Entre Fogo e asas escrita por ACunha


Capítulo 11
Outra Vida


Notas iniciais do capítulo

Ahhh, eu to adorando os reviews *-* Vocês vão adorar os próximos capítulos. A história já está terminada aqui no meu computador, então não vai demorar muito pra postar aqui o resto. Por enquanto, aproveitem ;*



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-Pelo amor de Deus, pare aqui - pedi pela milésima vez.

-Já estamos chegando! - Collin exclamou impaciente.

-Se não parar aqui, agora mesmo, juro que vou vomitar nas suas asas! 

Ele deu meia volta e pousou no meio da estrada. Mais à frente, eu podia ver a entrada de Bluefield, mas ainda estava longe. Sentei perto de uma árvore e abracei meus joelhos, dizendo à mim mesma que não ia, de forma alguma, vomitar. Nem desmaiar. Só precisava descansar. 

Ah, meu Deus. O que havia acontecido? Sempre disse à mim mesma que, no dia em que visse um incêndio, saberia exatamente o que fazer, graças à minha excursão da segunda série ao corpo de bombeiros. Ah, mas eu estava tão errada. Aposto que nenhum bombeiro de lugar nenhum já tenha visto alguma vez um incêndio causado por Sombras. E não tenho palavras para descrever a sensação de ver isso de perto, mas tenho certeza de que um grito e uma leve tontura chegariam perto. 

Mas o que eu estava pensando? Essa não era nem a parte assustadora. Por que não começar pelo garoto lindo que acabou se transformando em um demônio bem na minha frente? Pelo cara que parecia um príncipe do caos, e acabou se tornando... isso mesmo?! 

E o problema ainda não era esse. Se isso acontecesse com qualquer outro, eu não me importaria nem um pouco, pois estaria muio ocupada fugindo gritando para me importar com o cara. Aquele não era qualquer um. Aquele era - ainda suspiro ao pensar no seu nome falso - Logan! Logan, simplesmente Logan, com seus olhos negros, cabelo perfeito, pele perfeita, lábios cheios e sarcasmo adorável. E no que ele havia se transformado?

Ou melhor, o que ele havia sido o tempo todo? 

-Sam... - a voz de Collin me surpreendeu, já que eu estava pensando tanto em Logan. - Não quero apressá-la nem nada, mas se continuarmos aqui por muito tempo... - ele não concluiu a frase, e deixou pairando uma pitada de desespero e medo.

Levantei cambaleando e me apoiei nele para continuar de pé. Por mais que eu não tivesse andado nem um pouco, minhas pernas davam a impressão de que iam ceder e me levar ao chão a qualquer momento. 

-Podemos ir andando? - pedi. - Quero esticar as pernas. E não quero mais voar. 

Collin deu a impressão de estar rindo, mas estava escuro demais para dizer com certeza. Ele começou a me arrastar na direção da entrada da minha cidade, e nos arrastamos juntos até o posto de gasolina mais próximo. Entramos em uma loja de conveniências e compramos uma água e alguns cookies com o dinheiro que eu tinha na carteira. Sentamos em um banquinho de madeira molhado que tinha do lado de fora da loja e comemos em silêncio. Estava uma linda noite, apesar de tudo. As estrelas estavam brilhando, a lua estava cheia e as corujas cantando, e toda essa porcaria. 

-Collin? - eu disse depois de um tempo, sem querer falar nada, apenas para me certificar de que não estava sonhando.

-Sim? - ele respondeu se virando para me olhar. Vimos alguns universitários parando para abastecer seus carros usados, com certeza indo à alguma festa badalada na cidade. 

-Você é o que? - perguntei lentamente. Olhei para ele e tentei enxergar suas asas, mas ele as tinha escondido em algum lugar desconhecido. 

-Quer mesmo saber? - perguntou inseguro. - Tem certeza? 

-Apenas fale logo. 

-Sou um... - ele esperou alguns caras saírem da loja de conveniências depois de comprarem cerveja para continuar. Ainda assim, chegou mais perto e surrurou no meu ouvido. - Sou um anjo.

Estremeci por um monte de coisas. Pelo frio, por estar lá fora à noite usando um vestido curto como o meu, pela sua voz rouca e intensa ecoando nos meus ouvidos, e pelas suas palavras reveladoras. Um anjo. A palavra ficou flutuando na minha mente por algum tempo. Por muito tempo. Até que percebi que estava com o olhar fixo nas estrelas, com os lábios meio abertos, e pensando na pintura de Collin.

