"Ninguém te reconheceria sem o cavanhaque"

Se Pepper soubesse que aquele comentário, feito tão distraidamente em uma tarde na mansão, ficaria por tanto tempo nos pensamentos de Tony (toda manhã  quando ele se olhava no espelho, todas as vezes em que vestia a armadura, sempre se perguntando o que definia Tony Stark) ela provavelmente não o teria feito. A própria Pepper não se lembrava deste comentário, não se lembrava o porquê de tê-lo feito (Tony tinha quebrado o indicador de sua mão dominante em uma missão e entre ela e o Dummy claro que Tony preferia que Pepper o ajudasse a se barbear naquela manhã fria de dezembro).

Mas Pepper fez o comentário. E Tony se lembrava disso. Seu estilo, sua personalidade, seu jeito displicente e claro, seu cavanhaque, o definiam tanto quanto sua armadura e a próxima missão. O primeiro lote servindo para lhe dar confiança para seguir em frente, sentir-se alguém no meio da multidão. E tudo o que a armadura representava para tentar redimi-lo de seu passado e lhe dar motivos para seguir em frente: sentir-se como alguém com propósito, alguém que vale a pena. No fundo, tudo funcionava para a construção de uma persona que não fosse apenas desperdício de espaço.

E agora, tão longe de casa, sem sua armadura, sem JARVIS, sem os flashes, sem seu estilo, sem seu cavanhaque... Agora olhando para seu rosto pela primeira vez em anos (rosto metafórico, sem trocadilhos infames no meio de uma crise de depressão), Tony percebeu que não tinha muita certeza de quem era. Não sabia quem era Tony Stark por trás das máscaras. Mas essa era uma pergunta que ele podia responder depois, já que Pepper precisava de outra pessoa a seu lado agora.

E assim ele andou todo o caminho de volta para  o salão, apresentar-se mais uma vez ao lado de Pepper para o almoço informal (o porquê de tantos almoços com as famílias e convidados algo que Tony não conseguia entender de forma alguma. Não bastava a cerimônia e a recepção?).

Entrou sem alarde no recinto, encontrando Pepper rapidamente. Seus cabelos loiros/ruivos rapidamente discerníveis no meio do aglomerado de pessoas que se reuniram enquanto ele estava em sua busca por uma gilete.  Como a moça estava conversando, aproximou-se dela, sem interromper a outra garota que falava (e falava e falava e falava).

- E então ele me chamou para sair e eu fui, mas ele não queria nada sério então... Sim? Deseja algo?

Tony demorou um pouco para perceber que a garota (ruiva, mas o cabelo era tingido) estava se dirigindo a ele, que tinha parado atrás de Pepper esperando uma brecha para anunciar sua presença. Quando olhou para Pepper, silenciosamente lhe perguntando como ela desejava que ele reagisse, percebeu que ela sim estava completamente sem saber o que fazer. Por um momento, era como se ela não o reconhecesse, depois ela estava incrédula e então ela começou a rir. E riu. E riu mais um pouco.

Tony, sem saber o que fazer, acabou por estender o braço e oferecer a mão calejada para a falsa ruiva:

- Edward Stark. Muito prazer em conhecê-la...

- Sarah Harris. Então... É convidado do noivo ou da noiva?

Então não era só com seu estilo e nome que as mulheres flertavam? Se bem que se referir àquela mulher como mulheres podia ser um grave erro de generalização, principalmente porque ela aparentava estar completamente bêbada.

- Da noiva. Eu sou o namorado da Pe.. O namorado da Virgínia.

Ao ouvir seu nome da batismo, Pepper parou de rir. Virgínia? Edward?

- Ora ora Ginny, por que não me disse antes? - Sarah perguntou, envolvendo Tony em um abraço que ele definitivamente não queria.  - Deixe-me ver! Você finalmente se desenrolou daquele glutão e conseguiu um homem para você! Também mora em Malibu? Com o que trabalha Edward?

- Eu... Computadores. - Foi a única coisa que Tony respondeu em meio a tantas perguntas.

- Se está trabalhando na Califórnia com computadores, marque uma entrevista quando voltar para casa. Se for bom o bastante, estamos precisando de funcionários nas indústrias Hammer, Edward.

E com essa frase, um cartão apareceu na frente do rosto de Tony. Um cartão das indústrias Hammer. Um cartão com o nome Sebastian W. Mulroney estampado nele. Anexado ao cartão, claro, estava Sebastian. Dizendo-lhe que se ele fosse bom o bastante, poderia ser seu empregado. Bom, Ed provavelmente precisasse mesmo daquela oportunidade. Afinal, na Califórnia e trabalhando com computadores? Quem não apreciaria?

