In My Head escrita por IsabelNery


Capítulo 12
Novidade ao Mar


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem!



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P.O.V. Isabelle

 

Inicialmente apenas as íris dos meus familiares ficaram cinzas, logo seus rostos e toda a sua pele, suas roupas e cabelos. Os móveis e a comida também, a essa altura eu não conseguia distinguir as figuras da sala, todas as coisas pareciam sombras cinzas, estátuas. Ninguém se movia, ninguém falava. Levantei-me e corri pela casa, tudo estava ficando cinza, aos poucos observava-se as mudanças e, o que passava por mim, eram apenas sombras. Me tranquei no banheiro e antes que o espelho se transformasse em cinza observei a curiosa figura que aparecia lá, de pele clara e cabelos negros. Demorou pra perceber que era eu, até tentei gritar, mas quem iria me ouvir? E, além disso, meu grito se perdeu na garganta, simplesmente não saía. A partir daí passei de um sonho cinza para um mundo cinza. O pior de todos, atualmente tenho odiado essa cor.

P.O.V. 3ª Pessoa

Na ponta do beliche de cima, um garoto lhe observara. Esse rosto era tão estranho e tão familiar para ela, pelo menos, se tornou assim nas últimas horas. Ela nunca havia visto olhos verdes tão brilhantes, “Os da peste nem se comparam com esses”, havia pensado uma vez. Desde pequena sempre quis ter os olhos da sua irmã, invejava-os. Mas atualmente, isso não lhe incomodava, assim como muitas outras coisas. Até mesmo, sentia saudade deles.

— Você estava se debatendo, a Loira também está assim, só que ela grita. – Pareciam peixes fora d’água, acrescentou Filipe mentalmente. - Felizmente, o Grandão não acordou. Observe, as luzes estão acesas, acordei antes de as acenderem. E tem uma novidade. – Apontou para a parede, o cinza claro ainda estava lá, mas havia uma porta da mesma cor da parede. Mal se via ela, se não fosse o trinco, um pequeno relevo despontado para frente. – Não quis abrir sozinho, poderia ser um novo buraco negro. – A garota apenas assentiu e só agora lembrou que não estava mais na cabana com a família francesa. Sentiu-se feliz por isso momentaneamente.

Sem mais palavras, Isabelle se levantou e andou calmamente em direção à porta. Filipe a seguiu. A temperatura do ambiente estava bem mais agradável do que da última vez que estiveram lá. A brasileira abriu a porta bem lentamente, finalmente uma notícia boa, ou que parecia boa. Um banheiro completo com duchas, pias e quatro cabines. Nas pias, escovas de dente brancas com um relevo em letra: I, F, R e T. Com um pouco de pasta de dente em cada uma. Também havia escovas de cabelo e shampoos nos boxers. Eles voltaram para o quarto e Tyler estava em pé com um sorriso no rosto. Esse sorriso não se acabou nem quando percebeu onde estava. Ele pensava constantemente naquele estranho inglês, o quanto feliz ambos tinham ficado. “Não foi um sonho, não foi um sonho.” Repetia mentalmente várias vezes, ele não tinha sonhado aqueles sorrisos, apesar de ser bem possível. Lenny era bem parecido com Michael, não fisicamente, apenas por dentro: ambos o fizeram sorrir. Este foi o primeiro dia desde a morte de Michael que Tyler estava completamente feliz. Já havia tomado a decisão, se sobrevivesse ao hospício, mudaria o rumo de sua vida. 

— Hi, what is this? (Oi, o que é isso?) – Perguntou se referindo à porta.

— Well, err this is a bathroom. (Bem, err é um banheiro.) – Filipe respondeu, mas estava estranhando a felicidade do “Grandão”, na verdade, invejando-a.

— Cool! (Legal!) – Tyler falou enquanto entrava no banheiro. Isabelle achou que ele era mesmo louco, mas não deu muita importância.

— Why are you so happy? Not that I’m against your happiness, I just don’t see reasons to be so in this situation. (Por que você está tão feliz? Não que eu seja contra sua felicidade, eu só não vejo motivos para estar assim nesta situação.) - Não se ouvia um pio de Isabelle, ela havia voltado para a beliche de cima. Assim que Filipe acabou de falar, Rosa acordou. Desejando que tudo fosse um sonho, não queria ouvir aquelas vozes de novo.

