Mutação Oculta escrita por Athenaie


Capítulo 7
Capítulo 7




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Em Novembro o frio tinha chegado de vez e as noites eram cada vez maiores. Sentia-me a viver de noite. Saia de casa antes de nascer o sol e voltava depois do pôr-do-sol.

O trabalho continuava no mesmo ramerrame, apesar de ter conseguido resolver dois ou três assuntos que andavam ali empancados.

Assim que a noite caia, o meu martírio pessoal começava. O Eric tomava conta do meu corpo e nada havia a fazer. Era sexta e resolvi ir embebedar-me para esquecer. Não é muito correcto mas que raio, também não quero ganhar o céu!

Combinei com um grupo de amigos, antigos colegas de faculdade e fomos fazer a volta das tasquinhas na avenida dos bares aqui na cidade. Após o quarto bar começava a sentir-me melhor. Já tinha bebido um moscatel, um vodka e cinco shots de tequilla! Consegui divertir-me, dançar, pular e rir com os amigos. Sentia-me livre!

Por volta das 4 da manhã e já relativamente bem alcoolizada pedi boleia ao Pedro para vir para casa. Não estava em condições de guiar.

Pedro um cavalheiro como sempre, serviu de motorista de bom grado e deixou-me sã e salva perto de casa. Despedimo-nos com a promessa de repetir a farra dali a um mês. Estamos a ficar velhos e há que aproveitar. Fiz o resto da avenida de caminho a casa a pé. A noite estava fria mas ajudava a clarear as ideias meio deturpadas pelo álcool.

Foi quando senti a dor perfurante e quente a meio das costas.

Era como se estivesse a ver um filme em câmara lenta ou a ter uma imagem extra-corporal da situação. Virei-me e vi dois tipos encorpados e com mau aspecto. Um deles tinha uma faca enorme com a lâmina ensanguentada. Não conseguia respirar. Um deles disse:

 - Pensavas que te safavas após teres sido a causadora da morte do João? Morre! Cabra!!

Naquilo que me pareceu uma eternidade percebi que tinha sido esfaqueada num pulmão. Não conseguia respirar e o sangue quente ensopava-me as costas. Senti o coração a abrandar e aparentemente sem dor, cai de joelhos. Olhei os dois homens sem sentir nada e pensei ter visto a cabeça de um separar-se do corpo. Deve ter sido verdade pois o companheiro olhou também e gritou. Nesse instante uma mão vinda do nada elevou-o no ar e o seu corpo dividiu-se em dois. Deitei-me ou cai de lado, não sei. Uma voz conhecida segredou-me ao ouvido.

 - Não tenhas medo, vais ficar bem.

Senti o gosto doce e espesso característico do sangue de vampiro na minha boca. Não conseguia respirar e não conseguia engolir mas com um último fôlego do meu corpo, engoli uma e outra vez até tudo ficar negro.

Acordei aos gritos. Que pesadelo horroroso, pensei, assim que consegui abrir os olhos. Graças aos santinhos, estava em casa, na minha cama. Que efeito tramado teve o álcool. Não me lembro de chegar a casa, tirar a roupa e deitar-me.

Virei-me para tentar dormir e senti o corpo gelado ao meu lado. Num reflexo de sobrevivência saltei da cama em choque e acendi a luz.

 - Deita-te. Descansa, ainda é de noite e precisas recuperar forças.

Eric estava deitado comigo na minha cama. Não foi um pesadelo, fui mesmo atacada e ele salvou-me.

Lembrei-me da facada nas costas e corri para o espelho para ver o estrago. Estava nua mas isso não foi a minha preocupação imediata. Olhei e olhei as costas em busca da ferida, cicatriz, marca, o que fosse. A única coisa que restava que mostrava o ferimento que tinha sofrido, era a cor vermelha de sangue coagulado pelas costas. Do ferimento nem sinal.

A minha cabeça estava a mil e pensei que o meu cérebro ia saltar do crânio de tanto tentar pensar tanta coisa em simultâneo.

