Sangue em Pó escrita por Mirian Rosa


Capítulo 8
Capítulo 7




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            Dois dias depois de escrito, o relatório de Santeri estava publicado em todos os jornais europeus, de uma forma mais sintética e com uma linguagem menos técnica. O que Santeri não imaginava era o tamanho da repercussão...

            O relatório virou tema de conversas em toda a Europa e todos ficaram indignados com a atitude dos traficantes. Tal situação não foi diferente na Holanda, e Lars, após ler sobre a adulteração em um jornal, previu mais dores de cabeça. Seria, muito possivelmente, chamado a prestar novo depoimento em alguma delegacia. Isto porque ele era o único holandês da rede de Javier. Os demais da rede se concentravam no leste europeu (Romênia, Hungria, Ucrânia, Albânia, Bulgária e outros países que fizeram parte da extinta União Soviética). O resto da cocaína traficada em seu país vinha do Caribe. Antes, porém que qualquer coisa acontecesse, Lars resolveu colocar Peter Mackintosh a par das novidades, e o escocês estava deitado no sofá de sua sala, curtindo a ressaca depois de ter tomado uma garrafa de uísque na noite anterior enquanto assistia a um jogo de rúgbi. Roncava como um porco.

            — Peter acorde.— sussurrou o holandês chacoalhando de leve o escocês pelo ombro.

            — Não grita Lars! Minha cabeça vai explodir.— disse Peter levando as mãos à cabeça que zumbia de tanta dor.

            — Eu não gritei, mas olhe isso aqui. Iam mandar cocaína adulterada pra gente.

            — O quê?— disse Peter levantando-se subitamente.— Feche a janela aí! A luz está me incomodando.

            — Leia isso. Os agentes da Interpol analisaram a cocaína que perdemos em março. Ou o Javier ou o Henry misturaram cal virgem e pó de vidro no meio.

            — Um minuto.— pediu Peter para ler o texto.— O Henry me paga!— sibilou amassando o jornal.

            — O Henry? Tem certeza que foi ele quem fez isso?

            — Quase absoluta. Ele ficou muito esquisito quando falou comigo, pouco antes da, digamos, tragédia ocorrer. Fez uma confusão dos diabos, misturou as cidades, me confundiu com você, gaguejou feito um sei lá eu o que...— explicou Peter massageando a testa por conta da dor de cabeça.

            Lars ficou preocupado. Poderia ter coisa muito mais séria nisso que imaginava. O que deu no Henry para adulterar o produto?

            — Peter, quer um analgésico?

            — Adoraria.

            Lars foi até a cozinha buscar um comprimido para seu amigo e trouxe também com copo com água.

            Peter engoliu o comprimido e ficou pensando sobre o que lera e a relação de Henry com aquilo tudo, quando Javier lesse o artigo certamente Henry não duraria muito tempo não.

            Enquanto Peter pensava em como Javier reagiria, Lars tentava imaginar quem seria o autor da falcatrua. Henry, Javier ou alguns dos comparsas desses, lá na Colômbia ou na Nigéria podem ter feito o serviço sujo e agora o chefe é quem iria pagar o Pato.

            — Por que será que o Henry fez isso? Será que ele queria ficar com uma quantidade maior de pó?— perguntou Lars sentando-se ao lado de Peter no sofá.

            — Talvez. Vamos ter que botar o cara na parede.— disse Peter.

            — Isso mesmo.

            Lars depois de alguns minutos sentou-se ao lado de Peter com duas latas de refrigerante em mãos. Entregou uma para o escocês.

            — Tome.— oferece Lars.— Ajuda a curar a ressaca.

            — Obrigado.— agradece Peter.

            — O que o leva a desconfiar tanto do Henry?

            — Já te falei, Lars o cara anda esquisito.

¨¨¨¨¨

            Na Interpol, alheio às especulações do relatório pelo continente, Michael apareceu para saber o resultado do DNA que fizera. Fora para Munique, pois não podia largar o trabalho e também para ajudar sua cunhada a cuidar de seus sobrinhos. Além da esposa, Ralf deixara dois filhos: um menino de cinco anos e uma menina de dois. Michael era solteiro e os pais já haviam falecido. Ralf e ele eram os únicos Schneiders de Munique. O restante da família vivia em Berlim e não eram muito ligados.

            — Ora, Michael, demorou! Os resultados já estão em minha mesa há tempos. Aguarde um momento, chamarei o Schweizer para ajudar na conversa.— recepcionou-o Carlson.

            O alemão logo foi avisado na sala e acatou as ordens. Quando chegou lá, Carlson achou melhor fazer a turma toda conhecer o irmão da “nova identidade” de Peter Mackintosh.

            — Atenção, todos vocês. Quero que conheçam Michael Schneider, irmão do Ralf, a vítima de Mackintosh.— anunciou Carlson levando Schneider para a sala.

            — Prazer em conhecê-lo e sinto muito.— disse Jean. Nikolas traduziu para o alemão a fala de seu colega. E assim foi com todas as outras. Depois Michael finalmente perguntou:

            — Carlson, o resultado do DNA saiu? Deu positivo?— o inglês de Michael estava bem melhor.

            — Infelizmente sim. O corpo é de seu irmão. Veja. Sequências de DNA idênticas, tratando-se da mesma pessoa. Geneticamente falando, você e seu irmão são idênticos.— Santeri se adiantou.

            — É eu sei.— disse Michael sem esperar a tradução de Nikolas.— Infelizmente não posso fazer nada mas vou dar um jeito de ajudá-los. O cara que matou meu irmão não sabe que eu existo. Imaginem só o susto que vai tomar se me encontrar. Vai confessar o crime na hora.

            Dario e Renato estranharam a frieza de Michael. Sabiam que os alemães eram pessoas frias, mas aí já era demais. Era o IRMÃO do cara o assassinado! Entretanto, nada comentaram.

            — Vai ser interessante.— disse Santeri.— Mas não temos ideia de onde foi que o Mackintosh se enfiou. Quando descobrirmos você será avisado.

