A Virgínia's Black Hole pareceu melhor com Meg me guiando pelas escadas até o pátio da escola. Ela se entendia com todo mundo, e sabia exatamente quem merecia ir se ferrar ou se cuidar. Explicou que depois de um tempo a gente se acostuma com os riquinhos revoltados de lá. 

-Há quanto você estuda aqui? - perguntei de repente.

-Ah, desde que meus pais desistiram de mim - ela sorriu, mostrando que não se arrependia nem um pouco do que quer que tenha feito. 

-E tem amigos? 

Meg deu de ombros. Ela havia colocado um casaco preto para não parecer seminua em plena tarde de inverno. 

-Defina amigos - disse sorrindo. 

Entendi e me calei. A segui até o que parecia ser o ponto de encontro dos alunos. Uma lanchonete ao ar livre com mesas de piquenique e bancos de madeira em baixo de árvores. Em um desses bancos estavam sentados alguns garotos, como Meg dissera: “riquinhos revoltados”, e em outro havia garotas usando mini-saias jeans e blusinhas transparentes. Ridículo. Os garotos as fitavam como se fossem as únicas garrafas de água do deserto.  Eu me senti meio desconfortável usando meus jeans velhos e minha jaqueta de couro preta.

-Devia ter trocado de roupa - sussurrei desapontada.

-Ah, deixa disso! Os garotos gostam de garotas que parecem motoqueiras duronas - Meg riu e sua risada me lembrou filmes de terror antigos. Mas não me deixou assustada; pelo contrário. Fez eu me sentir melhor.

-Isso se aplica a mim? - perguntei fingindo estar ofendida.

-Não - ela pensou. - A nós duas.

Em vez de ir direto para a roda das meninas, Meg me fez segui-la até um banco vazio meio afastado de todos. Eu me sentei lá, e esperei que ela fizesse o mesmo, mas apenas se apoiou na árvore, esperando.

-O que estamos fazendo? - perguntei confusa.

-Espere e verá - ela instruiu. - Apenas pareça nova e ingênua. 

Nova e ingênua? Com quem ela pensa que está falando?

Mas deu certo. De alguma forma, depois de alguns segundos, todos no nosso campo de visão pareceram se virar e nos olhar. Então alguns garotos vieram falar conosco. Meg me apresentou à eles vagamente, como se fosse algo sem importância, o que só os deixou mais curiosos. Algumas meninas também ficaram incomodadas com a atenção que estávamos atraindo, e se reuniram para saber do que se tratava.

-Olá - um garoto meio baixinho de óculos me cumprimentou. - Sou o Joshua.

Sorri me divertindo. Se Virgínia's Black Hole tinha nerds, ele era o líder deles. 

-Samantha Sparks - disse a ele. - Pode me chamar de Sam.

-Qual é, Joshua - Meg reclamou. - Cai fora!

Comecei a defendê-lo, mas Joshua me surpreendeu ao apertar os olhos para Meg e responder.

-Cai fora você, irmãzinha. A Sam obviamente está sendo ofuscada pelo seu mau humor. 

Foi a maior surpresa do dia.

-Vocês são irmãos?! - perguntei quase histérica. Os dois suspiraram.

-Infelizmente - disseram juntos. 

Mas examinando Joshua com mais atenção, percebi as semelhanças que compartilhava com Meg. Tinha o mesmo cabelo preto e liso, e os mesmos olhos cinza. Seria até bonitinho, se não fosse todo magro e baixo. Quer dizer, baixo para qualquer outro. Mas todo mundo era mais alto que eu. Ele tinha um certo ar de "sou mais esperto que você; saia da minha aba", mas fora isso, parecia legal.

-Megan... - ouvimos uma voz sedutora vindo de trás e nos viramos. Meg, para a minha surpresa, ficou rígida como uma pedra. Seus olhos pareceram congelar na pessoa que a havia chamado. Ela abriu a boca um pouco, como se tivesse que dizer alguma coisa, mas não soubesse o quê.

-Lo... Logan - ela gaguejou em voz baixa. Foi a primeira vez, nos trinta minutos que a conhecia, que eu a via admirada.

Não. Não era isso. 

Ela estava com medo. 

-Não vai me apresentar sua amiguinha? - o garoto perguntou.

Mas o que estou dizendo? Ele não era um garoto. Garotos eram bobos, engraçados, sensíveis e radiantes. Aquele cara era completamente o oposto. Ele era sério; parecia frio e distante, e a única coisa que irradiava luz eram seus olhos, ironicamente negros como a noite. Era alto, muito mais alto do que eu, e magro e musculoso. Seu rosto tinha uma expressão sarcástica, que consistia em uma sobrancelha elegante arqueada e um meio sorriso nos lábios cheios e perfeitos - quase esculpidos. O cabelo preto e liso caía um pouco nos olhos, em contraste com a pele branca, e ia até um pouco acima dos ombros. 

-Sam, Logan, Logan, Sam - Meg sussurrou inexpressiva. Logan me fitou com interesse. Algo nos seus olhos mudou. Ele assentiu na minha direção, mas sua mente parecia estar a quilômetros de distância. 

