In My Head escrita por IsabelNery


Capítulo 11
Estranho numa Guerra


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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P.O.V. 3ª Pessoa

 

Ele estava em pânico. Sua primeira reação foi se jogar na lama, a chuva só piorava as coisas. Tyler fechou os olhos, mas ainda conseguia ouvir os tiros e os canhões. Homens gritavam em idiomas que ele não compreendia. Ficou imóvel no chão, fingindo estar morto para não lhe notarem. Mas, como não reparar em um garoto de calça e camisa cinzas entre soldados de uniforme?

Perto dele, quase do lado, havia um soldado morto, ensopado do próprio sangue. Tyler tentou jogar um pouco de sangue em cima de si para que sua morte parecesse mais realista e não atirassem contra ele. Contudo, os soldados estavam ocupados demais com o tiroteio para perceber tais movimentos. Ele rasgou um pouco sua camisa e a encharcou com o sangue alheio, retornando-a para seu corpo. Levou um susto quando alguém começou a gritar: Run! Run! Run! (Corram! Corram! Corram!). Apesar do sotaque diferente, ele rastejou um pouco para o lado onde ouviu uma língua conhecida. Quando levantou os olhos, viu várias pessoas correndo e no horizonte uma espécie de fumaça branca. Num piscar de olhos, ele se levantou e correu na direção contrária a fumaça – Sabia que aquele inferno de atletismo no colégio valeria a pena algum dia. – Pensou enquanto pulava arames e soldados mortos. Olhou para trás, a fumaça estava cada vez mais perto. Apesar do campo aberto, soldados eram engolidos pelo gás que se aproximava cada vez mais depressa. Ele avistou um monte de sacos de farinha empilhados, sabia que não conseguiria escalá-los antes que a fumaça chegasse até ele. Não tinha para onde correr. Tyler se jogou na lama, cobrindo o rosto. Felizmente a fumaça não chegou, ou se o fez não surtiu efeito algum em Tyler. Ele ficou lá por um bom tempo, até sentir lhe cutucarem o corpo com um pé. O que faria? Se virasse poderiam lhe matar, se não virasse o que eles fariam? Seguiriam em frente? E se houvesse recolhida se corpos?

Por fim ele decidiu que não se mexeria. Quando os homens estavam quase saindo do campo, Tyler sentiu o cheiro inconfundível de percevejos – Merda! – Ele quase disse, pois era alérgico a esse tipo de besouro. Tyler tentou ao máximo ficar parado, mesmo com as patinhas subindo pelas suas costas. Até que ele não aguentou e espirrou. Inúmeras cabeças se voltaram para o campo, com suas armas apontadas. Para sua sorte, havia um cara vivo, mas com as pernas ensanguentadas do outro lado. Os soldados o mataram e foram embora. Depois de mais ou menos uma hora, o estrangeiro correu para as trincheiras vazias.

Procurou por comida que não fora atingida pelas bombas, mas não encontrou nada. Vasculhou entre os corpos no chão, mas os potes estavam vazios. Saiu da trincheira, atravessou o território cheio de corpos e sangue. Pegou uma arma e, pela primeira vez no dia, ele avaliou o terreno com calma. Havia um enorme emaranhado de arame farpado, várias poças de sangue, algumas trincheiras e, ao leste, havia algo parecido com uma floresta. Vendo que o sol começava a se por no oeste e estava com muita fome, se arrastou para dentro da floresta. Nunca é bom entrar em algo desconhecido com medo, e a situação piora se for à noite. Entretanto, Tyler mal havia entrado e quase não restara resquício de dia. Tropeçou em galhos e pedras dezenas de vezes, mas não parava de andar. Tinha que encontrar algo para se abrigar dos animais que escutava antes que os visse e, principalmente, dos soldados. Quando os seus pés se chocaram com a água de um riacho, o estrangeiro levou um susto. Ele encheu as mãos e bebeu bastante do líquido. Conseguiu pegar um peixe com a mão e o comeu cru devido à fome.