            — Ok, obrigado. Desculpe o incômodo.

            — Imagine, cara, não foi nada!— disse Nikolas.

            — Certo, vou voltar pra Alemanha amanhã retomar minha vida. Ajudar minha cunhada com os meus sobrinhos e voltar ao trabalho. Espero que vocês encontrem esse tal de Mackintosh.

            — Estamos na caça dele.— disse Dario.— Fique tranquilo.

            — Confio em vocês.— disse Michael sabendo que a Interpol não falharia na caça de Mackintosh.

            — Ficamos gratos pela confiança, Schneider, mas compreenda uma coisa: Isso pode demorar mais do que você imagina.— disse Carlson alertando Michael sobre o tempo. A “retaliação” poderia não ser imediata.

¨¨¨¨¨

            Pouco tempo depois, Lars foi para a galeria. Karl, seu simpático chefe, contratara também Peter, como Ralf Schneider, para fazer meio período como faxineiro lá, mas nesse dia, ainda mal, Peter resolveu não ir pro trabalho e Lars disse que avisaria o chefe. Logo Javier chegou. Parecia estar tranquilo, ainda não sabia da última grande notícia.

            — Cadê o Lars? — perguntou o colombiano.

            — Foi pra galeria. — respondeu Peter comendo um pacote de biscoitos de chocolate e bebendo café.— Eu não fui porque estou com dor de cabeça das fortes. Parece que está todo mundo berrando na minha orelha.

            — Quem mandou tomar um litro de uísque?— devolveu o colombiano servindo-se do café e dos biscoitos.

            — Eu sei.— admitiu Peter arrependido da bebedeira.— A propósito já leu isso aqui, Jav?— perguntou entregando um exemplar do “El País” para Javier ler.

            — Do que se trata?

            — Leia e descubra.

            Intrigado, o colombiano começou a ler a matéria. Que nada mais era que o relatório de Santeri escrito em uma linguagem mais popular. Logo se transformou. Estava colérico quando terminou a reportagem.

            — Peter, pode escrever: o Henry está morto.

            — O que você pretende fazer, Jav?

            — Logo você verá. Por enquanto vamos fingir que está tudo bem.— disse o colombiano tremendo.— Mas em breve... Posso não responder por minhas atitudes.

            — Calma, Jav, não vá fazer nenhuma besteira.— advertiu Peter vendo que Javier estava alterado.

            — É justamente por isso que não vou fazer nada agora. Odeio tomar decisões de cabeça quente...— ironizou o colombiano. Nesse momento Henry entra na sala. Estranha o diálogo dos colegas.

            — Que papinho é esse da cabeça quente?— perguntou o folgado nigeriano.

            — Está por fora das coisas, hein, Henry? Leia essa matéria.— debochou Peter esquecendo-se da ressaca e da dor de cabeça.

            — Sabia que alguém misturou cal virgem e pó de vidro a nossa preciosa mercadoria?— perguntou Javier enquanto ele e Peter rodeavam Henry como se fossem dois predadores que queriam devorá-lo.

            — O quê? Fizeram isso? Quem foi o desgraçado?

            — Cabe a você descobrir isso. Já que eu lhe mandei a melhor “Diamond Blue” que eu tinha. Deixei uma de segunda linha pra distribuir na América Latina. E você me faz isso, Henry? Como pôde?

            — É... Ô... Mas... Javier, eu... Eu... Eu não sei quem foi que fez isso.— gaguejou Henry, visivelmente nervoso.

            — Ah, não é?— perguntou Javier ainda rodeando o nigeriano como um faminto predador.

            — E o que você quer que eu faça?— perguntou Henry recuperando seu cinismo habitual.

            — Só tenho uma coisa para lhe dizer. Você está fora de nossa equipe. Pra sempre.— disse Javier empurrando o nigeriano contra a parede.

            Empurrado, Henry se desequilibrou e bateu na parede. Sem grandes sequelas, mas o nigeriano nem protestou. Curiosamente. Apenas balançou a cabeça olhando para Javier assustado.

¨¨¨¨¨

            Três semanas depois de “aportar” na Holanda, como quem não quer nada, Henry avisou que estava de saída.

            — Não vou muito longe, não, vou pra Barcelona. Ficarei num hotel próximo da Marina, chama-se Arts, ou qualquer coisa assim. Vai ser bacana.

            — Se você acha...— resmungou Javier.

            “Já vai tarde” pensou Lars, satisfeito com a saída do inconveniente nigeriano de sua residência.

            Cinco dias depois do “anúncio” e quatro semanas após seu desembarque na Europa, Henry sai da casa de Lars que, assim que vê o nigeriano fechando a porta pro lado de fora com uma mala pendurada no ombro, cai de joelhos levanta os braços e diz:

            — Graças a Deus!

            — Faço minhas as suas palavras. Ficar com aquele picareta aqui não dá muito certo.— disse Peter, também feliz com a partida de Henry.— O clima não estava propício a uma convivência harmônica.

            — Só agora que você percebeu, é?— debochou Lars.

            — Deixa quieto, vai...— disfarçou o escocês.

            — Sem querer retomar aquele assunto, eu tenho certeza praticamente absoluta que foi o recém-saído daqui que botou soda cáustica na nossa cocaína.— disse Javier.

            — Era cal virgem, Javier!— corrigiu Lars.

            — Ah. É verdade.

            Por mais que tentasse disfarçar, Javier estava com Henry entalado na garganta. Tendo o nigeriano feito alguma besteira ou não, o colombiano não conseguia se desfazer da suspeita de que fora Henry quem havia adulterado a droga. Logo sua melhor produção. Diziam-lhe que o nigeriano era extremamente esperto e folgado e que sempre se safava pondo a culpa em algum “bode expiatório”. Até que teve uma ideia e passou alguns dias maturando-a sentado na sacada do apartamento de Lars e fumando feito uma chaminé. Resolveu, uma semana depois de Henry sair da Holanda, pô-la em prática.

