Darling escrita por Thaís


Capítulo 3
Something like that




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Mana interrompeu-se na porta do elevador, virando-se para Kaya com um olhar interrogativo. O mais novo mordia o rosado lábio inferior, que ainda parecia sentir as seqüelas da frase recém dita. O silêncio seria constrangedor se suas palavras ainda não parecessem preencher o espaço entre ambos. Seus olhos não desviavam dos de Mana, à espera do efeito que suas palavras teriam sobre ele. Não, não fora premeditado. Não, não parecia ter qualquer contexto. Mas nem por isso ele queria que passasse despercebido.

- Ahm... Até. – Mana disse quando o elevador chegou. Kaya murmurou qualquer coisa em resposta enquanto a porta do elevador se fechava e Mana desaparecia por ela.

Fechou a porta da própria casa, com um suspiro. Não houvera reação alguma.

“Até mais tarde, amo você. “ Ecoara em sua cabeça, com sua própria voz, a frase de menos de um minuto atrás.

Um ‘até mais tarde’ bastaria, mas não. Ele precisava complementar com um ‘amo você’. Quando sequer haviam completado três meses de relacionamento. Não era à toa que Mana tinha ficado sem ação. Ele tinha um talento natural para dizer coisas inoportunas em momentos inoportunos. Mana era tão discreto com seus sentimentos que ele já estava se acostumando a tratá-lo como a um pássaro, tímido e arredio. Ele gostava disso nele. Sentia-se negligente por ter dito aquilo e contrariado a natureza do outro.

Mas não dizer contrariaria a sua.

Na verdade não se incomodava... muito. Ele não era do tipo que gastava palavras, e mesmo que não estivesse em seus planos dizer aquelas, sabia que não eram desnecessárias ou vazias. Amava-o sim. Porque era impossível não amá-lo, pura e simplesmente. Parecia apenas natural. Mana não poderia condená-lo por isso.

Poderia?

Ele não sabia como interpretar o silêncio de Mana. Não podia exigir dele uma resposta para sua atitude impulsiva, mas também não sabia se seria certo deixar por isso mesmo. Sua apatia poderia servir como deixa pra esperarem pelo momento apropriado para dizê-lo novamente.

“Amo você”

Ou como resposta.

Ele não era bom interpretando subterfúgios.

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 - Atende para mim, por favor?

Mana tinha as mangas da camisa enroladas até o meio do braço, enquanto terminava de lavar a louça do jantar. Kaya levantou-se da mesa, indo em direção a sala para atender ao telefone. Parou no corredor e virou-se, confuso.

- Espera, como você atende o telefone? Sempre me perguntei isso.

- Você nunca me ligou? – Mana riu.

- Já, mas só para o seu celular. Não sei como você faz isso em casa, sem saber quem está do outro lado da linha.

- Deve ser o Seth, ele ficou de ligar para marcarmos o horário no estúdio amanhã. Na dúvida, espere que ele se identifique e diga que ligo pra ele depois.

- Não tem problema ele saber que eu estou aqui?

Na sua casa? A essa hora? Sozinho com você, tornando tudo suspeitamente

óbvio?

- Eu posso lidar com esse tipo de problema.

Kaya riu, indo atender ao telefone que tocava incessantemente. Ainda não haviam tocado no assunto da inoportuna frase de mais cedo, mas seria a primeira vez em que dormiria na casa de Mana e estava feliz que este não quisesse esconder isso dos outros.

A ligação havia caído na secretária eletrônica e ele esperou, animadamente, pelo momento em que Seth dissesse qualquer coisa. Pensou na surpresa do outro em descobri-lo na casa de Mana e a idéia lhe agradava. Permitir que mais pessoas soubessem fazia o segredo de ambos parecer mais real. Mas por longos segundos, tudo o que ouviu foi uma respiração do outro lado da linha.

- ... Mana, sou eu. – Disse uma voz rouca e suave, após algum tempo.

Kaya abriu a boca para perguntar qualquer coisa, mas lembrou que deveria esperar a pessoa se identificar. Enquanto isso apenas olhou, interrogativo, para um ponto perdido no chão. De onde ele conhecia aquela voz... Certamente não era de Seth. Era familiar em algum aspecto...

