Sangue em Pó escrita por Mirian Rosa


Capítulo 3
Capítulo 2




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            Bogotá, Colômbia, cinco de abril de 2005, oito horas da noite, Javier arruma mais uma remessa de cocaína para enviar para Henry, enquanto vê televisão. Ciente que, dessa vez, não poderia perder nem um grãozinho sequer de seu precioso pó, Javier perdeu completamente a concentração quando viu que seu nome figurava na lista de suspeitos de fornecer cocaína para a Europa e ser o dono do pó perdido em Madrid há aproximadamente duas semanas. Parou imediatamente de encapsular a droga e tratou de ligar para Peter, que a essa altura dos fatos, já estava em sua cidade natal, Edimburgo, a capital escocesa. Contou-lhe o que ouvira.

            — Estamos enrascados, Javier. Descobri que a equipe que está nos investigando é a melhor de todas. Tem um especialista em entorpecentes que deve ter descoberto do que se tratava só lendo a notícia, e dois especialistas em narcotráfico.— contou o escocês desiludido, enchendo um copo de Uísque.

            — Pete, já era. Acho que o Henry e o Lars podem escapar, mas a gente... Sei não, cara... Falando neles, o Lars não está te devendo dinheiro? Trocados, até onde sei...

            — Trocados? O Zé Ruela lá tá me devendo cento e setenta mil euros! Resolveu vender nossa mercadoria na Bélgica e foi preso, fichado... Resultado, agora não pode mais sair da Holanda. Aliás, ele me pagou semana passada. Vendeu uma daquelas telas que ele pintou como se fossem de outro Van Gogh... O Vincent.

            — O que cortou a própria orelha?— Javier também bebia, mas seu líquido era café.

            — Ele mesmo.— disse Peter tomando mais uma dose de Uísque.

            — E o pessoal cai no golpe?

            — Pelo jeito, cai... Mudando de assunto, como foi que o Henry reagiu à história do pessoal morto?

            — Bom, pareceu que ele teve um treco, mas não quando nos falamos pela primeira vez, após o “incidente”. Foi na segunda, quando eu disse o que você havia me falado das perícias e sobre a alta probabilidade de a Interpol intervir nas investigações. O cara quase teve um enfarte.

            — Típico do Henry...

            — Mas, Pete, por que você está me perguntando isso?

            — Quando nos falamos, antes do problema, ele estava muito esquisito no telefone, gaguejando, trocando as coisas... Me chamou de Lars umas três vezes. Trocava Dakar e Madrid de posição... Tem coisa errada, Javier.

            — Das duas, uma: ou ele ficou maluco, ou ele anda aprontando lá pras bandas dele e nós não estamos sabendo.

            — É bem provável, Javier. Faz tempo que o Henry anda meio esquisito...

            — Espere aí... Você poderia me explicar que história é essa de esquisitice, Pete?

            — Vou tentar.— começou Peter tomando sua quinta dose de uísque.— Faz três semanas que ele me liga pra falar que acha que estão mexendo na mercadoria. Como é que a gente acordou a distribuição naquela reunião em Abuja mesmo, Jav?

            — Esqueceu? Foi o seguinte: Remeto pro Henry noventa por cento da minha produção. Ele fica com dez por cento desses noventa e te remete o restante. Você, por tabela, tem total liberdade pra fazer o que quiser com os quinze por cento de seu exclusivo usufruto. O restante você repassa pro Lars, pro Vampiro e praquele outro cara. Lars fica com cinquenta por cento desse “bolo”, dez por cento é pro carinha que não estou me lembrando quem é, vinte pro Carlo e pro Pietro, os capangas do Don Ângelo, e outros vinte são pro delicadinho do Vampiro. Ele recebe menos porque pega também do peruano.

            — Gostei do “delicadinho”.— disse Peter quase tendo um ataque de risos. E não se lembrando também do nome do terceiro recebedor da droga.—Sei... Ao que tudo indica os comparsas dele por lá tem feito algo. Agora, não sei se com ou sem a anuência dele.

            — Obrigado. Será?

            — Não sei, mas, mudando de assunto, achei estranho o Vampiro não ter vindo me matar quando não entreguei a última remessa de mercadoria.

            — Agora que você falou, eu também estou achando esquisito, vai ver que ele está tomando tranquilizantes.

            — Sem essa, Vampiro tomando calmantes, pago pra ver. Preciso desligar. Até mais, cara.

