Entre Fogo e asas escrita por ACunha


Capítulo 19
De Volta Para Casa


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo T.T Mas não se preocupem, vou tentar escrever a continuação o mais rápido possível. Por enquanto, espero que aproveitem :)



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Sei que parece completamente inadequado, depois de tudo que havíamos presenciado, mas implorei a Collin para que fôssemos à casa dos meus pais. Ele não discutiu. Voltar para Myrtle Beach agora, ainda mais com todas aquelas Gárgulas e Sombras ainda soltas, não seria a melhor ideia. Quando estacionamos no meio fio, na frente da minha casa, e o carro de Ian estalou ligeiramente, eu desmoronei.  

Ian, seu idiota! Por que teve que morrer?! Isso é tão típico de você, sempre precisa chamar atenção, não consegue passar um único segundo sem perturbar a minha vida! E, agora que eu preciso de você, você morre! Seu cego, loiro idiota! Não conseguia manter essa lata velha um único dia com gasolina! Idiota, idiota, idiota!

Eu não estava em condições de pensar em outra coisa. Nem fazer outra coisa além de chorar. Collin nos levou até a varanda, e bateu na porta de casa. Meus pais nos receberam assustados com meu choro descontrolado, e eu os abracei como se não os visse há cinquenta anos.  Porque, é sério, poucas garotas de dezesseis anos aguentariam o que eu aguentei nesses últimos meses. Afinal, ninguém é de ferro.

Mamãe preparou um chocolate bem quente e bem doce para mim, e Collin quis apenas um café. Eu me isolei no meu antigo quarto, e abracei meu antigo travesseiro com força, odiando Ian, Logan, Megan e, mesmo sem motivo, até Collin. Porque o amor só machuca. Só me machuca. É inevitável; se você ama alguém, ou alguma coisa, cedo ou tarde você vai sofrer por isso. 

Minhas lágrimas me levaram à sonolência. E, durante a noite inteira, caí no sono mais profundo e sem sonhos que tive em toda a minha vida. 

Quando acordei, já era de manhã, e Collin ainda estava lá. Ele bagunçava meu cabelo, distraído, e quando me viu acordada, deu um meio sorriso.

-Até que enfim - sussurrou.

-Que horas são? - perguntei rouca. Meus olhos estavam inchados, e eu tinha uma dor de cabeça de matar. Tentei me levantar e quase pude sentir a força da gravidade ficando mais forte, me puxando para baixo.

-Quase onze - Collin respondeu. - Tome. - Ele me passou um comprimido branco, e um copo de água. Engoli os dois e quase revirei os olhos de alívio por beber algo. Minha garganta estava seca. 

-Desculpe por ontem - sussurrei. - Não devia ter chorado tanto. 

-Na sua situação, eu achei até pouco - ele brincou, mas logo se corrigiu. - Quer dizer, não que eu goste de vê-la chorando, mas...

-Eu entendi. - Soltei um suspiro exasperado e deixei minha cabeça desabar no seu ombro. - Collin, o que eu faria sem você? - perguntei sinceramente. 

Ele deu de ombros.

-Pelo menos, sem mim, nada disso teria acontecido nas últimas semanas - respondeu baixinho, e reconheci aquele remorso na sua voz.

-Tem razão. - Levantei o rosto para fixar meus olhos nos seus. - Sem você, eu já teria morrido há muito tempo. Logan não me deixaria em paz se você estivesse longe; pelo contrário, ele só ficaria mais forte, e insistente, e... - fui forçada a me interromper para soltar um bocejo. 

Collin assentiu, mas não sei se acreditou muito nas minhas palavras. 

-Imagino onde esteja Beatrice agora - ele murmurou pensativo.

-Meu Deus - suspirei e fechei os olhos. - Beatrice. O que vai acontecer com ela?

-Quem sabe? Só podemos esperar pelo pior, e... - algo em que ele pensou o fez arregalar os olhos. - Sam?

-Sim?

-Hoje é o dia - ele exclamou apavorado. - É o dia em que eu deveria encontrar Beatrice na praia, para voltarmos para o Céu! 

Franzi a testa.

-Mas Beatrice virou um Anjo Caído - respondi. - Você pode... Voltar sozinho, não pode? 

-Posso... - sua voz foi sumindo, e ele olhou para baixo, envergonhado. - Mas... eu não quero. 

-Sério? - fiquei surpresa. - Lá parece ser tão legal, com todos aqueles anjos... 