            — Ô Lars! To vazando... Vou pra Hungria, Ucrânia...— avisou Javier.

            — E... Vai fazer o que por lá?— perguntou o holandês.

            — Passeio, turismo. Preciso arejar as ideias antes de fazer alguma coisa da qual me arrependerei depois. Quando der e se der eu volto.

            — Ah, tá. Tem razão. Ok. Divirta-se!— disse Lars estranhando a atitude de Javier. “O que será que ele está pensando em fazer?” pensou o holandês.

            — Ok. Até uma próxima ocasião.— disse Javier já indo embora.

            — Até mais.

            Embora tivesse dito que iria para o leste europeu, Javier, na estação de trens de Amsterdã, pegou o que rumava para Barcelona, para concretizar seus planos. Checou na bagagem se estava levando o que necessitaria.

¨¨¨¨¨

            Seis dias após a saída de Javier da Holanda, na Interpol, os agentes continuavam tentando descobrir qual dos dois era o “culpado” pela adulteração da droga, Jean já estava jogando a toalha quando uma notícia “maravilhosa” caiu no colo dos agentes com uma nova ordem de Carlson. Os agentes iriam viajar para a Espanha e um agente espanhol entraria na equipe.

            Dois dias antes dessa “balbúrdia” dentro da Interpol acontecer, em Barcelona, Espanha, a situação ficou crítica. Em um parque de Barcelona, um corpo foi encontrado. Estrangulado por um cadarço de tênis que ainda estava apertando seu pescoço. Tratava-se de um homem negro, de aproximadamente trinta anos, estatura média. Identidade: Henry Simon. Como não teve impressões digitais queimadas nem rosto desfigurado como Ralf Schneider, a polícia identifica e confirma o exame. Era realmente Henry Simon o “dono” do corpo. Fazia uma semana que Javier havia deixado à Holanda quando o crime aconteceu.

            Lars toma um susto enorme quando vê na televisão a notícia mais quente da semana:

            — Pete, corre aqui!— berrou Lars.

            — Ê, Lars, calma! Quer assustar o prédio inteiro? Tá passando bem?— era Peter, reclamando e se assustando com a palidez do colega.

            — Tecnicamente sim.— disse Lars sacudindo a cabeça.— Acabei de descobrir algo estarrecedor.

            — O quê?

            — Henry foi encontrado morto lá em Barcelona.

            — O quê?— era a vez de Peter gritar.

            — Henry foi encontrado morto em Barcelona.— repetiu Lars.

            — Isso eu já ouvi.— era Peter voltando a ser o “velho Peter ríspido e grosseirão de sempre”.— Quero os detalhes.

            — O corpo foi encontrado em uma praça do centro da cidade. Estrangulado por um cadarço de tênis. Javier?

            — Ele não está na Hungria Ucrânia ou coisa do gênero?

            — Ele disse que sim iria pra lá, mas vai saber se não mudou de ideia.

            — O Jav é um tipo meio imprevisível mesmo... Mas ainda tenho minhas dúvidas sobre a autoria desse crime.

            — É, tá complicado...— sentenciou Lars.

            A notícia, dois dias depois (Carlson esperou a polícia espanhola concluir que realmente era de Henry Simon o corpo e também escolhera um agente espanhol no cadastro da Interpol, coisa que fez sem analisar direito os currículos por conta da pressa, embora tenha gastado três dias na busca), era motivo de loucura na Interpol. Santeri protestou novamente contra o aumento da equipe:

            — Ah, não, Carlson, outra vez? Já somos seis agentes. É um número considerável.

            — Acalme-se, Korhonen, é só pra facilitar as coisas. Vocês irão a Barcelona ver mais detalhadamente esse caso. Sem maiores protestos. Mas pretendo deixar o agente na equipe até o fim do caso.

            — Tudo bem.— disse Santeri resignado, soltando um cabeludo palavrão em tom de voz baixo. Somente Sofia o ouvira.

            — Korhonen, acalme-se.— disse a italiana. Nikolas fez uma careta ao ouvir Sofia chamar Santeri de “Korhonen”. Depois do que ocorreu em Nápoles... Carlson percebeu a careta de Nikolas e apenas deu uma risada. A situação precisava de uma descontraída.

            — Ok, pessoal, que tal vocês assistirem a um joguinho do Barça, hein?— perguntou Carlson olhando para Renato.

            — Sei lá... O Gaúcho não joga mais lá, se jogasse eu estaria disposto.— decretou o brasileiro.

            — Futebol, Carlson? Prefiro hóquei no gelo.— era Santeri, obviamente.

            — Que seja. Querendo vocês ou não assistir a um joguinho de futebol, irão a Barcelona. Vão pesquisar as circunstâncias do homicídio que vitimou Simon...

            — O homicida é ou o Javier ou o Mackintosh.— decretou Dario.

            — Certamente. Aliás, amanhã, Ortega chegará.— informou Carlson.

            — Que Ortega?— perguntou Nikolas.

            — Não lhes falei dele? É o agente espanhol que recrutei para a viagem a Barcelona.— disse Carlson surpreso com sua distração. Tinha certeza que já havia falado do novo agente para a equipe.

            — Ah tá.— disse Renato desinteressado. Assim como Santeri, e Dario achava desnecessário aumentar a equipe. Isso sem contar que estava com maus pressentimentos a respeito do tal Ortega. Não disse a ninguém sobre seus pressentimentos, na esperança de que tudo não passava de um pré-conceito. Entretanto estava cada vez mais angustiado.

            À tarde, Carlson parecia agitado, entrou várias vezes na sala dos agentes, mas sem dizer nada. Nikolas percebeu a agitação do chefe.

            — O Carlson está esquisito.— observou o alemão.

            — Verdade. O que será que aconteceu?— era Renato.

            — Faço ideia. Não me parece ser algo muito corriqueiro.— disse Santeri também estanhando a agitação do chefe.

