In My Head escrita por IsabelNery


Capítulo 28
Filipe: Desativado




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P.O.V. Filipe

Minha mão começou a formigar instantaneamente. Como isso aconteceu? Será que não passou de um sonho na minha cabeça? Não, mesmo que eu esteja aqui na minha cama com a exata roupa da última vez que estive aqui, eu tenho certeza de que tudo ocorreu pelo simples fato da minha mão estar formigando. Eu consigo me lembrar claramente da mão de Belle segurando a minha, dela ao meu lado, de Rosa e Tyler, do frio e do cinza, principalmente do cinza. E, por incrível que pareça, voltar ao meu velho quarto, com todas as suas cores, não foi muito chocante para meus olhos, era uma sensação boa, como quando se toma seu sorvete favorito depois de meses sem o mesmo. E não eram apenas as cores, eu havia mudado.

Levantei-me e fui direto pro quarto da minha irmãzinha. Bati na porta e entrei, eu tinha que garantir a sua segurança a partir de agora. Contudo, ao vê-la brincando no chão com duas bonecas vestida com seu pijama cor de rosa, meu coração desabou. Há quanto tempo não via aquele rostinho que tanto amava? Eu corri para abraçá-la.

— Calma, Lipe. Tá tudo bem.

— Elisa, você não sabe o quanto eu senti sua falta, linda! – E a enchi de beijos na testa e na bochecha.

— Mas você me viu ontem, quer brincar comigo? – Ela perguntou sorrindo.

— É claro que brinco com você, mas pode ser depois? Quer vir para o meu quarto por enquanto? Pode trazer suas bonecas. Preciso resolver umas coisas, está bem? – Ela apenas assentiu e veio com as bonecas para o meu quarto, tranquei a porta para impedir que algum dos meus irmãos entrasse. De agora em diante, Elisa estaria sempre sã e salva. Ela se sentou no chão e voltou a brincar, eu peguei meu celular e fiz algo que, na verdade, não lembro há última vez que o havia feito: liguei para o meu pai. Eu já havia me decidido sobre como seria a vida a partir de agora. E jamais ligaria para a minha mãe, nem lembro do rosto dela direito, e nem sei se ela sequer se lembra que tem sete filhos, afinal ela nunca cuidou de nenhum de nós, só gasta o dinheiro do meu pai viajando com seus amantes e amigas. Depois de algumas chamadas meu pai atendeu.

— O que aconteceu? – Ele disse rude.

— Bem, como o senhor não sabe porque nunca está em casa, eu decidi te contar sobre algo que deve ser feito e o porquê disso. Está com tempo para conversar por cinco minutos?

— Está bem, mas seja rápido. – Falou meio ríspido.

— Ok, isso já acontece há anos, mas acho que agora chegou a hora certa de te contar uma vez que Elisa, sua filha de cinco anos, pode começar a sofrer se não mudarmos a situação atual. É o seguinte, várias vezes por semana seus cinco filhos mais velhos reservam uma boate e a enchem com mulheres, bebidas e drogas. Eu não me importaria com isso, mas eles me a ir para aqueles lugares nojentos. E, caso eu me recuse a ir ou não faça o que me mandam, me forçam a fazer a chamada Punição. É bastante simples, dois seguranças me seguram enquanto eu sou forçado a fazer sexo oral neles. E isso se repete quase toda semana desde os meus oito anos justamente porque não quero ser como eles. Então, o meu medo é que eles comecem a fazer isso com Elisa, já tenho que ficar perto dela quase o tempo inteiro para que não lhe deem bebida ou alguma droga. Assim, a solução que eu encontrei foi afastá-la deles o máximo possível. Eu não me importo com a educação deles contanto que não machuquem quem está ao seu redor. Por conta disso, estou ligando para pedir ao senhor que me permita ir morar em outro lugar com Elisa e uns dois empregados, claro que tendo algum segurança por conta de meus irmãos. Então, o que acha da ideia? Pode ser em qualquer lugar do mundo. – Falei e fiquei esperando sua resposta, me senti como se tivesse um peso enorme em mim, como uma âncora me prendendo ao chão e, apenas ao falar isso, eu me livrara da âncora. – Pai?

— Err, desculpe, Filho. Eu só nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer em minha própria casa. Eu lhe peço perdão por tudo que você sofreu, pode deixar que vou dar um jeito em seus irmãos. Acho que posso passar em casa mais tarde depois de uma reunião na Dinamarca. Mas é claro que você e sua irmã podem se mudar, escolha o local para onde quer ir e me avise. Meu deus, eu realmente estou chocado. Mas não se preocupe, eu vou mudar meu testamento quando chegar em casa, a partir de agora você será o meu herdeiro principal. – Ele disse.