-Mas lá não tem você. 

Senti uma vontade louca de me bater. Sinceramente, como eu podia ser tão estúpida? 

-Ah! - deixei escapar. - Ah, é. 

Ficamos em um silêncio constrangedor até que minha mãe apareceu trazendo meu café e perguntando loucamente como o internato havia pegado fogo. Aparentemente, Collin havia modificado um pouco a história, dizendo que ninguém sabia como o incêndio havia começado, mas que tudo fora destruído, mas felizmente a maioria dos alunos conseguira escapar, e etc. E ele também disse que eu estava tão agitada na noite passada porque eu tinha ficado em choque. 

Em choque. Tá bom. 

Então eu e Collin passamos o dia com meus pais. Fomos almoçar fora, e depois passeamos um pouco no parque, como se fôssemos a família mais feliz do mundo. Eu até esbarrei com Kim uma hora; a raiz do seu cabelo negro estava crescendo rapidamente, e ela tinha uma infecção nos olhos, provavelmente por ter ficado sem lugar para comprar as lentes, e ter usado o mesmo par por tempo demais. 

Ainda no parque, vi de longe Jason e Becca fazendo um piquenique em cima de uma toalha xadrez roxa. Apenas Jason me viu, e ficou por um momento surpreso. Então viu Collin ao meu lado, e pode parecer estranho, mas foi como se ele pudesse ver nos meus olhos tudo que havia acontecido desde que eu tinha ido embora. Então assentiu uma vez e deu um daqueles sorrisos que dizem "Ei, eu já fui seu amigo. Bons tempos aqueles, não é?"

Eu sorri de volta e acenei, me despedindo de vez. 

Quando voltamos para casa, aconteceu a maior surpresa da semana. Vovô e vovó estavam lá, sentados no sofá, tomando um café cheiroso. Quase como se fosse Ação de Graças, e tivéssemos nos reunido de novo, como fazemos todos os anos. 

Só que foi mais estranho do que isso, já que há apenas alguns dias eu tinha ficado tão certa de que eles estavam, tipo, perdidos

-Vovô! - exclamei arregalando os olhos. - Vovó! 

-Olá, querida - ela se levantou e me abraçou. Meus pais não pareceram muito felizes com a visita inesperada.

-Não estávamos esperando vocês - papai disse meio desconfortável.

-Pai! - gritei irritada. Se ele soubesse! 

-Vocês estão bem? - Collin perguntou sério.

-Melhor do que nunca, posso confirmar - vovô assentiu. - Posso falar um minuto com você, rapaz? 

Collin olhou uma vez para mim, e então assentiu para meu avô. Eles subiram e foram provavelmente para o meu quarto, me deixando sozinha com o resto da família. Vovó tentou nos convencer a jogar uma partida de baralho com ela, e mamãe recusou até a morte. Eu nem me importei com o que estávamos fazendo, passei a maior parte do tempo pensando no que meu avô poderia estar dizendo à Collin. Algo sobre Logan? Sobre o que eles haviam visto nos dias em que estiveram presos? Ou eles estiveram mesmo presos todo esse tempo, ou...

Antes que eu pudesse pensar mais, alguém bateu à porta. Levantei para abri-la, já que não estava fazendo mais nada, e assim que cheguei perto, senti um calafrio. Aquele calafrio conhecido, de quando algo fora do normal estava prestes a acontecer. Agarrei a maçaneta com força, meus dedos tremendo, já cansada de tanta palhaçada sobrenatural. E abri a porta de uma vez só. 

Não havia ninguém. Olhei ao redor, procurei em todos os cantos escondidos da varanda, mas não tinha ninguém lá. No entanto, em cima do tapete, havia um papel. Uma carta, para ser mais precisa. Era um envelope preto, que peguei com receio e fechei a porta com força. 

Passei pelos meus pais e minha avó jogando caça-palavras e fui até a cozinha. Sentei em um dos bancos de madeira da bancada, me sentindo tensa, e abri o envelope com um rasgo só. A carta também era de papel negro, e com letras escritas com caneta prateada. A letra da pessoa que escreveu era elegante, mas ainda masculina. Era uma carta estranha. Algumas partes estavam mais fortes, como se fossem escritas em negrito, enquanto outros parágrafos eram escritos fracos, quase trêmulos. Como se duas pessoas diferentes escrevessem ao mesmo tempo.