            Renato ainda mantinha-se silente quando o assunto era Ortega, mas estava difícil. Dario e Santeri não paravam de reclamar a respeito do ingresso do espanhol na equipe. E dessa vez, o finlandês e o italiano também contavam com o apoio de Nikolas que não parecia nem um pouco satisfeito com a ideia de se aumentar a equipe. O brasileiro, na verdade, tentava manter-se neutro no meio da confusão. Agora com Henry morto não teria como descobrirem se quem adulterava a cocaína fora o próprio Javier ou Henry, muito embora as circunstâncias fizessem parecer que fora realmente o nigeriano quem “batizara” a cocaína. Agora, restaria à polícia espanhola encontrar Peter e/ou Javier e fazê-los confessar o homicídio do nigeriano. O que, por certo, parecia impossível. Peter estava oculto pela identidade de um médico alemão e obviamente Javier estaria com nome e documentos falsos. Missão impossível embora houvesse evidências claras de que um deles, ou ambos, estavam envolvidos no assassinato.

            Tão logo soube do óbito de Henry, Santeri entrou na sala de Carlson. Com sua típica frieza nórdica, comentou o fato com o americano:

            — Aconteceu. Alguém lá tem culpa no cartório. Provavelmente Henry. Tentou tirar vantagem adulterando o pó.

            — Seu óbito era algo previsível. E também revela que há atritos entre eles, caso contrário Henry Simon não adulteraria a droga com cal virgem e pó de vidro. Mas ficou uma questão sem resposta: qual foi real motivo que o fez misturar cal e vidro na cocaína?

            — Impossível responder-lhe, Carlson.

            — É, eu sei. Difícil. Mas podemos conseguir alguma coisa.

            — Javier, Peter e Lars podem ter as respostas.

            — Exclua o holandês. Me parece um tipo muito ingênuo para ter acesso a esse tipo de informação. Mackintosh deve ser o detentor das respostas.

            — Ok. Mas esse caso pode ser também queima de arquivo.— disse Santeri saindo da sala do chefe deixando para o mesmo mais uma preocupação. Descobrir os motivos que levaram Henry a adulterar a cocaína. Eram muitos, mas o mais evidente de todos era o dinheiro. Talvez cada um deles tivesse uma “cota” da droga para vender e Henry queria ficar com uma quantidade maior e aí... Ou então, Santeri estava certo de sua última previsão. Henry sabia demais e poderia atrapalhar os novos planos dos colegas. Para não dar trabalho no futuro... Mas algo ainda estava sem explicação: se estavam todos em Amsterdã, por que o corpo de Henry foi encontrado em Barcelona?

            No dia seguinte, Pablo Ortega foi apresentado aos colegas. O espanhol moreno, alto, de olhos azuis e rosto forte já começou a causar controvérsias com os agentes quando contestou Jean que disse que a morte de Henry foi muito provavelmente fruto de uma vingança pela adulteração de cocaína ou queima de arquivo.

            — Isso é uma estupidez.— disse Pablo rindo debochadamente de Jean.

            — Como assim?— questionou o francês.

            — Quem matou o tal Henry só pode ter sido algum militante do ETA.— afirmou o espanhol.

            — O movimento separatista basco? E por que cargas d’água eles matariam um estrangeiro? Isso não é estranho?— era Renato pondo Pablo na parede.

            — É só pra mostrar que... Que... Que... Que a polícia espanhola não garante a segurança.— gaguejou Pablo.

            — Sei...— disse Renato desconfiado.

            E assim continuaram nesse vai-e-vem e Pablo estava se colocando em uma posição bastante desconfortável. Não possuía aliados em sua tese do ETA.

            — Esse Pablo é meio esquisito, não acha? De onde foi que ele tirou que o ETA está no meio dessa história?— confidenciou Renato para Nikolas.

            — Olha, Renato, eu bem que queria não concordar com você mas ele é realmente um tipo pra lá de bizarro. ETA? Resta saber o que está por trás disso.— disse Nikolas.

            — Ê... Lá vem você de novo... Não vá criar paranoias feito quando suspeitou que o Korhonen e a Sofia tivessem um caso. Aliás, no que deu essa sua, hã, investigação, Nikolas Holmes?

            — Arquivei, meu caro Renato Watson.— mentiu o alemão.

            — Piadinha ridícula essa nossa, não?

            — Pode apostar.

            Ambos começaram a rir descontroladamente, o que chamou a atenção de Dario.

            — Ei, que piada foi essa, que eu quero rir também.— protestou o Italiano.

            — É que o Renato me chamou de Nikolas Holmes. E eu o chamei de Renato Watson.

            — Tá.— disse Dario satisfeito com a explicação do alemão.

            — Ok, galera, chega de gracinhas. E, Schweizer, a piada foi bem sem-graça. Quanto a você, Ortega, explique melhor essa conversa de ETA assassinando um estrangeiro a bel-prazer em Barcelona. Simplesmente não cola.— era Santeri querendo trabalhar o caso.

            — Boa, Korhonen. Vamos botar essa investigação em Ordem. Ortega, que história é essa de ETA? Não tem o menor fundamento.— era Jean que ainda não digerira o fato do espanhol ter chamado sua tese de estúpida.

            — Já falei, foi pra intimidar o povo espanhol. Odeio esse pessoal do ETA.— disse Pablo nada seguro.

            — Essa conversinha tá é muito esquisita...— disse Renato.

            — Já volto.— disse Santeri saindo da sala.

            — Aonde ele vai?— perguntou Dario.

            — Não faço a mínima ideia.— respondeu Sofia.

            Santeri entrou na sala de Carlson. O chefe estava distraído e se assustou com a súbita entrada do finlandês.

            — Credo, Korhonen, que cara é essa? O fantasma do Simon apareceu lá na sala?— brincou Carlson.

            — Não, Carlson. Ortega. Aquele cretino enfiou na cabeça que a morte de Henry Simon foi trabalho do ETA.

            — O grupo separatista? Tá. E daí?

