Entre Fogo e asas escrita por ACunha


Capítulo 16
Anjos e Seus Planos


Notas iniciais do capítulo

Desse capítulo em diante, é só emoção. Anguenta coração *-* Quem é Team Collin vai AMAR esse, e quem é Team Logan, é só esperar pelo próximo. Enjoy ;*



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Beatrice e seus outros anjos estavam escondidos. Geralmente, a palavra esconderijo me faria pensar em cavernas rochosas na praia, ou em passagens secretas em mansões antigas. Mas, ao invés de tudo isso, o esconderijo perfeito de Beatrice era uma igreja.

Irônico. 

Ela era branca, e grande, e antiga. Senti que ficava mais desconfortável a medida que nos aproximávamos dela, por ter passado tantos anos longe deste lugar religioso, sagrado. Acho que meu lado medieval estava se ativando, pois senti vontade de correr para o outro lado e procurar conforto na razão e na lógica. 

-Não se preocupe - Collin sussurrou, ainda me abraçando, sentindo meu desconforto. - Eles vão gostar de você.

-Se você diz... - suspirei e continuei caminhando. 

A igreja estava vazia. Parecia tão silenciosa quanto um cemitério, e isso me fez ter vários calafrios seguidos. Havia apenas a luz das velas ao redor e no altar, com suas chamas dançantes fazendo sombra nas paredes cheias de imagens. E o teto... Que coisa maravilhosa. Anjos e mais anjos dançavam no teto, com flautas e harpas, e com suas asas brancas que pareciam nuvens. As imagens dos anjos eram representadas por bebês bochechudos, em geral com cabelo dourado e grandes olhos azuis. No altar, haviam estátuas de três principais: Miguel, Gabriel, e Rafael. 

Meu queixo caiu. 

Rafael, o da direita, parecia tanto com Collin que tive que segurar a respiração. Mas usava roupas antigas, tinha asas douradas ao invés de brancas, e segurava objetos que davam a entender que ele estava pescando. Sorri comigo mesma. Lembrei de um único fim de semana em que eu, Ian e Collin tentamos pescar. Foi um desastre; fiquei com botas de lama até os joelhos, e Ian foi picado por tantos mosquitos que ficou vermelho e inchado por uma semana. Mas Collin? Ele pescou nosso almoço e jantar. 

Aquela estátua me fez tremer de medo da verdade. Collin era um anjo, nada podia contestar isso. Aquilo tudo estava mesmo acontecendo.

Meus olhos pousaram na imagem de Gabriel, à direita. Eu não precisava ter conhecido Gabriel na forma humana para saber que ele transmitia uma sensação inevitável de bem-estar e segurança. Parecia o mais pacífico dos três; o único que estava sorrindo. Sorri de volta, sentindo que Gabriel estava ali conosco.

E, por fim, a terceira estátua. Miguel, o vingador. O lutador. O que, aparentemente, expulsou os demônios da Terra. Ele tinha uma expressão gloriosa, de um triunfo conquistado com muita luta e muito suor, e empunhava uma espada dourada apontada para baixo. O que mais chamou minha atenção foi que, em baixo dos seus pés, na estátua, havia um homem. Ele tinha cabelos negros, sua pele estava meio vermelha por causa da luz das velas, e tinha olhos estreitos e escuros. Também tinha uma espada, mas ela estava quebrada, assim como as suas asas negras. Ele estava sendo pisado, literalmente esmagado, por Miguel. E na sua cabeça, um pouco acima da testa, haviam dois pequenos chifres pretos com um brilho meio avermelhado. Engoli em seco. 

-L-logan - afirmei com um murmuro perplexo. Ao meu lado, Collin suspirou pesadamente.

-Nunca conseguiram representá-lo de uma forma mais realista. Mas, do ponto de vista do artista, sim. Este é Logan... Da forma que o mundo o vê.  