Ele teve a leve impressão de ouvir uma espécie de chocalho, mas não se importou. Até o momento em que sentiu algo grudento e escorregadio subir em sua perna. Óbvio que era uma cobra, o problema era se possuía ou não algum veneno. Com muito cuidado, ele pegou a cobra com a sua mão e a coloca delicadamente no chão. Em menos de um segundo, ele correu em disparada para frente, desviando de algumas árvores e animais. Quando parou, sentiu que fez uma bobagem abandonando o riacho, porque sua garganta o cortava de sede no momento. Após alguns minutos descansando, Tyler olhou para o céu, as estrelas reluziam da mesma forma que ele ignorava por tantos anos. Quando pequeno, ele e Michael (Seu irmão) costumavam passar horas olhando as estrelas, enquanto contavam histórias. Isso acontecia sempre que Tyler tinha um pesadelo. Desde a morte de Michael, ele as ignorava por completo.

Distraído com o céu, ele não percebeu a aproximação de outra figura no cenário. O Breu de uma longa noite se aproximava, e quase tão escuro como a noite: Uma pantera.

Ele só reparou nela quando já estava a milímetros de distância. Sentia sua respiração feroz nas pernas, suas garras as arranhando levemente. Mas, nada se comparava as suas presas, um sorriso diabólico brotou no rosto da criatura. Tyler não havia se movido, porém, seu maior medo era que ela não fosse a única. Ele deu um passo para trás e a pantera berrou, imediatamente, saiu em disparada, desta vez correu para o riacho e conseguiu despistá-la. Ao observar a área, lhe pegariam rapidamente, mas ele percebeu algo novo quando foi beber a água corrente. Atrás da pequena cachoeira não havia pedras, havia uma caverna. Antes de pensar melhor, ele correu para lá. Com passos grandes e lentos, ele adentrou cada vez mais, aquilo parecia não ter fim. À essa altura, ele não enxergava mais nada. A noite consumira cada pedaço de luz, ele se sentia um cego tateando as paredes. Até que ele viu uma pequena luz se movendo, achou que estava tendo alucinações, indeciso seguiu a pequena luz flutuante. E isso foi definitivamente a melhor decisão do dia. Pois essa pequena luzinha flutuante o levou acidentalmente até um espaço repleto por luzinhas flutuantes, que eram na verdade vaga-lumes. O espaço de vaga-lumes parecia o céu, algo inacreditável. Mesmo que enxergasse, Tyler não ficou completamente feliz, porque no fundo, ele lembrava que o animal favorito do seu irmão sempre fora o vaga-lume. Aquelas luzes o atraiam, e para Tyler, pareceu que Michael o guiara, que ele fora a pequena luz que o trouxera para esse céu.

Perante a maravilha em que se encontrava, o estrangeiro sentiu fome novamente, não queria sair e se deparar com aqueles bichos horrendos. Olhou ao redor e percebeu umas toras de madeira soltas e velhas, cheias de teias de aranhas. No começo ele estranhou, até que ouviu um som metálico quando andou, olhou para baixo e estava pisando em trilhos. Ele estava numa mina.

Os ruídos não cessaram, carrinhos subiam e desciam pelos trilhos enferrujados. - Se houver alguém já deve estar indo para casa. – Pensou, e estava certo. Quando o barulho cessou, ele finalmente retirou algumas tábuas que não permitiam que visse o ambiente. Não havia nada excepcional, apenas uma mina de ferro comum, com carrinhos lotados de material. As luzes já estavam apagadas, e ele apenas conseguia enxergar pela luz dos vaga-lumes. Andou pelo trilho com dúvida, sem saber se o devia. Mas quando pensava em voltar, lembrava que uma pantera lhe esperava fora da caverna e que precisava comer, então apenas seguiu.