            — E daí que temos certeza de que não foi. Acho que ele está tirando com a nossa cara.

            — Se ele tiver “segundas intenções” logo vocês descobrirão.— disse Carlson.

            Santeri saiu da sala do chefe depois de ser indiretamente enxotado do local. Voltou para a sala, resignado. Perdera. Pablo deveria ter algo muito sombrio por trás daquela arrogância. E confrontar Jean não seria bom negócio. Entrou de cara fechada no recinto.

            — Que foi?— perguntou Nikolas.

            — Nada.— disse Santeri seco.— Fui só resolver umas coisinhas com o Carlson.

            O dia de trabalho dos agentes encerrou-se assim. Pablo, em qualquer oportunidade que tinha atribuía ao ETA a autoria do assassinato de Henry muito embora o crime não tivesse, em momento algum, características dos cometidos pelo grupo separatista basco. Dario, especialista em perfis criminosos, tratou de lembrar:

            — O crime não tem características de ter sido cometido por uma organização terrorista. De certa forma é isso que o ETA é.

            Nikolas foi pra casa com essa história na cabeça. O que Pablo queria tirando de Javier e Peter as suspeitas pelo crime? E também, por que insistia tanto na ideia? Enquanto jantava imaginou que Pablo teria alguma ligação com os traficantes, mas logo descartou a ideia. A Interpol não aceitaria em seus quadros um agente “bichado”. Foi dormir com essa sensação estranha. Mas não imaginava que todos os outros agentes também estavam bastante intrigados com a tese do espanhol.

¨¨¨¨¨

            Dois dias depois, Pablo ainda insistia em sua bizarra tese. Mesmo com a ferrenha oposição dos colegas. As discussões não cessavam. Pablo continuava insistindo em sua teoria do ETA. Jean, Dario, Nikolas, Santeri, Renato e Sofia já não suportavam mais a especulação infundada do espanhol. Carlson, entretanto, não dava mostras de que desconfiava de Ortega. Dizia sempre que se houvesse algo errado, os agentes logo iriam descobrir.

            — Deixem isso pra lá. Amanhã vocês pegarão o trem que os levará a Barcelona às vinte e duas horas. Vão chegar lá de madrugada, ou melhor, quando estiver amanhecendo. Amanhã vocês receberão as instruções.

            — Trem, Carlson?— estranhou Nikolas.

            — Sim, meu caro, mas infelizmente não temos um direto à noite. Vocês pegarão daqui um para Paris. Poucos minutos depois que chegarem lá, sairá o para Barcelona.

            — Ah, sim.— contentou-se Nikolas.

            — Certo, voltem para a investigação.— ordenou Carlson.

            No dia seguinte à noite, os agentes embarcaram no trem sonolentos. Nikolas bem que tentou ficar acordado para “vigiar” Pablo, ideia na qual foi acompanhado por Dario e Renato, mas nenhum dos três aguentou por muito tempo. Logo adormeceram e foram sonâmbulos para o segundo trem, com ajuda de Jean que estava um pouco mais alerta.

            Chegaram a Barcelona às quatro da madrugada e foram direto para o hotel. Só acordaram por volta das nove e meia.

            Durante o primeiro dia de investigações, nada descobriram. Apenas o óbvio. A morte de Henry fora por asfixia por constrição do pescoço com o cadarço de tênis que fora deixado ainda em seu corpo. Em resumo: estrangulamento. E havia também um pequeno “galo” em uma região próxima ao local da asfixia.

            — Isso a gente já sabia. Não tinha nada de novo naquilo.— reclamou um sonolento Nikolas que não parava de bocejar quando saíram do IML local, primeiro lugar visitado à cata de informações.

            — É... Só testemunhas ou câmeras de vigilância pra saber qual dos dois fez esse serviço.— era Dario

            — Que dois?— perguntou Pablo.

            — Mackintosh ou Javier. E não me venha com esse papo furado de ETA. Não faz o menor sentido.— respondeu Nikolas irritado.

            Pablo olhou desconfiado para o alemão. Não entendia a irritação do mesmo. Mas continuaram investigando. Dario propôs uma visita ao local do crime o que foi topado pelos colegas, exceto Pablo.

            — Não vai acrescentar nada irmos até lá.— opinou o espanhol.

            — Não pedi sua opinião.— rebateu Dario de mau humor.

            — Tá bom.— era Pablo assustado também com o mau humor do italiano.

            — O que eu faço, Almeida?— perguntou Santeri.

            — Ah, Korhonen, se eu soubesse, já teria feito. Tá impossível ficar com esse cara aqui. Ele é muito chato.

            — Tenho que concordar. Muito chato mesmo.— disse o finlandês enfatizando o “mesmo”.

            — Rapazes, reclamar não adianta, Carlson não vai tirá-lo da equipe mesmo que reclamemos inúmeras vezes.— disse Sofia.

            — É, Sofia, você tem razão.— constatou Jean.

            No parque onde o crime fora consumado ou inteiramente executado ou onde o corpo fora abandonado, não havia como coletar informações. O corpo de Henry fora encontrado lá por um morador das redondezas. Nada de câmeras de vigilância e nada se sabia sobre prováveis testemunhas do crime.

            — Tá difícil.— disse Nikolas bocejando sentado no chão muito próximo ao local onde o corpo fora encontrado. Enquanto seus colegas tentavam reconstituir o crime, ele ficou olhando o parque em tela. “Caramba, esse lugar é maravilhoso. Ah, se toda cena de crime fosse assim.” Pensou o alemão quando se lembrou de seu primeiro caso, mal havia entrado na polícia de Frankfurt, sua terra natal, um sujeito havia matado e estuprado uma garota de nove anos e, ainda, mutilado seu corpo. Tudo isso em um casebre abandonado e caindo aos pedaços nos limites da cidade. Isso o deixara tão chocado que ele pediu para transferirem-no para qualquer outro departamento da polícia alemã, desde que não tivesse contato “rotineiro” com cadáveres mutilados. Pedira para seu chefe. Foi para o serviço de narcotráfico. E lá “conheceu” Peter Mackintosh que tentava fazer seu nome na Alemanha. Concorria com outro poderoso nome, Fritz e nem Don Fiorella pode ajudá-lo. O tal “Fritz da branca” conseguiu tirar o “escocês” da região e menos de três anos depois Nikolas August Schweizer foi para a Interpol, quando desbaratou praticamente sozinho a rede de Fritz em Frankfurt e região.

