Mutação Oculta escrita por Athenaie


Capítulo 6
Capítulo 6




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O mês de Outubro estava chuvoso. Chovia todo o santo dia e já me irritava andar metida no trânsito sempre em piso molhado.
O trabalho corria mal como sempre. Os projectos andavam complicados. Alterações e mais alterações. Parecia que nada tinha um princípio meio e fim.
Na empresa onde trabalho, ninguém fala com ninguém. Nem um bom dia, um boa tarde, um ‘’alguém viu o jogo ontem?’’ Isso é uma coisa que me irrita profundamente. Gosto muito de falar e trabalhar sem ninguém falar, sem ninguém dizer um palavrão ao telefone é um tédio!
É verdade que trabalho nesta empresa há 8 meses e fui eu que também escolhi não fazer amizades aqui dentro. Ao longo da minha vida profissional descobri lamentavelmente que quando mais amizades se fazem no local de emprego mais problemas temos com as intrigas e com o disse-que-me-disse. No entanto, ali sinto-me como se calhar a ter um ataque cardíaco à secretaria, todos me ignoram.
Quando saio do trabalho, por volta das 19 horas, estou a ressacar por falar com alguém. Gasto fortunas em telemóvel a ligar para todos que me lembro para poder simplesmente falar.
Quando chego a casa é que começo a sentir-me uma pessoa outra vez.
Gosto muito da minha casa, comprei-a o ano passado. Um T3 de luxo numa praça principal da cidade. A minha casa tem todas as condições para me sentir feliz. Bons acabamentos, ar condicionado, lareira, 2 casas de banho e uma cozinha com vista para a praça para onde me entretenho a olhar à hora das refeições. Durante a semana, quando não vou ao ginásio, chego a casa tomo um duche bem quente, como uma tosta e enrolo-me no meu sofá com almofadas de penas, uma mantinha sobre os pés, um bom livro, enquanto a tv me faz companhia. Ao fim de semana aproveito para sair com amigos e ir beber um copo, ao cinema, uma exposição, etc.
Havia quase um mês que não sabia nada da Catarina. O Mário enviou-me um mail onde me contava que ela estava internada numa clínica para desintoxicação e a fazer terapia e que estava confiante que tudo iria correr pelo melhor.
Mais uma vez me agradecia tudo o que fiz por ela e pela sua família e que podia contar com ele para qualquer coisa que precisasse, a qualquer altura, sobre qualquer assunto.
Contou-me ainda que tinha enviado um agradecimento em forma monetária ao Eric.
Eric, pois é, o Eric. Não que nunca mais me tivesse lembrado dele. Aliás ainda tinha os efeitos do sangue dele no meu corpo e era difícil de me esquecer, quando levantava pesos com a maior das facilidades, conseguia ouvir claramente os telefonemas da minha vizinha dois andares acima e quando corria meia hora na passadeira no ginásio sem sequer me cansar.
E se fosse só isso! Quase todas as noites sonhava com ele. Sonhos impróprios para cardíacos.
De há um mês para cá, fazia sexo todas as noites com ele em sonhos. Sexo quente, selvagem e completamente all-night-long.
Começava a ser cansativo sonhar tanto com ele. Parecia que ele corria nas minhas veias e efectivamente não estava longe da verdade.
Apetecia-me ir vê-lo nem que fosse de longe mas todos os dias combatia essa ideia. Nunca fui mulher de andar atrás de homem, não ia ser agora que ia começar.
Tocaram à porta. Estranhei a hora. Quem estaria a tocar à porta às 22 horas numa noite chuvosa de quinta-feira. Quando vi a imagem na câmara do intercomunicador pensei em esconder-me rapidamente debaixo da cama. Eric estava à porta do meu prédio.
Meio a medo, meio ansiosa abri-lhe a porta. Segundos depois estava à porta do meu apartamento
 - Que fazes aqui? Como sabes a minha morada?
  - Não me convidas para entrar? Vamos ficar a falar aqui na escada? Não sei se os teus vizinhos gostarão muito! – disse ele com um sorriso.
 Convidei-o a entrar e como uma boa anfitriã perguntei-lhe se ele queria beber alguma coisa o que foi obviamente uma burrice.
 - Não me importava nada de provar-te – Respondeu com ar de gozo
Tenho que parar de me surpreender com as coisas que ele me diz, pensei rapidamente.
 - Não era isso que eu estava a oferecer.
 - Eu dei-te o meu, não sei porque não me ofereces algum do teu.
Era verdade mas não desarmei.
 - É verdade e agradeço-te. Sem isso nunca teria conseguido tirar de lá a Catarina.
 - Como está ela?
 - Não sabia que agora te preocupavas com humanos! – Ataquei eu
 - E não preocupo mas o pai dela foi bastante generoso. Imagino que também recebeste o cheque de 50.000 euros.
 - Não, eu recusei.
 - Recusaste??? A que propósito??? – Parecia profundamente surpreendido
 - Não preciso pagamento por uma boa acção! – Respondi quase ofendida.
