Mutação Oculta escrita por Athenaie


Capítulo 18
Capítulo 18




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Apesar das minhas recentes capacidades físicas ainda sou humana e como tal tenho sono e, fico chata quando tenho sono e, foi refilando e com um humor de cão que me arrastei pelo aeroporto de Lisboa atrás do Eric a caminho do hangar de onde sairíamos num avião a jacto alugado de propósito para o efeito. Eram 2 da manhã. Estava mais frio pois já estávamos em Outubro. A viagem duraria 5 horas e chegaríamos a Houston pela mesma hora, já que em virtude do fuso horário a duração da viagem seria equivalente ao mesmo. Não havia assim perigo de aterrarmos em plena luz do dia.

O Eric sorria cada vez que eu assoprava de mau humor.

 - Há café no avião! – disse ele para se meter comigo. Vampiro ou não ele já devia saber que quando estou de mau humor é melhor não me dizerem nada

 - Eric, cala-te um bocadinho. Deixa-me beber café primeiro. Depois falamos, está?

Ele riu-se e lá fomos atravessando os diversos balcões de check-in até ao que nos estava reservado. Alguns passageiros olhavam para nós. Nem todos os humanos reconhecem imediatamente um vampiro quando o vêem. È verdade que são muito pálidos mas isso não é apenas uma característica deles. Eu também sou muito pálida quando não estou maquilhada e nunca fui confundida com uma vampira. Alem disso os traços nórdicos do Eric davam-lhe uma aparente normalidade. Quase todos os nórdicos são altos, loiros, brancos e de olhos azuis. Já o seu aspecto na globalidade fazia as mulheres virarem a cabeça na sua direcção e consequentemente na minha, tendendo perceber o que eu tinha de especial para estar na companhia de semelhante espécime masculino.

Passado as formalidades oficiais de embarque num aeroporto que são iguais para vampiros ou humanos, lá fomos conduzidos de carro até ao nosso avião.

Era um modelo a jacto pequeno e muito aerodinâmico. Com o sono e o escuro não vi bem que marca era e nem estava interessada. Eu queria era café e começava a ficar preocupada com o tempo de voo. Não poder fumar nos aviões era algo que me deixava os cabelos em pé.

O interior do jacto era luxuoso e fomos recebidos por uma hospedeira que se desfez em simpatias. O tempo de espera para a descolagem foi curto, apenas o tempo de nos sentarmos, apertarmos os cintos de segurança e ouvirmos a famosa sessão de segurança. Não fumar a bordo – bah!

Já viajei muito de avião mas normalmente em grandes aviões comerciais. Num jacto privado era a primeira vez e imaginei que a descolagem ia ser uma sensação alucinante. Quando o avião se fez à pista com os motores a fundo agarrei com força o banco.

 - Nervosa?

 - Digamos que acho que há um motivo pelo qual não nascemos com asas!

 E o avião descolou ficando eu colada ao banco!

Pouco tempo depois tivemos permissão para desapertar os cintos de segurança, coisa que nunca faço, não vá passarmos por um poço de ar e a hospedeira veio trazer-nos bebidas. Finalmente o meu café. Só ficava a faltar o cigarrinho para daqui a umas 5 horas de viagem. Oh mãe!

O Eric como é óbvio não bebeu nada. Não havia propriamente sangue para ser servido a um vampiro na aviação comercial a não ser que a hospedeira fizesse parte do menu também.

 - Essa conversa que vocês inventaram dos bancos de sangue foi uma real treta! – Disse-lhe

 - È uma treta que os humanos preferem acreditar. Qual era a alternativa? Dizer abertamente que tudo continua como sempre foi, apenas eles não se lembram?

 - Havia de ser o bom e o bonito!

 - È do domínio público que há humanos que não se importam de servir de alimentação – continuou ele – mas a opinião pública em geral parece pensar que como quem o faz, o faz de livre e espontânea vontade então nada tem que opinar.

 - Por acaso nunca percebi bem isso. Vocês não bebem sangue armazenado porquê? Só pela adrenalina de morder?

 - Principalmente. Nunca viste o que acontece aos leões no zoo, quando apenas são alimentados e não caçam? Tornam-se lentos, fracos e tristes. No entanto não é só isso. O sangue não sabe ao mesmo. Dá para desenrascar se não houver nenhum humano por perto mas mesmo aquecido, falta-lhe oxigénio.

 - Como é que isso se processa? – Na realidade já tinha pensado perguntar-lhe muitas vezes, mas de uma forma ou outra havia sempre outra conversa que se impunha e isso foi ficando para segundo plano. – Pergunto, como é que o vosso corpo processa a energia a partir do sangue? Vocês estão como mortos, o vosso corpo internamente não funciona, pelo menos não como o nosso.

 - Acho que funciona da mesma forma do vosso, vocês convertem os alimentos em nutrientes que entra na vossa corrente sanguínea, que vai dar energia às células. Da mesma forma que o fazem com o oxigénio. Nós passamos esses passos e aproveitamos o vosso sangue carregado de nutrientes e oxigénio que entra directamente na nossa corrente sanguínea.

 - Mas nós temos um coração que bombeia o sangue pelo corpo e vocês não têm isso.

 - Pois não, mas vocês respiram e precisam de uma corrente sanguínea mais rápida para recolher o oxigénio nos pulmões e entregar o dióxido de carbono. Nós não tendo esse processo a nossa corrente sanguínea pode ser mais lenta. À velocidade que corre é o suficiente para alimentar as nossas células de nutrientes e oxigénio.

 - Isso quer dizer que vocês não estão realmente mortos…quer dizer…as vossas células convertem nutrientes e oxigénio em energia. Há uma espécie de vida nos vossos corpos.