— Well, I saved a life. A guy named Lenny, He’s cool. I helped him with his illness and to find his brothers. I was in a war, I don’t know which. (Bem, Eu salvei uma vida. Um garoto chamado Lenny, ele é legal. Eu o ajudei com sua doença e a encontrar seus irmãos. Eu estava numa guerra não sei qual.) – O português arregalou os olhos, e Rosa fechou os dela com lágrimas nos olhos. Isabelle estava confusa demais para emitir qualquer reação visível.

— Really? I was with Isabelle, I think in an old French, but I’m not sure. (Sério? Eu estava com Isabelle, acho que numa França bem antiga, mas não tenho certeza. ) - O silêncio pairou sobre o quarto até a Loira se dirigir a nova porta. Rosa ficou tão feliz que passou uma hora no banho. Apesar dos boxes serem separados, cada um só entrou no banheiro quando a pessoa que o usou saiu. Os outros não demoraram tanto no banho, e em cerca de trinta minutos, todos estavam limpos. Rosa odiava as roupas cinzas, mas usou-as por falta de opção. Comparado ao primeiro dia, o clima estava agradável, mas estava  aos poucos ficando frio. Não tiveram muita fome depois que escovaram os dentes, entretanto aos poucos ela aparecia.

Filipe até tentou falar alguma coisa, mas a situação não cooperava. Todos estavam felizes com a novidade, mas as necessidades soavam alto. A fome não era um problema tão grande como no primeiro dia, na realidade, já estavam se acostumando a desorganização alimentar. O frio aumentava, e o pior era não saber de onde vinha o frio, não havia ar condicionador, nem janelas. Para piorar as coisas, um Piiiiiiiiii... ressoou no quarto. Desta vez, os garotos taparam os ouvidos, e as garotas enfiaram os rostos nos travesseiros. Seguido do “sinal”, o mesmo aviso foi dito:

— SEGUNDA PROVA EM QUINZE MINUTOS. PREPAREM-SE. – O aviso mais uma vez foi repetido no idioma de cada um com seu respectivo sotaque. E depois, silêncio total, agora o pior era o frio que aumentava constantemente. Apenas Tyler se levantou e esperou pacientemente ou estupidamente pelo buraco com um pequeno sorriso, ele esperava reencontrar Lenny. Isabelle se sentou e enxugou as lágrimas. Filipe estava absorto a tudo, quase sem piscar, com os olhos fixos na parede e o pensamento bem longe. Mas Rosa continuava sem se mexer, Tyler tirou um pouco do sorriso e se dirigiu a Rosa. Ele pigarreou e disse:

— Err, Hi, no, err Hola? (Err, Oi, não, err Olá?) - Filipe deixou escapar uma risada, mas pelo menos Rosa tirou os olhos do travesseiro.

— Hola. (Olá)

— Err, can you help me Filipe? Just translate, please? (Err, você me ajudar Filipe? Apenas traduza, por favor?) – Tyler falou a Filipe, que apenas assentiu. – Resa isn’t it? (Resa, não é?) – Antes que Filipe traduzisse, ela balançou a cabeça, umedeceu os lábios e respondeu baixo: Rosa.

— Oh, Yeah, can you speak english? (Oh, sim, você pode falar inglês?)

— Se puedes hablar inglés? (Você pode falar inglês?) – Isabelle observava a conversa por fora e Rosa estava sentada com os olhos fixos na parede.

— No muy bien, yo no era una buena estudiante. (Não muito bem, eu não era uma boa estudante). – “Pelo menos temos algo em comum” Tyler pensou. E antes que pudesse perguntar algo, Isabelle gritou, ela estava apontando para o chão. Começara a sair das paredes aquele fino pedaço do universo. Antes que fossem “engolidos”, Tyler pulou para a cama de Rosa (Que era a mais perto), mas os dois logo foram para a cama de cima do beliche. Isabelle também fora para a cama de cima do seu beliche, e Filipe (Que estava do outro lado do quarto) também. Era como se quanto mais longe do chão, maior era a segurança. O frio só piorava a situação deles.

— Eu v-vou, você v-vai comigo? –Isabelle perguntou a Filipe tremendo. Este apenas assentiu, mas antes que pudesse perguntar para Rosa e Tyler se os acompanhariam, o grandão se esticou para a cama de baixo na intenção de pegar o lençol dela, mas acabou caindo. Rosa tentou segurar ele, porém acabou sendo levada junto. Em uma queda normal, ele teria tido no mínimo um traumatismo craniano leve, entretanto, ele mergulhou no chão. Poucos segundos depois, Filipe pulou de um beliche para o outro. E mergulhou com a brasileira no buraco.