            Dario, com uma foto da cena, deitou-se no local onde estava o cadáver de Henry e na mesma posição em que o mesmo fora encontrado e tentou ver se havia algum lugar que tivesse uma boa visão do local. Não acreditou no que enxergou:

            — Korhonen, olhe ali. Uma câmera escondida no tronco daquela árvore.— disse ostentando um sorriso.

            — Aquele ponto preto meio brilhante? Fantástico Fraschetti. Vamos falar com a polícia espanhola.

            Nikolas esboçou um sorriso vitorioso:

            — Perda de tempo né? Sei...— disse para Pablo em tom irônico.— Vamos a alguma delegacia perguntar sobre as imagens. O Renato fala um pouco de espanhol.— terminou ignorando a presença de um espanhol nato na equipe.

            — Ótimo.— disse Santeri nem percebendo a “rata” de Nikolas.— vamos logo.

            A descoberta de Dario foi o ponto de partida para a “ação” que os agentes queriam. “Adeus minha visita ao museu do chocolate” pensou Renato, ironicamente chateado. Mas largou o aborrecimento de lado quando descobriu, entre outras, que o Museu do Chocolate ficava perto do Parc de la Ciutadella. Mas deixou a vontade pra outra hora, tinha que ir até a delegacia que ficou responsável pelo inquérito do Homicídio de Henry Simon. Algumas quadras a diante. Nikolas, Dario, Jean e Santeri ignoravam Pablo completamente. Sofia permanecia-se neutra. Ele era o único que ainda se lembrava da existência do espanhol. Tentou conversar sobre a câmera com Pablo pedindo a opinião do mesmo, mas Nikolas “cortou o papo” entrando entre os dois e puxando conversa com Renato, sobre o mesmo assunto: A câmera do Parc de la Ciutadella.

            — Acho que pode elucidar um pouco. Se as imagens forem boas, talvez consigamos descobri qual dos dois cometeu o crime. Pra mim, é sessenta e cinco por cento de chances de ser o Javier e trinta e cinco pro Peter ser o assassino em tela. Temos que pensar como os traficantes. Quem tomou mais prejuízos com a cocaína batizada? Peter ou Javier?— era o alemão enfatizando o “qual dos dois”.

            — Pensando desse jeito... Dario, o que você acha?— era Renato sem saber o que responder. Lembrando-se que Dario era especialista em perfis de criminosos.

            — Sobre o quê?— perguntou o italiano.

            Nikolas explicou novamente, falando da história dos prejuízos. Dario escutou e depois, opinou:

            — Javier noventa por cento de certeza. Peter, talvez. Temos que ver como é que funciona a parte, digamos, comercial do tráfico. Talvez o Peter revendesse a droga numa espécie de mercado futuro, saca? Bolsa de valores. Se o Peter já tivesse vendido a droga para outros traficantes, ele também teria fortes motivos para passar o cadarço no pescoço do Henry, mas com o não sabemos disso...

            — Sei, não tem como colher esses dados, a não ser que o acaso dê uma mãozinha...— era Nikolas um pouco chateado.

            Chegaram à delegacia pouco depois de Nikolas terminar de concluir as ideias. Renato foi conversar com o delegado, a pedido de Santeri que, como os demais agentes, “esqueceu-se” de Pablo, que, aliás, foi impedido de entrar no local por Nikolas e Jean que bloquearam a porta. Mas, mesmo sem Pablo por perto a tese do ETA foi mencionada, e por Santeri. O finlandês perguntou de supetão ao delegado:

            — O senhor acha que há algum envolvimento do ETA nesse crime?

            — Não claro que não! Isso tem cara de assalto. O rapaz, Henry Simon, pode ter resistido ao assalto. Apesar do nome, aquele parque não é nenhuma fortaleza...

            — Que dizer então que a criminalidade lá é alta?— perguntou Nikolas.

            — Hum... Média. Por conta disso a prefeitura espalhou várias câmeras por lá.— explicou o delegado.

            — Vocês conseguiram as imagens de uma colocada bem perto da cena do crime?— disse Dario.

            — Ainda não. Mas em dois ou três dias chega, já pedimos à prefeitura. Agora... Por que vocês estão investigando a vítima?

            — Ele é suspeito de narcotráfico. Rede de Don Angelo Fiorella. Outro nome famoso dessa turma é um dos prováveis assassinos: Peter Mackintosh.— respondeu Santeri.

            — O Escocês?— perguntou o delegado usando o apelido comum de Peter.

            — Sim.

            — Ah, conheço... Foi visto em Madrid depois de ser dado como morto, não é ele?

            — É. Ele mesmo...

            — Sei quem é...

            — O senhor poderia nos avisar quando as imagens chegarem? Estamos nesse hotel aqui.— pediu Santeri entregando um cartão com o nome do hotel para o delegado.

            — Sim, claro. Assim que chegarem, vocês serão avisados.

            Depois dessa os agentes saem da delegacia e voltam para o hotel. Lá com a vista do Parc de la Ciutadella, ficam refletindo sobre o caso. Nikolas passou o resto da tarde pensando na câmera, mas bem que tentou se desligar. As imagens revelariam muita coisa, mas a sorte teria que dar uma mão. Também, estava feliz por terem conseguido derrubar de vez a bizarra tese de Pablo do ETA. Tentando esquecer esse assunto por alguns minutos, Nikolas pegou seu MP3 Player. Colocou os fones de ouvido e foi para a sacada de seu quarto no hotel vestindo apenas calça jeans. Filosofava ao som de “Away From the Sun” do grupo 3 Doors Down quando lhe veio uma ideia à mente. Culpa das esquisitices de Pablo. Rejeitou a ideia sacudindo a cabeça como se isso o fizesse esquecer-se dela. Incomodado, anotou-a no celular e novamente tentou desligar-se e esquecê-la. E, tal como fizera com a cena de Nápoles, guardar segredo absoluto. Algumas horas depois colocou uma camiseta e se dirigiu para o quarto de Santeri, pois Carlson ligaria para o finlandês para saber como estavam as coisas na Catalunha.

