Os meses foram-se passando. Eu cada vez odiava mais andar naquela instituição. Ninguém gostava de mim. Eu comia completamente isolada dos outros, ou então tinha que esperar que eles acabassem para eu ir comer, mas aí corria o risco de não haver mais comida, que era o que normalmente acontecia. A Ellen praticamente não passava tempo nenhum na instituição. Pelo que percebi, ela não gostava muito de cuidar de muitas crianças. Quando a Esme ou a Rosalie, ou o Jasper, ou o Edward vinham, normalmente nem sequer se preocupavam em ver como eu estava. Da Rosalie, do Jasper e do Edward, eu já esperava isso mas não da Esme. Ela cuida de todas as crianças, preocupa-se com todas elas, mas comigo… é como se eu fosse invisível. Como toda a gente, só se preocupa com os mais novos. Toda a gente só se preocupa com eles. Eles é que são os coitadinhos mas eu é que continuava a sonhar com a morte do meu irmão todas as noite, eu é que continuava com dores horríveis no ombro por não ter tido fisioterapia e outros cuidados depois da sutura curar. Já não me importava. A solidão já era um sentimento comum. Um sentimento que conhecia demasiado bem. Não gostava de o sentir mas era o único que sentia. Sentia-me completamente sozinha, sem amparo, sem apoio. Era horrível o sentimento mas tive que me habituar.

As coisas na escola eram iguais. Metiam-se comigo quando podiam ou então simplesmente ignoravam-me. Preferia que me ignorassem. Odiava a minha vida. Odiava tudo.

Cheguei da escola, a instituição estava muito silenciosa. Não era muito normal. Fui até à cozinha para comer algo. Estava um papel em cima da bancada. Li-o. Estava escrito que havia uma festa na escola primária e na escola básica e que todos estavam na festa. Só voltariam à noite. Depois estava outro ao lado. Este era da Ellen. Dizia que só voltaria amanhã de manhã porque tinha ido tratar de uns negócios. Estava sozinha, para variar. Preparei um lanche e comi, depois de lanchar fui para a sala, tentar fazer os meus trabalhos de casa. Estava péssima na escola. Não entendia a matéria, ninguém me explicava e depois saía-me muito mal nos testes. A Ellen já tinha ralhado comigo, várias vezes por causa da nota dos testes.

Tentei fazer os meus trabalhos de matemática, mas estava um pouco complicado. Não consegui fazer nada. Fui fazer os outros que eram mais fáceis e depois voltei para a matemática. Estava empenhada em tentar faze-los mas não estava a conseguir.

- Estás a fazer isso mal. – Disse uma voz atrás de mim. Virei-me. Era o Jasper. Era para aí a terceira vez que ele falava comigo desde que entrei nesta casa.

- Eu sei. – Respondi, suspirando.

- Tens de trocar este sinal e esqueceste-te aqui de um sinal. Tens de estar mais atenta. – Disse ele.

- Obrigada. – Respondi.

- As crianças? – Perguntou sorrindo. Claro, ele estava cá por causa delas, como sempre. Por uns breves segundos, pensei mesmo que ele se estava a importar comigo. Não sei porque é que ainda me iludo.

- Acho que estão numa festa na escola. – Respondi.

- Achas? – Perguntou um pouco rude.

- Sim, acho. Não tenho a certeza. – Respondi.

- Devias saber, és a mais velha e devias tomar conta delas. – Disse ele ainda um pouco rude. Precisava de tomar conta delas… e quem é que tomava conta de mim? Sei que sou mais velha mas sou apenas uma adolescente que ainda precisa que alguém lhe guie, que alguém lhe dê ajuda.

- Pois mas não tenho a certeza. – Disse, quase a chorar.

- A Ellen? – Perguntou no mesmo tom.

- Só vem amanhã de manhã, disse que foi tratar de uns assuntos. – Respondi, ainda com o choro preso na garganta.

- Não sabes para onde foi? Ou que assuntos está a tratar? – Continuou no mesmo tom.

- Não.

- Também não sabes nada. Tens a certeza que moras aqui? A Ellen diz pelo menos, sempre onde vai. Como é que não sabes? – Perguntou quase a gritar e chateado.

- Simplesmente não sei. Apenas li os papéis. – Disse virando a cara para ele não ver as lágrimas a caírem. Ouvi ele a pegar nos papéis. Limpei rapidamente as lágrimas. Não queria que ele me visse a chorar.

