começou. - São criaturas do mau que se alimentam da vida humana. São frias, pegajosas e desprovidas de qualquer qualidade. São feitas da própria essência humana, mas não se parecem em nada conosco... - ele respirou fundo e esperou minha reação.

-Está falando sério? - perguntei desconfiada. - Ou isso é uma das suas pegadinhas? 

Ele riu, mas não como se estivesse brincando. Foi um riso rouco, seco, que me fez ter calafrios por todo lugar. 

-Não - ele respondeu. - É bem sério. 

-E isso é tudo que está acontecendo na Virgínia's Black Hole? - perguntei olhando fixamente para seu rosto. - Ou... tem mais?

-Tem mais - ele confirmou. - Mas vamos parar por aqui. 

-Por quê?!

-Não é seguro ficar aqui à essa hora - ele me empurrou gentilmente para a frente e continuou com a mão nas minhas costas.

-Quando você vai me contar o resto? - pressionei. Ele parecia impaciente em sair dali. Andei cada vez mais rápido, sabendo que seu medo era real. E se ele estava com medo, eu deveria ficar também.

-Na festa de Halloween - murmurou de má vontade. 

Dei um sorriso satisfeito que logo foi apagado por outro calafrio. Olhei para trás e quase tive um ataque. Havia uma silhueta ali, nos seguindo, quase flutuando. Não continuei olhando para saber se era um homem ou uma sombra, apenas deixei que Collin me levasse para um lugar seguro. 


Depois daqueles três cansativos dias na casa dos meus avós, nós finalmente voltamos para Bluefield. Mamãe e eu fizemos algumas compras antes que eu fosse levada de volta para minha prisão particular, e eu encontrei uma fantasia para o Halloween. Nada muito exagerado; eu seria uma diabinha. 

Eu nem me importei com nada daquilo; estava pensando desesperadamente na revelação que teria na festa de Halloween. O que Collin iria me contar? Havia um grupo de adoradores do demônio na escola? Algo a ver com as bruxas de Salém? Ou simplesmente uma briga entre mafiosos? Hum. Sem graça.

As duas últimas semanas daquele mês passaram quase em branco. Collin não me procurou, e, para minha tristeza e raiva, Logan também não. Na verdade, eu começava a vê-lo cada vez menos na escola. Quando o via raramente, era lá fora em cima de uma árvore ou na janela do seu quarto - terceira janela da esquerda para direita do quarto andar -, lendo um livro.

Meg estava ficando meio diferente. Ficava cada vez mais pálida, se é que isso era possível, mas também com os cabelos opacos e lábios desidratados. Suas mãos pareciam cada vez mais ossudas, e seu sorriso era de caveira. 

-Meg... - chamei meio hesitante na véspera do Halloween. - Você está bem? 

Ela virou lentamente para me encarar com seus olhos transparentes.

-Pareço estar bem? - perguntou sarcasticamente. 

Tudo bem, pergunta idiota. 

-É que você tem andado... - não sabia o que dizer. - Você tem estado... 

-Não se preocupe comigo, querida - ela deu uma piscadela para mim. - Vou ficar melhor amanhã. 

Não discuti. Nem queria saber. Então ela se virou e voltou à tarefa de retalhar a barra do seu vestido vermelho sangue. Achei que ficaria completamente estragado quando acabasse, mas na verdade ficou bem bacana. Como se tivesse sido rasgado por garras em vez de tesouras. Muito... Halloween. 

No outro dia, acordei cedo para fazer minhas coisas. Era sábado, então mandei minhas roupas para a lavanderia da escola. Depois subi e fui tentar dar um jeito nas minhas unhas. Meg me ajudou, apesar de eu preferir manter distância das suas mãos geladas. Ela me convidou para almoçar com ela e as amigas na cidade, mas recusei, dizendo que já tinha combinado de almoçar com meus pais. 

Mentira. Samantha, sua mentirosa, você vai arder no inferno por isso.

A verdade é que eu peguei um ônibus até Bluefield e meio que invadi minha própria casa. Ah, grande coisa; ninguém se dá ao trabalho de trancar a janela da cozinha! Meu pais obviamente não estavam em casa; deviam estar comprando doces de última hora para distribuir à noite. Olhei ao redor da cozinha e suspirei. 

Nem parece que eu morava aqui. 

As chaves do carro de Ian ainda estavam penduradas, como sempre ficavam desde que ele havia morrido. Antes de pegá-las e cair fora dali, me senti tentada à entrar no meu quarto. Só dar uma espiada, e talvez pegar uma ou duas coisas que eu tenha esquecido. 

