Entre Fogo e asas escrita por ACunha


Capítulo 8
De Matar


Notas iniciais do capítulo

Tipo, esse capítulo é GIGANTE *o* E eu to pulando de felicidade pelos reviews, sério. Muito obrigada! =D
Enjoy ;*



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O dia seguinte foi bem melhor. Eu não me sentia uma estranha na escola, o que era estranho, mas me sentia como parte de tudo. As pessoas acenavam para mim no corredor, como nunca fizeram na Bluefield High School, e alguns meninos até piscaram para mim. Tudo bem, me senti lisonjeada. Mas minha mente, e meus olhos, vagavam a procura de duas pessoas em particular.

Encontrei a primeira pessoa parada na frente da sala de Inglês. Eu tinha essa aula com a Meg, mas ela já estava sendo acompanhada por um rebanho de garotos deslumbrados com o seu decote. Aquela blusa era uma aliada poderosa das meninas. Talvez eu devesse pedi-la emprestada qualquer dia desses...

Enfim, quando a pessoa me enxergou, abriu um sorriso que fez meu coração saltitar.

-Olá, Pequena Sam - Collin disse passado o braço pelos meus ombros, como se fosse algo que fizesse todos os dias. - Preparada para a primeira aula?

Olhei no fundo dos seus olhos recentemente azuis e me perguntei se deveria dizer algo sobre sua suposta mentira. Mas por fim suspirei e assenti.

-Desde que eu não pegue no sono no meio da aula - resmunguei sem pensar. Depois olhei ao redor, como se alguém soubesse do meu segredo bizarro e estivesse pronto para me condenar.         Mas Collin era o único que sabia, e pareceu entender meu mau humor.

-Teve sonhos esta noite? - perguntou preocupado.

-Só um... - admiti.

-Como foi?

-Nada de mais. Ah, mas é melhor ficar longe do lanche de hoje - o alertei.

Ele riu e assentiu. Então nos direcionamos às nossas carteiras. Ele se sentou do outro lado da sala, e Meg já tinha seu lugar bem no fundão, então só sobraram para mim uma carteira atrás de um bad boy com um cigarro na mão e outra ao lado de Joshua, o irmão de Meg. Não era muito fã de cigarro, então escolhi a segunda opção.

-Oi - cumprimentei Joshua vagamente. Ele parecia surpreso por eu ter escolhido sentar ao seu lado.

-Oi - ele respondeu meio atordoado. - E aí, já odeia minha irmã?

Eu ri, aliviada por não ter que conversar assuntos constrangedores com pelo menos uma pessoa.

-Ah, ela não é tão má assim - brinquei.

-Espere e verá - ele murmurou parecendo sério. Engoli em seco. Depois deu um sorriso e percebi que estava brincando.

-Ok, chega de assustar a aluna nova, tudo bem? - pedi cautelosamente a ele.

-Por mim, ok. Mas se não quer mesmo ficar assustada, é melhor ficar longe daquele tal de Logan - ele olhou pela janela e seus olhos se estreitaram. - Ele sim é sinistro.

-Muito engraçado - eu ri pensando que era outra brincadeira, mas então vi que ele não me acompanhou. Ainda olhava pela janela, para a paisagem cinza lá fora, como se sua mente estivesse longe dali.

-É sério - Joshua suspirou calmamente. - Fique longe dele.

Comecei a perguntar o motivo da mudança na sua expressão, mas então o professor entrou em sala, e calou qualquer pensamento na minha mente. Bom, um homem daqueles faria isso com qualquer uma. Ele era alto, usava um terno cinza de risca de giz por cima de uma camisa preta de gola alta. Seu cabelo dourado passava dos ombros, e estava preso em um rabo de cavalo baixo. Seus olhos eram de um azul claro e límpido, e me transmitiam uma paz que nunca havia sentido. A pele dele era clara; mas tinha um bronzeado dourado que faria qualquer garota desmaiar. E aqueles músculos? Deus, eu nunca havia tido um professor gatinho, mas valeu a pena esperar dezesseis anos para isso.

Ele começou a falar alguma coisa, mas eu não ouvi nada. Estava encarando seu rosto perfeito; nariz perfeito, lábios perfeitos, maçãs do rosto acentuadas... Suspirei. Pensando bem, eu não fui a única garota que suspirou constantemente naquela aula.