Virei de costas e soltei a respiração. Senti uma dor de cabeça terrível, e pensei em sair correndo a toda velocidade, correr até Bluefield, de volta para minha casa, meu quarto, meus pais. Mas apenas afundei nos degraus do altar e segurei minha cabeça com as mãos.

-É demais - sussurrei fechando os olhos. - Desculpe, mas é demais.

-Eu sei - ouvi Collin sussurrar de volta. Sua voz estava desanimada, e percebi que havia o magoado. 

-Não é culpa sua - disse rapidamente. - Nada disso é culpa sua. Não podemos mudar o passado... Ah - respirei fundo.

Collin lentamente caminhou até mim e sentou-se ao meu lado. Ficamos ali, recuperando a sanidade, por um longo tempo. Fiquei extremamente grata por ser Collin, e não outra pessoa, ali comigo. Entendia agora o que eu mesma já havia dito antes: éramos almas gêmeas. Estávamos ligados intensamente um com o outro... E eu não sabia como isso teria efeito em mim. Não sabia se eu tinha algum efeito em Collin. Não sabia se ele pensava naquele beijo, e nem se ele sequer me via como mais do que uma humana frágil, que ele deveria proteger.

E assim eu fiquei ponderando, analisando, rebatendo o mesmo pensamento várias e várias vezes, por infinitos minutos, até que ouvimos passos. A igreja estava em um silêncio mortal, e por isso ouvimos os barulhos com tanta clareza. Não era sapatos de salto, isso eu sabia por experiência própria. Fiquei tentando descobrir de que tipo de calçado se tratava, quando Lilian apareceu na nossa frente.

Collin levantou-se prontamente, e eu fiz o mesmo. Olhou ansioso para Lilian, como se esperasse notícias. Boas ou ruins. Olhei para os pés dela. Eram sapatilhas.

Ela suspirou uma vez, parecendo cansada, e olhou para trás bem na hora em que eu começava a ouvir novos passos. Dessa vez, vindo pelo longo e estreito corredor, era Gabriel o dono do som. Fiquei surpresa, tanto por vê-lo quanto pelo seu estado físico. Estava extremamente pálido, e magro, e seu cabelo estava sujo, e seu rosto tinha manchas de lama. Ele segurava o braço direito como se estivesse ferido, e mancava um pouco. 

-Gabriel - Collin correu até ele e o ajudou a se sentar em um dos bancos de madeira. - O que aconteceu?

-Não... Consegui - Gabriel respondeu cansado. Seus olhos estavam quase se fechando. - Desculpem.

-Pare de pedir desculpas e descanse! - Lilian tinha os olhos arregalados, e falava com medo e desespero, como se temesse pela vida de Gabriel. Mas ele era imortal, não era? Não podia morrer, certo?

-O que aconteceu?! - perguntei com medo também. - Quem fez isso com você?

Ele levantou seus olhos para mim como se eu fosse uma aparição de outro mundo. 

-O que estão fazendo aqui? Deviam estar falando com Beatrice - ele murmurou e tossiu um pouco.

-Não até dizer o que aconteceu - cruzei os braços para enfatizar que não ia sair dali até obter uma explicação boa. 

Gabriel suspirou e fechou os olhos. Depois assentiu devagar.

-Eu estava tentando capturar mais Gárgulas para nos protegerem - ele admitiu. Lilian e Collin não ficaram surpresos, o que me fez pensar que eles já sabiam há um tempo. - Mas, aparentemente, Logan e seus demônios corromperam todas as que restavam. Tentei convencê-las, usei todos os meus poderes, mas elas apenas se irritaram mais. Existem Gárgulas voando para Bluefield e para os restos de Virgínia's Black Hole neste exato momento.

-Espera - exclamei surpresa. - As Gárgulas estão vivas?! 

-É claro - ele franziu a testa. - Sempre estiveram. Mas de manhã elas viram pedra, e só voam à noite. Uma delas me achou e... Bom, me deu uma bela surra, como podem ver - ele terminou com um suspiro resignado, mostrando que odiava parecer fraco. 

-Mas elas... - balancei a cabeça. - Elas são feitas de pedra! 