 - Sim, acredito que a nossa espécie é apenas mais eficiente que a vossa. Não precisamos gastar energia para ter energia. Não precisamos de energia para pôr em funcionamento, uma serie de órgãos. Logo, uma pequena quantidade do vosso sangue dá-nos energia suficiente para vários dias e conseguimos ter mais força e resistência que vocês.

 - Há uma coisa que eu não compreendo.

 - Diz.

 - Como é que vocês são criados a partir de nós? Não há vampiros que não tenham sido humanos! Quem foi o primeiro vampiro? O que acontece na transformação? Como é que o vosso ADN se modifica? Pensa comigo, todas as nossas células do corpo tem o nosso ADN inscrito e todas essas células se modificam, ganhando um novo ADN e com isso capacidades muito diferentes, como o facto de não degradar com o tempo.

 - Nunca soubemos e até há pouco tempo ninguém se preocupava com isso. A preservação das nossas vidas era tudo o que nos importava. Estamos cá e queremos continuar cá, de modo que esse tipo de questão existencial nunca nos assolou a mente e mesmo que alguém tenha pensado nisso não há forma de saber nada disso. Cada um de nós tem a sua própria teoria mas o Tomas é talvez o único cientista-vampiro do mundo a estudar isso. Talvez ele te saiba explicar isso ou não.

A minha mente estava cheia de perguntas sem resposta. A espécie dele é ainda um grande mistério para mim e no fundo até eu sou uma infinidade de perguntas sem resposta. O que há em mim que me torna diferente dos outros humanos? Porque adquiro eu algumas das capacidades dele quando bebo o seu sangue? O meu ADN estará a modificar-se aos poucos? Acordarei um dia de corpo gelado e sem precisar de respirar? Estava prestes a ter um ataque de ansiedade a pensar em tudo isso. Já não basta não gostar de voar, não poder fumar e ainda me ponho a pensar em semelhantes questões?? Vou dormir.

E dormi.

Acordei com o Eric a tocar-me no braço. Estávamos prestes a chegar ao Aeroporto de Houston. Preparei-me para a aterragem.

O avião poisou suavemente e em breve estávamos a descer as escadas do mesmo. A noite estava fria em Houston e procurei o casaco que levei para essa eventualidade.

Após recolhermos a nossa bagagem encontramos um motorista que mostrava um cartaz onde se podia ler: Mr Northman que após os cumprimentos da praxe nos levou de carro até à casa de Tomas Bedford. O percurso foi longo, quase uma hora e chegamos lá pouco antes do sol nascer.

Tomas Bedford estava à nossa espera. Era um vampiro de cerca de 1,70 m de altura e aparentando uma idade na casa dos 50 anos. Nem todos tem a sorte de serem transformados em novos, pensei. Tinha o cabelo grisalho e um ar de intelectual. Aquilo que nós nos tempos de escola chamamos de marrão. Só lhe faltava os óculos que claro que não precisava. Cumprimentou o Eric com alguma reverência. Percebi que devia ser mais novo que o Eric logo mostrava-lhe o respeito consequente. Olhou então para mim e disse num inglês com sotaque texano:

 - Presumo que seja a humana que tanta curiosidade despertou no Eric.

 - Alexandra Martins, muito prazer - apresentei-me eu

 - O prazer é meu – disse-me ele mostrando-me um sorriso de orelha a orelha. Ena um vampiro a sorrir no primeiro encontro. Uma novidade! – Não é todos os dias que nos deparamos com um humano interessante. Quando o Eric me contactou e me contou a sua história senti-me irremediavelmente curioso. Uma humana que adquire as nossas capacidades e não é passível de ser controlada? Isto é um achado sem precedentes!

 Fiquei apreensiva. Senti-me a afogar em terra seca. Seria melhor deixar tudo como estava ou quanto mais se soubesse sobre mim mais em perigo eu podia ficar? Decerto os vampiros não comungam todos da opinião do Tomas. Uma humana que adquire capacidades dos vampiros não é decerto uma novidade que gostarão. Estaremos nós a abrir a porta a algo que será depois difícil conter?

O Eric sentiu a minha apreensão e deu-me a mão. Era tarde e todos, vampiros e humana, precisavam de descansar e dormir. Um empregado encaminhou-nos ao nosso quarto e finalmente ficamos a sós.

Não desfizemos malas nem nada. Tiramos algo apenas para vestir e fomos tomar um duche. O chuveiro era bastante espaçoso para nós os dois. Enquanto ele me ensaboava as costas perguntou-me:

 - Estás com medo de quê? Não parecias com problemas em vir fazer testes antes!

 - Ocorreu-me só agora que talvez o que eu seja, seja lá o que isso for, se se souber me poderá pôr em perigo.

 - Como assim?

 - Ora como! Tu mesmo me disseste já várias vezes que eu e tu juntos já somos um problema. Junta a isso a hipótese de eu ter ou ser algo diferente, algo que os vampiros não compreendam. Sabes bem que vocês não gostam de coisas que não compreendam. Daí a ir parar a uma campa vai ser um tirinho!

 - Sejas o que for, ninguém vai saber.

 - Como não? Então e o Tomas?

 - O Tomas vai ser muito bem pago pelos seus serviços e eu vou financiar as suas investigações no futuro. Em troca nada sobre ti se poderá saber. Não só lhe retiro todo o patrocínio que lhe é indispensável para ele continuar com as suas investigações como o mato com as minhas próprias mãos e ele sabe bem disso! Não ficarás mais em perigo do que já estavas e eu asseguro-te que se estamos aqui é apenas para nós os dois sabermos com o que estamos a lidar e como viver com isso. És muito importante para mim, sabes disso e não permitirei que algo te aconteça. És minha!

E afinal não estava assim tão cansada e a hora que se seguiu mostrou-me isso mesmo.


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