-E você - ele se dirigiu a mim, me tirando do meu torpor. - Deve ser Samantha Sparks. A aluna nova.

-Me chame de Sam - eu disse hipnotizada.         Ele riu, e o som me fez querer rir também.

-Sou Gabriel - ele disse estendendo sua mão para eu apertá-la. - Bem vinda à nossa escola, Sam. Espero que encontre seu objetivo aqui.

Não entendi as palavras dele na hora, mas não me importei. Apertei aquela mão grande e macia e quase derreti. Várias garotas me olharam com inveja, e eu nem liguei. Então Gabriel soltou minha mão e se virou para o quadro, e o momento mágico passou.

Ah, meu Deus.

-Deslumbrada também? - Joshua perguntou me assustando.

-Claro que não - tentei esconder meu rosto vermelho.

-Tudo bem. Todas as garotas ficam - ele deu de ombros. - É normal.

O ignorei na hora, mas depois da primeira aula, fui percebendo que todos os professores eram daquele jeito. Lindos de matar, e transmitiam aquela sensação de paz, e todos tinham olhos azuis como o céu. Era estranho, mas eu não reclamei.

Na aula de Artes, entretanto, algumas coisas mudaram.         Quando entramos na sala, uma mulher baixinha e roliça estava sentada atrás da mesa de mogno, e me olhou torto. Seus olhos eram cor de chocolate, a pele era muito avermelhada, e ela tinha cabelos curtos e castanhos avermelhados.

Sem dizer uma palavra, me dirigi a um banquinho vazio com uma tela em branco na frente. Quase imediatamente percebi que Collin também estava nessa aula. Ele se sentou no banco ao meu lado.

A tarefa era fazer uma pintura realista. Podia ser qualquer coisa; desde que fosse algo real, que pudéssemos ver ou tocar. Bom, tudo bem. Eu podia fazer isso. Não era um desastre total na hora de desenhar.

Collin não falou comigo. Na verdade, ele nem me olhou. O que era estranho. Antes, ele procuraria um jeito de tirar a minha atenção do trabalho e para que eu conversasse com ele. Agora eu era que queria desesperadamente saber o que havia de errado com ele, mas não podia dizer nada sem parecer paranóica.

Tudo bem. Finja não se importar.

Pintei algo parecido com um céu noturno, com o fundo azul escuro e pontinhos brancos como estrelas. No canto, fiz um meio-círculo para ser uma lua crescente, e acrescentei algumas nuvens roxas, cobrindo a lua, como se fosse chover.

Involuntariamente, olhei para a tela do lado. A pintura de Collin era praticamente idêntica à minha, só que sua lua era cheia, e tinha alguns tons de laranja misturados com o branco, e ali entre as estrelas, havia uma silhueta. Uma sombra preta. Parecia um homem caindo do céu. Mas tinha algo nas suas costas... talvez... Aquilo eram asas?

Quando dei por mim, eu estava caindo. O mundo ao meu redor girou, e bati com a cabeça no chão. Lá em baixo, enquanto recuperava meus sentidos, percebi que havia me inclinado demais para o lado de Collin.

Uma mão segurou a minha, e eu aceitei seu apoio para me levantar, apesar de não precisar.

-Obrigada - sussurrei e olhei para cima. E congelei.

-Quem manda espiar o trabalho dos outros? - Collin brincou. Em seus lábios pairava um sorriso divertido, que quase me fez querer beijá-lo ali mesmo.

O que? Eu pensei mesmo isso? Que diabos está acontecendo comigo?         Eu definitivamente bati a cabeça com força demais.

-Desculpe - murmurei envergonhada.

-Tudo bem aí, mocinha? - a professora perguntou caminhando na nossa direção.

Mocinha? Nenhuma baixinha roliça vai me chamar de mocinha!

-Tudo - respondi com o maxilar trincado. - Desculpe. Eu me desequilibrei tentando pegar meu lápis no chão.

-Cuidado da próxima vez - ela disse se afastando para analisar as outras obras.

Voltei a me sentar na droga do banco, muito furiosa com aquela cena, e olhei na direção de Collin. Seus lábios estavam apertados, escondendo um sorriso.

