Entre Fogo e asas escrita por ACunha


Capítulo 14
Traição


Notas iniciais do capítulo

Vamos lá, o melhor ainda está por vim. Aproveitem ;*



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-Não tocou no seu café, Sam - Lilian observou, sempre prestativa. - Há algo a perturbando?

Fora o fato de querer agarrar meu anjo da guarda? Hum. Não, nada.

-Estou sem fome - sussurrei, empurrando o prato para frente, tendo o cuidado de não olhar na direção dele.

-Tem estado assim por três dias. Estamos preocupados. - Pude ouvir o cansaço de Gabriel por trás da preocupação. 

-Já se preocupam com muitas coisas - murmurei envergonhada. - Não façam de mim mais um fardo.

-Você nunca será um fardo, querida - Lilian sorriu. - Collin é seu protetor, logo, você é da família.

Jura? Nossa, isso ajudou tanto!

-Obrigada - consegui sussurrar de volta. - Vou dar uma volta.

-Ah, Collin pode ir com você.

-Não - eu e ele respondemos juntos, e tive que me concentrar e piscar várias vezes para não olhar para ele. Pensei em mentir e dizer que estava de TPM, ou algo assim, mas balancei a cabeça e simplesmente saí de casa. 

Três dias. Fazem três dias que beijei Collin. Três dias sem ele.

Nunca imaginei que a vida pudesse ser tão incompleta sem apenas uma pessoa. Tive Collin ao meu lado desde os 14 anos, mais ou menos, mas nunca realmente percebi a grande diferença que ele fazia quando estava por perto. E, graças à isso, três dias sem ele eram o inferno. Mas, bom, eu fui alertada. Meu sonho dizia que íamos nos apaixonar, e o futuro dos meus sonhos não era relativo. Era o destino, simplesmente isso. Eu poderia ter evitado, poderia ter me afastado.

Mas eu não queria. Esse era o problema.

Amar um anjo nunca me pareceu tão ruim. Existiam filmes sobre isso, eu acho. Mas nenhum deles falava sobre uma maldição que só podia ser quebrada com a minha alma. E era tudo culpa de Logan. Qual era o problema dele comigo? O que havia acontecido naquele tempo, naquela vida, em que eu o conheci? 

Parei de andar subitamente, e uma senhora caminhando atrás de mim protestou. Ela me lembrou a minha avó. Enfim, não importa. O que importa era que eu tinha descoberto. Eu estava sendo tão estúpida!

O que havia acontecido naquela vida?! Essa era a pergunta!

-Logan sente minha falta - eu disse a propósito de nada, já de volta ao meu quarto, folheando umas revitas que Lilian tinha comprado. 

Collin fingiu que não ouviu. Continuou lendo seu livro.

-Meg me contou... quando eu a encontrei - continuei, sentindo minhas bochechas ficarem quentes. - Depois de me contar a história dela. Sabe, sobre ela ser filha de Lilith e tudo isso.

Ele arqueou uma sobrancelha, mas não tive certeza se era para o livro ou para mim. Senti que estava sendo estúpida, levantando o assunto dessa forma, agindo como se quisesse fazer ciúmes para Collin. Mas eu não sabia mais o que fazer.

-Fiquei pensando... - sussurrei, querendo desesperadamente que ele estivesse prestando atenção. - O que Logan poderia querer comigo? Quer dizer, ele está fazendo o que neste exato momento?

-Reunindo seu exército de anjos caídos, ou demônios, como preferir - Collin respondeu inexpressivo, ainda sem olhar para mim, enquanto virava uma página. - Acreditamos que ele queira reiniciar a guerra entre o céu e a Terra. Se for isso, estamos preparados.

-E se não for? 

Ele olhou para mim, e meu coração deu um pulo enorme. Mas seus olhos estavam frios, muito diferentes do que eu estava acostumada. Mesmo assim, foi o primeiro olhar em três dias.

-Então vamos nos preparar - ele respondeu calmamente.  Desviei o olhar, virando uma página da revista furiosamente.

-Obrigada, sr. Notícias de Última Hora - resmunguei baixinho, odiando a forma como estávamos nos tratando.

Ele apenas suspirou e me ignorou. Continuei folheando várias páginas ao acaso, sem ler realmente nenhuma matéria, e, quando a revista acabou, passei para outra. De repente, senti que estava extremamente entediada, e isso não era bom. Peguei meu celular e vi as ligações perdidas. Ninguém havia me ligado. Suspirei e tive uma ideia. 