-Olá, Sam - disse educadamente. 

Era impressão minha ou eu o conhecia? Será que ele já havia estudado comigo? Logan... Não, não conhecia nenhum Logan. Mas onde eu já havia visto aqueles olhos? Acho que eu me lembraria daquele olhar que fez o sangue subir até meu rosto, e meu coração quase parar de bater.

-Oi, Logan - eu respondi tentando ser natural. Mas senti minhas pernas tremerem. 

-É seu primeiro dia, não é? - ele perguntou se aproximando perigosamente de mim. Ultrapassou Meg, que parecia contrariada, e um Joshua desconfiado. Ele obviamente não gostava de Logan.

-É - respondi. - Como sabe?

-Ah, a gente sempre reconhece um novato pelo sorriso no rosto - ele aumentou o sorriso. - Não vimos muito isso por aqui.

Engoli em seco. Ele percebeu e riu. Caramba, até a sua risada me era familiar, e me fazia ter vontade de rir também.

-Estou brincando - ele esticou o braço e tocou de leve no meu ombro. Senti um choque de reconhecimento passar pelo meu corpo inteiro, e aposto minha vida que ele também sentiu, pela expressão em seus olhos. Mas não retirou a mão, e nem alterou a expressão. - Posso lhe pagar um café? Está tão frio, não acha?

Eu podia sentir o calor da sua mão através da jaqueta, e aquilo me perturbava muito.

-Não bebo café - respondi automaticamente, sem ouvir minhas próprias palavras.

-Que tal um chocolate quente? - Logan insistiu.

-Ah... - hesitei. Seu olhar era tão intenso que não me deixava pensar. - Acho que tudo bem...

Mal terminei minha frase, e senti um puxão violento no ombro. Alguém me fez virar de costas para Logan e me deixou furiosa por ter interrompido a nossa conversa. Logo quando eu pretendia perguntar a ele se já nos conhecíamos antes...

...Foi quando Collin, ninguém mais, ninguém menos, apareceu na minha frente segurando meu ombro.

-Pequena Sam! - ele sorria. 

-Collin! - exclamei animada e joguei meus braços ao seu redor. Ele me segurou pela cintura e me ergueu no ar, me sufocando com seu abraço. - Ah, eu estou tão feliz que esteja aqui!

-Eu também! - Collin me soltou e analisou meu rosto. - Tentei ligar para você ontem, mas não atendia ao telefone. 

Fiz uma careta.

-É... eu não estava a fim de falar com ninguém ontem... - sussurrei constrangida.

-Eu entendo - Collin tirou uma mecha de cabelo do meu rosto e continuou com a mão ali. - Você está bem? 

Mordi o lábio e assenti, sem vontade de dizer nada sobre nada. Nada sobre a morte de Ian, nem sobre meu exílio naquele internato, nem sobre meus sonhos paranormais e sobre o garoto que eu parecia conhecer.

Falando em Logan...

-Com licença - ele disse de repente ao meu lado. - Você me interrompeu quando eu estava convidando esta linda garota para tomar alguma coisa. 

-Ah, sinto muito - Collin fingiu estar envergonhado. - Mas já que já interrompi; Sam, você quer tomar um chocolate quente comigo?

Tentei reprimir um riso. Logan obviamente não estava achando graça nenhuma, mas deu um meio sorriso diabólico.

-Está me provocando, garoto? - perguntou com um sorriso debochado. 

-Garoto? Tenho a mesma idade que você, se não se lembra - Collin rebateu agora sem sorrir. 

-É. E as semelhanças acabam aí - Logan disse solenemente.

-Graças a Deus - Collin sussurrou. 

-E ainda diz que não me provoca... - Logan apertou os olhos.

-Vocês se conhecem? - perguntei me intrometendo.

-Não - os dois responderam ao mesmo tempo.

-Ah, com certeza não - eu disse reprovando a reação dos dois. - Olha, eu preciso subir e desfazer minhas malas antes que perca a coragem. Então... - me virei para Logan. - Fica para outra hora? 

Ele sorriu como um vencedor. 

-Quando quiser - fez uma pequena mesura como se fosse um cavalheiro antigo e piscou para mim antes de se afastar. Percebi pela primeira vez que estava vestido todo de preto. Botas pretas, jeans escuros e jaqueta de couro preta. E também percebi no momento em que ele se virou que usava algo no pescoço que reluziu na luz. Uma corrente prata, com um pingente em formato de meia lua. 

-Cara esquisito, não é? - Collin perguntou rindo. 

Relutante, tirei meus olhos de Logan e me voltei para ele.

-O que diabos você está fazendo aqui?! - perguntei me controlando para não lhe dar um belo tapa. - E por que não me avisou que também ia estudar aqui?

-Calma, baixinha - ele levantou as mãos em sinal de inocência. - Eu não sabia... Até ontem. É, meus tios são meio maluquinhos, você sabe. Eles chegaram para mim e mandaram: "Collin, você está mal nos estudos. Vamos te transferir para um internato". E eu fiquei tipo "tudo bem, essa nem foi a surpresa do ano".