-Falando em espiar o trabalho dos outros... - sussurrei para ele. - Que tal não copiar o meu trabalho?

Ele voltou a ficar sério e me encarou.

-Não estou copiando seu trabalho - afirmou lentamente.

-Ah, é claro que não - respondi sarcasticamente. - Mas afinal, o que é isso? Era para ser uma visão realista. Algo que acontece, ou que já aconteceu.

-Isso - ele apontou para seu desenho - já aconteceu.

Voltei a analisar sua pintura. O homem caindo, que podia ou não ter asas, não tinha rosto. Era só uma figura negra no meio do céu já escuro. Mas foi só olhar para a sua silhueta forte e comparar com os músculos de Collin que algo na minha cabeça estalou.

-O que exatamente é isso? - perguntei cautelosamente.

Collin olhou para mim por um minuto inteiro. Seus olhos pareciam de alguma forma mais azuis. Então, como antes, um sorrisinho sarcástico se formou em seus lábios.

-Você sabe, Samantha.

O sinal tocou e os alunos saíram apressados da sala. Fiquei observando as costas de Collin enquanto ele caminhava para fora da sala. Ele era realmente alto, pensei. Mas que negócio foi aquele? Desde quando ele age com esse ar misterioso digno de romances da Anne Rice?

Balancei a cabeça negativamente e me forcei a sair da sala.

A parte estranha do dia foi o almoço. Meg me arrastou para a sua mesa, onde havia mais alguns garotos babando por nós duas, o que foi uma surpresa para mim, e algumas garotas parecidas com ela. A diferença era que elas tinham piercings em todos os lugares visíveis, e agiam de forma extremamente melancólica. Tentei sentar longe delas, se não acabaria eu mesma cortando meus pulsos.

Olhei ao redor. As mesas do refeitório ao ar livre eram, como era de se esperar, separadas em suas respectivas panelinhas. E cada mesa tinha uma marca própria. A das patricinhas metidas a ricas tinha manchas de esmalte que iam de cor de rosa mais claro até o vermelho mais escuro. A dos punks e góticos, que era onde eu estava sentada por ironia do destino, tinha pichações pesadas, que ocasionalmente criticavam um ou dois professores, ou diziam o quanto certa menina era gata. No geral, era tudo muito nojento e me dava vontade de vomitar. Pelo menos eu segui meu próprio conselho e fiquei longe dos lanches. Aquele sonho foi sinistro.

Bastou uma olhada naquelas árvores ao nosso redor para me lembrar do incidente da noite anterior. Aparentemente, as pessoas não estavam comentando muito sobre o que havia acontecido. Fitei intensamente o local onde aquela menina - Cassie, como me informaram - quase havia caído. Se não fosse por Collin, ela poderia até estar morta.

E de volta à Collin.

Mas qual era o problema dele? Pensei que uma vez que estávamos na mesma escola de novo, nós nos falaríamos com mais freqüência. Mas eu nem havia o visto no almoço ainda, e isso me perturbava mais do que aquela pintura. Bom, só um pouco. Não era todo mundo que desenhava um possível... Um... Anjo caído?

Era isso que aquilo era?

-Preciso de uma coca-cola - afirmei de repente. Tinha certeza que um pouco de cafeína me faria bem. Levantei da mesa sem ninguém protestar, e fui direto ao balcão de lanches. Pedi minha coca e agradeci mentalmente assim que o primeiro gole ardeu em minha garganta.

Muito bem. Agora, sentar.

Olhei para a mesa de Meg. Os viciados e góticos eram mais parecidos do que eu pensava. Ah, Meg não fumava e nem cheirava nada. Ela era, de uma forma estranha, uma espécie de santa entre tantos góticos e punks. Todos a idolatravam como se fosse feita de ouro, e ela não parecia se incomodar.

Franzi a testa. Aquilo não era mesa pra mim.

Acabei indo sentar em algum daqueles bancos em baixo das árvores. Estiquei minhas pernas ao longo do banquinho de madeira e encostei a cabeça no tronco da árvore, apreciando o silêncio de olhos fechados.

-Olá, Samantha...

A voz de Logan me fez pular e quase engasgar com a minha coca-cola. Olhei ao redor, mas não vi ninguém.