Minha linda Sam, 

Não espero que me perdoe. Na verdade, seu ódio para mim não é nada menos do que racional. Só quero que saiba que, ao devolver seus avós, não estava pensando em uma forma de me redimir. Eu apenas senti que não precisava mais deles, e ainda assim, não queria matá-los. 

Não faria isso com você. 

Como eu disse antes, Sam, o inferno não existe mais. Decifre isso como quiser, mas saiba que, dependendo da forma que entender esta frase, muitas coisas poderão ser descobertas. E cabe a você decidir de qual lado está. 

Não tenho sido eu mesmo ultimamente. Você, e apenas você, pode saber disso. A verdade, minha querida, é que eu estou com medo. Nada disso nunca foi ideia minha. As pessoas interpretam de forma completamente errada meu objetivo, e eu...

Vou vencer, Sam. Ninguém pode contestar minha decisão. A verdade é dura, mas é apenas a mais racional: eu vou vencer. Não tente ser a heroína desta vez; na próxima batalha, Collin não estará do seu lado. 

Aliás, como está ele? Seu anjo da guarda perfeito, que agora está perdidamente apaixonado por você? Será realmente muito interessante quando ele cair, e virar um demônio. Este dia não está tão longe, não é mesmo? Quem vai protegê-la agora? 

Para sempre seu, mas nunca arrependido,

Logan. 

PS: sempre vou amar você. Minha Sam, minha Selena. Sempre. 

Sem dúvida, a carta mais esquisita que já existira. 

Rasguei em pedacinhos e joguei no lixo, com raiva de Logan. Nunca havia percebido antes, mas ele era realmente muito bipolar. Não me importei com as suas palavras. Não tinham a menor coerência, de qualquer forma. Voltei à sala e me joguei no sofá, tentando prestar atenção no caça-palavras, sem muito sucesso. 

Mas uma coisa era verdade. 

Collin ia cair. 

Quando vovô e Collin desceram, fiz sinal para que Collin me seguisse até a cozinha. Lá, sem dizer uma palavra, ele bebeu um pouco de água e desabou no mesmo banco onde eu estava sentada antes. 

-Seu avô só queria me fazer algumas perguntas - ele disse.

-Ele se lembra de alguma coisa? - perguntei baixinho. Collin negou com a cabeça.

-Eles só lembram de terem desmaiado no apartamento em Myrtle Beach, e então acordaram aqui em Bluefield. Parece que passaram a maior parte do tempo inconscientes. 

-E o que você disse?

-O que mais eu poderia dizer? - ele deu de ombros desanimado. - Disse que nós quatro tínhamos vindo à noite para cá, e eles dormiram a viajem inteira, e por isso não se lembravam. 

Eu sorri.

-Você mentiu - disse acusadora. 

-Nem me lembre - ele pediu. 

Terminei de rir e suspirei. Olhei pela porta da cozinha para meus pais e meus avós lá na sala, conversando sem animação, entediados. Aquela é a minha família, pensei. E logo depois me arrependi, sentindo um puxão de orelha imaginário.

Eu ainda sou da família, Ian disse na minha cabeça. Eu sorri novamente.

Tem razão. Desculpe

Você tem que protegê-los, Sam. Ian continuou falando comigo. Logan está certo, ele não é ele mesmo. Aquele monstro não vai parar, e não vai poupar nossa família quando tentar capturar você novamente

Fiquei assustada com a clareza com que ouvi a voz dele. Como se estivesse bem ao meu lado. Balancei a cabeça assustada com minha imaginação, e pensei comigo mesma em diversas coisas. Eu sabia o que eu deveria fazer, mas seria a mais difícil das decisões. 

Olhei para Collin por cima do ombro. Ele me observava atentamente. Nos seus olhos, vi a promessa de que ele faria tudo que eu pedisse, e iria comigo a qualquer lugar que eu quisesse. Era só disso que eu precisava. 

-Venha comigo - sussurrei para ele e subi as escadas. Fui até o meu quarto e puxei uma mala de mão cinza que estava no fundo do meu antigo guarda roupa. Puxei algumas roupas ao acaso, juntei algum dinheiro escondido em diversos lugares, sempre sob o olhar curioso de Collin. 

-Pelo amor de Deus, o que você está planejando? - ele perguntou cansado. 

Fechei a mochila e virei para encará-lo. Na mesma hora, lembrei que aquele era o dia em que ele devia voltar para o Céu. E fiquei insegura. Não tinha muito tempo; a qualquer momento Logan poderia voltar à ação. E seria um milagre conseguir passar por qualquer coisa sem Collin. Mas eu seria egoísta a esse ponto? 

