Mutação Oculta escrita por Athenaie


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Finalmente se descobre o porquê de Alexandra adquirir as capacidades de Eric...



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O dia seguinte, ou melhor a noite seguinte, começou pelas 19 horas locais após o pôr-do-sol. Com sangue ou não sentia-me bem os efeitos do fuso horário no meu corpo.

Encontrei o Tomas na sala e após as conversas de ocasião da praxe, aproveitei para lhe fazer algumas perguntas.

 - Tomas, o Eric contou-me que as nossas duas espécies têm uma base de ADN comum mas que vocês adquirem outras características genéticas na transformação. Como é que isso acontece?

- Cada um de nós tem um agente mutagénico no sangue que uma vez em contacto com um corpo drenado altera o ADN do hospedeiro. É na realidade um vírus.

Os meus conhecimentos de genética não são assim tão profundos para perceber se o que ele me explicava tinha lógica ou não. Já ouvi falar de vírus que tem efeitos mutagénicos no ADN mas essas mutações resultam em alterações que provocam doença, morte ou debilidade. Transformar um corpo humano morto em algo poderoso soava-me a filme de ficção científica. No entanto há tantos mistérios que ainda não conhecemos sobre nós mesmos. Há tanto que a ciência ainda não explica. Provavelmente em anos vindouros haverá uma explicação lógica para isto.

Perguntei-lhe o que podia esperar nos testes.

 - Nada de especial. Vou recolher algum sangue teu, testa-lo, fazer a sua sequência de ADN. Ver se tens alguma mutação.

 - Nunca tive motivos para pensar que era diferente do resto dos humanos – disse-lhe eu - Nem mais forte, nem mais rápida, não me ocorre nenhuma característica que faça de mim especial.

 - Talvez estejas a ver isso pelo prisma errado - disse ele – Na realidade a maior qualidade em termos genéticos dos humanos, não é a força, velocidade ou sequer inteligência, já que vocês utilizam apenas 10% de toda essa capacidade mental. A vossa maior qualidade é aquela que infelizmente não possuímos enquanto espécie que é a capacidade de adaptação e evolução. Os vossos corpos, de geração para geração, evoluem. Adaptam-se a novas condições, a novas doenças. Na teoria da evolução comprova-se que não foi o maior e mais forte que sobreviveu. Foi o que melhor se adaptou. Foi aquele que soube aprender a ser omnívoro e assim ter melhores hipóteses de sobrevivência. A minha teoria sobre ti, mesmo antes de te testar, é que tu és um ser muito adaptável.

 - Não sei, repara, eu fui uma criança extremamente doente. De quinze em quinze dias estava doente.

 - Mas não morreste – disse ele – Como sobreviveste?

 - Não sei, eventualmente passaram, mas vieram outras e tomaram o seu lugar. Volta e meia arranjo qualquer coisa que custo a curar e que me arrasta pelos médicos 2 ou 3 anos em busca de uma cura

 - E ficas curada?

 - Às vezes! Às vezes, acabo por me habituar às dores. Exemplo, quando era miúda tive muitas amigdalites. Acabei por ser operada mas a quantidade de amigdalites que tive deixou-me sequelas e uma delas é o reumatismo que comecei a sentir deste os 5 anos de idade. Seria expectável que estivesse um caco ao fim de quase 30 anos de dores em todas as articulações mas…

 - Mas?

 - Mas habituei-me à dor. Ao fim de uns tempos, não é que não a sinta, pois sinto mas não dói como antes, ou não sinto a dor como antes e consigo abstrair-me dela. È como se desligasse a parte do cérebro que sente essa dor e quando me perguntam é que eu ligo para confirmar se naquele dia algo me dói ou não. Quando confirmo, sim, qualquer coisa me dói. Há sempre uma dor numa articulação ou vértebra que está presente mas não a sinto enquanto não penso no assunto

 - Isso é no fundo extraordinário. Não és nada uma humana vulgar. Diz-me e desde que ingeriste o sangue do Eric, continuaste a ter dores?

 - Não! Desde a primeira vez há 1 ano que não sinto dores, nem tenho estado doente mas eu continuo humana. Tenho sono, canso-me, se bem que menos que antigamente, mas tenho a possibilidade de sentir dor.

 - Também nós, minha querida! – Minha querida era uma expressão estranha para ouvir da boca dum vampiro. – Mas dores já adquiridas anteriormente ou doenças novas não adquiriste?

 - Não isso não. Agora que penso nisso, nem uma simples dor de cabeça.

 - Muito interessante, muito interessante mesmo.

Nos dias que se seguiram tentei abstrair-me de toda este enredo e duvidas. O Tomas retirou-me as amostras que precisou e encerrou-se no seu laboratório que ficava na cave. Eu e o Eric ficamos livres para uns dias de férias. A nossa relação sempre foi na base de umas noites em minha casa e outras noites na casa dele e neste tempo todo nunca tivemos oportunidade de passar tempo juntos como um casal normal. Sair, ver sítios novos, termos tempo para conversar e simplesmente estar.