-Vou à biblioteca - afirmei lentamente, ainda sem ter certeza se não ficaria mais entediada lá, e levantei. Collin automaticamente levantou também, como o bom cavalheiro que era, apenas como se fosse inevitável. No caminho até a porta do quarto, ficamos presos um na frente do outro. Dei um passo para a direita, e ele fez o mesmo. Tentei para a esquerda, mas ainda estávamos cara a cara. 

Um riso nervoso quase escapou pelos meus lábios, e jurei ter visto Collin sorrindo também. Ele me pegou pelos ombros e me girou, me colocando de costas para a porta. Mas, uma vez que a passagem estava livre, não queria mais ir. Queria ficar ali, e, quem sabe, beijá-lo outra vez. 

-Vá - ele disse, mas não tirou as mãos dos meus ombros.

-Então me deixe ir - o desafiei, mal reconhecendo minha voz. Acho que o espírito de Meg de repente havia tomado conta de mim, pois me senti na obrigação de pressioná-lo, até que cedesse novamente e me beijasse. 

Ele engoliu em seco. Continuei encarando, sem desviar os olhos, sem nem piscar. Muito sutilmente, ele começou a inclinar o rosto na minha direção, e eu parei de respirar. Mas de repente ele largou meus ombros, e me deu as costas. Quando falou, foi com uma voz fria, controlada, e cheia de uma emoção reprimida. 

-Pronto. Pode ir agora. 

Quem ele pensava que era? Tudo bem que, se nos beijássemos de novo, estaria condenado. Mas ele poderia pelo menos fingir que queria me beijar. Isso já seria o suficiente, e deixaria meu coração mais leve. 

Ir à biblioteca, na verdade, foi melhor ideia do dia. Talvez do mês. Lá, achei um exemplar de O Fantasma Da Ópera; e eu era simplesmente obcecada por este livro. Ao contrário do que muitos pensavam (que eu era uma preguiçosa que odiava ler, e odiava a escola), eu tinha uma boa tonelada de livros em casa, que variavam desde Jane Austen até Stephen King. E já tinha lido todos. 

Deixei que a leitura ocupasse minha cabeça pelas próximas horas, e relembrei o amor e desespero do triângulo: Erik, Christine e Raoul. Sem perceber, depois do quinto capítulo, minhas pálpebras ameaçavam cair. Deixei o livro em uma mesinha, com a página marcada, e afundei no sofá de couro que havia lá. Dormi antes que pudesse pensar em mais alguma coisa.

Eu meio que já esperava sonhar novamente. Começou com a visão destruída da Virgínia's Black Hole, e depois eu estava na sala do diretor, ou de Logan, tanto faz. Mas dessa vez, não foi Collin quem entrou pela porta, e sim Megan. 

-O que quer? - Logan perguntou cansado, na última página de um livro qualquer. Meg hesitou na porta, mas continuou andando até parar bem na frente dele.

-Você disse... - ela começou com um sussurro. - Que me tiraria deste inferno se eu o ajudasse.

Ele não respondeu de início. Terminou de ler seu livro, então o fechou e o deixou na mesa. Para Meg, deu um sorriso satisfeito. 

-Então fez o que eu pedi - afirmou tranquilamente.

Megan respirou fundo e gritou algo em outra língua para a porta fechada. Ela se abriu com um estrondo, batendo furiosamente na parede, e dela saíram várias Sombras. Um calafrio passou pelo meu corpo, e senti que estava ficando enjoada. Ainda mais quando vi, ali no meio das Sombras, as últimas pessoas que eu queria ver naquela loucura.

Meus avós.

Eles estavam inconscientes, mas eram sustentados pelos mantos esvoaçantes e negros das Sombras. 

-Não! - gritei, mesmo que ninguém pudesse me ouvir. 

-Eles disseram que ela não estava lá - Megan informou. - Realmente, procuramos e não encontramos mais ninguém.

-Então onde eles estão?! - Logan socou furiosamente a mesa, ainda intacta. Algo estalou dentro da minha cabeça. Se a mesa ainda não estava quebrada, era porque aquilo aconteceria antes de Collin descobrir que Logan queria minha alma. E, se eu estivesse certa, seria em um futuro próximo. 