Abri uma gaveta e procurei uma t-shirt comprida e vesti-a de seguida. O Eric estava agora encostado à cabeceira da cama olhando-me com ar divertido.

 - Não te vistas, um corpo tão bonito não devia nunca andar tapado! – Disse-me com olhos brilhantes

 - O que aconteceu aos homens? – Perguntei

 - Acho que viste o que aconteceu!

 - Como sabias…..? Como estavas exactamente ali na hora certa?

 - Tenho formas de saber essas coisas. Lamento não ter chegado antes para evitar teres sido ferida.

 - Tudo bem, não é importante, ou é, sei lá, estou baralhada!

 - Estás bem agora. O teu corpo já sarou.

 - Deste-me sangue teu, não é verdade?

  - Era preciso, tinhas segundos de vida. Estavas a ficar afogada com o teu próprio sangue nos pulmões.

Uma ideia terrível passou-me pela cabeça

 - Eric se eu tinha segundos de vida e tu deste-me o teu sangue, isso quer dizer que…

 - Não – interrompeu-me ele – Terias que ser completamente drenada antes! Assim apenas saraste!

Por momentos fiquei gelada de pensar que a minha vida humana tinha acabado e acabava de fazer parte do clube dos mortos vivos.

Respirei de alívio, o que aliás era uma constatação clara que continuava viva e humana. Estava quente, o meu coração batia e conseguia respirar. Os vampiros entre outras coisas, não respiram.

Mais calma e a raciocinar com mais clareza, perguntei:

 - Foste tu que me despiste?

- Não está aqui mais ninguém pois não? As tuas roupas estavam cheias de sangue!

 Vendo-o despido na minha cama, perguntei:

 - E as tuas também presumo! - foi mais uma critica que uma afirmação.

 - Sim as minhas também e além disso estou mais confortável assim. Incomoda-te ver-me nu?

Bué, quase que verbalizei! Não fosse tudo o que já sentia anteriormente e ainda com uma nova dose de sangue dele a borbulhar no meu corpo, vê-lo ali como um Adónis na minha cama era mais do que uma pobre mulher pode suportar. Pensei em desistir e atirar-me nos seus braços com um ‘’oh quero que se lixe’’.

 - Prefiro que te vistas, se não te importas.  – Procurei uma t-shirt xxl da empresa que me tinham dado numa determinada altura e entreguei-lha. Não sabia onde ia arranjar umas calças do tamanho dele mas pelo menos entre a t-shirt e o lençol a maioria da pele estava coberta e eu estava menos tentada.

Era hora de ser pelo menos simpática e sentei-me em frente a ele na cama.

 - Obrigado, outra vez. Desculpa se reajo mal às tuas indirectas e provocações mas tenho que ser justa contigo. Não me conheces de lado nenhum e em dois meses já me ajudaste a salvar a vida da minha amiga e agora salvaste-me da morte. Estaria a ser uma real cabra se não te agradecesse. Confesso que me dás cabo dos nervos. Não pareces ser a pessoa que se preocupe com as vidas que se perdem ou não mas comigo não foste assim e tenho que estar agradecida.

Ele deixou de sorrir e ficou pensativo.

 - Bolas, estava a ser simpática e ficaste amuado?

 - Não – disse ele – estava apenas a pensar que tinhas razão, que eu não me preocupo com humanos e nunca fez parte dos meus planos transformar-me num súbito cavaleiro andante a salvar vidas de donzelas em perigo. Não sei o que há em ti que me leva sequer a importar-me com o que tu queres ou com a tua vida! Sou um vampiro, sou O predador da raça humana. Tenho mais de 1000 anos de idade. Não faço sequer a mínima ideia de quantos humanos já matei, já drenei e já me serviram de alimento. Tu és comida que fala e que por sinal fala para caraças. Porque é que eu me importo contigo?

 - Não sei – disse-lhe. Estava atordoada com o discurso. Sou comida que fala?? – Sinto quase como se me tivesse que desculpar por isso.