Foram uns dias muito bons. O Eric tirava uns minutos para resolver os seus assuntos profissionais, falando ao telefone com a Pam ou lendo e enviando mails. Após esse tempo aproveitamos para conhecer os arredores. Visitámos o Houston Theater District, o Bayou Place, o prédio mais alto de Houston o Morgan Chase Tower, o Downtown Historic District onde se pode encontrar edifícios que datam de 1850.

O Eric puxou do cartão de crédito e resolveu comprar um novo guarda-roupa no Galleria, uma zona com lojas luxuosas com preços a condizer. Apesar de eu dizer que não queria nada, ele fazia questão!

Visitámos ainda o San Jacinto Monument, o San Jacinto Museum of History e o Battleship Texas. O Houston Museum of Natural Science e o National Museum of Funeral History. Este ultimo dedicado à história dos funerais. Um bocado mórbido mas o Eric divertiu-se imenso! Claro que não podíamos vir embora sem visitar o Johnson Space Center, as instalações da NASA.

O estado do Texas é um estado conservador norte-americano, maioritariamente republicano e com fortes convicções religiosas. Os vampiros não são muito bem-vindos no local mas conseguimos andar por lá sem dar muito nas vistas. O Eric vestia-se normalmente com cores claras, deixando as roupas pretas de lado, que acentuavam a sua diferença. Não fosse o seu extraordinário bom aspecto e podíamos dizer que ninguém nos notou nos sítios que visitamos.

O Tomas era um cientista quase eremita e a sua propriedade ficava afastada uns quilómetros de quaisquer outras casas. Como passa os dias a dormir e as noites enclausurado no seu laboratório não levanta muitas suspeitas e consegue ter uma existência quase livre de problemas com a vizinhança.

Finalmente o Tomas chamou-nos ao laboratório quando eu já começava a pensar, quantos mais dias teríamos que lá ficar. Afinal a viagem de volta implicava ainda uma logística maior já que como faríamos a viagem em contra corrente com o fuso horário iria ser muito complicado fazer a viagem totalmente de noite. Essa ideia já me tinha ocorrido mas pensei que o Eric teria pensado numa solução para isso.

O laboratório do Tomas era um espaço amplo na cave da casa com uns 100 m2. Estava totalmente equipado com uma serie de máquinas que eu não sabia para que serviam. Parecia-me tudo topo de gama e muito high-tech mas o que sei eu de laboratórios de genética?

 - O que tens para nos dizer Tomas? – Perguntou o Eric – Estamos perante o quê? Chegaste a alguma conclusão?

O Tomas explicou a bateria de testes que fez em termos técnicos e não percebi nada.

No fim deu-nos a sua ideia

 - Ela é uma mutação!

 - Sou o quê?

 - És uma mutação! O teu ADN é uma mutação do ADN comum dos outros humanos!

 - Sou uma aberração da natureza? – Olha que bonito

 - Não! Nada disso. Os humanos não são todos iguais, há diferenças de genes que explicam também as diferenças físicas e psíquicas de cada um de vocês. No entanto partilham em comum uma grande parte de informação genética enquanto espécie.

No entanto o teu ADN funciona de uma forma diferente do resto dos humanos. Parece ser elástico e quase que diria, inteligente!

Estava à nora. Não conseguia entender o aquilo significava e o Tomas continuou.

 - Quando o teu ADN entra em contacto com o agente mutágenico, não é subjugado. O teu ADN é mais forte que o vírus o que eu saiba nunca aconteceu antes.

Era tudo muito estranho e tentei entender as explicações dele:

 - No entanto o agente mutagénico não perde a eficiência ou nesse caso serias imune a ele – continuo ele -. O que acontece é quase como se o teu ADN escolhesse as características do nosso ADN e aproveitasse para evoluir, puxando para a sua informação genética aquilo que lhe interessa. Nos outros humanos eles apenas experienciam sensações de euforia e alucinações fruto da doença que o vírus lhes provoca. O nosso sangue não é uma droga como se pensa, é uma doença que lhes provoca alucinações como as provocadas pela febre.

Percebi o que ele me disse mas não conseguia ver o alcance da sua informação

 - Isso quer dizer que se continuar a entrar em contacto com sangue de vampiro vou eventualmente transformar-me em vampiro também?

 - Não. Acho que te vais ser sempre humana mas com características físicas muitos diferentes!

 Sentia a minha cabeça a explodir de tanta pergunta

 - Como assim? Perguntou o Eric

 - O seu ADN é muito forte e não me parece que as suas características que a fazem humana desapareçam. Aparentemente será sempre o ADN predominante. No entanto vai adquirir as nossas características que nos fazem ser como somos. Vai ficar cada vez mais forte, mais rápida, mais inteligente e acredito que vai deixar de se degradar. Os humanos envelhecem e morrem porque oxidam por excesso de oxigénio livre nas células e nós temos genes que impedem que essa oxidação das células ocorra. Se ela continuar a ingerir sangue vai adquirir essa capacidade. Aliás há claras evidências que essa transformação já começou.