-Não temos tempo para isso, querida - Lilian afagou meu rosto de forma materna, e franziu a testa também. - Vocês devem ir falar com Beatrice. Ela terá mais informações do que nós. 

Assenti, ainda perplexa, e me voltei para Collin. Ele deu de ombros.

-Ninguém chegou ainda - disse confuso.

Neste exato momento, ouvimos um barulho em cima da igreja. Parecia que uma pedra havia caído no telhado. Outras pedras caíram mais, e algumas rolaram, e então ameaçaram quebrar o teto. 

-São Gárgulas - Gabriel exclamou horrorizado. - Elas me seguiram!

As portas da igreja se abriram rapidamente e com força, e três formas escuras entraram no salão. A medida que iam se aproximando, começavam a tomar forma. Uma delas era Beatrice, no meio, usando um vestido longo e esvoançante branco, com os cabelos ruivos soltos ao redor do rosto e dos ombros. Caminhava decidida, parecendo até um pouco furiosa, na nossa direção. 

Ao seu lado estavam outras duas mulheres. Uma mais alta, loira, com um rosto doce e rosado, e olhos verdes penetrantes, usando outro vestido branco. Ela também tinha uma coroa engraçada na cabeça, que quase se confundia com o dourado dos cabelos. Percebi, perplexa e apavorada ao mesmo tempo, que era sua auréola. Agora, ela parecia uma rara jóia, mas emitia um brilho sem igual. Do outro lado estava uma menina mais baixa do que a loura, e mais alta do que Beatrice. Ela tinha cabelos castanhos, cor de chocolate, um rosto que parecia esculpido e profundos olhos azuis. O mesmo vestido, e a mesma coroa dourada.

-Ariel - Lilian disse suavemente. - Haziel. Beatrice...

-Nem tente - Beatrice levantou uma mão e parou bem na nossa frente. - O que, em nome dos Céus, você trouxe aqui? 

Ela perguntou para Gabriel, mas Collin se sentiu na obrigação de responder.

-Só estávamos tentando ajudar - ele disse. - As Gárgulas podem ser úteis...

-Quando não são demônios! - Beatrice gritou. - Agora temos mais uma dor de cabeça, e eu não vou limpar a bagunça delas. Agora, vocês dois - ela gesticulou para eu e Collin. - Lá dentro conversaremos melhor.

Havia uma porta atrás do altar, meio escondida pelas cortinas vermelhas. Ela era a entrada de uma escada estreita de pedra, que parecia infinita. Mas, depois de não sei quantos mil degraus, finalmente chegamos à uma antiga sala de pedra, em cima da igreja, escondida na torre principal. Ela tinha uma mesa redonda, com sete cadeiras de madeira ao redor. 

-Onde estão os outros? - Collin perguntou à Beatrice. 

Percebi que Haziel e nem Ariel tinham se pronunciado ainda. Elas se sentaram nas cadeiras em silêncio, uma ao lado da outra.

-Estão tentando controlar as Gárgulas lá em cima - ela respondeu pesarosa. - Sentem-se.

Fiz o que ela pediu, e não só porque parecia que ela queria matar alguém com os olhos. Eu me senti fraca ali, na presença de tantos anjos, tantos seres divinos. Minha cabeça parecia a ponto de estourar. Collin sentou-se ao meu lado. A própria Beatrice ficou de pé.

-Muito bem, vamos... - ela começou a dizer, mas então a porta da sala se abriu com um estrondo. Olhamos ao mesmo tempo na direção da entrada. 

Havia dois homens parados na porta. Os dois muito altos e fortes. Um tinha cabelos dourados, olhos verdes, feições suaves e arredondadas. O outro era mais grave, tinha um queixo forte e quadrado, olhos de um cinza penetrante, e cabelo castanho escuro que batia nos ombros. Eles estavam ofegando, descabelados, e segurando... 

Ah, meu Deus. Espadas. Espadas de verdade.

