In My Head escrita por IsabelNery


Capítulo 27
Isabelle: Desativada


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/125634/chapter/27

P.O.V. Isabelle

Tudo não durou mais que um segundo, ou menos, um piscar de olhos. A mão dele soltou-se da minha, o escuro veio e, ao abrir os olhos, a luz me inundou. Um misto de cores, amarelo das paredes, azul do lençol, cores demais para mim, alguém que havia se acostumado com o puro cinza. O cheiro conhecido de casa, ou melhor, de um quarto. Meu quarto. Onde passei boa parte da minha vida. Eu estava de volta a minha casa em São Paulo. Uma parte curiosa é que estava usando as mesmas roupas que usara pela última vez nessa cama, antes de ser levada ao mundo cinza, àquela experiência da qual apenas em pensar, já me vinham os calafrios. Mas eles logo cessaram. Não havia frio, apenas o calor da cidade que adentrava no quarto. Levei certo tempo para levantar, não sei quanto, há muito havia perdido a noção de tempo.

Ela era pálida, esquelética, magra com os ossos saltando, músculos mais fortes por tudo que havia passado, os cabelos pretos continuavam bonitos e cacheados, os olhos pareciam velhos demais, sofridos para um rosto tão jovem. Ela era eu. Apenas me afastei do espelho e, finalmente, abri a porta. Cores, cores demais, marrom, verde, vermelho, fechei os olhos procurando o escuro confortador.

— Bom dia – Minha irmã passou por mim e falou comigo, mesmo num tom resmungado. Corri até ela e a abracei.

— Peste, que saudades minha peste!

— Eu hein, me solta sua doida, esqueceu de ontem já? Você está de castigo, lembra? – Ela disse

— Eu te amo, irmãzinha. – Falei abraçando mais forte.

— Tá me assustando, me larga véi. – Soltei-a e ela foi correndo descer pela escada. Sai saltitando atrás dela com um sorriso estampado no rosto e, por mais que tentasse, não conseguia me lembrar a última vez que havia me sentindo feliz por estar viva.

Ao chegar em baixo, vi meus pais sentados na mesa já tomando café-da-manhã.

— Mãe, Belle tá meio doida hoje – Minha irmã disse. Eu corri para abraçá-los ignorando o que ela falou.

— Querida, o que aconteceu? Está bem? Parece tão pálida e magra, está doente? – Minha mãe disse e começou a medir minha temperatura com a sua mão para ver se eu estava delirando de febre.

— Eu estou bem mãe, ótima para falar a verdade.

— Venha, vamos nos sentar e comer. - Meu pai falou. Eu sentei e todos começaram a comer calmamente, mas havia tanto tempo desde que havia tanta comida a minha disposição, entretanto, em poucos segundos, estava devorando um sanduíche atrás do outro.

— Vai com calma Belle. – Minha irmã falou. Quando terminei, todos estavam somente me observando de uma maneira meio estranha.

— Está tudo bem mesmo? – Minha mãe perguntou.

— Sim mãe, só, que dia é hoje?

— Sábado, oras. Belle, eu e seu pai conversamos e resolvemos amenizar seu castigo, fomos muito duros com você, basta que esteja em casa às dez todos os dias, está bem? – Minha mãe disse, a peste fez uma careta, mas eu estava feliz demais simplesmente por estar aqui para me importar.

— Ok, mãe, obrigada! Preciso dar uma caminhada, tá? – Disse, dei um beijo na bochecha de cada um e saí, mas antes, peguei meus óculos escuros, não aguentava tantas cores e luz. Não precisava caminhar de verdade, precisava encontrar Charlie e resolver meus problemas de uma vez por todas. Cheguei a sua casa e toquei a campainha. Charlie atendeu com um sorriso estampado no rosto.

— Bom dia Belle, eu já estava indo na sua casa. Aconteceu algo? Você tá um pouco diferente.

— Bom dia Charlie, acho que temos que conversar. – Eu disse e ele me deixou entrar. – Então, sobre ontem, eu não posso ficar com você, quero meu melhor amigo de volta, eu preciso dele.

— Mas, por quê? Eu fiz algo errado? Belle, eu gosto de você. – Ele disse com o olhar triste.

— Não você não fez nada. Sou eu. Desculpa, mas eu gosto de outro. – Disse e ele ficou sério.

— Eu conheço?

— Não, então podemos voltar a ser apenas amigos?

— Claro, prefiro ser seu amigo a não ser nada. – Ele disse e me abraçou.

— Bem, eu acho que já vou indo.

— Ok, até mais Belle! – Eu voltei para a minha casa, meus pais tinham saído para resolver coisas e minha irmã estava trancada em seu quarto.