            — Boa noite meus caros, algum progresso?— perguntou o americano aparecendo na tela do notebook de Korhonen.

            — Zero.— respondeu Santeri.— Ainda não descobrimos nada sobre o homicídio de Henry Simon. Só confirmamos o que já sabíamos. Foi estrangulamento. Ah, há uma câmera de vigilância bem no local onde o corpo foi encontrado, mas a prefeitura ainda não liberou as imagens. Isso só deverá ocorrer dentro de dois ou três dias.

            — Certo. Tudo bem. Vou dar uma pesquisa meio chata pra vocês fazerem. Vasculhem os hotéis da região e tentem descobrir se Javier, Mackintosh ou ambos estiveram hospedados por aí nos dias que antecederam o crime.

            — Ah, sim, Carlson, faremos a pesquisa. Mas... O Javier está com nome falso que desconhecemos. O Peter tá mais tranquilo, todos sabemos qual é a identidade dele.

            — Isso não será mais problema, meu caro Korhonen, pus outra equipe para descobrir isso, Javier Marquez desembarcou em Madrid com o nome de Juan Alonso. Ele foi visto desembarcando em Amsterdã acompanhado de um cara chamado... Ralf Schneider...

            — Poderia repetir o nome, Carlson?

            — Do Javier?

            — Isso.

            — Juan Alonso, qualificado como arquiteto colombiano.

            — Ok, Carlson, obrigado.

            — Me liguem quando tiverem acesso aos vídeos.— ordenou Carlson.

            — Ah, sim, claro.

            — Vejo vocês em três dias.— terminou Carlson desligando-se.

¨¨¨¨¨

            Depois da conversa com o chefão, a turma desceu para o restaurante do hotel para jantar. Santeri encerrou o dia de investigação após a refeição.

            — Vamos dormir que amanhã teremos um dia cheio. Muito cheio.— concluiu o finlandês.

            — Se vamos.— concordou Dario.

            — Verdade.— era a vez de Renato concordar com a informação do finlandês.

            Sofia levantou-se da mesa dizendo que já ia para seu quarto e no caminho, passou ao lado de Santeri e puxou de leve a orelha do finlandês. Nikolas dessa vez percebeu o sinal de Sofia. O especialista em entorpecentes virou-se para a italiana e balançou de leve a cabeça esboçado um sorrisinho. “Lá vem mais cenas proibidas para menores!” pensou o alemão. Em pouco tempo, os agentes todos já haviam subido e ido para seus respectivos quartos. Nikolas estava quase pegando no sono quando ouviu passos no corredor. Já imaginou o que seria. Nada de pânico, disse para si mesmo. Esperou uma meia hora e saiu. Viu a porta do quarto de Santeri entreaberta e... Batata! Lá estava a italiana praticamente nua deitada sobre Santeri que lhe tirava o sutiã enquanto ela lhe beijava o pescoço e o peito. Sofia usava, no momento do “flagra” um sutiã e uma calcinha vermelhos sangue. Ao contrário de Nápoles, Nikolas não teve nenhuma reação adversa. Ficou alguns minutos morbidamente fixo na cena sentindo uma pontada de inveja de Santeri. O finlandês era um homem de sorte, Sofia era linda e não era a primeira vez que Nikolas se pegava lembrando-se dos atributos da italiana. E, também, Santeri era um ótimo ator, fingia-se de desinteressado em Sofia e enganara a quase todos. Se não tivessem dado bobeira em Nápoles e na época Nikolas não tivesse tão bitolado no assunto nada se saberia e todos pensariam que nada havia entre ambos, inclusive Carlson. Alguns minutos mais tarde, cansado de assistir àquela “cena erótica” Nikolas que não era “voyeurista” voltou para o seu quarto, deitou-se e dormiu. Acordou no dia seguinte sabendo que teriam um trabalho muito complicado. Procurar por dois sujeitos mais espertos que raposas e peritos em se esconder. E ainda por cima usando nomes falsos.

            — O Carlson judiou da gente. Como faremos pra conseguir descobrir isso?— reclamou Renato durante café da manhã no dia seguinte.

            — É, o trabalho será pesado. A não ser que a polícia espanhola nos dê uma mãozinha.— era Santeri.

            — De que jeito?— era Nikolas desconfiado.

            — Ajudando no rastreamento da dupla nos hotéis... Eles devem ter métodos mais simples para descobrir isso.

            — É isso pode ajudar.— disse Pablo.

            — Resta saber quanto tempo isso pode demorar.— disse Renato desconfiado. Lembrou-se da demora dos espanhóis com os outros dados da investigação, laudos das necropsias e envio das amostras de cocaína que estavam com os nigerianos. Todos esses dados eram provas cruciais para a elucidação do caso.

            — Deve ser até fácil pra polícia obter esses dados. Deve ser só uns comandos no computador.— Santeri continuava otimista demais.

            — Talvez, não acho que os hotéis passam a ficha de todos os hóspedes pra polícia. Só se suspeitarem de alguma coisa.— disse Nikolas.

            — Não custa arriscar, não?— era Santeri.

            — É.— encerrou Sofia.

            Estavam se levantando para irem à caça de Javier e Peter quando um mensageiro do hotel chegou perto deles e perguntou-lhes:

            — Você é o Santeri Korhonen?

            — Sim, sou.— respondeu o finlandês segurando a vontade de corrigir a pronúncia do rapaz.— Algum problema?