 - Eu não posso morrer? – Por momentos pensei que ia desmaiar

 - Podes! És humana! Se fores ferida mortalmente, morres! E continuas a envelhecer mas nota-se que a um ritmo mais lento. Acredito que neste momento estejas numa fase em que a tua vida se prolongou por mais uns bons anos. Se tudo continuar como aqui morrerás de velhice como qualquer outro humano mas é provável que essa idade aconteça um pouco mais tarde. As tuas células demonstram sinais já, de aparente resistência à oxidação e a doenças e mesmo tu disseste que há 1 ano que não ficas doente.

Se não estivesse tão chocada teria respirado de alívio. No entanto sentia-me completamente no abismo!

E então o Eric fez a pergunta do milhão de euros:

 - Ela nunca poderá ser transformada em vampira?

 - Acredito que sim. É humana ainda. Uma humana que começa a ficar mais forte e imune à passagem do tempo mas humana. Se for drenada por completo e receber o nosso sangue, o vírus será predominante. A questão que se põe é, no caso dela, para que farias isso?

 - Não percebi – disse o Eric e eu também não

 - Repara, se a transformares num ser igual a ti, ela terá as características que nos tornam poderosos mas também as características que nos condenam a uma existência miserável. A nossa incapacidade de nos alimentarmos de outra substancia que não seja sangue humano, a nossa intolerância ao sol, a nossa incapacidade de evolução. O nosso corpo é quase morto, os nossos órgãos não funcionam, pelo menos alguns deles como o coração, pulmões, sistema digestivo e urinário. Não temos sentimentos e somos apenas assassinos que vivem apenas com o objectivo de sobreviver.

 - Se nunca a transformares mas lhe fores dando o teu sangue, ela manter-se-á humana com as características fisiológicas de uma humana. Apenas adquirirá mais força, velocidade, resistência e acredito que não poderá envelhecer. Adquirirá a capacidade de sarar como nós quando ferida e poderás mantê-la junto a ti, se é isso que entendi que a tua pergunta tinha como implícito.

A ideia não me parecia estapafúrdia de todo. Quem não gostaria de ter a vida eterna sem ser condenado a uma existência nocturna em busca de sangue humano? Tinha no entanto mais duas perguntas para fazer ao Tomas.

 - Os efeitos serão irreversíveis?

 - Não. Se privada do vírus mutagénico o teu ADN acabará sempre por se sobrepor ao nosso. Se não tomares mais sangue daqui até ao fim da tua vida, acabarás por perder as capacidades adquiridas e morrerás naturalmente.

 - Qual é a tua teoria para eu ser uma mutação do ADN humano, ou seja, porque funciona diferente comigo o sangue de vampiro em relação aos outros?

 - Minha querida, estudaste biologia na escola? Deves estar recordada que há mutações. No bolo feito dos genes do pai e mãe, há sempre casos em que o código genético resultante apresenta mutações. Não é uma ciência exacta e as mutações existem. Umas são benéficas e podem dar origem a novas características ou espécies, outras são debilitantes e os seus portadores terão uma fraca vida ou morrerão dessas alterações.

No teu caso, aparentemente não vejo nada que te provocasse alterações excepto se sujeita ao nosso vírus mutagénico. A tua aparente resistência ao vírus passaria escondida se nunca te tivesses cruzado com um vampiro curioso que te resolveu dar o seu sangue ou se tivesses querido experimentar os efeitos da droga no teu corpo, comprando sangue através das redes de tráfico.

Sei agora que os vampiros não costumam dar sangue de livre vontade a humanos, excepto quando os querem transformar. O sangue que circula no mercado é fruto de ataques contra a vontade dos vampiros. O Eric quebrou as regras ao ceder-me sangue com o objectivo de ter controlo sobre os meus sentimentos. Não que os vampiros tenham escrúpulos em fazer isso aos humanos. A questão é que se pensam tão superiores a nós que não é compreensível que queiram sentir emoções humanas.

Sei que o Eric ficou curioso quando me conheceu e que a forma como o enfrentei o deixou a pensar. Sentiu subitamente uma compulsão de saber o que eu sentia e não foi calculista e pragmático como sempre. Foi um erro que ele cometeu. Alguém com a idade dele não devia cometer erros desses. É um segredo que temos que manter entre nós. Poderia pôr em causa o seu discernimento perante os seus pares. Havia agora mais um vampiro que sabia de tudo e sabemos bem que um segredo deixa de o ser quando mais do que uma pessoa o sabe. No entanto os vampiros não tem o nosso gosto pelo leva e trás. São objectivos e neste caso, enquanto o Tomas guardasse o que sabia de nós, teria mensalmente um largo valor monetário na sua conta bancária para poder evoluir nas suas pesquisas. Sem contar que nenhum vampiro parece querer arranjar um inimigo como o Eric. A sua fama de implacável precede-o.


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