— Uau, muito obrigado mesmo pai. Nem sei o que dizer. – Falei estático.

— Ok, então, acho que é isso, tenho que ir, tchau, err, filho. – Falou e desligou. Desliguei em seguida com um sorriso nos lábios. Olhei para a menininha brincando de bonecas no chão e me senti leve, feliz na verdade. O pesadelo acabaria.

Eu sai do meu quarto e desci para pegar alguma comida, havia tanta comida junta na mesma mesa que eu nem sabia por onde começar. Peguei três pacotes com pães, queijo, mortadela, salsicha e coloquei numa bandeja para voltar ao meu quarto. Fiz um sanduíche para minha irmã e devorei o resto. Depois de cheio e com Elisa vendo um filme da Barbie, finalmente relaxei, até por uns minutos, mas acordei com o som do meu celular tocando e um número desconhecido, atendi na hora.

— Alô. – Eu disse.

— Alô, Filipe? Sou eu, Belle. – Ao ouvir aquela voz senti como se estivesse flutuando, não pude conter minha alegria.

— BELLEEEEE! Meu deus, que saudades! Eu sei, só faz algumas horas, mas mesmo assim. Como você está? Já falou com os outros?

— Eu estou bem, também com saudades, não falei ainda. Mas acho melhor nos falarmos por Skype, é que fica difícil por ser ligação internacional. – Ela disse.

— Ah, claro, claro. Eu vou te adicionar, ligo para eles e depois faço uma chamada com os quatro, ok? Vou ver um fusorário bom para todos. – Eu disse.

— Obrigada, eu vou desligar agora, até mais tarde.

— Beleza, até Belle! – Então desligamos e um vazio se instaurou dentro de mim. Aí decidi ir ao banheiro para tomar um banho, mas fiquei uns dois minutos encarando uma figura pálida e extremamente magra no espelho até descobrir que era eu. Eu não entendo ainda o porquê de terem feito isso conosco. Porém o que eu posso fazer de melhor por esses tempos é aproveitar a boa alimentação que tenho a disposição para mudar essa situação o mais rápido possível. E, após um longo banho e um filme sobre uma princesa da Disney, eu já estava louco para passear e sair daquela casa. E foi exatamente o que eu fiz. Trouxe um pouco mais de comida para o meu quarto e tranquei Elisa lá pelo lado de fora, qualquer coisa ela sabe que poderia me ligar. Assim, eu consegui sair pela porta da frente sem ter nenhum encontro com algum de meus irmãos, afinal, eles nunca acordariam antes das duas da tarde em um sábado.

Eu comecei a andar pelas ruas sem destino algum apenas pensando nesses últimos dias, que aparentemente não existiram no mundo real, em como eu odiei os primeiros dias e, nos últimos, como havia me acostumado, na medida do possível e, até meio que gostava de estar lá. Não sei como explicar direito, mas era uma boa sensação acordar primeiro no quarto cinza e vagar sozinho por ele até os outros acordarem. Na verdade, até penso que poderia trabalhar naquela “empresa” no futuro, sei que os odeio pelo que fizeram, mas justamente por ter passado por essa situação que posso evitar que outros passem ou fazê-los passar de uma forma diferente, pelo menos sabendo que não estão mortos pensando que ali é o céu ou o inferno.

Quando voltei a prestar atenção no mundo a minha frente estava sentando sozinho em um banco olhando para o porto. Não tinha a menor ideia de como minhas pernas haviam me levado para lá, mas isso me lembrou de quando era pequeno e amava vir aqui, podia aproveitar observar a beleza do mar seja com o sol acima dele, seja com a lua, ou apenas com estrelas.

Ao perceber que o sol começava a se pôr, me levantei e fiz o caminho de volta para casa e, ao chegar lá, vi uma cena que era, ao mínimo, estranha. Meu pai estava jantando na mesa com todos os meus irmãos.

— Ah, Felipe, você chegou, quer nos dar o prazer de sua companhia no jantar? Vá chamar sua irmã e venha. – Meu pai disse com a maior calma do mundo. Apenas assenti e fiz exatamente o que ele me pediu. Elisa estava dormindo na cama de baixo do beliche quando cheguei, parecia um pequeno anjo.

— Ei, linda, acorde, hora do jantar. – Ela abriu os olhos, se levantou e me seguiu com um pouco de preguiça. Mas tomou um pequeno susto ao ver a mesa cheia.