            Javier desligou o telefone encafifado. Peter parecia não estar muito confiante em Henry e, o nigeriano, há tempos dava sinais de que não era realmente digno de confiança. Passou o resto do dia com a ideia de Peter na cabeça. Henry teria alguma relação direta com as mulas além da nacionalidade? O que teria acontecido com as cápsulas que resolveram romper em todos eles do nada? Isso raras vezes havia acontecido. Embora a possibilidade nunca fosse descartada. Além da história do Vampiro. Um atraso desses significaria morte na certa para Peter, o distribuidor. Se Peter ainda estava vivo, ou tinha dedo do Don Ângelo ou aquela cota de pó não estava fazendo falta para Vampiro. O traficante romeno era conhecido por ser bem mais truculento que a média e fazer uso da violência sempre que tinha chance. Era investigado por cometer alguns homicídios em seu país, mas até agora não fora indiciado nem denunciado por nenhum deles.

¨¨¨¨¨

            Na Interpol, também no dia cinco de abril, Santeri, Nikolas e Renato estavam quebrando a cabeça, investigando a rota do tráfico: Colômbia - Nigéria - Espanha. Javier era o único nome que os agentes tinham, no momento, ainda faltavam o nigeriano e o europeu. Ainda pensavam em nomes quando, por um comunicador da internet (o famoso MSN) recebem uma mensagem de Carlson. O americano queria dizer-lhes algo urgentemente.

            O trio abandona o posto e corre para a sala do chefe.

            — O que houve, Carlson?

            — A polícia espanhola está nos mandando o material da perícia deles por prestações. Primeiro, vieram os laudos das necropsias, agora eles nos remeteram os vídeos do aeroporto e os depoimentos dos funcionários da companhia aérea utilizada pelos nigerianos e também os depoimentos dos passageiros do voo, principalmente os do médico que ajudou a socorrê-los.— disse o chefão com um pouco de indignação, afinal, a polícia da Espanha, em sua opinião, estava atrasando a investigação ao demorar em enviar os documentos.— Se continuarem neste ritmo só ano que vem as amostras das cápsulas chegam para a análise.— continuou, irônico, Robert Carlson.

            — Tudo bem, Carlson. Vamos assistir ao vídeo e ler os depoimentos.— disse Santeri pegando os papéis e o DVD das mãos de Carlson.

            Ansiosos, voltaram para a sala deles e, controlando o nervosismo, Nikolas colocou o DVD no aparelho. Logo as imagens revelaram mais um elo da cadeia.

            — Mas, mas, mas...— gaguejou Nikolas surpreso, talvez com sua memória, talvez com a imagem mesmo.— Esse cara aí é o Peter Mackintosh!

            — Mackintosh? Aquele escocês com uma “ficha corrida” maior que a torre Eiffel?— perguntou Renato.

            — Ele próprio, Renato. Vai ser difícil pegar esse sujeito, ele é escorregadio. Bem esperto, parece adivinhar que querem prendê-lo e some. Desaparece. Vira fumaça.— disse Nikolas referindo-se a fama de invisível de Mackintosh.— Vivo “admirado” com a capacidade dele de sumir. Conheço-o desde os tempos em que trabalhava no departamento antidrogas da polícia de Frankfurt.— continuou recordando-se de sua vida “antes da Interpol”.— Era conhecido como “o escocês”. Original o apelido, não acham?— debochou.

            — Ô...— disse Renato brincando.

            — É, agora a coisa encrencou. Mackintosh é um dos nomes que está há mais tempo na lista dos procurados e parece ter um sensor que o avisa quando a polícia está por perto.— disse Santeri.

¨¨¨¨¨

            Com mais um elo identificado, os agentes agora, teriam que encontrar os demais integrantes europeus do bando. Entretanto, estava difícil saber onde poderiam encontrar o único suspeito reconhecido do time, o escocês Peter Mackintosh, devido à habilidade do britânico de se esconder.

            — Ele pode estar em qualquer canto do continente. O maior problema é esse.— lamentou-se Nikolas.

            — E a gente, além dele, ainda tem seus comparsas pra caçar. Vai ser difícil...— Renato fazia coro às lamúrias do agente alemão.

            — É...— disse Santeri, também pessimista.

            — Ânimo, rapazes! Vamos localizá-lo. Já contatei as polícias de diversos países da União Europeia. Qualquer sinal de vida de Mackintosh nos será avisado.— disse Carlson tentando estimular seus desanimados agentes.

            Mackintosh, entretanto, planejava sumir do mapa por um bom tempo. Já estava executando seus planos. Dia oito de abril, saiu de Edimburgo, onde vivia, e rumou para a Alemanha.


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