-O que uma linda menina como você está fazendo em um lugar quieto e sem graça como esse?

Dessa vez tive certeza de que a voz vinha de cima. Olhei para os galhos altos da árvore e o vi casualmente deitado em um deles. Logan parecia muito à vontade ali em cima, e um dos braços estava balançando fora do galho, meio esticado na minha direção. Ele me chamou com a mão.

Revirei os olhos e fiquei de pé no banco. Apoiei meus braços e cotovelos em uma base plana de um dos galhos e o encarei sombriamente.

-O que está fazendo aí em cima? - perguntei.

-Apreciando a vista aí de baixo - ele sorriu maliciosamente e me fez corar. Percebi com um sobressalto que estava falando de mim. - E o que você faz aqui sozinha?

-Eu queria... - hesitei. Logan se sentou no tronco e foi escorregando até parar na beira do galho. Ele pulou e aterrissou suavemente no banco ao meu lado. Nossos corpos ficaram subitamente próximos. Então ele apoiou um dos braços no tronco da árvore, e se inclinou para ainda mais perto de mim.

-Sim? - pressionou.

O que eu queria mesmo? Seus olhos me fitavam intensamente, como se quisessem extrair algo no fundo da minha consciência, e eu não pude deixar de pensar que já os havia visto antes. Mas agora eu não pensava em nada que não fosse a proximidade entre nós, apenas uma fina camada de ar nos separando, e sua cabeça inclinada na minha direção...

Precisei me apoiar em um dos galhos mais baixos para não cair. Mas acabei agarrando um fraco, e ele se partiu em minhas mãos, me fazendo perder o equilíbrio. Então meu corpo estava caindo, e meus pés escorregaram no banco meio molhado pela chuva de ontem, e não havia nada em que segurar.

Mas então as mãos de Logan, como ontem, se fecharam na minha cintura. De repente eu estava de volta, segura nos braços dele. Agora não havia distância entre nós; estávamos colados um no outro, tanto que pude sentir o cheiro do seu perfume doce. Ah, meu fraco eram homens cheirosos. Pronto, eu estava perdida.

Mas a expressão em seu rosto era de pura dor. Como se eu o lembrasse de algo horrível. Ele me apertou mais por um momento antes de me soltar completamente e se abaixar para sentar no banco.         Fiz o mesmo, um pouco mais devagar, e atordoada com o súbito frio que subiu pela minha espinha.

-Por que sempre que estou prestes a cair, você me pega? - perguntei de repente, assustada com minhas próprias palavras.

Ele soltou um riso fraco que não tinha humor algum. Olhou para mim e me encarou por um bom tempo antes de responder.

-Eu nunca deixaria você cair, Samantha.

Senti meu rosto esquentar. Desviei os olhos para uma flor mínima que estava brotando no chão. Era branca e devia ter o tamanho da unha do meu mindinho.

-Onde você esteve o dia inteiro? - perguntei tentando loucamente mudar de assunto. - Matou aula?

-Estava me recuperando de uma briga - Logan respondeu calmamente, como se não fosse nada. Olhei para ele alarmada e em busca de sinais de briga. Ele apontou para seu olho. De fato, estava meio fundo e arroxeado em volta.         Senti uma vontade irracional de tocar a pele machucada.

-Por favor, não me diga que brigou com...

-Collin? - ele completou. - É. Ele mesmo.

Suspirei e não resisti. Estiquei uma mão e toquei em seu rosto. Sua pele era tão macia que me fez ter vontade de envolver seu rosto inteiro com as duas mãos, e me aproximar de seu rosto, e tocar seus lábios macios com os meus...

-Sam? - ele me despertou.         Ok, eu tinha que parar de fazer isso.

-Por que vocês se odeiam afinal? - perguntei de repente irritada. - Meg me disse que vocês brigam desde que ele colocou os pés aqui.

-De fato - ele concordou. - Mas Meg devia simplesmente manter a boca fechada para certos assuntos particulares... - seus olhos se estreitaram ligeiramente.

-Eu a fiz me contar - tentei defender Meg, pois sabia que ela morria de medo dele. O motivo era desconhecido, mas mesmo assim. - Bom, de qualquer forma... Porque vocês se odeiam?