Sentei no sofá observando as cortinas balançarem com o vento, era algo tão calmo, tão natural. Já havia retirado os óculos escuros desde que voltei, meus olhos já estavam voltando a se acostumar com a clara realidade.

Lembrei-me do papel com o contato dos outros três e corri para meu quarto. Tudo aconteceu, tinha certeza disso, mas precisava do papel para confirmar. As chances de encontrá-los sem ele eram poucas. Após procurar no lençol e no chão, encontrei-o em baixo do travesseiro. Peguei o celular com um pouco de receio, afinal, quanto custaria uma ligação internacional? Mas digitei o número de Filipe e liguei. Chamou duas vezes antes dele anteder.

— Alô. – Ele disse.

— Alô, Filipe? Sou eu, Belle.

— BELLEEEEE! Meu deus, que saudades! Eu sei, só faz algumas horas, mas mesmo assim. Como você está? Já falou com os outros?

— Eu estou bem, também com saudades, não falei ainda. Mas acho melhor nos falarmos por Skype, é que fica difícil por ser ligação internacional. – Eu disse.

— Ah, claro, claro. Eu vou te adicionar, ligo para eles e depois faço uma chamada com os quatro, ok? Vou ver um fusorário bom para todos. – Ele disse.

— Obrigada, eu vou desligar agora, até mais tarde!

— Beleza, até Belle. – Ele disse e desligou. Apenas sentei por um tempo antes que caísse devido ao turbilhão que estava meu cérebro agora. Eu acabei de falar com ele. Levou-me cinco minutos para acreditar: era real.

 Depois fui tomar um banho e quando me dei conta já estava sentada tocando piano. O que mais podia fazer? Não havia mais outra história com buracos negros, fome e frio para explorar. Já resolvi meus problemas, bem, quase, teria que pedir desculpa ao meu professor por xingá-lo, mas isso seria só na segunda. Em resumo, fazia apenas poucas horas que eu voltara e já estava “entediada” com a paz do mundo que tanto sonhei em ter naqueles dias.

Me levantei e sai, não aguentava ficar entre paredes por muito tempo. Caminhei um pouco até chegar em um parque, me sentei em um banco e fiquei observando as crianças brincando, aqueles sorrisos estampados nos rostos sem preocupação alguma. Eu não conseguia me lembrar a última vez que havia sorrido assim, com a simples felicidade por estar viva naquele exato momento. Apenas fui embora sem olhar para trás, não podia ficar triste vendo a felicidade dos outros. Eu vou me recuperar, eu vou me recuperar. Em pouco tempo voltarei a ser eu mesma novamente. Eu não costumava ter reflexões sobre quase tudo, as coisas eram mais simples antigamente e eu gostava disso. Voltei para casa bem a tempo do almoço. Minha família se reuniu novamente e, de acordo com eles, eu já estava mais “normal” em comparação à manhã. Ainda era estranho ter tanta comida à minha disposição, mas comi como uma pessoa normal como se aquilo fosse comum. O almoço foi bastante calmo, tirando que quando fui pegar a sobremesa, lembrei-me do australiano que morreu por conta da comida que eu e Filipe tínhamos roubado para sobreviver e quase vomitei. Apenas sai da mesa alegando estar um pouco doente. Eu estava de certa forma, não podia mais controlar minhas memórias e pensamentos de modo a não ficar triste com eles. Só sei que deitei na minha cama e chorei bastante com o rosto no travesseiro. Por que essas memórias simplesmente não desapareciam? Ia ser melhor para todos. Agora estava no meio do terremoto no Peru entre os quatro troncos de árvores. Aquilo tudo era demais. Estava traumatizada, não queria mais pensar, nem sentir e agora estava com medo de dormir um pouco por não poder controlar meus sonhos.

Pense em algo feliz, disse para mim mesma. Todavia a única coisa feliz que eu podia pensar era o sol, que levava a claridade, algo que não queria ver no momento. Apenas tomei um remédio para dormir e apaguei. Pelo menos não tive sonhos, apenas preto. Minha mãe me acordou quando já estava escuro me chamando para jantar. Engoli um pouco de comida sem ter fome e voltei para o quarto. Eu não podia dizer para meus pais o porquê de estar tão estranha, e isso me doía internamente, pois sempre fui um livro aberto, um filtro se preferir, nunca fui boa com segredos. E agora não posso falar com eles porque pensariam que estou louca e me mandariam para alguma clínica ou sei lá o quê. Antes que adormecesse novamente, o computador apitou o som de chamada do Skype. Corri para ele e sorri ao aceitar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "In My Head" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.