Caminhou por cerca de meia hora até chegar ao painel de controles da mina. Apesar de precisar, não acendeu a luz. Os vaga-lumes que o acompanharam durante sua pequena viagem se dissiparam totalmente pela grande caverna, devem ter voltado para seu pequeno esconderijo. Mesmo tateando as paredes, finalmente encontrou o que parecia ser uma maçaneta. Abriu a porta e caminhou por uma pequena trilha reta. Até, finalmente, encontrar a saída do local. Estava em um espaço aberto, totalmente deserto pela batalha de guerra. Havia uma rua de barro há mais ou menos dois quilômetro, ele andou até lá, do lado da rua havia várias casas. Rapidamente entrou em uma delas à procura de comida, vasculhou alguns armários, mas não foi difícil encontrar alguns pães, maçãs e um pouco de leite. Satisfeito, Tyler seguiu pela cidade abandonada, podia pensar em tudo que estava acontecendo, há muito tempo não tinha esta paz para refletir sobre sua vida. O que vinha fazendo de errado, e como deveria corrigir. No fundo, ele sabia que parou de viver no momento em que soube que Michael morrera. Queria pular, sorrir sem forçar, não fumar, não se drogar, queria ter uma vida perfeita, como costumava ter. Uma vida saudável, feliz. Uma vida que não existia, pelo menos não mais.

Após algumas horas andando, ele escutou alguém tossindo. Rapidamente se virou, mas ninguém estava ao seu redor. A tosse se repetiu e o estrangeiro percebeu que vinha de uma das casas que aparentavam estar desertas. Silenciosamente ele se esgueirou para a porta, e adentrou a residência. Logo na cozinha, estava um garoto caído no chão. Era um pouco mais velho que Tyler, e este correu para lhe ajudar. Acendeu uma vela e observou o rosto do menino. De olhos castanhos e cabelo dourado, porém seu rosto estava verde. Sua aparência era de que não tomava banho há semanas e uma doença engolia sua juventude. A família devia tê-lo abandonado e fugido, o deixado para uma morte solitária e dolorosa, ou ele simplesmente não conseguiu fugir, Tyler nunca soube.

Com um pouco de esforço, o carregou até a cama de um dos quartos, o garoto tossia sangue. Encheu com baldes de água uma pequena banheira de madeira. O estrangeiro o ajudou a tomar banho, vestiu-o com roupas limpas, e o recolou na cama. O garoto estava tão frágil que não relutou hora alguma, apenas falava alguns murmúrios sem sentido. Tyler acendeu algumas velas e foi até a cozinha, pegou o resto do leite, algumas maçãs e o resto do pão, e levou até o quarto. Ajudou o morador a comer, este já tinha uma aparência melhor, mas não parava de tossir e espirrar. Tyler não encontrou remédios, apenas um pouco de mel, o qual trouxe certo alívio para à garganta inflamada do doente. Tyler ficou em uma cadeira perto da cama, segurando a sua mão, e vez por outra rezando. Não era muito religioso, principalmente depois que acabaram com sua felicidade. Mas a situação o fez lembrar-se de quando era muito pequeno e Michael quebrou a perna numa brincadeira. Tyler passou horas sentado, falando com seu irmão mais velho no hospital, enquanto o tratavam. E, mesmo sendo ateu, Tyler rezou naquela época e rezaria agora novamente com o mesmo afinco, se não mais, de um católico praticante rígido.

O garoto doente olhou para ele, tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. Tirou um cochilo e acordou em pouco tempo, logo tentou novamente, desta vez, com sucesso:

— Are you na Angel? (Você é um anjo?) – Mesmo surpreso por entender a língua, Tyler se levantou e apagou as velas, pois o sol já nascia. Ele não dormira por toda a noite, mas estava acostumado a isso.

— No, I’m not. I’m a stranger. My name is Tyler, what’s yours? (Não, sou não. Sou um estrangeiro. Meu nome é Tyler, qual é o seu?). Respondeu enquanto calmamente e jogou um pouco de água no jogo.