-O que faremos com eles? - Megan perguntou apontando para meus avós.

-Qualquer coisa, eles não me importam - Logan respondeu revirando os olhos. - Descubra onde ela está, antes que o Cabeça de Vento comece a inventar um monte de mentiras sobre nós.

As Sombras não hesitaram. Elas desapareceram rapidamente com meus avós.  

-L. - Meg suspirou. - O que está fazendo?

-Não é óbvio? - ele se exaltou. - Estou retomando o poder. Posso ter perdido uma vez, mas agora estou mais forte, e tenho um apoio considerável dos meus queridos amigos Caídos. Anjos nunca mais vão se intrometer no meu caminho.

-Mas pra quê tudo isso? A garota, Sam... Por que é obcecado com ela? Em circunstâncias normais, a essa altura ela não estaria mais viva.

Olhei surpresa para Meg, e senti vontade de me dar um tapa. É claro. Não se pode mesmo confiar na filha de um demônio. Só nunca imaginei que ela fingisse nos ajudar, quando na verdade ajudava ele. 

-Sam é um caso... especial - Logan apertou os olhos. - Ela tem um destino mais complexo do que o resto dos humanos. Mas se ficar andando com anjos, como está fazendo agora mesmo, todo o meu progresso vai ter sido inútil. 

-Que progresso? - Meg debochou. - Nem sabemos onde ela está.

-É por isso que você está aqui, e é por isso que vai sair agora mesmo e procurá-la! - Logan agitou a mão na direção dela, e uma corrente de ar passou e a arremessou para trás. Ela passou voando pela porta aberta, que logo se fechou. 

Olhei para Logan, desejando que ele pudesse me ver agora. Assim eu poderia falar algumas boas verdades na sua cara. Assim quem sabe ele me deixasse em paz. Mas não. Tudo que aconteceu foi que eu me aproximei, fiquei bem na frente da sua mesa, e cruzei os braços.

E, para minha surpresa, ele falou comigo.

-Eu sei que está aqui, Sam - sussurrou calmamente, olhando para o nada. - Não posso vê-la, nem ouvi-la, mas sei que está aqui. 

Meu queixo caiu. 

-Sei que está sonhando com este momento - ele continuou. - Sinto muito pelos seus avós, mas tive que tomar providências rápidas. Ah, espero que Collin não esteja enchendo sua cabeça com ideias malucas. É bem típico dele. Mas, se quer respostas de verdade, por que não vem me visitar? - ele sorriu para o nada. - Posso ser uma fonte melhor do que ele.

-Idiota - sussurrei, sabendo que ele não poderia me escutar.

-Posso ser orgulhoso, mas não sou idiota. Sei que ele já lhe contou a parte básica da história, e que você está se perguntando loucamente o que aconteceu naquela sua vida, em que nos encontramos - seus olhos brilharam, e o sorriso se suavizou. - Eu a conheço tão bem quanto ele, Sam. Nunca se esqueça disso. 

O sonho acabou. De repente, acordei agitada, de volta ao sofá da biblioteca, e levantei com um pulo. Corri pela casa e literalmente esbarrei em Collin, na porta da cozinha, com uma coca-cola aberta nas mãos.

-Rápido! - exclamei desesperada. - Temos que salvar meus avós!

-O quê? - ele perguntou confuso. O puxei pelo braço na direção da porta.

-Tive um sonho com Logan, ele vai matar meus avós! - gritei furiosamente. - Onde estão Lilian e Gabriel? Rápido, vai acontecer logo!

Collin correu comigo até a porta, e, antes mesmo de fechá-la novamente, deixou que suas asas se abrissem e me pegou nos braços. Desta vez, não protestei, e fingi que meu coração acelerado era produto do desespero pelos meus avós. Mas ainda assim, abracei Collin, apenas por estar com medo demais para fazer outra coisa. 

Chegamos ao prédio deles em menos de dois minutos. Pousamos no terraço e corremos até o elevador para descermos. Já na porta do apartamento, eu podia ouvir barulhos estranhos vindo lá de dentro. Vidro quebrando, um grito abafado, objetos sendo jogados no chão. Olhei para Collin desesperada, e ele assentiu. 

Pisquei, e a porta já estava quebrada, no chão, e podíamos entrar. 

-Vovó! - gritei entrando no apartamento. Ele estava uma bagunça, como sempre. - Vovô! 