-Aquele homem caindo do céu que você pintou - continuei. - Era você? 

Ele não entendeu minha expressão, mas respondeu mesmo assim.

-Era. 

-E por que não me disse antes?! - exclamei furiosa, podendo perder o controle agora que os universitários haviam ido embora, e estávamos sozinhos de novo. - Por que ficou fazendo todo esse suspende ridículo, podendo evitar o que aconteceu hoje?!

-Posso explicar? - pediu calmamente. 

Bufei e olhei para frente, cruzando os braços com força e trincando os dentes. Respirei profundamente e tentei me acalmar. Eu sabia que era isso que ele queria.

-Sabe que tipo de anjo eu sou? - ele perguntou da forma que um professor faz uma pergunta, da qual já sabe a resposta, aos seus alunos. 

-Não - obviamente. 

-Um anjo da guarda - ele respondeu, e me fez encará-lo incrédula. Suas palavras realmente tiveram efeito sobre mim. - Você sabe o dever de um anjo da guarda, não sabe? Protejer e guiar alguém específico. Mas você sabe quem eu devo protejer e guiar, nesta e em todas as vidas? 

Eu não estava gostando do seu tom de voz acusador. E tenho certeza de que minhas bochechas ficaram vermelhas pela vergonha. Como ele não teve outra resposta além do meu olhar culpado, Collin continuou.

-Você - ele simplesmente jogou a palavra na minha cara. - Você, Samantha Sparks. Eu sou o seu anjo da guarda. E esse era o segredo de um milhão de dólares. Agora está satisfeita? 

Meus olhos, involuntária e irracionalmente, se encheram de lágrimas. 

-Ah, não - ele logo se arrependeu de ter falado daquela forma. - Por favor, não chore. Desculpe falar assim, mas estou realmente estressado. - Ele me pegou nos braços e me abraçou enquanto as lágrimas corriam. - Por favor, Sam, me perdoe.

-Não... - solucei. - Ah, não é culpa sua, C-collin... É minha culpa! É tudo minha culpa! 

-Não é culpa sua - ele sussurrou tranquilamente, que era seu jeito de me acalmar. Eu ri nervosamente, derramando mais lágrimas em seguida.

-É sim - insisti. - Não devia ter pressionado vocês... Devia ter esperado...

-Agora não há nada que possamos fazer para consertar, querida - ele tirou uma mecha de cabelo dos meus olhos. - Só precisamos ter esperança. Tudo vai ficar bem. 

Assenti, sem acreditar nas suas palavras, e tentei parar de chorar.

Mas o que é isso? Samantha Sparks chorando? Não é algo que vemos todo dia. Vamos, controle-se, garota! O que Ian diria se a visse agora?

Pensar nele só me fez chorar mais. 

Algumas horas depois, quando já podia ver um vislumbre do sol nascendo atrás das montanhas, Megan e Beatrice apareceram. E pareciam exaustas. Elas chegaram andando, mas eu podia ver suas asas como via minhas mãos. As de Beatrice também eram brancas, como as de Collin, mas as de Megan eram diferentes. Diferentes até das de Logan. Essas não tinham penas; eram exatamente como asas de morcego, apenas muito maiores, é claro. O que me fez perguntar, já que eu já sabia a identidade secreta de quase todos, quem, e o que era Megan? 

-Contou a ela - Beatrice afirmou calmamente, dizendo o inevitável. 

Collin assentiu. 

-Não vi outra saída - ele deu de ombros, mas pude ver um brilho de medo em seus olhos. Medo de Beatrice? O que ela poderia fazer? 

-L. disse qual era seu objetivo? - Meg perguntou impaciente.

-Não - eu e Collin respondemos juntos e eu continuei. - Ele disse que em breve saberíamos...

-Não fale - Beatrice ordenou - até que eu diga para falar. 

-Não fale dessa forma com ela - Collin me defendeu com a voz carregada de raiva. - Ainda posso fazer qualquer coisa quando se trata dela. 

-Não temos tempo para seu drama de família, Collin - Beatrice disse exasperada. - Onde está L.? Ele fugiu depois que terminou de destruir o internato.