Ele deu um meio sorriso debochado.

-Esta é uma ótima pergunta, srta. Sparks. Eu ficaria feliz em respondê-la... - ele olhou para frente. - Se Collin não estivesse vindo aqui agora mesmo, pronto para brigar novamente comigo, se assim eu quiser.

Olhei alarmada na mesma direção que ele, e realmente, Collin estava quase chegando até nós. Irracionalmente, tive vontade de me esconder, como se tivesse sido pega fazendo algo que não devia.

-Logan... - comecei, mas ele já havia se levantado. - Não brigue com ele de novo, por favor!

-Receio que não há nada que você possa fazer para me impedir - ele respondeu sem olhar para mim, e em uma voz calma e controlada. Começou a andar na direção de Collin, mas eu levantei e tentei o puxar de volta. Minhas mãos escorregaram pelo seu braço, e quando me dei conta, eu estava segurando sua mão.

Ele parou como se tivesse levado um choque. Olhou para nossas mãos entrelaçadas com espanto. Quase senti vergonha por tanta ousadia, mas não sabia outro jeito de fazê-lo parar. Aquele olho meio roxo me causava uma sensação ruim, e eu não queria vê-lo machucado de novo.

-Logan... - pedi novamente, dessa vez mais baixo. Nossos olhos se encontraram. Por um momento eu pude jurar que ele lia meus pensamentos, e eu pude ler os seus.

Não. Ele não ia brigar novamente.

-Eu disse... - Collin nos separou e nos deixou bem longe um do outro. - Para ficar longe dela.

-Collin! - o repreendi, mas os dois me ignoraram.

-E eu cumpri minha palavra - Logan disse solene. - Mas ela veio até mim - completou orgulhoso.

-Existem regras, L. Você tem que cumpri-las - Collin tentava ser paciente, mas seus punhos tremiam.

-Ou o quê? - Logan tinha um brilho divertido nos olhos.

Collin trincou o maxilar. Eu estava prestes a me colocar entre os dois para impedir a inevitável luta que viria a seguir, mas naquele momento, por mais que tenha vergonha de admitir, eu tive medo. Os dois estavam muito diferentes de tudo que eu já havia visto. Collin não era o mesmo; ele parecia estar com uma fúria assassina. Logan havia cruzado os braços, provavelmente para seus punhos não voarem no rosto de Collin contra a sua vontade. Mais uma palavra e os dois se matariam.

-Do que vocês estão falando? - perguntei para distraí-los.

-Não é da sua conta - eles responderam ao mesmo tempo.         Ok, eu fiquei oficialmente indignada.

-Como assim, não é da minha conta? Desde quando você decide quem pode ou não ficar perto de mim?! - empurrei o braço de Collin, mas foi como empurrar uma parede. Totalmente inútil. - Agora parem de brigar; estão parecendo duas crianças se enfrentando.

Tentei não soar assustada, que era como eu estava. Collin olhou para mim por uma fração de segundo antes de se voltar para Logan.

-Outra hora - sussurrou.         Logan assentiu concordando.

Algo se agitou dentro de mim. De repente, minha curiosidade foi maior que meu medo, e eu fiquei furiosa por eles estarem escondendo coisas de mim.

-Quer dizer que quando não há motivo algum para brigar, vocês se odeiam como cão e gato, mas quando é para guardar segredos de mim...

-Você não entende, Sam - Collin parecia cansado. - Algumas coisas... são complicadas demais para...

-O que ele quer dizer - Logan interrompeu. - É que sim, estamos escondendo um segredo, e não, não podemos lhe contar, porque... - ele deu de ombros e deu um de seus sorrisinhos sarcásticos. - Ora, isso cortaria todo o suspense.

Apertei os olhos. Senti uma vontade incontrolável de bater nele, ou será que foi de beijá-lo? Ah, não importa. Quem ele pensava que era para falar daquele jeito comigo?

-É melhor ir embora - Collin interromepeu meu acesso de raiva. - Antes que faça algo de que se arrependa depois.

Olhei para ele igualmente chocada. Os dois estavam me expulsando de lá? Não eram eles que estavam quase se matando dois minutos atrás?

-Vocês estão me dando nos nervos - murmurei.         Logan lentamente sorriu.