— I’m Lenny, my Angel. (Sou Lenny, meu anjo).

— You’re crazy, look at yourself, you’re burning of fever! (Você está louco, olhe para si, você está queimando de febre!) – Exclamou, e molhou um pano na água gelada, pôs sobre a testa de Lenny.

— You were my salvation. But, where are you from? My brother Jack and my sister Mary are in the near town, they should be waiting for me, they would  NEVER abandon me! Can you take me there? Please? I just need to see them. (Você foi minha salvação. Mas, de onde você é? Meu irmão Jack e minha irmã Mary estão na cidade vizinha, eles devem estar me esperando, eles NUNCA me abandonariam! Você pode me levar para lá? Por favor? Eu apenas preciso vê-los.) – Com lágrimas escorrendo, ele terminou o discurso.

— Well, in short, I think I’m from the future, or another time, at least there are no wars. (Bem, resumindo, eu acho que sou do futuro, ou de outra época, pelo menos não há guerras.)

— This is serious? There are no wars in the future? (Isso é sério? Não há guerras no futuro?) – Só aí que Tyler percebeu que havia falado demais, estava com sono, mas não queria “mudar” a história. Dizem que até o bater de asas de uma borboleta pode provoca um tufão no outro lado do mundo. Ele não queria ser essa borboleta. Mudou de assunto rapidamente.

— Take a rest, I’ll come back and we will go look for your brother and sister. (Descanse, vou voltar e vamos procurar pelo seu irmão e sua irmã.)- Lenny ficou radiante como uma criança que vai a Disney pela primeira vez. Mas não era uma criança, e o perigo de serem mortos no caminho era aterrorizante para Tyler, este saiu para procurar comida, conseguiu algumas latas de milho enlatado, pão duro, mel, biscoitos secos, um pouco de leite, e um pouco de água. Pôs em potes, e colocou os potes numa grande sacola. Quando retornou a casa, Lenny não parava quieto, lhe deu mais mel, ele parecia bem melhor.

— Let’s go now? Please. I’m not sick anymore. I feel good. (Vamos agora? Por favor. Não estou mais doente. Me sinto bem.) – Tyler riu e disse: Ok, let’s go! (Ok, vamos!) – Tyler foi carregando o fardo da sacola, enquanto o outro corria livre, feliz. Por diversas vezes, se esconderam em arbustos para fugir dos guardas que vez por outra rondavam as ruas de areia. Quando chegaram na outra cidade, Tyler estava exausto, mas começaram a procurar entre o monte de pessoas por duas crianças. Lenny saiu gritando e empurrando a multidão. Tyler já havia desistido, deveria ter pelo menos milhares de pessoas ali. Quando ele ouviu uma vozinha: Le-lenny? – A garotinha parecia não acreditar no que via, achou que Lenny fosse um fantasma. Mas quando Jack o abraçou, tudo estava normal, Lenny lhes contou a história. Que Tyler salvara sua vida, mas este apenas acenou de longe, as crianças agradeceram bastante, o observavam como a um Deus. Mesmo com toda a felicidade, em menos de 15 minutos, Lenny vomitou num dos potes e desmaiou em seguida.



P.O.V. Isabelle

 

Acordei no meu quarto, com todas as coisas lá. Pulei de felicidade pelo corredor, até abracei a peste. Desci as escadas como se fosse manhã de Natal, o velho cheiro das orquídeas do meu pai, preenchiam a sala de estar, me sentei ao piano e toquei lentamente, apreciando cada nota. Ao ouvir o tintilar das panelas, corri para a cozinha, abracei meus pais, até Charlie estava lá, como senti falta de todos. Finalmente aquele pesadelo havia acabado, os estranhos no quarto cinza, o frio e a fome, tudo se fora. Todos estavam dispostos à mesa, eu não conseguia parar de sorrir. Observei por um tempo a minha xícara branca com chocolate quente, e quando levantei os olhos, o mundo estava cinza novamente.


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Notas finais do capítulo

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