-Desculpem o atraso. Sabem como é; Gárgulas são feitas de pedra e tudo mais - o homem loiro guardou a espada e tratou de fechar a porta com um chute. - O que perdemos?

-É melhor não terem começado sem nós - o outro ameaçou. O reconheci no mesmo instante. 

-Miguel - murmurei perplexa, e percebi que estava de queixo caído. Ele olhou para mim, e pensei que fosse arrancar minha alma com os olhos. 

-Você - disse simplesmente, meio inexpressivo.  

-Prazer em conhecê-lo - murmurei ainda incrédula, apenas porque pareceu a única coisa que eu poderia dizer. 

O garoto loiro me encarou surpreso por um momento, depois voltou seu olhar para Collin, e para mim novamente. Então sorriu e me estendeu sua mão.

-Sou Anauel - ele disse sorrindo. - É um prazer finalmente conhecê-la, já que Collin nunca me deixou chegar nem perto de você. 

Apertei sua mão e me senti imediatamente mais leve. 

-Olá, Anauel - respondi. 

-Olá, Sam - ele retrucou sarcástico. Eu ri. 

-Muito bem, vamos nos concentrar - Beatrice ordenou. Miguel caminhou e afundou em uma cadeira ao seu lado. Anauel, sorrindo para ninguém em especial, sentou-se do meu outro lado. 

-Acho que todos sabem porque estamos aqui - Miguel começou.

-Para entrar em um acordo - Beatrice completou.

Nossa. Os dois poderiam se casar. 

Ah, é. Anjos não se casam.

-Daqui a possivelmente três dias, todos os anjos caídos do mundo estarão em Bluefield - Miguel continuou. Agora, ele me encarava com insistência, como se me desafiasse a interrompê-lo com alguma banalidade humana. Eu quis falar alguma coisa somente para irritá-lo, mas fiquei calada. - E, nesse meio tempo, devemos estar preparados para a maior guerra que o Céu e a Terra já viram. 

-Maior até do que a do início - Anauel se pronunciou.

-Por quê? - perguntei sem querer. Tentei não olhar para Miguel, mas pude sentir seu olhar me fuzilando.

-Porque eram todos os anjos contra apenas Lúci... Logan - Collin o chutou por baixo da mesa para que ele dissesse o nome falso. O agradeci mentalmente por isso. Ouvir o verdadeiro nome de Logan, e aceitá-lo, ainda era um limite que eu não pretendia ultrapassar, ou minha sanidade estaria perdida para sempre. 

-Ah... - murmurei desanimada. 

-Continuando - Beatrice aumentou o tom de voz. - Devemos, antes de tudo, tentar impedir a entrada deles no país. Já temos reforços em todos os litorais, e nas fronteiras com o Canadá e México. Mas muitos deles já estão aqui, então, temos que... - Beatrice se interrompeu, de repente olhando para Anauel completamente incrédula. 

Ele. Tinha. Dormido. 

Enquanto Beatrice falava. 

Ele estava muito encrencado.

Reprimi uma risada estridente que ameaçou vir do fundo da minha alma. Collin deu um chute na perna de Anauel mais uma vez, e ele acordou com um pulo de surpresa.

-Foi mal - disse bocejando. - Eu não durmo há dias. Continue. 

-A humanidade está corrompendo você - Miguel balançou a cabeça. 

-Ah, ele fala como se eu tivesse passado toda noite com uma mulher diferente - ele bufou. - Podemos acabar logo com isso, por favor? 

Beatrice respirou fundo, obviamente se controlando para não dar uma resposta mal-criada para Anauel, e apenas continuou.

-Temos que ficar atentos - terminou. - Logan não vai nos atacar sabendo que estamos em maior número. 

-Grande coisa - Collin falou pela primeira vez. - Se ele pegar um de nós, pegará todos. 

-Ele não vai - Miguel lhe assegurou. - Não pode. Ele não tem acesso aos nossos esconderijos, e, enquanto a garota estiver conosco, Logan não vai nos fazer mal.