            — Um delegado de polícia ligou aqui dizendo que chegaram os vídeos na delegacia, é pra vocês irem lá vê-los.

            — Muito obrigado, já ia pra lá mesmo.— disse Santeri.

            — Maravilha. Vamos?— convidou Nikolas.

            — Só se for agora.— era Renato.

            Em alguns minutos estavam na delegacia. Aceleraram os passos de tanta ansiedade.

            — Buenas!— cumprimentou Renato.

            — Querem ver o vídeo?— perguntou o delegado com ironia.

            — Claro.— respondeu Santeri deixando claro que não estava com muita vontade de brincar.

            — Ok, aqui está, inspetor Gonzalez, por favor coloque o vídeo para os agentes da Interpol assistirem.

            O inspetor acata a ordem e logo o vídeo rodava no monitor. As imagens mostravam dois sujeitos, Henry e um outro ainda não identificado batendo boca no parque. De repente, o segundo “elemento” cerrou o punho e esmurrou com força a nuca de Henry, que foi a nocaute. Depois, com Henry caído no chão meio grogue, tirou algo do bolso passou em torno do pescoço do nigeriano e finalmente o estrangulou. O segundo elemento olhou fixamente para a câmera enquanto Henry tinha uma série de espasmos por causa do estrangulamento.

            — Javier!— berrou Nikolas.— Foi o Javier! Foi o Javier!— surtou o alemão.

            — Nikolas, acalme-se. Isso já imaginávamos.— disse Renato segurando Nikolas pelos ombros.

            — Eu sei, mas ainda assim, foi bom saber.— disse o alemão se livrando das mãos de Renato.

            — Doutor Gutiérrez, teria como o senhor saber se na época do crime um colombiano chamado Juan Alonso e um alemão chamado Ralf Schneider estiveram aqui em Barcelona?— perguntou Santeri.

            — Sim. Aguarde um momento.— disse o delegado, digitando uns comandos no computador.

            — Hum... Teve um Juan Alonso Hospedado no Hotel Arts, perto da Marina... Já Ralf Schneider, não apareceu nenhum.

            — Onde a gente está!— era Nikolas assustado.

            — Que coincidência!— disse Renato.— Há quanto tempo ele está lá?

            — Ficou lá por dez dias, fechou a conta há quatro.

            — Na véspera da nossa chegada!— disse Nikolas indignado.

            — Três depois do Assassinato...— contabilizou Santeri.

            — E Henry Simon?

            — Também estava no mesmo Hotel. Mas não havia fechado a conta quando foi assassinado... E quem é Juan Alonso?

            — Nome falso com que Javier Marquez desembarcou aqui na Europa.— informou Dario.— Teve algum Peter Mackintosh?

            — Entendi. Mackintosh... Não. Não teve ninguém na cidade com esse nome nos últimos três meses.

            — Bom... Já temos o que precisamos. Acho que já podemos voltar pra casa.— disse Santeri.— Obrigado pela ajuda, Doutor Gutiérrez e inspetor González.

            — De nada.— agradeceu o delegado.

            Fora da delegacia, os agentes decidem gastar o resto do dia fazendo turismo na cidade.

            — Imagine a cara do Carlson quando descobrir que estamos no mesmo hotel em que Javier e Henry se hospedaram.— perguntou Renato.

            — É... Vai ser divertido ver a cara de espanto do chefe.— disse Dario, rindo da ideia.

            — Posso imaginar...— disse Santeri também rindo.— E... Vocês têm alguma sugestão de onde podemos ir?

            — Museu do chocolate! Desde que descobri que isso existe tenho vontade de ir lá!— disse Renato sem hesitar.

            — Existe isso?— perguntou Dario cético.

            — Claro!— retrucou o brasileiro.

            — Verdade, só tome cuidado com o cheiro... Dá vontade de comer as peças em exposição... Como o nome diz, é tudo feito de chocolate.— explicou Pablo.

            — Gostei da ideia. É só ninguém querer consumir as peças... Está bom.— disse Santeri.

            — Eu também. Alguém vai ter que me segurar, senão...— brincou Sofia. Nikolas só riu do último comentário da italiana, pois sabia muito bem quem ela queria que a segurasse se resolvesse “atacar” alguma obra.

            — Eu pesquisei na internet, ele fica por aqui...— disse Renato retirando um papel do bolso onde havia copiado o endereço do museu. Perguntou a um transeunte que explicou com bastante calma. Pablo também ouviu a explicação e logo a turma chegou ao local. Ficaram no museu por pouco mais de duas horas até que o estômago começou a reclamar. Voltaram para o hotel e almoçaram no restaurante do local.

            Depois do almoço, Santeri decidiu já avisar Carlson que a missão Barcelona havia se concluído.

            — É uma boa... Quem sabe amanhã a gente já volta pra Lyon...— era Jean.

            — Isso. Vamos lá ao meu quarto... Preciso do notebook.— disse Santeri saindo correndo.

            Os agentes seguiram o finlandês e todos chegaram rapidamente ao andar onde ficavam seus quartos. Santeri ligou o computador e conectou-se com Carlson. O americano foi pego de surpresa na sede da Polícia Internacional.

            — Boa tarde, meus caros, a que devo esse repentino contato?— perguntou Carlson fazendo graça.

            — Já conseguimos tudo o que queríamos aqui. Foi Javier quem matou Henry, e ambos estiveram hospedados aqui no Arts...

            — Como? Aí?— perguntou Carlson espantado.

            — Exato. Já o Mackintosh não apareceu não. Nem como Ralf Schneider.

            — Ótimo, meus caros, vocês fizeram um ótimo trabalho... Se quiserem, amanhã eu envio as passagens de volta. Vai ser viagem de trem de novo.

            — Ok. Tudo bem.— concordou Santeri.

            — Aproveitem esse tempo pra descansarem... Vocês terão muito trabalho quando voltarem, podem apostar...

            — Certo, Carlson.— disse Santeri. Logo depois, o americano se desconectou do computador.


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