- Ah, você deve estar na gravadora. – Sua voz mansa parecia desapontada por não tê-lo encontrado em casa. Aquilo o incomodou. - Cheguei ontem de viagem, vou passar alguns dias na cidade. Quero ver você.

Aquilo o incomodou mais.

Não podia atender até que o estranho se identificasse, e tudo o que queria era pegar o telefone e obrigar quem quer estivesse do outro lado da linha a lhe explicar por que se referia a Mana naquele tom.

- Bom, ligue-me quando receber essa mensagem.

E ele desligou.

Kaya olhou, confuso, para o aparelho por alguns minutos. A pessoa não havia se identificado, provavelmente achando que Mana o reconheceria imediatamente. Por algum motivo essa idéia o perturbava. A voz grave e mansa ainda parecia ecoar em seus ouvidos, que buscavam um meio de reconhecer algo tão estranhamente familiar.

- Quem era? – Mana apareceu na sala, estendendo as mangas dobradas de volta ao pulso. Kaya não soube responder.

- Ele não disse.

- Estranho. – Mana apertou, curioso, o botão com a gravação da mensagem. Kaya cruzou os braços, inquieto, esperando que logo a voz inidentificável voltasse a preencher seus ouvidos. Mana franziu o cenho nos primeiros segundos, em que a pessoa nada dizia. Kaya olhou diretamente para o rosto de Mana, esperando sua reação quando ouvisse a voz do estranho. Queria ter certeza se ele estava certo, e Mana o reconheceria sem que ele se identificasse.

- Mana, sou eu. – Repetiu a voz. No mesmo instante o semblante de Mana ficou tão sério que Kaya se assustou. – Ah, você deve est-

Mana apertou o botão novamente, deletando a mensagem antes de terminar de ouví-la. Obviamente, o estranho tinha razão. Se ele estava curioso antes, a reação de Mana só o deixara ainda mais.

- Algum problema? – Perguntou, timidamente.

Mana ergueu os olhos inexpressivos para ele, como se tivesse esquecido que ele estava lá. Sorriu fracamente, desviando o olhar provavelmente sombrio de Kaya.

- Não, nenhum. Não se preocupe com isso. Você disse que tinha esquecido sua roupa de dormir, não é? Vamos ver alguma para você.

Mana saiu da sala, deixando Kaya sozinho. Kaya não se moveu por alguns instantes, porque sentiu que Mana não queria sua companhia .

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Mana riu no exato instante em que abriu a porta do closet e Kaya lançou uma exclamação impressionada. Era como um longo corredor de paredes escuras repletas de cabides e mais cabides de roupas. Era tão grande que a idéia de Kaya das dimensões do apartamento de Mana havia duplicado.

- Durma você na cama, vou passar a noite aqui. – Kaya entrou no closet, olhando abismado para todas as direções como uma criança numa loja de brinquedos. Mana entrou com ele, sorrindo para seu deslumbramento com algo já tão corriqueiro.

- Fique à vontade. As roupas de dormir ficam –

- Meu Deus, como eu adoro esse vestido! – Kaya ergueu até a altura dos olhos um vestido rendado azul-escuro. Mana balançou a cabeça, quando percebeu que ele sequer ouvia o que estava dizendo – Você ficou tão lindo com ele naquela revista que eu devo ter comprado duas. Sempre quis experimentá-lo, posso? Posso? Posso?

- Divirta-se. – Mana meneou novamente a cabeça, com um sorriso. Kaya beijou sonoramente sua face antes que ele o deixasse sozinho no closet. Ambos pareciam ter esquecido o telefonema de minutos atrás.

Kaya passava, entusiasmado, a mão pelos cabides, vez ou outra parando numa peça que gostasse.  Ele poderia passar horas em meio àquelas roupas. E todas tinham impregnadas em si o perfume de Mana, o que as tornava agradável em ainda mais sentidos.

Seus olhos se encheram de encanto ao descobrir, numa das extremidades do closet, roupas de Mana em seus dias de Malice Mizer. O vestido de lírio, o conjunto de vinil, o azul repleto de babados... Roupas do primeiro ao último dia daquela banda que o inspirara tanto, tão bem cuidadas que pareciam novas. Pensou se Mana ficaria bravo se ele as experimentasse. Ao menos o vestido de lírio, ele era apaixonado por ele desde a primeira vez que o vira.  