Então Virgínia's Black Hole finalmente foi destruída. Hum. Posso me acostumar com isso.

-Não sei - Collin respondeu derrotado. Meg, para minha surpresa, me observava com curiosidade, como se me visse pela primeira vez. Ela andou até parar bem na minha frente, e ficamos no mais absoluto silêncio. Correspondendo à expectativa de todos, menos à minha, Megan se inclinou mais na minha direção e cheirou o ar ao meu redor. 

-O que... - comecei a perguntar, mas na mesma hora um grito furioso saiu dos lábios de Meg.

-Idiota! - ela gritou. - Eu disse para não dançar com ele! 

-Desculpe! - gritei de volta, sobressaltada com o barulho no meio daquela noite inicialmente silenciosa. - Eu não pude evitar!

-O que quer dizer com "não pude evitar"? Não evitou cair nos olhos dele? Não evitou os braços dele? Não evitou o quê?!

-Ah, cale a boca! - senti meu rosto queimar e odiei Megan naquele momento.

-Parem. - A voz de Beatrice soou calma e ao mesmo tempo ameaçadora. Paramos imediatamente. Ela olhou entediada para Collin. - Leve sua protegida para um local onde L. não a encontre, e quando chegarem lá, conclua sua missão. 

Collin assentiu, mas fiquei confusa. Missão? Ninguém disse nada sobre nenhuma missão...

-E Megan... - ela se virou para Meg, que agora me encarava com raiva. Não podia culpá-la. Eu era de dar raiva nas pessoas mesmo. - Cumpra sua parte. 

Meg suspirou dramaticamente e deu as costas à nós, suas asas de morcego batendo com um som assustador. Então ela desapareceu no meio da escuridão da madrugada. Percebi que meus olhos estavam pesados e eu me segurava em Collin para não cair.

-Qual é a parte dela? - perguntei sonolenta para Collin, já que sentia que Beatrice não me responderia.

-Se certificar que todos os alunos estejam bem - ele respondeu calmamente. 

Assenti. Que trabalho mais chato. Quando vamos embora? 

-Ah... - suspirei. - E qual é a sua missão?

Beatrice revirou os olhos para mim, e eu me segurei para não puxar seu cabelo ruivo e irritante. Era uma atitude bem infantil. Mas afinal, no estado de sono em que eu me encontrava, nenhuma atitude seria considerada madura. Por isso não me envergonhei quando Collin subitamente se abaixou e me fez subir nas suas costas. Agradeci sua força de jogador de futebol, e logo acomodei minha cabeça nos seus ombros largos. 

-Falaremos disso depois - ele sussurrou para mim. Nossa, seu cabelo enrolado era tão macio. E seu pescoço era tão cheiroso. Que perfume ele usava mesmo? Não importa; olha só aqueles lábios!

-O que você vai fazer? - Collin perguntou à Beatrice. Fingi que estava dormindo para que ela falasse a verdade.

-Tenho que falar com Gabriel e Lilian - ela sussurrou rapidamente. - Nunca estivemos em uma situação como esta. Sabíamos que uma hora o internato seria destruído, mas um incêndio! - quase pude ver sua cabecinha balançando de um lado para o outro freneticamente. - Que péssima forma de perder um prédio tão glorioso. 

Glorioso? Aquela gárgula tinha saído de qual lixo?

-Para começar, não deviam ter gastado tanto quando sabiam que não ficariam com a propriedade - Collin afirmou lentamente.

-Eu sei - Beatrice suspirou. - Mas você conhece Lilian; ela é materialista demais para nosso gosto. Daqui a pouco estará sendo expulsa também. 

-Esse é o problema com vocês, arcanjos. Acham que podem chutar um anjo do céu a qualquer sinal de humanidade que ele apresente. 

-Anjos devem se comportar como anjos, e não como humanos - ela cuspiu a palavra quase com nojo. - Devemos ser perfeitos, e não ter recaídas desnecessárias.

-Assim como L.

-Assim como ele... - ela suspirou novamente e percebi uma pontada de tristeza na sua voz.

-Ainda sente falta dele?  - Collin parecia preoucupado.

-Todos sentem - ela bufou. - Afinal, ele era o mais belo. Mas vamos deixar isso pra lá. Ah, e falando em chutar anjos... 

-O quê? - a voz de Collin estava exasperada.