-Eu? - perguntei para Miguel, ignorando o medo que eu tinha dele.

-Sim - ele respondeu. - Você. 

-E por quê? 

Ele, pela primeira vez, sorriu. Como se eu fosse uma criança curiosa e estivesse fazendo uma pergunta bonitinha. Olhou para Collin com satisfação.

-Não contou a ela - disse orgulhoso.

-Eu... Prometi, não foi? - Collin retrucou sem emoção. 

A frustração que senti na hora foi tão grande que eu poderia ter batido nele. 

-O que você prometeu, Collin? - perguntei arregalando os olhos. 

Ele deu de ombros sem olhar para mim. Imaginei que estivesse se desculpando. Seu rosto começou a ficar vermelho, e eu considerei a possibilidade de matá-lo ali mesmo. Cruzei os braços com força e afundei na cadeira.

-Mais segredos? - murmurei irritada para quem quisesse ouvir. Miguel nos ignorou, e continuou seu discurso épico.

-Agora, mais do que nunca, devemos nos unir - ele olhou para mim e Collin ao dizer isso. - Estamos nos preparando para esta guerra desde que L. caiu. Não podemos desperdiçar esta chance. 

-Felizmente, não morremos tão fácil - Anauel sorriu. 

-O caso é que eles não sabem como nos matar - Beatrice o corrigiu. - E lembrem-se, a única forma de matar um demônio é... 

-Espera - exclamei horrorizada. - Vocês vão... Matar... Logan?! 

Meu coração acelerou tanto que não consegui respirar.

-Algum problema com isso? - Miguel me desafiou.

Engoli em seco e mordi a língua. Eu queria gritar muitas coisas diferentes para ele, mas a principal era: Sim! Eu me importo!

Quando não disse nada, ele ficou satisfeito.

-Ótimo - disse. - Continuando... A única forma de matar um demônio é se arrancarmos as asas dele. Como as asas de todos eles já são podres por natureza, não será uma tarefa difícil. É apenas uma questão de puxar... E matar.

-Chega de falar de matar - Anauel sugeriu, vendo minha expressão doentia. - Que tal falarmos sobre como vamos invadir o internato?

-Não vamos invadir - Miguel disse simplesmente, deixando Anauel desapontado.

-Não vamos?

-Não.

-Tem certeza?

-Anauel - Miguel ameaçou. - Foco.

Ele suspirou pesadamente e deu de ombros. Observando Anauel com atenção, percebi o que tinha me feito gostar tanto dele. Ele me lembrava Ian.

-Não vamos invadir, porque temos um aliado lá dentro - Beatrice revelou. Meu queixo caiu.

-Quem? - perguntei animada.

-Não podemos dizer - ela se desculpou.

-O que importa é que já temos nossa entrada garantida. Posso até ousar dizer que é uma luta que já vencemos. - Miguel, pela primeira vez, sorriu. E devo admitir, aquele sorriso me fez querer encará-lo para sempre.

Neste momento, Ariel ou Haziel (eu não sabia ainda quem era quem) levantou-se e apoiou as mãos na mesa. Seus cachos dourados cobriam metade do seu rosto, pois ela estava de cabeça baixa. Então ela começou a tremer um pouco, como se estivesse tendo uma convulsão.

-Haziel - Beatrice exclamou e se levantou também.

Ah, então aquela era Haziel. Ela levantou o rosto para o teto, e vi que seus olhos estavam completamente brancos. Sua coroa dourada brilhou. Ela literalmente ofuscou minha visão por um momento, e então uma névoa brilhosa começou a nos rodear, passar por cima das nossas cabeças, até cobrir quase todo o teto.

E, naquela névoa, eu vi o futuro.