Quando abriu a boca para responder, sem sequer ter feito menção de pegar o cartão das mãos feitas em manicure, percebeu a mão de Pepper buscar as suas (calejadas, ainda com graxa por debaixo das unhas). Acabou por pegar o cartão sem nada dizer, com a outra mão, os olhos castanhos rapidamente procurando os azulados/esverdeados de Pepper.

- Oi... Sebastian. - Uma Pepper muito pálida disse, apertando ainda com mais força a mão de um Tony que quase que por reflexo livrou aquela mão da prisão e a passou por cima dos ombros dela, abraçando-a para mais perto de si.

- Ginny? Que bom que você veio!

Sebastian tentou se aproximar mais dela, mas um braço muito forte de Tony puxou Pepper ainda mais para perto de seu corpo, fazendo com que o rapaz recuasse um pouco.

- Amanda vai ficar nas nuvens! - Disse ele, acenando para a noiva se aproximar.

- GINNY! - A loira gritou quando a viu.

Dessa vez, o braço de Tony não foi o suficiente para impedir o abraço. Ele simplesmente se contentou em pousar as mãos sobre o ombro dela depois que Amanda recuou um pouco.

- Amanda, Sebastian. Este é Edward, o namorado da Ginny! - Sarah apontou, acentuando a palavra namorado.- Eles estão morando juntos em Malibu.

- Nós n... - Tony começou a corrigir, mas não conseguiu terminar a frase ao ver o olhar suplicante de sua assistente, em seus braços. Afinal, Pepper estava em sua casa no início da manhã e só ia embora quase no fim da noite. Para ele, era quase como se ela morasse mesmo lá. Em meio a tantas mentira, por que não deixar mais esta passar?

- Nossa! Que bom saber disso Ginny! - Disse Amanda, sorridente. - Ficamos muito felizes por vocês!

E de repente cálices cheios de espumante apareceram nas mãos deles, sendo colocados por uma Sarah que queria fazer mais um brinde (sem a parte do brinde, aparentemente).

- Realmente. Já faz tempo? - Perguntou Sebastian, não tão discretamente quanto se esperaria.

- Quase dez anos. - Respondeu Tony, bebericando sua bebida, distraidamente respondendo aquele espaço de tempo porque realmente já fazia mais de dez anos que Pepper era sua assistente e eles viviam naquele regime de semi-moradia. Uma data mais fácil de se lembrar.

E então seus olhos castanhos encontraram os dos outros, que olhavam para ele incrédulos.

- Uau, quase dez? Eu e Amanda só começamos a morar juntos há uns 3 anos. Quando decidimos nos casar. Parece que a Ginny aqui foi mais veloz, não é? Deve ter sido por instinto depois que... - E Sebastian parou de falar quando um dos cotovelos de Amanda o atingiu no meio das costelas.

- Estamos muito felizes por vocês! Sabíamos que a Ginny tinha arrumado um bom emprego, mas pelo que ouvimos da mãe dela, parecia que o patrão era muito mesquinho e exigente. Que bom que houve tempo para a nossa Ginny encontrar também companhia.  - Continuou Amanda, como se não tivesse interrompido o noivo.

E isso fez com que discutissem o trabalho de Pepper, com várias perguntas as quais Pepper respondeu de forma vaga e evasiva.  O nome de Tony Stark, homem e ferro ou das indústrias Stark nunca mencionados durante a discussão. Quase como se eles não soubessem onde ela trabalhava. Quase como se nunca tivessem se importado até agora.

Do trabalho de Pepper pularam para o de Amanda, que estava trabalhando como bibliotecária na Caltech, agora que seu noivo tinha sido recentemente transferido para a sede das indústrias Hammer na Califórnia. Ah, mas Sebastian tinha se formado na Caltech! E lá se foram eles conversando sobre o quão inteligente e extraordinário era Sebastian.

- Foram anos difíceis, devo admitir, mas valeram a pena. Conseguir ser um dos poucos da minha turma a se formar no prazo! Aliás, você estudou onde, Edward?

- MIT. - Respondeu Pepper, sem deixar Tony abrir a boca desta vez. Pelo menos, grande parte das histórias continuavam sendo verdade. Bom, fácil de lembrar.

Tony viu o momento em que os olhos de Sebastian registraram o fato de que enquanto ele tinha se formado em uma universidade muito prestigiada, Edward tinha se formado na melhor do mundo em tecnologia e engenharia. E ele sabia que foi isso o que levou o rapaz a fazer sua próxima pergunta:

- E onde exatamente você trabalha, Ed?

Que Tony nunca teve a chance de responder, porque os noivos chegaram e após aquilo tudo foram desejos de parabéns, de felicidades e brindes.

E um casal de noivos que não sabiam dançar e não queriam fazer aulas, mas tudo bem, porque Ed e Ginny iriam com eles às aulas. E como são solícitos Sebastian e Amanda, por aceitarem ir também.