-Não se esqueça do seu prazo. Se não estiver na praia ao pôr do sol...

-Já sei, já sei - ele respondeu mau humorado. - Podemos ir? 

-Para onde vai levá-la?

-Para...

O sono me venceu antes que eu pudesse ouvir mais. 

Quando acordei, estava no meu quarto. No meu quarto mesmo, não naquele substituto mal-feito que era o da Virgínia's Black Hole. Vi minha penteadeira antiga com o espelho sujo de tinta, graças à obcessão temporária de Ian com Artes, e meu armário com madeira clara, que tinha sido comprado por dez dólares em uma feira de garagem, e... Collin, sentado na cadeira da minha penteadeira, parecendo surreal. 

-Como se sente? - ele perguntou tranquilamente. Sua voz me reconfortou, mas logo as lembranças da noite anterior voltaram com tanta força quanto uma bala. Me sentei rapidamente e vi o mundo girar. Logo estava de volta aos travesseiros da minha cama, com a expressão confusa, olhando para o pôster de Jared Leto no teto do meu quarto. 

-Tudo aquilo... - murmurei entorpecida. - Aconteceu mesmo?

-Sim - Collin respondeu cauteloso.

-E você é um anjo - continuei. 

-Sou.

-E Logan... - não consegui terminar, mas senti uma tristeza irracional tomar conta de mim. 

-É - Collin resmungou. 

Bom, eu estava decepcionada. Havia algo entre mim e Logan, algo que eu nunca seria capaz de descrever, e agora eu deveria deixar isso pra lá. Porque ele pertencia ao lado que deveria perder. Ele era mau; eu tinha que me lembrar disso.

-O que aconteceu com os outros alunos? - perguntei apavorada. - E os professores? E o diretor, e...

-Sam, acalme-se - Collin quase riu. - Os alunos estão bem. Nós mandamos todos para casa. O diretor... Bem, na verdade, nunca houve um diretor.

Pisquei incrédula.

-Como é? 

-A sala dele sempre ficou vazia. Quem administrava o internato eram Beatrice e Gabriel. Havia um homem que queria comprar o prédio para mandar na escola, mas ele desistiu depois de uma semana entre anjos e demônios. 

-Ah - foi tudo que eu consegui dizer.

-E quanto aos professores... 

-Deixe-me adivinhar. Eles todos são anjos? - arqueei uma sobrancelha.

-Nem todos - Collin pareceu triste. - A pobre sra. Jules saiu correndo que nem louca. Ela era a professora de Artes. 

Eu ri. Não pude evitar. Imaginei a baixinha roliça quicando pela estrada, procurando o ônibus mais próximo. 

-E agora? - perguntei me levantando novamente e fixando meu olhar no dele. - O que faremos?

Ele pareceu ficar meio desconfortável.

-Agora... Neste momento... - ele olhou sugestivamente para o lado. 

Eu estava quase perguntando quando a porta do meu quarto se abriu e minha mãe entrou desesperada. Ela veio disparada na minha direção e se jogou em cima de mim, com um abraço sufocante.

-Ah, minha Sam! - murmurava entre lágrimas. - Pensei que estava morta!

-Mãe! - exclamei um pouco envergonhada.

-Desculpe... - ela se afastou e conseguiu dar um sorriso constrangido. - Quando vocês apareceram hoje de manhã... Você estava tão pálida nos braços dele... 

Meu rosto queimou. Olhei acusadoramente para Collin, mas ele apenas deu de ombros, sorrindo como um bobo. 

-Minha filha, o que aconteceu com vocês? Chegaram aqui que nem fantasmas! - ela pegou meu queixo e levantou meu rosto. - Está mais pálida que o normal. Por que não estão no internato? E que roupas são estas?!

Olhei para o que Collin estava usando. Uma camisa branca de botões, meio aberta, e calças jeans desbotadas. Normal, eu acho. Se ele estivesse na praia. Em um canto do quarto, haviam asas brancas de plástico. Meus olhos se arregalaram e uma pergunta ficou na minha mente.

-Ontem foi o Halloween - Collin me lembrou sugestivamente. - Eu estava fantasiado de anjo. Lembra? 

Ah, sim. Entendi.

Assenti e ele ficou mais relaxado.

-E eu estava fantasiada de... diabinha - murmurei constrangida. 