Foi uma péssima ideia. Assim que abri a porta e o cheiro doce do meu antigo perfume me atingiu, algumas lágrimas escaparam. Minha cama estava feita; uma coisa que quando eu morava aqui nunca seria possível, e as janelas estavam fechadas. Haviam algumas fotos presas no espelho da minha penteadeira, e muitas roupas amarrotadas no armário. Mas era só isso. Não havia mais pertences meus ali; tudo estava no quarto que eu dividia com Meg na Virgínia's Black Hole. Soltei um suspiro frustrado e dei meia volta para descer as escadas.

Roubar um carro era mais fácil do que parecia. Bom, tudo bem, não conta como roubo quando o dono está morto e a suposta ladra deixa um bilhete para os pais dizendo onde está o carro para que eles não pirassem depois. Mesmo assim, foi bom ter a percepção de que ninguém sabia onde eu estava, ou o que eu estava fazendo. Foi bom compartilhar um segredo comigo mesma. 

Falando em segredos... 

Dirigi sem rumo pela cidade por um tempo. Fui até o parque, vi algumas crianças brincando, famílias fazendo piqueniques... Ah, droga, eu estava com fome. Onde estava minha carteira mesmo? 

Na Virgínia's Black Hole. 

Era uma tarefa fácil: eu ia estacionar, sair correndo, pegar minha carteira e voltar antes que alguém me visse. Não que eu estivesse fugindo da escola nem nada, eu só não queria que ninguém perguntasse. Subi os degraus do dormitório das meninas como se estivesse sendo perseguida, e me escondendo cada vez que alguém passava. Mas em geral, a escola estava bem vazia. As meninas deviam estar fazendo suas maquiagens para a festa daquela noite, e os meninos... Bom, não sei o que os meninos fazem para passar o tempo. Jogando futebol? Video game? Algo assim. Peguei minha carteira como se fosse uma coisa vital e recomecei a corrida. 

Bem quando achava que meu plano ia dar certo, esbarrei em alguém na escada e caí rolando os últimos três degraus. Congelei esperando que alguma dor insuportável viesse, mas apenas minha cabeça e minha perna latejavam de leve. Levantei xingando e congelei. 

-Está fugindo de alguém, Sparks? - Logan brincou. 

Ah, aqueles olhos que não me olhavam daquele jeito há semanas!

-N-não - consegui gaguejar. - Eu... esqueci minha carteira.

Droga! Não dê mais informações, Sparks!

-Ah - ele se aproximou perigosamente de mim, apoiando um dos braços na parede atrás. - Está de saída? 

Esse olhar... Esses lábios! 

-Não - menti. - Quer dizer, sim - balancei a cabeça, completamente confusa. - Eu... ia almoçar... 

-Aonde? - perguntou inocentemente. Suspirei, derrotada.

-Em Bluefield - respondi. 

-Ah, tudo bem - ele deu de ombros e se virou para ir embora, me deixando paralisada no lugar.

Como é que é? Você vai simplesmente dar as costas à mim como se não quisesse almoçar comigo? Faça alguma coisa! 

-Logan - chamei antes que recuperasse o juízo. - Quer ir almoçar comigo? 

Cale a boca, Sam!, disse a voz da razão na minha mente. Não era esse o seu plano!

Mas era tarde demais. Logan se virou e pude ver seu sorriso vitorioso nos lábios perfeitos. 

-Claro - respondeu e então me acompanhou até a saída. Entramos no carro de Ian, e eu fiquei feliz em poder dirigir. Sabe, ter algo para me distrair do seu olhar. O trajeto todo até Bluefield eu fiquei me perguntando o que havia de errado comigo. Por que o convidei para almoçar? Logo no dia em que Collin ia me esclarecer algumas verdades? E se Collin me ver com ele? Vai me odiar também? 

-Está calada - Logan observou calmamente. - No que pensa tanto?

Apertei os lábios e pensei em alguma desculpa para dar.

-Collin não vai gostar disso - murmurei sinceramente. Foi apenas como se a verdade tivesse saltado dos meus lábios por conta própria. Por algum motivo, não conseguia mentir para Logan. Ele riu amargamente.

-E Collin por acaso é o seu dono? - perguntou arqueando uma sobrancelha. 

-Não! - exclamei. - É só que... Ele é meu amigo.

-Do jeito que ele tem tratado você nos últimos dias...  - Logan balançou a cabeça. - Eu não chamaria aquilo de amizade.