-Você fica linda com raiva - disse com uma voz debochada.

-Cale a boca! - exclamei.

-Faça eu me calar - ele me provocou chegando mais perto.

O punho de Collin veio aparentemente do nada, e acertou Logan bem no queixo. Ele foi arremessado para trás e caiu sentado no banco onde estávamos antes. Sua boca sangrava, mas ele não parecia estar com dor. Parecia apenas furioso.

-Agora eu vou matar você - ele sussurrou com um brilho perverso nos olhos. Se levantou e começou a andar na nossa direção. Comecei a considerar duas opções: sair correndo ou impedi-los de brigar. Quando estava quase cedendo à primeira opção, outra voz interveio.

-Rapazes - Beatrice disse. Ela apareceu de repente ao meu lado e se colocou entre os dois. Quase magicamente, os dois pararam e se afastaram um do outro. - Não é permitido brigar em propriedade escolar.

Beatrice falava com calma, como qualquer inspetora falaria com os alunos de uma escola, mas Logan e Collin entenderam aquilo como se houvesse outro aviso por trás das palavras. Eles se encararam com raiva por um momento, até que Logan respirou fundo, controlando sua raiva, e ajeitou a jaqueta. Depois ele se afastou e logo desapareceu de vista.

-Collin - Beatrice continuou. - Pode me dizer o que foi aquilo?

-Ele não quer cooperar - ele respondeu carrancudo. - Não é culpa minha.

-Bom, então não o estimule - ela respondeu cansada. Então olhou para mim com desinteresse e suspirou. - Srta. Sparks. Não devia estar na aula?

Foi como um choque. Minhas pernas automaticamente se mexeram e me forçaram a ir para longe. Eu estava meio entorpecida. Como Beatrice dissera, o que foi aquilo? De repente a fúria que eu estava sentindo começava a se esvair. Não entendia porque eu ficara irritada tão de repente. E na velocidade que eu ia recuperando minha consciência, eu começava a perceber o que devia fazer.

Eu estava quase chegando ao prédio das aulas quando dei meia volta. Tentei entrar um pouco na mata para não ser vista, e voltei sorrateiramente até onde Beatrice e Collin estavam conversando. Cheguei até a parte de trás da árvore e tentei escalar seu tronco. Não foi uma tarefa fácil, mas consegui chegar quase até o topo, e me empoleirei em um dos galhos grossos para escutar a conversa dos dois.

-Você sabe que ele poderia acabar com você em instantes - era a voz baixa de Beatrice. Ela ainda parecia cansada, como se já tivesse explicado aquilo muitas e muitas vezes.

-Não posso deixar que ele se aproxime mais - Collin falava apressadamente. - Corremos o risco de começar toda a guerra de novo!

Epa. Guerra?

-Ninguém vai começar uma guerra se vocês simplesmente pararem de brigar! - agora ela estava estressada. - Francamente, foi assim desde o início! Se quer proteger a garota, faça isso longe dele.

-Não posso - Collin sussurrou quase rápido demais para eu entender.

-O quê?

-Nós fizemos um trato, eu e ele. Ainda não sei porque ele voltou, e ele não sabe que eu sou... - ele disse algo mais baixo, algo que eu não entendi. - Então ele vai ficar longe dela, desde que eu também fique, e não interfira nos seus planos.

-E quais são os planos dele?

-Eu não sei! Esse é o problema.

Acho que foi mais ou menos nessa hora que eu percebi que meu coração estava acelerado, e que eu estava me agarrando ao tronco da árvore como se fosse a última coisa sólida do mundo. Minhas mãos começaram a se machucar de verdade. Vi algum pontos vermelhos nas palmas.

-Não posso protegê-la se não souber o que ele quer - Collin continuou.

-Faça apenas o que veio fazer - Beatrice ordenou, e agora até eu senti medo do seu tom de voz. - E deixe que nós cuidemos dele.

Não conseguia vê-los de onde eu estava, mas tive quase certeza que Collin assentiu nessa hora. Eles ficaram em silêncio por um momento, e eu imaginei que já tinham ido embora. Mas então ouvi um suspiro exasperado que devia ser de Collin.

-Ele está invocando as Sombras - ele sussurrou com desgosto.