-Ah... - mamãe suspirou aliviada. - Vocês combinaram as fantasias?

Eu quase ri.

-É, mais ou menos - menti.

-Querem beber alguma coisa? Ele não saiu daqui desde que chegaram - ela olhou para Collin e ele deu um sorriso adorável. 

-Não queria deixá-la sozinha - sussurrou quase corando e olhou para mim. Meu coração acelerou. Agora eu lembrava de mais uma parte da noite anterior. 

Ele não pode me deixar sozinha. Ele é meu anjo da guarda.

-Mãe - eu disse. - Eu estou com sede. Pode pegar um pouco de água? 

-Claro! - ela disse apressada e logo levantou. - Mais alguma coisa? Já é quase meio-dia, querida. Já quer almoçar?

-Não, só água... - comecei a dizer, mas meu estômago roncou em protesto. - Ah... Que tal alguns ovos com bacon? 

Ela revirou os olhos e nos deu as costas.

-Típico de você, tomar café da manhã em horário de almoço... - mamãe murmurou enquanto saía do quarto balançando a cabeça, e ficamos ouvindo seus resmungos até que Collin fechou a porta. 

-Não acredito que me trouxe para a casa dos meus pais! - sussurrei para ele, resistindo a vontade de atirar um travesseiro na sua cara.

-Estamos mais seguros aqui do que em qualquer outro lugar - Collin disse solenemente.

-Claro. Até Logan bater na porta e matar meus pais - resmunguei.

-Ele não fará isso - ele respondeu sinceramente. - Mas isso é temporário. Logo saíremos daqui, e iremos para Myrtle Beach.

-Ah, ótimo! Então Logan poderá aparecer por lá e matar meus avós!

Collin apertou os olhos para mim, e parecia verdadeiramente estar me achando engraçada.

-Você sabe que esse não é o nome dele - disse suavemente.

-Eu sei - confirmei. - Mas prefiro dizer este nome... do que o outro. 

Tremi involuntariamente ao me lembrar dos olhos de fogo dele. E suas asas negras e podres. E ainda assim, agora que pensava pela primeira vez no assunto, havia algo me perturbando desde que eu acordara. Algo que estava beirando minha consciência. Mas sempre que eu tentava pensar no que era, o pensamento fugia. 

-Por que ele está fazendo isso? - sussurrei.

-Como assim? -Por que ele está aqui... na Terra? - minha voz soava com raiva, apesar de eu estar com medo. - Não deveria estar no inferno ou algo assim?  Não deveria estar causando o caos em outros lugares? 

Collin se aproximou e se sentou na minha frente na cama. Ele pegou minhas mãos e as apertou. Nossos olhos se fixaram na imagem das nossas mãos unidas, a imagem da segurança e conforto. 

-Ele conhece você - Collin sussurrou quase baixo demais para eu ouvir. Ah, mas eu ouvi. Claramente. - Ele já... teve você. 

Quase não havia som além das batidas desenfreadas do meu coração. E eu podia ouvir minha mãe fritando alguns ovos lá em baixo. E um ou dois pássaros cantando suas últimas canções do outono. Mas não prestei atenção em nada disso. Olhei dentro dos olhos azuis de Collin - entendendo no meu subconsciente que eles ficavam melhores daquela cor - e tentei me lembrar. E consegui.

-Eu já o vi antes - percebi com um sobressalto. - Eu sempre tive a sensação de conhecê-lo. De outro lugar... de outra... - as palavras morreram na minha boca quando eu percebi onde isso estava me levando. - Era disso que você estava falando?

Ele assentiu quase sem perceber e então me olhou. E eu percebi que ele tinha medo de me contar o resto. Apertei mais suas mãos, dizendo com os olhos que eu precisava saber. Não era mais um caso de curiosidade, nem de obter uma explicação para coisas sobrenaturais. Eu simplesmente precisava saber a verdade. 