Megan, vestida toda de preto e com uma careta de insatisfação, estava encostada em uma parede meio destruída do internato. Com os braços cruzados, ela encarava a grande clareira à frente, que um dia fora o lugar onde ficava a lanchonete e as mesas de piquenique. Agora, havia pessoas lá. Muitas pessoas, de etnias e estilos diferentes, reunidas e desorganizadas, algumas jogadas na grama e outras empoleiradas nos galhos das árvores. Uma morena bonita, com pele cor de café com leite, polia as unhas com uma lixa cor de rosa. Um cara grandalhão, com uma jaqueta de motoqueiro e um capacete preto ao seu lado, conversava alto com outros homens parecidos com ele. Um garoto que parecia latino-americano, com ombros largos e bronzeados, e botas de caubói, apagava seu cigarro no vidro de uma garrafa quebrada jogada na grama. 

E por aí vai.

De repente, eles ficaram alertas. Todos se levantaram e fitaram o lugar onde estava Megan. Onde uma vez fora o longo corredor que conectava o salão principal com a clareira de lazer, agora restava apenas o contorno de uma porta, como se fosse um portal de pedra. Depois de alguns segundos de expectativa, Logan entrou pelo portal. 

E adivinha só? Ele ainda era um gato. 

-Irmãos - ele disse. Sua voz soou muito alta, apesar de não ter tido ajuda de nenhum microfone. - É bom revê-los.

A garota que estava lixando as unhas soltou uma risada debochada.

-Não se faz certas coisas com uma irmã, L. - ela disse maliciosa. 

Logan sorriu, e seus olhos brilharam. 

-Tem razão, querida. Bom, acho que todos vocês sabem porque eu os trouxe aqui. 

Quando ninguém respondeu, Logan achou que era uma confirmação.

-Em poucas horas, aquele bando de anjos puros e divinos vão estar sob nosso comando. Mas depende de cada um de nós fazer com que isso dê certo. 

-L. - um cara meio baixinho, com cabelo preto e brilhoso, se manifestou. - Posso perguntar como você pretende fazer isso? Há coisas que ainda nem sabemos sobre os anjos, e isso porque já fomos como eles...

O pequeno homem parou, notando o olhar de advertência de Logan.

-Não me lembre daquela época - ele pediu suavemente. - Mas, sim, a sua pergunta tem sentido. E é meu dever tranquilizá-los. Eles podem estar em maior número, e eles podem saber como nos matar.

-Mas...?

-Mas eu também sei como matá-los

Neste momento, a névoa desapareceu, e Haziel caiu na mesa inconsciente. Beatrice não se moveu para ajudá-la. Estava olhando alarmada para Miguel, que tinha uma expressão dura e calculada. O silêncio na sala gelou meus ossos. 

-Reunião suspensa - Miguel murmurou por fim. Levantou-se e arrastou Anauel até a porta. Este, por sua vez, lançou um olhar de desculpas para mim e Collin, e seguiu Miguel. 

Ariel levantou, inexpressiva, e ajudou Haziel a ficar de pé. Nesse meio tempo, Beatrice ficou nos encarando. 

-Collin - ela disse. - Sabe o que fazer.

Ele lentamente assentiu. Não perguntei. Não queria nem saber.

Beatrice nos deu as costas e pulou pela janela. Vi suas asas se abrindo meio segundo antes. Então acho que tudo bem. Haziel e Ariel, abraçadas, abriram suas asas e flutuaram de início. Ariel, a menina pálida com olhos azuis, olhou para mim e para Collin uma vez. Então sorriu. 

O que foi bem estranho. 

As duas flutuaram na direção da janela quebrada e desapareceram no ar. 

Quando tudo parece perdido para uma garota, as únicas coisas que ela pode fazer são: a) ligar para as amigas e desabafar; b) chorar nos ombros largos do namorado; e c) comer chocolate. 

As duas primeiras opções estavam difíceis. Então Collin parou em uma loja de conveniências para comprar chocolate para mim. 

Voltamos para casa andando, e, no caminho, ele me esclareceu algumas coisas que me incomodaram naquela reunião.

-Por que aquelas duas ficaram com cara de paisagem o tempo todo? - perguntei com uma careta, partindo um pedaço de chocolate e enfiando na boca. - Foi assustador.