No começo, até gritaram por Tyler e Rosa, mas os ecos dos gritos se perderam no buraco, e sem resposta se calaram. De certa maneira, a queda foi mais rápida que da última vez, não durou mais que uma hora. O espaço foi diminuindo, mas era mais difícil para Rosa e Tyler que pouco podiam se falar. O buraco de Filipe e Isabelle estava se acabando, só que desta vez o português permaneceu de olhos abertos, o que fez seus olhos encherem de areia. Ele caiu de cara no chão e começou a resmungar, enquanto a garota observava a praia que estavam e, mais à direita, os navios num porto. O cheiro de peixe era forte e fedorento, várias pessoas entravam e saíam sem parar, de todas as cores e raças que já viram. Após esfregar bastante os olhos, Filipe conseguiu enxergar um pouco do que estava ao seu redor, até sorriu por um momento.

— Por que está sorrindo?

— Meu pai trabalha com comércio entre portos, não este claro, mas é uma lembrança boa. – E se calaram, seus olhos ainda ardiam, e isso só o fazia coçá-los mais. Algumas pessoas os encararam por instantes, afinal, não era nada normal duas crianças perambulando pela praia, ainda mais com aquelas roupas cinzas estranhas. Andaram pela praia até o porto, estava uma brisa leve e agradável. Chegaram lá, e Filipe esticava os ouvidos tentando saber qual era o idioma. Porém, as pessoas se afastavam quando ele chegava perto, ou com medo de que ouvisse suas conversas, ou pela sua aparência. Até que um cara, provavelmente bêbado, começou a gritar.

—Everyone up the board! Everyone up the board!(Todo mundo subindo a bordo! Todo mundo subindo a bordo!) – Ele estava com roupas sujas, dentes amarelados, e possuía uma nojenta barba marrom. Isabelle ainda observava os barcos de madeira e uma bandeira que balançava freneticamente, mas conseguiu ler Port of Dover (Porto de Dover), antes que o bêbado puxasse seu braço, Filipe pegou sua outra mão e seguiu atrás tropeçando em quase tudo. Aparentemente, o louco não percebia o que estava fazendo, Isabelle até tentava se soltar, mas o homem era bem mais forte que uma magricela mal alimentada nos últimos dias. O louco pegou mais uns caras pelo outro braço e três mulheres camponesas os seguiam. O cheiro era horroroso, uma mistura de peixe podre com suor. Caminharam pouco até o bêbado puxar Isabelle para um barco ancorado.

Assim que subiu jogou-a na proa e a cabeça dela se chocou contra a madeira, Filipe pulou pra dentro se dirigindo a ela, as outras pessoas chegavam aos poucos, mas não se importaram com a garota. Um galo na cabeça e um hematoma no braço de Isabelle apareceram, distraído, o português não percebeu que a corda que prendia o barco ao porto havia sido solta. Não havia como sair, pois se tentasse nadar, como carregaria uma garota desacordada?

Poucos minutos após deixar o porto, a estrangeira acordou, há essa hora, Filipe estava (por ordem do bêbado) passando pano no convés. Rapidamente a mandaram ir para a cozinha ajudar as mulheres a preparar o almoço. Não era tão difícil como foi na França, principalmente pelas condições de tempo.

Quando o estrangeiro acabou de limpar, um dos caras (Que usava tapa-olho) mandou-o subir na cestinha e avisar se via alguma tempestade ou ilha. Ele adorou a ideia, era bem mais fácil que escalar árvores, apesar de ter navegado várias na outra vida, nunca subira ali, sempre alguém o fazia. Pouco tempo depois a “emoção” acabou. Queria fazer alguma coisa interessante. Quando percebeu que não havia ninguém na proa e popa desceu. Todos já estavam comendo, cada um em um lugares diferentes, se juntou à estrangeira e tentou comer aquela gororoba nojenta.

— Acredite, não fui eu quem fez isso, só o que fiz foi limpar a cozinha. – Isabelle falou bem baixinho. Comeram tudo e conversaram um pouco, longe dos outros é claro, poderiam achar que eram espiões só por falar uma língua diferente. Nesses dias, era bastante comum haver invasões. Em uma hora, a garota já enchera um balde de vômito, com a comida ruim e o balanço do barco, daqui a pouco precisaria de mais dois.

— Que dia é hoje? – Ela perguntou após pensar sem colocar nada pra fora.

— Eu não sei. – Não tinha a menor ideia, até que teve uma ideia estupida: Falar ao capitão.

— Excuse me, er Sir, What day is it? (Com licença, er Senhor, que dia é hoje?)– Rindo do garoto, o bêbado virou a garrafa e falou rispidamente:

— October 27, 1848.

 


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Notas finais do capítulo

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