-Não é um bom sinal - Beatrice concordou. - Vamos esperar e...

Um galho quebrou. E eles provavelmente ouviram.

Ah, meu Deus, eu vou cair. E vou me machucar pra caramba. E eles vão saber que eu estava ouvindo. Não posso cair, não posso cair, não posso cair!

Eu prendi a respiração e esperei. Esperei que Collin ou Beatrice perguntassem quem estava ali em cima da árvore, os espionando. Esperei que um deles me descobrisse e me desse uma bronca, ou coisa pior. Esperei que o galho terminasse de quebrar e eu caísse de cara no chão. Mas nada disso aconteceu.

O que aconteceu foi que nós - Collin, Beatrice e eu - ouvimos um tiro. Não aqueles barulhos ridículos que armas de brinquedo fazem para simular um tiro de verdade, e nem o barulho de uma arma de paintball jogando tinta na nossa cara. Foi um tiro de verdade, de uma arma de verdade.

Eu não precisei olhar para saber que Collin e Beatrice estavam correndo. Ouvi seus passos apressados na grama, se afastando com o tempo. E então, quando não podia ouvir mais nada, o galho resolveu se quebrar totalmente. Eu sufoquei um grito e tentei cair de pé. Sem sucesso. Mas felizmente não quebrei nada, apenas me sujei muito e machuquei meus cotovelos. Mas não importava. Comecei a correr na direção do tiro com as idéias mais loucas rodando na minha mente. Um assalto? Não; não nessa escola. Terroristas? Fala sério. Acerto de contas? É possível. Outro tiro soou ao longe, e eu me encolhi.

Mas não era nada disso.

Cheguei ao prédio dos meninos segundos depois de Beatrice e Collin. Eles não perceberam meu estado de quem tinha passado algum tempo em cima de um árvore. Estavam mais preocupados em chegar ao quarto de onde vinham os tiros. Havia muita gente aparecendo nas portas dos quartos e gritando, chorando, perguntando o que estava acontecendo. Quando conseguimos chegar ao quarto dos tiros, vimos uma cena que eu nunca vou esquecer.

Uma cena que eu já havia visto em um sonho muito, muito antigo.

Era o quarto de Joshua, o irmão da Meg. Ele estava encolhido em um canto, com a cabeça enfiada entre os joelhos, e tremendo de medo. Na sua frente, por mais incrível que isso possa parecer, havia uma arma. Ian com certeza saberia o nome dela, mas isso não era importante. Mas a arma não estava jogada no chão, nem nada disso. Ela estava suspensa no ar, como se uma mão invisível a segurasse. Mas a mão não era completamente invisível. Parecia alguma coisa esvoaçante, negra e sombria. Algo como...

-Uma sombra - murmurei perplexa. - Ah, meu Deus...

Assim que terminei de falar, a sombra desapareceu e a arma caiu no chão com um baque desagradável que fez Joshua se encolher ainda mais. Collin imediatamente invadiu o quarto e pegou a arma.         Ele não perguntou o que aconteceu. Não disse uma palavra. Apenas tirou a arma de onde ela estava e a guardou no cós da calça.

-Você está machucado? - perguntou para Joshua.         Ele balançou a cabeça freneticamente. Depois levantou o rosto para nos olhar. Seus olhos estavam arregalados e vermelhos, e seus lábios tremiam.

-E-eu... juro... - ele gaguejou. - A a-arma... n-não era minha!

-Eu sei - Collin suspirou. - Beatrice, leve-o para a enfermaria.

Ela já estava levantando Joshua e o tirando do quarto. Ouvi sua voz pelo corredor, mandando vários alunos voltarem a seus quartos e cuidarem das suas vidas. Eu me aproximei cautelosamente de Collin e estudei seu rosto. Parecia distante e pensativo. Ele provavelmente nem havia se dado conta da minha presença.

-Collin? - murmurei hesitante.         Foi como se o tirasse de um sonho. Ele olhou rapidamente para mim e pareceu lembrar que eu existia.

-Não devia estar aqui, Sam - disse de repente com medo.

-O que aconteceu aqui? - perguntei.

Ele suspirou e sentou na cama de Joshua, apoiando a cabeça nas mãos. Parecia verdadeiramente cansado. E divinamente lindo.