-Lu... Logan era um dos anjos mais belos do céu - Collin começou, mudando de propósito o nome dele para não me assustar. - E um dos mais fortes. Mas, enquanto estava lá, também era o mais leal e amigo de todos. Nós o amávamos, e ele nos amava também. Éramos felizes eternamente, e pensávamos que nada poderia mudar aquela situação... Mas mudou - sua expressão escureceu ligeiramente. - Quando os humanos foram criados... Isso acabou com Logan. Ele sentiu coisas que nenhum anjo tinha sentido até então. Desejo por humanas, inveja dos homens poderosos que podiam comprar coisas, e acima de tudo, ódio. Ele sentiu ódio de tudo e todos porque estava preso naquele inferno particular, sem nunca mudar, nunca progredir, nunca poder errar. Ele não gostava de ser perfeito, entende? Não queria a perfeição. Não entendia porque devia sempre fazer o certo."

"Até que sua chance surgiu. Ele desafiou todos nós, e no céu, nós ganhamos. E ele caiu. Para sempre."

Seus olhos agora fitavam a janela, as nuvens que cobriam parcialmente o céu azul claro, e estava perdido em pensamentos. Lembranças que eu tinha certeza que não eram nada agradáveis. Percebi pela primeira vez que Collin não tinha apenas dezoito anos. Ele já devia ter séculos, milênios de idade. Devia ter visto tantas coisas, e devia estar cansado do mundo assim como logo nos cansamos de algo repetitivo.

Esperei que ele continuasse a história. 

-Durante muito tempo, não tivemos notícias de Logan. Achávamos que ele tinha encontrado aquilo que procurava, a tal imperfeição que tanto falava, e de certa forma ficamos felizes por ele estar feliz. Ainda éramos perfeitos, afinal... - suas bochechas coraram ligeiramente e ele se forçou a olhar para mim. - Eu sempre fui seu anjo da guarda, Sam. Desde sua primeira encarnação até hoje. Fui criado somente para ser seu. E estar lá sempre que precisasse.

Meu coração estava batendo tão forte e tão rápido que era difícil respirar. Estávamos muito perto um do outro. Isso me desconcentrava. Sobre o que estávamos falando mesmo? 

-E eu sempre cumpri muito bem meu dever... até que Logan apareceu na sua vida - agora ele sussurrava. - Fui obrigado a afastar vocês, pois sabia que ele a faria mal. Mas ele se enfureceu, e descobrimos pela primeira vez que ele tinha poderes. Poderes que estavam longe de ser humanos.  Ele jogou uma maldição em todos os anjos, afirmando que todo anjo que caísse, por qualquer motivo, se tornaria um demônio.

Minha mãe abriu a porta e nós dois pulamos meio metro. Se eu pudesse ter desmaiado, eu teria, mas o cheiro de ovos com bacon me atingiu e eu quase esqueci toda aquela história de anjos de demônios. Mamãe me informou que papai estava trabalhando, e ficaria surpreso conosco quando chegasse em casa. Ela também disse que ainda esperava uma explicação, mas eu ainda parecia doente, então esperaria lá em baixo até que eu me sentisse melhor. Esperei até que eu acabasse de comer para continuar ouvindo a história. Mas quando Collin não disse nada, fiquei confusa.

-Você estava falando... - eu disse sugestivamente.

-Não temos tempo - ele agora estava de pé olhando pela janela. - Odeio pedir essas coisas, mas você deve dizer para sua mãe que vamos voltar para o internato. 

-Por que odeia isso? - franzi a testa.

-Não gosto de mentir, Sam - ele disse com uma careta. Revirei os olhos, mas senti um afeto inesperado por ele depois disso. Troquei de roupa, colocando uma velha calça jeans e uma blusa que tinha esquecido de levar pro internato, e calcei um All Star que nunca tinha usado, preto e vermelho. Fiz uma pequena mala de mão com algumas roupas, uma escova de cabelo e algum dinheiro que tinha no pequeno cofre no fundo do meu guarda roupa. 

Lá em baixo, minha mãe tomava um pouco de café, tentando acalmar os nervos. 

-Mãe... Vamos voltar para o internato - eu disse calmamente. Mentir nunca fora um problema para mim. 

-Ah, não sem uma explicação, mocinha - ela logo se levantou e me fitou. - Por que vieram para cá em primeiro lugar? E que mala é essa? E, meu Deus, Samantha, o que você tinha na cabeça para roubar o carro de seu irmão?

-Mãe... - suspirei. - A festa estava bombando, eu queria ir embora, e tinha gente se pegando até no meu quarto, então nós resolvemos vir para minha casa passar só o fim de semana. Mas agora ligaram da escola e disseram que vamos ter uma reunião de última hora no auditório, e temos que estar lá em uma hora. Ah, e essa mala é porque tinha umas roupas aqui que eu queria levar. E eu precisava do carro para almoçar. Tudo bem?