Ao retirar o vestido de lírio do cabide, sentiu algo macio cair aos seus pés. Olhou para baixo, interrogativo, para o tecido azul claro que estava guardado junto ao vestido. Colocou-o de volta no cabide, abaixando-se para pegar a blusa e estendendo-a a altura dos olhos. Emitiu um som apaixonado ao ver a adorável estampa do Snoopy naquela blusa. Sabia que Mana adorava o personagem, não era de se surpreender que tivesse uma blusa como aquela. Era uma graça, ele queria usá-la. Levantou-se e foi atrás de Mana. Encontrou-o sentado no sofá, desenhando.

- Posso dormir com essa daqui? É a coisa mais fofa que já vi na vida.

- Você é tão extremista, tudo para você é- Mana ergueu os olhos do desenho com um sorriso pela empolgação do outro, que logo desapareceu ao ver a blusa em suas mãos. – Não.

Kaya olhou, confuso, para o semblante novamente sombrio do outro. O que havia feito?

- ... Por que não? – Perguntou, desviando o olhar do de Mana. Baixou os olhos, envergonhado, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Não estava acostumado a ver Mana daquele jeito e, mesmo se não estivesse diretamente irritado com ele, a sensação o incomodava extremamente.

- Ela é tão velha, capaz de puir no mesmo instante em que você a vista. – Mana tentou mais uma vez suavizar seu semblante, ao perceber que Kaya evitava olhá-lo. – Escolha qualquer outra.

Parecia perfeitamente resistente para ele.

Por que não essa?

- Eu tomarei cuidado, prometo. – Insistiu, usando seu melhor sorriso. Era linda, mas não teria se interessado tanto por ela se Mana não parecesse tão decidido a não lhe deixar usá-la.

- Não. – Encolheu-se involuntariamente com a forma séria com que Mana lhe disse aquilo. – Essa não, desculpe.

- Tudo bem, vou guardá-la no mesmo lugar... – Kaya ainda olhava para baixo, desapontado. Sentia ter aborrecido Mana desnecessariamente.

- O que você fazia mexendo nas roupas do Malice Mizer, aliás? – Mana sorria de forma implicante ao perguntá-lo, e Kaya tentou sorrir de volta.

- Foi mais forte do que eu, gosto tanto delas! – Exclamou animadamente – Queria experimentar todas e não sabia se você ia deixar.

- Centenas de roupas disponíveis e você quer justamente as de séculos atrás. Só você mesmo. – Meneou a cabeça com um sorriso gentil, pegando a blusa das mãos de Kaya e indo até o quarto. – Sim, eu deixo. A maioria é complicada de se vestir, então eu vou te ajudar.

- Está com medo que eu rasgue alguma coisa, confesse.

- Estava com tanto medo que enquanto você estava com as minhas roupas eu comecei a desenhar novas.

Kaya riu, parando por um instante na porta do closet. Se Mana sabia exatamente onde Kaya teria encontrado aquela blusa, e se não queria que ele a usasse, é porque estava escondida. Por que ela estaria escondida? Ou guardada num lugar tão absolutamente fora de contexto?

- Qual você vai experimentar primeiro? – Desligou-se de seus pensamentos e olhou para Mana. A blusa já não estava em suas mãos.

- O de Au Revoir. – Sorriu fracamente, indo em  sua direção.

Quanto mais conhecia Mana, mais sentia não saber nada sobre ele.

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A fraca claridade vinda da janela dava um tom perolado a pele de Mana. O escuro aguçava seus demais sentidos, fazendo com que cada centímetro de seu corpo se sentisse tocado de forma mais precisa pelas suas mãos. Seus dedos se entrelaçavam nos cabelos escuros do guitarrista, aprofundando o beijo cujas sensações já se estendiam para as demais partes do corpo. Suas coxas já descobertas tocavam as laterais do quadril do outro, sua carne sendo vez ou outra marcada por unhas impacientes. Seus lábios involuntariamente se curvavam num prazeroso sorriso toda vez em que os dentes de Mana os mordiscavam. Ele retribuía arqueando seu quadril contra o dele, criando atrito entre suas ereções desconfortavelmente cobertas pelas roupas. Seu desejo logo começava a latejar, queimar, exigir total atenção.