Eu ri. Gargalhei como há muito tempo não fazia. Só Collin poderia me tirar daquela tristeza que sentia quando lembrava o motivo de ter ido parar ali. Senti que estava mais feliz ali do que quando estava em casa.  Mas havia algo estranho nele. Procurei na minha cabeça o que poderia ter mudado, mas meus pensamentos foram interrompidos. 

-Olá, senhor Novato Gatinho - Meg apareceu e se apoiou no meu ombro. Ela estava de volta.

-Meg! - a repreendi. Mas ela não ligou. Tinha um sorriso malicioso nos lábios vermelhos, e fitava Collin com determinação.

-Oi, Meg - ele respondeu meio sem graça.

-É impressão minha ou você já conhece minha nova colega de quarto? - ela perguntou inocentemente. - Sabe, seria tão legal se você aparecesse qualquer dia desses lá no nosso dormitório para nós três...

-Tudo bem, já chega - a interrompi antes que saísse algo que Collin não gostasse. Sabe, ele era assim. Muito centrado e educado, e se contorcia ao menor palavrão. Eu vivia controlando minhas palavras quando estava conversando com ele; acredite, não é uma tarefa fácil. 

-Eu ia dizer jogarmos alguma coisa - Meg retrucou fingindo estar ofendida. - Samantha, que tipo de pessoa acha que eu sou? - perguntou arqueando uma sobrancelha maliciosamente para mim.

-O melhor tipo - respondi sarcasticamente. - Agora eu tenho que ir. Vejo vocês mais tarde... - olhei para o céu. As nuvens o deixavam da cor dos meus olhos; um tom escuro de cinza. - Ou talvez amanhã. 

Collin sorriu e me abraçou mais uma vez.

-Não me deixe sozinho com ela - sussurrou no meu ouvido fingindo estar desesperado. Eu ri.

-Você já está bem grandinho - o lembrei. - Pode se cuidar.

Ele me soltou. Acenei para ele e para Meg e segui meu caminho de volta ao prédio das meninas. No caminho, vi que algumas partes do campo já estavam quase escuras demais para se ver alguma coisa. Mas pensei ter visto uma sombra ali na parte mais escura. Algo se mexendo. Apertei os olhos. Sim, definitivamente havia alguma coisa, ou alguém ali. Comecei a caminhar inconscientemente na direção daquela sombra, mas em um minuto ela desapareceu, e eu estava totalmente fora do caminho para o prédio. 

-Olá de novo.

Reprimi um grito quando alguém tocou meu ombro. Virei e lá estava Logan, com seus olhos mais escuros que aquela parte sombria da floresta. Sua pele branca estava mais acentuada agora pela escuridão, e ele estava mais lindo do que nunca. 

-Você me assustou - foi tudo que consegui dizer. 

-Ah, desculpe. Eu só pensei que você não deveria voltar ao dormitório sozinha. As garotas daqui são meio... - ele fez uma careta.

-Loucas? Exageradas? Assassinas? - fui dando opções.

-Eu ia dizer invejosas, mas isso também serve - seu sorriso havia voltado. 

Bufei, mostrando que duvidava das suas palavras.

-Acha mesmo que alguém daqui teria inveja de mim? - perguntei cética.

-Acho - Logan respondeu sem hesitar e sem sorrir. Olhei no fundo dos seus olhos. Ele parecia decidido. Arqueei as sobrancelhas e respirei fundo.

-Bom... Obrigada - sussurrei desviando os olhos. - Ah... Então. Uma carona até o dormitório seria uma ótima idéia. 

Andamos de volta na direção do prédio das meninas em silêncio. Logan mantinha uma distância segura de mim, mas eu ainda podia jurar que se eu tirasse as mãos dos bolsos, poderia tocar nas suas. Tentei não olhá-lo muito, mas sempre que vacilava, via seus olhos negros cravados no meu rosto. E ele não parecia envergonhado de ter sido pego me encarando. Apenas continuava andando e me olhando, até que em um ponto não prestei atenção e tropecei em algo. Suas mãos quase automaticamente se estenderam para me segurar, e então eu estava lá, seus braços ao redor da minha cintura, seus olhos em cima dos meus. 

Não pude deixar de pensar que aquilo já havia acontecido antes. Eu já havia estado naquele lugar, nos seus braços, uma vez. Eu conhecia aquela sensação, e conhecia aqueles olhos. 

-Eu conheço você? - sussurrei antes que pudesse me impedir. - Já o vi antes?

Logan quebrou sua máscara de serenidade e mistério e ficou vulnerável. Franziu a testa como se estivesse com dor de cabeça e respirou fundo, aproximando seu rosto perigosamente do meu, até que eu parei de respirar e seus olhos eram tudo que eu podia ver. Logo o sorrisinho estava de volta, e parecia carregado de algo indecifrável. 

-Não nesta vida.