Tanto minha mãe quanto Collin pareciam surpresos. É, eu não era de falar muito mesmo. E também não era de ficar cuspindo mentiras assim. Ian diria que isso era uma qualidade de assassino psicopata. 

-Ah... - mamãe pareceu desarmada. - Tudo bem, então. Cuidado na estrada... como vão voltar para lá? - ela perguntou agora confusa. Olhei para Collin. Não havia pensado nessa parte.

-Meu carro está a algumas quadras daqui - ele mentiu, e parecia estar sentindo tanta dor que eu me concentrei para não rir. 

-Ah, ok. Direi ao seu pai que passou por aqui - ela me deu um beijo e um abraço e nos levou até a porta. - Apareçam quando puderem! Semana que vem teremos um churrasco com a família de Kim, sua antiga colega da escola. Lembra dela?

Naquele momento, Kim parecia uma lembrança de outra vida. 

-Claro - disse vagamente. - Até mais, mãe... - pensei pela primeira vez na possibilidade de aquela ser a última vez em que a veria. Esse pensamento me assustou, e eu a abracei com força. - Amo você. E papai também. Diga isso a ele. 

Ela assentiu, meio confusa, mas contente com minha súbita demonstração de afeto. Eu não era muito de fazer isso mesmo.

Assim que dobramos a esquina, Collin me pegou em seus braços e, com um grito de protesto da minha parte, saiu voando. Nem tive tempo de ver suas asas maravilhosas se abrindo. 

-Collin! - gritei furiosa e desesperada. - Eu vou cair!

Mas eu sabia que não ia. Seus braços ao meu redor pareciam feitos de ferro. Nada me faria sair dali. 

-Acalme-se e tente curtir o passeio - pude ouvir o sorriso na sua voz, apesar de estar com os olhos bem fechados. - Por que não olha lá para baixo? Está uma bela vista.

Tentei dar um soco no seu peito, mas ele subitamente me largou, e então eu estava caindo. Caindo até não poder mais. Gritei tanto que fiquei rouca, e meu coração martelava com tanta força que parecia querer saltar do peito. Agora meus olhos estavam bem abertos, e eu via imagens passando rapidamente, como se estivesse em um carro a 150 km por hora. 

Então, tão rápido quando havia me soltado, Collin apareceu e me segurou novamente. Abracei seu pescoço e me colei nele como se fosse a única coisa sólida ali, o que não estava longe da verdade. Senti seu peito tremendo, e percebi que ele estava rindo. Puxei o cabelo da sua nuca, uma tática de manipulação que aprendi com Ian, e ouvi seu grito de dor.

-Não reclame - sussurrei no seu ouvido. - Você quase me matou!

-Eu nunca faria isso - ele sussurrou de volta, agora muito sério. - Sabe, não é apenas meu dever manter você segura. É também o meu desejo. Eu quero que fique sã e salva. 

Ouvi meu riso debochado indo embora com o vento. 

-Por que você iria querer uma coisa dessas? - perguntei verdadeiramente confusa. - Eu só dou trabalho.

-Acredite ou não, Sam, mas eu me acostumei com você. Em todas as suas vidas, você sempre foi a mesma.

-A mesma... - refleti. - Como?

-Impulsiva, irritada, teimosa... - ele estava sorrindo novamente, e ameacei puxar seu cabelo de novo. - E leal aos seus amigos - ele logo continuou. - E corajosa. E mais importante... Você sempre acreditou em mim.

Isso me fez arregalar os olhos. Vi suas asas batendo ao nosso redor, e às vezes apenas planando no ar. Percebi que ele também estava com os braços ao meu redor, me abraçando, mesmo que não precisasse. Um calor confortável subiu do meu peito até minhas bochechas, e eu deliberadamente acariciei seu pescoço.

-Obrigada, Collin - sussurrei contra sua pele.

-Não - ele balançou a cabeça. - Não me agradeça por dizer a verdade. 

Não havia mais nada a ser dito, então suspirei e fiz o que ele pediu. Curti o passeio. 


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Notas finais do capítulo

Não percam o próximo! Mandem reviews, beijoos ;**



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