-Existem coisas que você não pode saber - sussurrou. - Por favor, tente entender.

Sua voz indicava o que ele mesmo não queria dizer: eu precisava entender e não me intrometer. Mas eu era teimosa demais para isso. Fui até ele e me sentei ao seu lado.

-Você está bem? - perguntei preocupada. Seu rosto estava estranhamente pálido, e percebi que ele se concentrava em algo.

-Pode me fazer um favor? - ele perguntou de repente. Quase por instinto, assenti, mas me arrependi logo depois por concordar automaticamente em fazer algo que eu nem sabia o que era.

-Ah... depende - me corrigi logo depois.

-Não é nada demais - ele me assegurou. - Só segure minha mão.

-O quê?

Ele pegou minha mão e a apertou. Fechou os olhos novamente e respirou fundo. Não entendia o que estava fazendo, mas comecei a sentir uma coisa estranha. Uma coisa boa. Imaginei a sensação de estar flutuando em um lago de água fria em pleno verão. Ou de estar deitada na frente da lareira lendo um livro no inverno. Eu estava sentindo algo parecido. Fechei meus próprios olhos e vi, na minha própria mente, uma luz branca imaculada iluminar meus pensamentos e o ambiente ao meu redor. E essa luz - por favor, não pense que sou louca - vinha de Collin.

E de repente outra coisa se tornou evidente. As mãos de Collin segurando as minhas, quentes e macias, e a proximidade entre nós. Abri meus olhos e encontrei os seus - azuis, diferentes, mas ainda lindos. Collin estava tão perto que algo começou a se agitar dentro de mim. Meu coração de repente ganhou vontade própria, assim como meu corpo, e eu percebi que estava me aproximando dele. Me aproximando dos seus lábios perfeitos, dos seus olhos perfeitos...

Posso estar louca, mas eu vou beijá-lo.

-O que aconteceu aqui? - era Logan. Meu coração reagiu a sua voz, como se já a conhecesse a minha vida inteira. Automaticamente me virei para olhá-lo. Estava apoiado na porta aberta, com os braços cruzados, sua usual posição. Mas agora me olhava com raiva, como se soubesse o que eu pretendia fazer.

-Ótimo - murmurei com a intenção de soar irônica. - Vai acontecer tudo de novo.

-Estou interrompendo alguma coisa? - ele perguntou asperamente.

-Não - Collin respondeu curto e grosso, levantando da cama. - Saia daqui.

-Por que eu deveria? - Logan estava furioso. - Para deixá-los a sós?

-Você não sabe o que está dizendo, L.

-É, acho que não sei mesmo - ele se aproximou e me olhou. Seus olhos negros me fizeram querer morrer. - Vocês estão cometendo um grande erro.

-Do que está falando? - perguntei igualmente furiosa. Levantei e me aproximei dele.

É, Logan causava esse efeito em mim. Se não estava me deixando deslumbrada, estava me fazendo ter ódio de tudo.

-Vocês vão ver - ele murmurou agora a centímetros de mim. Depois se voltou para Collin e fez algo com as mãos, acertou algum ponto do corpo dele, não sei o que foi. Mas no próximo segundo Collin estava caindo, inconsciente, no chão. Eu gritei e tentei segurá-lo, mas seu corpo pesava muito para mim.

-Seu... - pensei em algum palavrão a altura de Logan, mas estava furiosa demais para me dar ao trabalho de concluir a frase.

-Ah, ele mereceu - Logan respondeu teimoso.

-Não; você é que merece... - hesitei.

-O quê? - ele pressionou. - Morrer? É isso que eu mereço, Samantha?

-É! - gritei sem pensar. Apenas o som da sua voz estava me deixando louca de raiva.

Logan recuou como se tivesse levado um soco. Parecia verdadeiramente surpreso, como se esperasse ouvir tudo de mim, menos aquilo. E então pareceu ficar magoado, e meu coração ficou partido. Por fim, voltou a colocar sua máscara fria e calculada.

-Vai se arrepender de ter dito isso - sussurrou quase para si mesmo.

Então ele correu e pulou a janela.


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Notas finais do capítulo

Ok, o próximo capítulo é tão longo quanto esse. Espero que tenham gostado. Mandem reviews! Beijos ;*



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