Os dedos de Mana desabotoavam a camisa que lhe havia emprestado para dormir, trilhando com beijos a pele que se exibia a cada botão aberto. Logo a camisa não era mais um problema. Sentiu os mamilos de Kaya se desmancharem como um doce sob o toque quente de sua língua, enquanto o próprio se desmanchava num suave gemido. Apertou os lençóis entre os dedos quando sua excitação se tornou torturante. Ele queria, claro que ele queria.  Ele o queria dentro de si, transformando o desejo que se acumulava num prazer insuportável que percorresse seus músculos, em forma de espasmos e gemidos além de seu controle.

Ainda assim ele não conseguia se concentrar.

- Mana... sama? – Perguntou, timidamente. Mana emitiu um som com a garganta, indicando que estava ouvindo. – Se eu te perguntar uma coisa... promete não ficar irritado?

- Não posso prometer isso. – Tampouco pareceu ter dado séria atenção ao seu pedido, concentrando-se em morder a pele de seu pescoço.

- ... Por favor?

- Corra o risco. – Já era normalmente difícil comovê-lo com charme, seria ainda mais difícil enquanto ele não desse a mínima para o que ele tivesse a dizer.

Não custava tentar.

- Por que você ficou tão... incomodado com a ligação de mais cedo?

Tentou não se acanhar quando Mana parou por alguns segundos o que fazia, apenas para olhá-lo de forma interrogativa por ter trago aquele assunto à tona naquele momento.

- Impressão sua. Como eu disse, não se preocupe com isso. – Respondeu, indiferentemente, voltando os lábios ao pescoço de Kaya enquanto sua mão descia pela cintura do outro.

Kaya mordeu o lábio inferior, tentando concentrar sua atenção nos toques no guitarrista e não nas perguntas que ecoavam violentamente pelo seu cérebro.

- Um... ex-namorado, algo assim?

Mais uma vez, Mana interrompeu por alguns instantes o que fazia, tentando entender o motivo daquele diálogo naquele momento.

- Algo... assim. Você realmente quer falar disso agora? – Perguntou, com leve impaciência.

- Desculpa, é que eu não consigo parar de pensar... no que ele poderia querer com você...

- Não importa. O tempo dele de pensar em mim já passou. Esqueça esse assunto.

Esqueça, Kaya. Esqueça. Não é hora pra pensar nisso. Não quando ele está sobre o seu corpo te desejando tanto quanto você a ele. Isso é mais importante do que essa pergunta que luta para escapar seus lábios.

- E você... ainda pensa nele?

Sua respiração parou quando Mana interrompeu completamente o que fazia para olhá-lo de cima. Seu olhar tão faiscante e gélido que dessa vez não deixavam dúvidas de que era para ele. Seu semblante tão inexpressivo quanto ele merecia por aquele interrogatório inoportuno. Kaya sentia seu rosto queimar por estar há o que parecia uma eternidade sob o foco daqueles olhos impassíveis que lhe diziam o que não precisava ser verbal para atingi-lo mais profundamente.

Isso não lhe diz respeito.


- Des...culpa... – Sua voz saiu fraca e sem muita convicção. Mesmo que não tivesse dito com a intenção de irritá-lo, faria o possível para que ele parasse de olhá-lo daquela forma.

- Esqueça isso. – Sibilou, secamente, saindo de cima dele. Kaya abriu os lábios como se fosse dizer alguma coisa, enquanto Mana se deitava de costas para ele.

- Eu não quis... eu sinto... – Nenhuma frase se formava.

- Esqueça. Isso. – Kaya se encolheu, involuntariamente, com o tom ameaçador das palavras do outro. Logo o frio se fazia presente de novo. Queria ver o seu rosto. Queria alguma frase que pudesse fazer com que ele o olhasse novamente e que não fosse daquela forma opressora.

Nada.

Droga.

- ... Mana... – Sussurrou, mansamente.

Nada.

Fitou as marcas das omoplatas sob o tecido da camisa e pela primeira vez aquilo pareceu uma punição. Envolveu, hesitante, o corpo do outro com os braços. Colou o rosto em suas costas, trincando os dentes com toda a força que encontrou para não deixar lágrima alguma cair. Soluço nenhum escapar. Porque se chorasse, Mana perceberia. Ele já o havia aborrecido o suficiente com sua curiosidade, não queria aborrecê-lo mais com suas lágrimas.