-Foi... complicado - eu disse cautelosamente. - Mas ele vai me explicar tudo esta noite.

-Tudo? - ele perguntou interessado. - Tudo mesmo? 

-Tudo - assenti. - Por quê? Há algo que eu não possa saber? - perguntei sarcástica.

-Há muitas coisas que ninguém pode saber, Samantha - ele respondeu sombrio e misterioso. 

Fiquei em silêncio por um tempo, procurando um restaurante para parar. Encontrei um que ficava perto da minha casa e estacionei o carro, tomando coragem para continuar aquela conversa.

-Se está falando sobre as Sombras - eu disse sem hesitar. - Collin já me contou sobre elas.

Logan pareceu surpreso. Ele se virou para mim e procurou alguma fraqueza no meu rosto inexpressivo. Seus olhos negros se apertaram. 

-Quer dizer que o cabeça de vento vai mesmo contar tudo hoje à noite - sussurrou mais para si mesmo do que para mim.

-Sim - confirmei com a cabeça. - E se quer que eu pague seu almoço, é melhor não chamar Collin de cabeça de vento.

-Esse apelido tem mais significado do que você pode imaginar.

-O que quer dizer com isso?

Logan não respondeu, apenas sorriu como se soubesse de um segredo que me faria mal. Saí do carro e bati a porta com força. Caminhei furiosamente e com as mãos nos bolsos até o restaurante, com Logan me seguindo de perto, e não parei até entrar e sentar em uma mesa no fundo, onde ninguém poderia nos ouvir. 

-E aí - resmunguei assim que ele se sentou na minha frente. - O que há de errado com Megan?

Logan riu como se eu tivesse contado uma piada.

-É como eu disse - ele respondeu. - Algumas coisas devem ser mantidas em segredo. 

Bufei, incrédula, e abri o cardápio para esconder meu rosto vermelho. O que havia de errado com ele?! Tinha prazer em me torturar mentalmente? E qual era o meu problema, que só de olhar para ele já ficava irritada? 

-Você pensa muito - Logan comentou suavemente. 

-É - concordei sem olhá-lo. - Principalmente quando estou com raiva.

Ele gargalhou. 

-Está com raiva?! - perguntou surpreso. - Por quê? 

-Eu não sei! - exclamei atirando o cardápio da mesa. - Você me deixa com raiva. E não me olhe dessa forma. 

-Que forma? 

-Você sabe... - murmurei tentando evitar seus olhos. Aqueles olhos que me fariam dizer as mais estranhas coisas sem nem hesitar. Os olhos que amoleciam meu coração e ao mesmo tempo mexiam com a minha cabeça...

-Olá - uma garçonete com uma pele bonita cor de café se aproximou da nossa mesa e fez um biquinho para Logan. - Você por aqui?

Encarei incrédula os dois.

-Você já esteve aqui? - perguntei à Logan. Ele apenas deu de ombros e sorriu para a garçonete.

-Olá, Kristin. É bom vê-la de novo. 

-Ora, o prazer é meu - Kristin respondeu com as mãos na cintura. - O que vão querer?

Logan olhou sugestivamente para mim. Eu ainda estava surpresa pela coincidência agradável. Mas afinal, era uma cidade pequena. Dei uma espiada na cardápio e escolhi o prato mais barato. Minha carteira não estava tão cheia assim. Logan parecia ter dinheiro de sobra, pois pediu algum prato italiano com nome complicado, o mais caro. Pedimos dois refrigerantes e Kristin se foi com nossos pedidos. 

-Você morava aqui em Bluefield? - soltei. 

-Não - ele pareceu surpreso. - Por quê?

-Então como conhece ela? - eu não estava com ciúme. Não podia estar.

-Ah, Sam... - ele suspirou e um tremor passou pelo meu corpo inteiro. - Eu conheço muita gente. 

Depois ele me fez uma pergunta sobre o dever de matemática, e eu tive que responder. E começamos a falar sobre as provas, a faculdade, a cantina da escola... Nada comprometedor. Em um determinado momento, comecei a pensar que aquilo era um encontro. Mas que diabos? Aquilo não era um encontro; éramos só dois amigos almoçando juntos e conversando sobre a escola! Logan não ia pegar minha mão e dizer que eu estava linda; e eu não ia corar e agradecer. Não íamos ficar em silêncio nos observando e não íamos, de forma alguma... 

A comida chegou e nos obrigou a ficar em silêncio. Nossa, eu estava com fome. Nem percebi quando Logan acabou e ficou me observando. Terminei de comer e limpei a boca com um guardanapo, depois dei um gole na minha coca-cola, sempre evitando seu olhar.