-Ariel e Haziel não são anjos da guarda. Elas não têm consciência própria. 

-Ah... - assenti pensativa. - Então por que estavam aqui? 

-Estão ajudando Beatrice a despachar alguns Caídos. Haziel, como você pôde ver, tem a rara habilidade de prever o futuro. 

-Assim como eu.

-Enfim - Collin sorriu contra a vontade.

-E Ariel? Por que ela olhou daquela forma para nós? 

-Ariel... - ele hesitou antes de continuar. - Na verdade, não sei porque Beatrice a trouxe. Talvez Haziel não quisesse deixá-la, ou algo assim. Ariel tem uma habilidade bem menos valorizada. Ela prevê o futuro também, mas apenas de relacionamentos. - Collin olhou de uma forma significativa para mim depois disso. Fingi não perceber e fixei meu olhar no chocolate, querendo desesperadamente mudar de assunto. 

-Eu não entendo! - reclamei - Se Logan quisesse nos matar, teria feito isso quando estudávamos no internato, certo?

-Não é tão simples assim - Collin respondeu. - Nós tínhamos feito um trato, eu e ele. Lembra? Ele não podia tocar em você. 

-É, isso é outra coisa que está me perturbando - enfiei outro pedaço de chocolate na boca e suspirei, mais calma. Ah, Deus abençoe o chocolate. - O que ele quer comigo? 

-No início, eu achei que era só uma forma que ele achou para me atingir. Ele sabe como são os relacionamentos entre anjos da guarda e os humanos que protegem. 

-Sei - assenti devagar. - É um relacionamento bem... tenso. 

Collin arqueou uma sobrancelha para mim. 

-Quer dizer... pelo menos o nosso é - murmurei corando. 

-E por que você pensa assim?

-Está brincando? - exclamei sem querer. Mas, qual é, era mesmo óbvio demais para ele sequer perguntar. Então continuei falando, apesar do meu coração acelerado. - Nós nos beijamos... e ficamos três dias sem falar um com o outro, e depois meus avós foram sequestrados e voltamos a agir juntos... E agora fingimos que nada aconteceu. 

Havíamos parado de andar, e agora nos encarávamos, um de frente para o outro. O chocolate havia acabado, e eu estava sem defesa. Os olhos de Collin me acusavam. Eu sabia que não devia ter dito nada. Abaixei a cabeça e caminhei até uma lata de lixo, joguei o pacote dos chocolates lá e limpei minhas mãos na calça jeans.

-Olha, Collin - eu disse me virando para olhá-lo. - Eu sei que não devia ter dito nada, mas eu não consegui. Ok? Não consegui passar mais um dia sem pensar no que aconteceu naquela noite... Entre você e eu... 

-Eu sei.

Analisei sua expressão. Mãos nos bolsos, ombros relaxados, testa franzida e olhos estreitos pelas luzes da cidade. Naquele momento eu senti um afeto tão grande por ele que realmente pensei que poderia morrer para salvá-lo. Seja lá do que fosse. Quis que ele não fosse um anjo, e que pudéssemos ficar juntos, mas ao mesmo tempo me odiei por querer isso. O fato de ele ser um anjo era mais uma coisa que me deixava cada vez mais... 

Cada vez mais apaixonada por ele. 

-Collin... - respirei fundo para continuar, mas ele levantou uma mão.

-Por favor - ele implorou. - Não vamos falar sobre isso. 

Soltei a respiração. 

-Não - balancei a cabeça. - Eu preciso falar. Você precisa saber...

-Mas eu já sei. 

-Sabe o quê? - explodi. - Você não sabe como eu me sinto! Não sabe como eu fico quando estou perto de você, não sabe o que acontece comigo quando você não está do meu lado. Não faz ideia do que eu senti quando você me beijou. Você é meu anjo da guarda, eu sei, e você esteve comigo durante não sei quantas centenas de vidas, e esse é apenas outro motivo para eu gostar tanto de você... Você me conhece, me entende, me faz sentir única, e perfeita, como se eu nunca fizesse nada de errado, e ninguém nunca me fez sentir assim. - Tomei fôlego e soltei uma risadinha nervosa pelo que eu estava prestes a dizer. - Collin... Você é o meu anjo da guarda. Então, por favor, me salve, porque eu estou apaixonada por você. 