-Eu tenho que sair daqui - disse a ele. Abaixei a cabeça. - Não posso colocar minha família em perigo. Se Logan quiser me pegar de novo, ele terá que fazer isso bem longe daqui. 

Collin ficou meio inseguro, mas assentiu lentamente.

-Parece um plano - sussurrou com os olhos na janela. 

-Mas... - abaixei mais ainda meu rosto, morrendo de vergonha. - Bom, eu não estou pedindo nada, até porque você deve voltar para o Céu, e não posso fazer você se tornar um Anjo Caído só porque eu não consigo fazer nada sem você, então... - dei de ombros, percebendo que tinha falado demais. - Quer dizer, acho que poderia me virar por alguns meses... Tenho uma tia na Califórnia, talvez eu pudesse ir pra lá. Só... Bom, você pode tomar conta de mim lá de cima, não pode? Afinal, você fez isso muito bem nos últimos... Sei lá quantos mil anos. 

Collin ficou confuso. Eu também estava. Eu sei que era difícil entender minhas palavras, mas sentia um aperto tão grande no peito por estar dizendo adeus - sem realmente dizer esta palavra - que não podia pensar em nada coerente. Mas Collin, como sempre, me entendeu. E sua expressão desmoronou.

-Você... Está me mandando embora? - perguntou quase triste. 

-Não posso deixar que você caia por minha causa - sussurrei ainda sem olhá-lo. - Logan vai usá-lo, vai tentar matá-lo para atingir os outros anjos, e não posso permitir isso. 

Ele apertou os olhos.

-E como, exatamente, você vai fugir de casa? - perguntou me desafiando.

-Posso me virar - eu disse novamente. 

-Sem mim?

-Fiz isso muito bem nos últimos dezesseis anos - respondi solene. Por dentro, eu me sentia destruída. 

Collin estava machucado, e eu me odiei por isso. Mas logo passaria, não é? Ele ia voltar para casa, ia voltar a ser perfeito, e sempre estaria comigo, mesmo de longe. Tentei me convencer de que isso era o suficiente, pelo bem de nós dois, mas me contorcia de angústia só de pensar em passar um dia sem ele. 

Como eu não disse mais nada, Collin assentiu. Não estava satisfeito, mas não contestaria minha decisão.

-Então... - ele suspirou. - É um adeus.

Ah, não. Pisquei freneticamente para afastar as lágrimas, e olhei para cima, até tentei virar de costas e limpar os olhos discretamente para que ele não visse minha fraqueza. Joguei a mochila no chão e a chutei para baixo da cama, para que meus pais não a vissem.

-Não precisa ser um adeus - eu disse insegura. 

-Uma vez que eu voltar, não poderei vir à Terra novamente - ele disse decidido. - Vai contra todas as regras... 

Pare de falar, por favor, e me abrace de uma vez.

-Nesse caso... - afastei mais algumas lágrimas, fingindo que coçava a bochecha, e funguei. - Hum, acho que estou ficando gripada. - Minha garganta doía muito, e minhas mãos tremiam. 

-Querida - minha mãe gritou do lado de fora do quarto. - Seus avós estão indo embora. 

Funguei mais uma vez e assenti. 

-Já estou indo - gritei de volta. Finalmente, meus olhos pareciam mais normais. Virei para Collin sem realmente olhá-lo e saí do quarto. 

Disse adeus para meus avós uma última vez, e conversei com meus pais. Não disse nada incriminador sobre a fuga que aconteceria de madrugada. Apenas disse que os amava, e mamãe me revelou a novidade.

Ela estava grávida. De dois meses. 

Que surpresa. 

Ela me prometeu que o nome do bebê seria Ian, se fosse menino, e eu dei a sugestão de colocar Selena, se fosse menina. Não me pergunte porque; apenas pareceu adequado. 

Quando voltei para meu quarto, Collin não estava mais lá. Senti vontade de cair no choro de novo, mas me controlei. 

Você fez o certo, Ian me assegurou. E ele também fará.


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Notas finais do capítulo

Não me odeiem até lerem o próximo (e último) capítulo! Quem é Team Logan vai ter que esperar até a continuação para ver ele de novo T.T Enfim, estou adorando os reviews; sério, muito obrigada por terem apoiado a fic durante esse pouco tempo *-*
Tá, menos sentimentalismo. Vamos deixar as despedidas para o próximo capítulo xD
Beijos ;*