 - Não sei se diga que és tola ou ingénua! – Disse ele com desdém.
 - Pensa o que quiseres! E ah, apesar de te agradecer a tua ajuda não me deste todas as informações sobre as consequências de beber o teu sangue.
 - Se o tivesse feito não o terias tomado!
 - Provavelmente não! – E quase gritei
 - Não gostas de sonhar comigo? – Perguntou ele com ar de gozo
 - Como sabes??? – É obvio que sabia. O tipo tem mais de 1000 anos. Está careca de saber o efeito que o sangue dele tem sobre os humanos.
 - Não gostas de sonhar comigo??? – Voltou a perguntar
 - Não! É cansativo!
 - Não gostas de me sentir dentro de ti??
A conversa começava a perturbar-me e a provocar-me medo de fraquejar
 - O que é que ganhaste com isto?  - Perguntei irritada
 - Respondes sempre a perguntas com outras perguntas?
 Ahhhhhhhhhhhhhh, era difícil manter-me à frente dele.
 - Não, não gosto de te sentir dentro de mim. Estou habituada a estar sozinha no meu corpo. Agora responde-me o que ganhaste com isto??
 - Posso sentir as tuas emoções e estados de espírito!
 - Podes o quê?
 - Posso sentir as tuas emoções. Sinto quando estás feliz, quando estás triste, quando estás irritada e quando estás excitada. É interessante! Há muitos séculos que não sabia o que são emoções humanas e tu és um poço cheio delas.
Não sabia o que lhe dizer, nem o que pensar sobre o assunto. Como se já não fosse suficientemente mau deseja-lo todas as noites, ele ainda podia sentir??
É mau demais. Resolvi mudar de assunto
 - Como soubeste a minha morada e o que vieste cá fazer?
Ele olhava para mim com um ar divertido, podia obviamente sentir a minha confusão e que eu o queria..
 - A morada é fácil, tenho formas de saber essas coisas. Quanto ao que vim cá fazer, já que não queres dar-me o prazer de sentir o gosto do teu sangue, é só para te avisar para teres cuidado.
 - Cuidado com o quê?
 - Parece que alguns amigos daqueles escroques que morreram na explosão andam a investigar a história da mulher que tirou a Catarina de lá segundos antes.
Ok, isto era um problema serio. Sentei-me ao pé dele.
 - Achas que podem descobrir-me?
 - Não sei, tenho algumas informações mas não todas. Não sei quem te viu e o que viu, já que era noite cerrada mas é possível que tenham visto o carro e o teu cabelo loiro. Daí a procurar amigas da Catarina com essas características é um passo.
 - Com certeza não pensam que fui eu que explodi o prédio - adiantei
 - Não! Isso, sabem bem quem foi. Fizemos questão que se saiba que quem ataca vampiros não sai vivo para contar a história.
Pensei uns segundos sobre o assunto.
 - Olha Eric não posso fazer nada. Se me descobrirem descobrem, se me atacarem, atacam. Eu meti-me nisto de livre vontade e pagarei as consequências que tiver que pagar. Agora não me vou andar a esconder, nem a fugir. Não sei viver assim. Sempre fui livre e sempre fui onde me deu na real-gana!
 - Sim, sei disso, até ao Fangtasia fazer perguntas!
 - Exacto e não correu assim tão mal pois não?
 - Esteve por um triz – disse ele – mas …
 - Mas???
 - Mas pareceste diferente do resto da maralha humana! Corajosa, nada submissa e profundamente decidida a ajudar um semelhante em apuros. Não sei se te achei interessante ou parva, ou se as duas coisas…
 - Quando decidires informa! Agora se não te importas preciso de me ir deitar, é tarde!
 - Isso é um convite?
 - È! É um convite para te pores na alheta! Obrigado pelo aviso, obrigado pela ajuda, obrigado por me teres tornado as noites tão animadas nos últimos tempos! Agora pira-te! - disse o mais cáustica que consegui.
Ele levantou-se e encaminhou-se para a porta. Antes de a abrir virou-se de repente e esbarrei com ele. E faltou-me o ar.
 Ele sorriu e beijou-me muito ao de leve nos lábios. Passou a língua pelos próprios lábios e disse: Deliciosa! E abriu a porta e evaporou-se no ar…
Sabem quando ficamos em choque e sem reacção? È exactamente como me sentia! Não sabia se havia de gritar de raiva, se havia de o chamar de volta. Se devia espancar-me ou tomar um banho frio! Estava arrepiada com o frio dos lábios dele nos meus. Um frio que de alguma forma parecia queimar-me por dentro. Tentei convencer-me que isto tudo eram efeitos do sangue e não algo que sentiria por ele naturalmente mas algo me dizia que estava errada. O sangue só potenciava os sonhos e o desejo e permitia-lhe saber os meus sentimentos mas não era isso que estava na génese de tudo. Eu que sempre critiquei mentalmente todos aqueles que viam os vampiros como deuses sexuais parecia ter caído também na mesma esparrela. Bem-feita, pensei, quem cospe para o ar….

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