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Amanheceu sozinho. Mana já havia saído para trabalhar e ele sequer o havia visto se levantar. Suspirou, espreguiçando-se prolongadamente sob as cobertas. Não queria sair da cama. Sair da cama significaria começar um novo dia, e tudo o que ele queria era voltar ao anterior e não ter feito pergunta alguma. Guardar sua curiosidade para si e fazer amor com ele até alta madrugada, que é exatamente o que deveria ter feito. Era o que queria fazer agora. Naquele momento marcas pelo corpo pareciam infinitamente melhores que uma resposta para suas perguntas. Prioridades que mudam com a luz do dia. Seu forte nunca fora a coerência.

Levantou-se, ainda trôpego de sono. Não havia dormido direito e sequer sabia que horas eram. Mana só voltaria de noite, não teria o que fazer o dia todo. Poderia escrever. Odiava compor quando estava aborrecido, mas precisava ocupar sua mente com alguma coisa. E para esvaziar-se de seus pensamentos nada melhor do que passá-los pro papel.

Lembrou-se das roupas que havia deixado jogadas no closet. Além de tudo era desorganizado. Foi até ele, recolhendo as roupas jogadas no chão com um suspiro desapontado com a própria falta de cuidado.

Ainda abaixado, pôde vê-la novamente. O tecido azul claro da blusa destacando-se contra as paredes escuras.

Um dos inúmeros lados de Mana que ele também jamais entenderia.

Sem que percebesse, suas mãos já haviam se estendido para pegá-la novamente. O toque sob suas digitais era tão suave e morno. Mana não devia usá-la há algum tempo, e mesmo assim seu perfume parecia impregnado nela.

Não, Kaya. Você não é tão imaturo.

Antes que concluísse o pensamento, a camisa que vestia caiu embolada aos seus pés. O toque macio da blusa o cobriu até o meio das coxas, como um tenro abraço. Os cachos compridos modulavam seu rosto delicado, destacando-se contra o azul claro. A imagem o agradava, mas ocorreu-lhe que Mana deveria ficar ainda mais encantador usando-a do que ele. No reflexo do espelho, Snoopy sorria. Porque ele sabia que mesmo usando aquela blusa, Kaya não entenderia seu dono.

Aquilo era tão... frustrante.

Sobressaltou-se quando a campainha tocou. Era cedo demais para ser Mana. Pelo horário, devia ser alguém para entregar alguma coisa. Voltou-se para o espelho. Os cachos estavam mais soltos que no dia anterior, fazendo com que seu cabelo parecesse mais longo. A noite insone não deixara marcas em seu rosto. Não lhe parecia nada de mais que quisesse parecer bonito para a única pessoa que veria naquele dia além de Mana.

- Estou indo, estou indo! – Tropeçou nos próprios pés indo até a porta quando a campainha tocou novamente.  A chave estava na fechadura, único lugar onde Mana sabia que Kaya não a perderia.

 Quando abriu a porta, o homem estava de costas. O corte de suas roupas, obviamente não era de um entregador. Ao ouvir o som da maçaneta, os impassíveis e interrogativos olhos azuis pousaram sobre si.

Claro.

Era óbvio que ele conhecia aquela voz. Todos conheciam. Ele deveria ter associado desde o começo.

Ele nunca havia visto Gackt pessoalmente. Ele era mais alto que ele e Mana, e parecia elegante mesmo com roupas casuais. Os cabelos escuros estavam mais curtos do que se lembrava ter visto nas fotos. Era mais bonito do que nas fotos também. Analisava Kaya atentamente, sem esboçar qualquer reação.

- Olá. – Por alguns segundos Kaya não entendeu por que ele disse aquilo. Gackt ainda o encarava indiferentemente. Ah... Educação... Meneou rapidamente a cabeça em resposta. – O Mana está?

Kaya testava cada limite do seu corpo tentando retribuir a altura aquele olhar que parecia parti-lo ao meio. Tão gélido e incisivo que era quase sufocante. Tentava ao máximo possível não esboçar reação enquanto o som de seu próprio coração pulsando era ensurdecedor. Sua presença era extremamente intimidadora.

E a última coisa que queria era que ele percebesse o quanto o intimidava.