 - Não! Deixa para lá. Hei-de perceber o que se passa. Entretanto deixa-me que te diga que não me enganei. Tu és realmente deliciosa. Apesar de seres B positivo és um dos melhores sangues que já bebi.

 Já estava sem forças para me surpreender mais com ele.

 - Mordeste-me?

 - Não, claro que não. Provei o sangue que tinhas no corpo ao lamber-te a ferida.

 - Para que raio me lambeste a ferida?

 - Para sarar mais depressa. A nossa saliva tem um coagulante que fecha quase instantaneamente as feridas e não deixa marca. Assim enquanto o meu sangue te sarava por dentro, fechei a pele para que não ficasses com uma marca feia nas costas.

 - Que bom samaritano. E assim bebeste qualquer coisa…

 - Ora, estava a perder-se! Era um desperdício! - e largou uma gargalhada sonora.

Nunca o tinha ouvido rir antes e achei que afinal ele até tinha sentido de humor.

Pareceu-me ainda mais bonito a rir descontraidamente.

 Ele sentiu a minha mudança de humor e olhou-me com o mesmo olhar penetrante.

 - Queres-me! – Afirmou ele cheio de certezas

 - Sim, quero! Mas não o vou fazer.

 - Posso obrigar-te!

 - Eu sei mas peço-te que não o faças.

 - Porque resistes? – Parecia realmente interessado

Sim, porque resisto? Está a queimar-me por dentro e por fora. Sinto-me constantemente em fogo à conta dele. O que me impede? Sou livre e desimpedida e nunca fui pudica a esse ponto

 - Não sei. Não tenho a certeza se este desejo é verdadeiro ou induzido pelo teu sangue.

 - O sangue só potencia o desejo, não o cria – disse ele olhando-me sempre nos olhos

 - Não sei se quero envolver-me com um vampiro, desculpa se pareço estar a ser racista ou algo do género mas nem é isso propriamente. Somos duas espécies diferentes. Somos de mundos diferentes e fazes-me sentir pequena e frágil. Não sei se sou capaz de me envolver contigo. É como se algo me dissesse que quando der esse passo é o ponto de não retorno.

 - Miúda, eu não quero casar contigo! Só ter sexo contigo!

 - Eu sei mas isso não significa que eu não sinta que é o ponto de não retorno.

 - Tens medo de mim?

Boa pergunta! Tenho medo dele? Já tive sim. No nosso primeiro encontro no Fangtasia temi pela minha vida. Após esse dia, já muito se passou e hoje ele salvou a minha vida.

 - Não, acho que não. Tiveste já todas as oportunidades para te alimentares de mim e não o fizeste. Estaria a ser hipócrita se dissesse que tenho medo de ti.

 - Uhmm, está-me a apetecer muito ter sexo contigo hoje. Provei-te! És deliciosa. Quero estar dentro de ti.

 - Eric, por favor, não insistas. Sabes que acabaras por levar a tua avante. Agora sei que sentes os meus sentimentos e sabes que eu quebro se insistires mas peço-te que não o faças. Eu não quero ter sexo contigo. Ou melhor, querer quero, mas preferia não o fazer e peço-te que não me forces. Se tiver que acontecer que seja quando eu tiver certeza.

 - Vai acontecer eventualmente!

 - Que seja, mas não hoje!

Ele levantou-se, procurou as calças ainda ensopadas do meu sangue (ou dos outros sei lá), calçou-se e inclinou-se até ficar cara a cara comigo.

O cheiro dele era uma mistura doce inebriante. O cabelo dele estava desalinhado e caia-lhe para a cara. Os olhos azuis faiscavam.

 - Uma noite destas então! E beijou-me. Desta vez não foi um leve chocho nos lábios. Foi um beijo a serio e senti-me quase a flutuar. A boca e a língua dele eram geladas mas aqueciam-me de uma forma nunca antes sentida. Perdi o controlo nos meus braços, abracei-o e puxei o corpo dele para junto do meu. E quando eu já não queria saber de mais nada, ele afastou-se, sorriu e disse-me:

 - Até um dia destes.

E saltou pela janela de uma altura de um quarto andar!


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