-Sam? - minha avó pareceu surpresa por me ver ali. Ela estava voltando da cozinha, com um pano enrolado nas mãos. 

-Vocês estão bem?! - perguntei ofegando. -Claro, querida. Você é que não me parece muito bem - ela franziu a testa. - Quem é seu amigo?

Balancei a cabeça para a possibilidade de apresentar vovó à Collin.

-Onde está meu avô? - perguntei. - Ouvi vidro quebrando, e alguém gritou...

-Ah, fui eu, querida. Acabei de quebrar uma taça do meu casamento. Do meu casamento! - ela riu. - Imagina o quanto ela era velha. E consegui isso aqui também - ela levantou a mão enrolada na toalha e vi um corte profundo na palma. Meu estômago revirou. 

-Onde está vovô? - perguntei novamente.

-Atrás de você - ele disse me assustando. Eu virei e o vi sorrindo para mim, com a guitarra nas costas e fones de ouvido pendurados ao redor do pescoço. - Sentiu saudade e veio nos visitar mais cedo?

Suspirei de alívio e assenti. Depois abracei meu avô, e a minha avó, demoradamente. Não sabia até aquele momento o quanto eu sofreria se algo acontecesse a eles por minha causa. 

-Temos que sair daqui - eu disse.

-Já? Mas acabaram de chegar! - vovó pareceu triste.

-Vocês vem comigo - afirmei lentamente. - Precisamos tirar vocês daqui. Tem um cara... - hesitei, olhando para Collin, me perguntando se ele pensava o mesmo que eu. - Bom, vai ser apenas perigoso se ficarem aqui. 

-Mas, querida... - meu avô estava preocupado. - O que está acontecendo? Parece que viu um fantasma.

-Eu... - comecei a dizer algo, mas esqueci no momento em que bateram na porta. Três batidas pausadas, fortes, debochadas. Olhamos na direção da entrada, todos ao mesmo tempo.

-Pensei que tivesse arrombado a porta - sussurrei para Collin.

-Eu arrombei - ele respondeu confuso. 

A próxima coisa que percebi foi que o apartamento dos meus avós estava cheio de Sombras. Eu gritei quando uma delas passou por mim, atravessou meu corpo, me deixando sem ar. Meus avós correram pelo apartamento, tentando escapar delas, mas eram muitas. Segundos depois, tinham todos nós nos seus braços flutuantes. Até Collin parecia fraco na presença delas. Tentava murmurar alguma coisa em latim, mas fracassava toda vez e fechava os olhos de frustração. Ouvi passos de salto alto na madeira. Não precisei olhar para saber quem era. 

-Megan - sussurrei furiosa.

-Desculpe, Sam - ela disse sinceramente. - Preciso cair fora daqui.

-Então parece que vai ser enganada novamente. Logan não vai te tirar daqui. Ele vai matar você assim que terminar conosco, e você vai reencarnar e viver toda essa porcaria de novo! - gritei, agora fitando seus olhos.

-Eu preciso arriscar - ela sussurrou inexpressiva.

-Por que não se arrisca fazendo algo bom? Por que não nos ajuda? Nós a ajudaríamos a viver e morrer normalmente! 

-Ah, tá legal - ela bufou. - Como se anjos fossem me ajudar a voltar pra Terra do Fogo. O único motivo para Collin e sua turminha com asas brancas não terem me matado ainda é porque eu estou com ele. Com Logan. E, acredite, o plano dele é bem pior do que apenas causar uma guerra boba. 

-Então qual é a dele? - explodi. - Por que ele não volta pro inferno e nos deixa em paz?

Megan riu, e as Sombras se agitaram com a sua risada. Meus braços estavam frios pelo contato direto com elas, e eu tremia tanto que era difícil não bater os dentes. 

-Querida, este é o inferno. Bem aqui, ao nosso redor. 

Depois de dizer isso, Megan agitou a mão na nossa frente, soltando uma poeira branca na nossa cara, meio como ela havia feito na praia, com a areia. Um segundo de dor atravessou meu peito, por ter me enganado em relação à minha única amiga, que se provou ser apenas outra inimiga. Então, aquela poeira atravessou meus pulmões, e eu tossi até não poder mais. Então eu perdi os sentidos, e o mundo desapareceu.  


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo é maior, prometo. Beijos, e não economizem reviews ;*