- Jasper, as crianças? – Perguntou a Esme a entrar na sala.

- Estão numa festa, na escola. – Respondeu o Jasper.

- Vamos ter com elas, lá? Depois acompanhamo-las até cá a casa. Não gosto que andem sozinhas na rua. – Disse ela.

- Sim, vamos. – Respondeu o Jasper. Eles viraram-me as costas e foram-se embora. Continuei a fazer os trabalhos de casa. Quando chegou à hora de jantar, comi qualquer coisa e depois fui para o meu quarto dormir. Amanhã tinha de me levantar cedo. Voltei a acordar com as crianças a chegar a casa. Elas fizeram imenso barulho. Voltei a adormecer, quando a casa voltou a ficar silenciosa. Acordei na manhã seguinte para ir para a escola. Quando lá cheguei, fui para a sala onde ia ter aula de matemática. Já estava em cima da hora. Entrei dentro da sala e sentei-me no meu lugar. Quando o professor entrou, disse logo que tínhamos teste surpresa. Estava feita. Não percebia nada da matéria. Ia tirar negativa ou simplesmente um zero. O professor distribuiu os testes e deu-nos quarenta minutos para os fazer. Era pequeno, mas difícil. Ao fim dos quarenta minutos não consegui fazer absolutamente nada. O meu teste ia em branco. O professor fez-nos o favor de corrigir os testes no resto da aula e no final da aula nos entregar. Como já sabia, tive zero. O Jasper teve a melhor nota, para variar. O resto das aulas passaram-se e eu fui para a instituição. Se eu contasse a minha nota à Ellen, ela ia-se passar. Quando cheguei, ela não estava lá. Lanchei e depois fui para o meu quarto. A Esme apareceu lá à tarde mas só ela é que veio, o que era de estranhar. Normalmente, vinha sempre ela e um dos filhos dela. Como sempre fiquei no meu quarto. A Ellen já tinha chegado mas eu ainda não tinha tido coragem para lhe dizer a nota que tive.

Bateram à porta.

- Entre. – Disse. A Esme entrou.

- A Ellen quer falar contigo. – Informou-me ela.

- Ok. – Disse dirigindo-me à porta do quarto. A Esme também saiu. Fui até ao escritório da Ellen e bati à porta.

- Entre. – Ouvi, ela dizer. Entrei. A cara dela não era das melhores. Ela estava chateada. – Onde está o teu teste de matemática? – Perguntou ela. Como é que ela sabia?

- No quarto. – Respondi com medo.

- Vai buscá-lo. Já! – Ordenou. Saí do escritório e fui buscar o teste. Voltei de seguida para lá e dei-lho. – Zero. Estás a brincar comigo, certo? Como é que tiveste um zero? – Perguntou irritada.

- Foi um teste surpresa… - Defendi-me.

- Não interessa, tens de estar sempre a par da matéria. A partir de agora quero ver-te a estudar todos os dias. Não fazes mais nada senão estudar. Quero que subas todas as tuas notas. – Ralhou ela. Sim, eu também queria subir mas como é que eu conseguiria subir as notas, se ninguém me ajudava, eu não conseguia perceber sozinha. – Ouviste? – Perguntou-me já a gritar.

- Ouvi. – Disse prendendo o choro na garganta a todo o custo.

- Podes ir. – Disse ela ainda chateada. Sai o mais rápido possível do escritório da Ellen e fui para o meu quarto. As lágrimas começaram a cair a meio do caminho. Eu não iria conseguir subir as notas. Odeio isto tudo. Só quero adormecer e não voltar a acordar. Estou farta de tudo e de todos. Passou-me uma ideia pela cabeça. Nunca me tinha passado isto pela cabeça, mas era uma ideia óptima, parava de sofrer, livrava-me disto tudo. Peguei na tesoura e abri-a. Comecei a cortar os meus pulsos. Doía imenso, quando já tinha os dois cortados é que percebi a asneira que fiz e o quão desesperada eu estava. Os pulsos ardiam-me e jorravam imenso sangue. Comecei a ficar sonolenta. Deixei-me cair no chão e fiquei ali, fiquei à espera que a escuridão me apanhasse mas estava a demorar demais. Nunca pensei que demorasse tanto tempo. Ouvi a porta do quarto a abrir.