-Quero lhe fazer uma pergunta - eu disse de repente. 

-Então faça - ele sorriu, se divertindo.

-É sobre... - hesitei. - Collin...

-Ah - o sorriso desapareceu. - Ele.

-Pare com isso - pedi e limpei a garganta. - Só quero saber... Vocês se odeiam, mas aparentemente guardam um segredo em comum. 

Logan apertou os olhos e hesitou um momento.

-Sim - respondeu cauteloso. - Digamos que sim.

-Ok. Só quero me preparar... - cruzei minhas mãos em cima da mesa. - Esse segredo... Pode me fazer mal? 

-Depende - ele respondeu quase automaticamente. 

-Do quê?

-Do que você pensar dele. Se achar que é mentira... Bom, aí não haverá problema. - Ele sorriu rapidamente, mas logo voltou a ficar sério. - Se acreditar plenamente nas palavras que Collin lhe disser hoje à noite... 

-Ele não vai estar cometendo um erro nem nada, vai? - perguntei temerosa. - Quando me contar tudo?

Logan suspirou cansado.

-Vai - respondeu com o olhar inexpressivo. - O maior erro da história.

Não consegui falar por um bom tempo. Logan pediu a conta. 

-Por quê? - eu disse enfim. - E como assim, da história?

-Porque você, especificamente você, não pode saber de certas coisas, se não um acordo de paz será quebrado, e eu serei obrigado a interferir - ele disse com tanta calma e serenidade que só tornou as palavras mais assustadoras. - E não envolve só você, eu e Collin. Há muito mais em jogo, Sam. - Ele piscou. - O mundo não gira ao seu redor, embora eu ache que seria muito melhor se girasse. 

Minha respiração ficou irregular quando ele se inclinou sobre a mesa com uma mão estendida na minha direção. Seus dedos quentes tocaram meu rosto e afastaram uma mecha de cabelo da minha testa. Fechei os olhos, com vontade de aproveitar mais, de sentir suas duas mãos em meu rosto, seus lábios nos meus...

-Aqui está a conta - Kristin apareceu e cortou todo o clima. Logan recolheu sua mão e tirou a carteira do bolso.

-Ah, não... - comecei a intervir.

-Por favor - ele sorriu. - Eu insisto em pagar a conta, já que estou tomando preciosos minutos do seu tempo. 

Fiquei completamente vermelha, mas me recostei na cadeira e esperei que Kristin saísse para continuar falando. No entanto, assim que Logan pagou a conta e não se mexeu para ir embora, eu fiquei o fitando com interesse. Ele era muito diferente... de todos. Isso me perturbava, mas também me deixava deslumbrada. 

-O que foi? - ele perguntou, percebendo que eu encarava. 

-Quem é você, Logan... qual é o seu sobrenome mesmo? - franzi a testa.

Ele sorriu. -Isso realmente importa? - perguntou.

-Não - respondi sincera. - Mas quem é você? Qual é a sua história?

Sua expressão ficou meio pesarosa, e eu me perguntei se tinha tocado em um ponto fraco na sua armadura de sarcasmo e tranqüilidade. 

-Se Collin diz que vai lhe contar tudo hoje à noite, então não tenho porque responder esta pergunta - disse calmamente.

-E se eu quiser ouvir primeiro o seu ponto de vista? - o desafiei. Ele assentiu cautelosamente e me olhou de uma forma que fez meu coração pular dolorosamente. 

-Não vai querer ver as coisas como eu vejo - sussurrou com a voz grave e intensa. - Ninguém nunca quer. 

-Mas... - sussurrei de volta, soando estupidamente teimosa. - Eu quero

Ele sorriu, triste, e estendeu suas mãos na minha direção novamente. Dessa vez, ele pegou uma das minhas mãos e a apertou, fazendo círculos com o polegar na palma, sempre com os olhos presos aos meus.

-Você é linda, Sam - ele disse. 

Corei e olhei para baixo.

-Obrigada - sussurrei envergonhada. 

Então tomei coragem e olhei em seus olhos. Ficamos nos fitando, um desafiando o outro a continuar, até que eu percebi o que havia acontecido. 

-Logan... - eu disse calmamente.

-Sim?

Respirei fundo e soltei sua mão para falar com determinação e, tenho certeza, um pouco de desespero.

-Isso não é um encontro.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo tem quase todas as respostas. Não percam! Vai ser um Halloween MUITO interessante, se é que me entendem. Beijos!



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