Não havia mais nada que eu pudesse dizer. Se eu tentasse falar algo, começaria a chorar. Olhei para as ondas atrás de Collin, o mar azul escuro se movendo tranquilamente, e quis me enterrar ali mesmo. 

Perfeito, Sparks. Agora saia correndo.

Mas Collin, como sempre, me surpreendeu. Ele caminhou na minha direção, abriu os braços e me engoliu em um abraço de urso daqueles que me fazia ficar sem ar. Enterrei meu rosto no seu ombro e respirei o seu perfume, aliviada. Mas mal tive tempo de abraçá-lo novamente quando ele me afastou e segurou meu rosto entre suas mãos. Nossos narizes quase se tocavam, e seus olhos estavam brilhantes como duas safiras. 

-Eu sei - ele murmurou com a voz rouca. - Porque eu senti o mesmo. 

Então Collin lentamente aproximou o rosto e encostou seus lábios nos meus pela segunda vez na vida. Em todas as minhas vidas. Ele podia nunca ter estado ao alcance da minha visão, mas eu sempre soube que estava lá. Eu sempre o amei, mesmo antes de saber que ele existia. Ele sempre sentiu a minha dor, a minha alegria, ele chorou todas as minhas lágrimas e riu comigo milhares e milhares de vezes. Ele sempre esteve lá por mim, e eu queria estar aqui por ele. Para sempre. 

Collin gentilmente se afastou de mim, apenas para beijar minha testa por um momento, e então suspirou. Eu suspirei também, e o abracei com força. 

-Eu te amo, Collin - sussurrei contra seu peito.

-Eu sempre amei você, Sam - ele sussurrou de volta, meio rindo, meio incrédulo. - Não acredito que passei quase cinco mil anos sem saber disso.

-Epa... - me afastei dele e arregalei os olhos. - É só depois de me beijar que você diz sua idade? 

Collin riu. E eu ri com ele. Ele tomou minha mão e continuamos andando, de mãos dadas, pela praia. Por um bom tempo ficamos sem ter o que dizer. Afinal, depois de um beijo daqueles, quem ia querer falar alguma coisa? Collin tinha um sorrisinho nos lábios desde aquele momento. Eu fiquei me perguntando no que ele estava pensando.

-Está feliz demais pro meu gosto - comentei quando já estávamos chegando. - Algo que eu deveria saber?

-Não - ele respondeu sorrindo. - Apenas sei como resolver nosso problemas. 

-Ah... - assenti. - Qual deles? 

-Todos eles. -Sério? - franzi a testa. - Eles são um pouco demais para apenas uma solução.

Collin, para minha surpresa, riu e me abraçou. Afagou meu cabelo e me deixou sem ar por um momento, ao beijar rapidamente nos lábios. 

-Apenas confie em mim - sussurrou. - Só espero estar certo. 

Chegamos em casa, dissemos oi para Lilian e Gabriel na cozinha e fomos para o quarto. Collin ficou fora do quarto enquanto eu trocava de roupa e depois nos acomodamos na cama para dormir. Repousei minha cabeça na curva do seu pescoço e o abracei. Ele beijou minha testa e passou o braço pelos meus ombros. Naquele momento, eu senti que estava mais feliz do que nunca estive. Apenas fechei meus olhos e inspirei seu perfume mais uma vez antes de cair no sono.

Foi só depois de algumas horas, quando acordei e não vi Collin na cama, que eu lembrei o que ele quis dizer com "Sei como resolver nosso problemas".


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Notas finais do capítulo

Respirem fundo e NÃO PERCAM O PRÓXIMO CAPÍTULO. Sério, é o ponto alto da história, com direito a Flashback e tudo mais. Espero reviews ;) Beijoos ;**