— Pa-papai?

— Oi, querida, sente-se, venha comer. O peixe está uma delícia. – Nos sentamos na outra ponta da mesa, meus irmãos estavam com uma espécie de confiança estampada no rosto e não paravam de comer. Durante um período de tempo, a mesa ficou completamente silenciosa a não ser pelo barulho dos talheres.

— Bem, - Meu pai começou a falar depois da sobremesa – acho que todos devem estar curiosos sobre eu estar em casa, mas eu vim porque era necessário, preciso falar sobre certos assuntos com todos vocês. A começar pelo mais simples, eu estou me divorciando de sua mãe, cansei de ser traído por ela enquanto ela apenas gastava meu dinheiro, então liguei para ela hoje. Ela nunca se fez presente na vida de vocês e isso não mudará agora, apenas não se importem com isso e esqueçam as chances de algum dia ela voltar para casa. - Um silêncio ensurdecedor reinava na mesa enquanto ele falava, apenas ele conseguia ter esse poder nos meus irmãos. – E, eu tomei uma série de decisões hoje. Vocês podem começar a se acostumar a me ter em casa, pois ficarei morando aqui permanentemente. Consigo trabalhar em casa e, se necessário, posso participar de reuniões internacionais pelo computador. Fora isso, a partir de agora, acabaram-se os privilégios de vocês, como posso agir com dignidade se meus filhos são um monte de babacas incompetentes? Ou acham que eu não sei que usam o dinheiro da faculdade para festas? Portanto, João, Miguel, Henrique, Alexandre e, principalmente, Carlos Júnior, que deveria ser o exemplo dos irmãos, precisam ser severamente reprimidos até se encaixarem nos eixos da sociedade. Sabem o que significa? Que serão mandados para um internato até aprenderem a se comportar. Entendido?

— Pai, eu não estou entendendo o porquê disso tudo. Não há a menor necessidade de nos mandar para outro canto, está nos tratando feito criança. – Miguel falou.

— Ora, mas como espera que eu não trate vocês como crianças quando estão agindo feito tais? Sabe o que está em jogo aqui? Os seus futuros. A partir de hoje, vocês não terão mais acesso algum a qualquer parte da riqueza que eu construí até que sejam dignos, logo, meu sucessor oficial passa a ser Felipe. – As faces dos cinco mais velhos avermelharam-se de ódio.

— O quê?? Isso não é nada justo, por que não o manda para o internato com o resto de nós? – Alexandre disse.

— Eu não consigo ver uma decisão mais justa que essa. Ele não vai porque eu conheço meu filho e sei que ele não é feito vocês, então eu sugiro que façam as malas porque partirão amanhã pela manhã. Podem se retirar agora e eu garanto que se escutar alguma reclamação o castigo será bem pior. – Ele disse isso e se levantou indo para o seu quarto. Peguei Elisa pela mão e a puxei rapidamente antes que os meus irmãos nos atacassem. Fui com ela para o quarto do meu pai. Bati na porta e entrei.

— Olá, Felipe.

— Oi, eu só queria agradecer por tudo isso. – Falei.

— Oras, de nada. Seu lugar é em casa com sua irmã. – Ele disse enquanto ia para a cama. – Agora, se me dá licença, estou muito cansado e já vou dormir.

— Tudo bem, obrigado, boa noite.

— Tchau, papai. – Elisa falou e fomos em direção ao meu quarto, mas, ao ouvir tudo muito silencioso, sabia que havia alguma armadilha, assim, fiz o caminho para o quarto de Elisa, que felizmente estava vazio e tranquei a porta conosco dentro. Ainda verifiquei o máximo que consegui, tudo estava sem nenhum sinal dos meus irmãos. O que, tenho certeza, seria bastante diferente se tivéssemos entrado em meu quarto, onde eles deveriam estar me esperando com uma arma ou algo do tipo.

— Olha linda, vai tomar banho para dormir que eu hoje eu vou dormir no seu quarto, está bem?

— Tá bem. – Ela disse e foi, em menos de quinze minutos já estava dormindo em sua cama. Aproveitei para ligar seu computador, entrei na minha conta do Skype e tirei os papeizinhos amassados do bolso, adicionei Rosa, Tyler e Belle. Nenhum dos dois estava online e, por isso, iniciei uma chamada com Belle mesmo sabendo que no Brasil eram quatro horas mais cedo, ela atendeu com seu sorriso lindo no rosto. E eu não podia estar mais feliz.


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