- ... Não. – Ele não queria se explicar mais do que isso.

- Certo. – Suspirou, com o mesmo desapontamento que tanto o incomodou durante o telefonema. – Sabe que horas ele vai voltar?

Os olhos de Kaya se arregalaram quando ele sacou da jaqueta um relógio de bolso. Um relógio. De bolso. Do tipo que apenas Mana usava. Gackt não percebeu sua surpresa enquanto checava as horas.

- Não. – Repetiu, mais prontamente, a mesma resposta anterior. Não apenas por realmente não saber ao certo quando ele voltaria. Mas porque não queria absolutamente que ele o encontrasse. – Ele normalmente avisa quando vai cheg-

Kaya interrompeu o que dizia quando um meio sorriso curvou os lábios do outro. Obviamente não prestava a mínima atenção ao que dizia, porque obviamente percebera que Kaya inventaria uma desculpa qualquer e acabaria por não responder sua pergunta. Kaya o olhava receoso, enquanto os olhos azuis fitavam absortos a blusa que usava. Sequer pareciam perceber que ele ainda a estava vestindo. Sequer pareciam perceber que ele estava ali.

- Eu sempre fui horrível para escolher presentes para ele, essa blusa foi provavelmente o mais tolo de todos e o único que ele pareceu realmente gostar. Ele ficava... adorável com ela. E odiava quando eu dizia isso.

... Claro.

A cada palavra o toque do tecido em sua pele parecia mais cáustico. Mais repulsivo. Os segundos que Gackt levava para terminar as frases pareciam uma eternidade o separando de bater aquela porta e  arrancar aquela blusa o mais rápido possível. Ele estava se arrependendo de tudo que havia feito desde que chegara a casa de Mana. Se pudesse arrancaria a própria pele. Porque mesmo tirando aquela blusa, já estava em si. A forma nostálgica como aquele homem olhara para ela. Aquele sorriso de quem teria para sempre Mana numa realidade onde Kaya era...

Intruso.

Saia daqui. Agora.

- Você... – Gackt desviou o olhar, não demonstrando qualquer interesse em algo além daquela blusa e do seu dono original. – é namorado dele, algo assim?

“Algo assim”  Ecoou em sua mente, com a voz de Mana, numa das poucas respostas que ele dera a suas perguntas inconvenientes.

Não. Você é “algo assim”.

“Amo você”  Ecoou em sua mente com sua própria voz. Sem qualquer resposta que o seguisse.

Eu o amo. E ele não disse nada a respeito.

O que isso faz de mim? Igual a você?

- Algo... assim... – Escapou seus lábios de forma tão resignada que parecia um lamúrio.

- Entendo. – Não fez nenhuma menção de ter sequer ouvido - Sinto muito qualquer incômodo. Adeus.  – O mais alto fez uma pequena mesura e saiu.

Por alguns segundos, mesmo depois que ele já houvesse descido pelo elevador, Kaya não conseguiu se mover. Sua respiração era tão pesada que ele se sentia asfixiado. Não processara direito o que havia acontecido. Ele não deveria ter aparecido de surpresa. Ele não deveria tê-lo visto usando aquela blusa.

Ele não poderia se encontrar com Mana. De forma alguma.

Naquele momento não era ciúme que o dominava.

Era pânico.

Correu até o telefone, discando o número de Mana tão rapidamente que mal acompanhava seus dedos. A cada toque ele sentia seu coração tentando atravessar seu peito. A mão que segurava o aparelho estremecia, como se Mana estivesse próximo de um perigo mortal.

- Bom dia.

Kaya abriu a boca para começar seu relato aflito daquela manhã, quando aquela saudação tão gentil o desarmou. Suspirou, frustrado. Mana não estava mais irritado com ele pela noite anterior e ele o deixaria novamente. Se as coisas não tivessem o nato talento para darem errado, eles poderiam apenas esquecer a noite passada quando ele chegasse em casa.

- Bom... bom dia.

- Aconteceu alguma coisa? Parece nervoso.

- Gackt passou aqui procurando por você.

Aquilo saiu tão rapidamente e sem qualquer rodeio que Kaya não se reconheceu.

As reticências do outro lado da linha foram longas.

- ... E o que você disse a ele?

- Que não sabia que horas você ia voltar.

- Melhor assim.

- Mas Mana-sama, eu...

A boca de Kaya se abriu novamente. Ele não podia ocultar aquele detalhe. Não apenas porque odiasse qualquer tipo de mentira. Mas porque sabia que Mana não o perdoaria se descobrisse de outra forma que não por ele.

Sua voz saiu tão insegura que era quase um lamento.

- Eu estava usando a blusa que você me proibiu de usar quando ele apareceu.

As reticências foram ainda mais longas.

Mana não precisava de uma palavra. Kaya não podia ouvir sequer a sua respiração e sentia, a cada segundo de silêncio, a sua se tornar cada vez mais fraca. Não havia o que se dizer, quando sua própria frase deixava subentendido o tipo de diálogo que devia ter tido com Gackt. Era claro que agora sabia o real motivo para Mana não tê-lo deixado usar aquela blusa e porque ele, decididamente, não deveria ter sido visto com ela. Mana nunca havia sido rude com ele. Mas no momento, queria que ele fosse. Que gritasse com ele, esbravejasse. Que o reduzisse a um inseto por sua total falta de limites, mas que dissesse alguma coisa.

Qualquer coisa.

- Desculpa...

Pela segunda vez. Pela segunda vez não serviria de nada.

- Tenho trabalho a fazer, conversamos depois.

- Que horas você vai – O fio de voz hesitante se extinguiu quando percebeu que Mana já havia desligado o telefone. Logo era apenas o som da linha novamente.

Levantou-se em silêncio, voltando ao closet. No caminho, tirou a blusa por sobre a cabeça, sentindo mais uma vez o perfume de Mana invadir seus sentidos. Vestiu calmamente a camisa branca que deixou largada no chão antes de correr para atender a porta. Dobrou a blusa, pondo-a de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Parecia inútil agora. Deixá-la sobre o fogão não poderia deixar Mana possivelmente mais decepcionado com ele.

“Ele ficava adorável com essa blusa”

Ele podia imaginar aquilo.

“Ele odiava quando eu dizia isso”


Também podia imaginar aquilo.

Era aquilo que Gackt via quando olhava para aquela blusa. Uma ponte para mil e uma lembranças onde eles eram provavelmente felizes.

Mana mantinha aquela ponte de pé. Guardada em meio às suas coisas. Por mais sombria que tenha sido sua reação a ligação do outro, ele mantinha uma prova do passado de ambos em sua casa.

“Você ainda pensa nele?”


Não importava a resposta para aquela pergunta. Não importava o que Gackt esperasse de Mana se o houvesse encontrado em casa. Não importava o que Mana teria feito se o tivesse encontrado em casa. Ou o que eles fariam se Gackt estivesse indo para a gravadora naquele momento. Ou o número de elos que eles teriam, tão ou menos tangíveis que aquela blusa. Quantos objetos,palavras, momentos, gestos, podiam surgir no dia a dia de ambos e fazer com que um acabasse pensando no outro.

Ele não precisava de respostas para nenhuma de suas perguntas, porque nenhuma delas lhe dizia respeito.

O único intruso era ele.

Enquanto as lágrimas desciam, ele não emitiu som algum. Nenhum soluço para lhe ofender os ouvidos. O coração também não parecia tão descompassado. O que lhe afligia era justamente o silêncio. Abraçou os joelhos, sequer precisando unir as pálpebras para que as lágrimas escorressem pelo seu rosto. Era irônico. Nossa, e como era. Não sabia dizer se era ciúme o que sentia. Não era do tipo ciumento, e decididamente não do tipo irracional. A única coisa que o incomodava era bem pequena.

Era que ele preferia nunca ter descoberto aquele segredo. Tê-lo descoberto tornava-o real. Fazia-o parecer mais vivo. Ele não queria ter injetado vida num lado de Mana que estaria para sempre fora de seu alcance.

Quando tudo o que ele queria era que Mana tivesse insuflado vida no seu com uma única resposta que não aconteceu.


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Notas finais do capítulo

Por mais estranho que pareça o Mana gostando do Snoopy, gente, nem é doença minha tá? Ele realmente o adora

Continua lalalala (VAI THAÍS! *joga poké-bola*)

Reviews pelo Snoopy e pela participação especial de Mr Camui?



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