Love Is Waiting escrita por Gabriela Rodrigues


Capítulo 6
Capítulo 6




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Acordei cedo. Já havia me acostumado com a rotina dormir tarde e levantar antes das sete. Fiz o que tinha que fazer no banheiro, soltei o cabelo (estava fazendo frio naquela manhã), vesti minha jaqueta jeans (a primeira que vi no guarda-roupa) e fui tomar café. Encontrei Luke saindo de seu quarto ao mesmo tempo em que eu saia do quarto da mãe dele.

- Bom dia. – ele murmurou ainda sonolento.

- Bom dia. – eu respondi – Ta com a cara amassada... Dormiu bem?

- Não muito. Acordei com o portão rangendo de madrugada. E Jake não foi muito silencioso quando entrou no quarto também.

- Jake voltou? – perguntei, tentando esconder a felicidade que começava a tomar conta de mim.

- Às três da manhã. Mas quem se importa? Essa casa é a mesma coisa com ou sem ele...

- Tanto faz. – eu falei, reprimindo o impulso de dar uma resposta a ele – Vou tomar meu café.

- Tudo bem.

Fui à cozinha quase correndo. Fred estava comendo o resto de um pacote de biscoitos já murchos. Puxei um banco fazendo mais barulho que o necessário e sentei-me. Preparei meu leite e estava mastigando um pedaço do meu pão quando meu primo perguntou:

- Vai querer jogar basquete mais tarde?

- Não sei... Depende da hora. – eu falei, engolindo. Não iria admitir que estava só esperando Jake acordar para ver o que faríamos hoje.

- Quando Jake acordar. – ele esboçou um sorriso e acrescentou – Ele disse de madrugada quando acordou a casa inteira que, se você jogasse, ele jogaria. Uma melhor de quatro.

Engasguei.

- Como? – arfei, tentando respirar normalmente.

- Ele disse que ia jogar se você jogasse – ele repetiu – Então você vai ter que brincar! Sabe há quanto tempo eu não faço umas cestas no Jake?

Recompus minha expressão e concordei. Iria ser divertido. Quanto tempo fazia que nós não brincávamos todos juntos?

- Tudo bem, então. Se formos brincar os quatro, Ok.

Fred saiu quicando da cozinha pra dar a boas novas ao meu irmão que estava assistindo à TV.

- O que aconteceu com os dois na sala? – disse Luke entrando na cozinha.

- Nada. Eu só concordei em jogar basquete mais tarde.

- Essa eu quero ver. – ele debochou.

- Não jogo tão mal assim... Só não acerto a cesta.

- Não to falando de ti, mesmo sendo uma boa idéia ver você confundir a cabeça dos outros com a cesta, mas do Jake. Afinal... Eu achei até estranho... Ele só concordou em jogar se você também fosse. Vocês têm passado a maior parte do tempo juntos... O que você fica fazendo com ele? Um monólogo sobre a teoria da relatividade?

- Não. Na maioria das vezes a gente fala sobre arte rupestre. Vai irritar outro! – ouvi uma voz atrás de Luke. Jake acordara.

- Nossa! – Luke fez cara de espanto – Bom dia, flor irritada do dia!

- Bom dia. – Jake respondeu. Ele pegou um banco e se sentou no lugar que eu acabara de desocupar.

Luke saiu da cozinha.

- Quais os planos pra hoje? – perguntei.

- Não sei... Vai querer jogar basquete? Quero rir um pouco, hoje.

- Uma melhor de quatro?

Ele abriu um sorriso.

- É isso aí.

Fomos à garagem logo depois do café, onde Ed e Fred nos esperavam. Jake não vestia nada além de um bermudão bege e eu usava um short preto de ginástica e uma blusa vermelha de manga curta que minha tia me dera na noite anterior.

Fomos dividir as duplas.

- Eu vou com a Zoey. – Jake falou logo.

- Negativo. – meu irmão se intrometeu.

- É... – Fred o apoiou – Ela é a mais alta depois de ti. Pode até não saber jogar bem, mas leva vantagem na altura.

Eu não tinha objeções, por mais que eu quisesse. Mesmo que não jogasse nada, levava vantagem na altura. Eu nunca fora muito mais baixa que Jake e sempre pulara quase tão alto quanto ele. Em times opostos como costumávamos jogar eu sempre o marcava e ele raramente acertava o lance. Não ia ser justo se jogássemos a favor.

Virei-me para Jake a fim de encará-lo.

- Eles têm razão... – falei contra a vontade – Não vai ser justo se ficarmos no mesmo time... Perde a graça.

Jake me olhou incrédulo.

- Até tu?

- Fala sério... Olha pra eles! Quem vai conseguir tirar a bola da gente? Por mais que a gente erre ainda conseguimos pegar o rebote...

Luke, que estava parado perto do carro com a câmera digital balançando em uma das mãos entrou na conversa:

- Eu jogo também.

- Como é? – perguntei. Eu ia ser a única garota.

- OK. - Jake concordou com um riso – Mas você é do time deles. A Zoey ainda vai comigo. – ele me puxou pelo braço para trás de suas costas.

Luke foi se reunir com os outros dois para discutir a estratégia do jogo e eu me virei para Jake:

- Ta maluco? – guinchei baixo o suficiente para que só ele ouvisse.

- Não. Relaxa. – ele sorriu pra mim – O Luke é só altura. Ele fala mal de ti, mas também não joga nada, então não esquenta. A gente ganha. É só passar a bola.

E assim foi a partida. Eu pegava a bola, passava pra Jake e, quase sempre, ele marcava o ponto. Só duas vezes eu tentei fazer eu mesma a cesta, mas errei em ambas. Jake era um ótimo companheiro de time. Não se zangava quando eu perdia a bola e ria quando eu errava alguma coisa. Acho que foi uma das poucas vezes que Jake se soltou na frente dos irmãos que até se espantaram com o volume de suas gargalhadas.

Como havíamos feito uma aposta no início do jogo (o time perdedor pagaria um lanche para os vencedores) e ganhamos, recebemos de nossos adversários vinte e quatro reais para comprarmos uma boa banana split para cada um de nós dois junto com um pedido de revanche ao qual aceitamos com prontidão.

Entramos pouco depois (a máscara de Jake cuidadosamente recomposta ao entrarmos) e fomos à salinha de estudos esperar pelo almoço que só ficaria pronto dali a duas horas.

Jake ligou seu notebook e começamos a jogar xadrez virtual. Ganhei três das cinco partidas jogadas e depois ficamos no Word, conversando.

Eram onze e meia quando o telefone tocou:

- Alô. – Jake disse.

Esperei pela sua resposta enquanto a pessoa do outro lado da linha falava. Pela cara de Jake, ele não reconheceu a voz. Meio minuto depois, sua mão estendeu o aparelho pra mim.

Peguei o fone, surpresa, e atendi.

- Oi. – falei, perguntando a mim mesma quem poderia ser quando a voz familiar falou:

“Menina! Que saudade! Tudo bem?”

Quase pulei de susto quando reconheci a voz de Juliet:

- Meu Deus!! – eu gritei – Quanto tempo! Tudo bem, sim, e aí?

“Ótima. Pena que você não ta aqui. Fui pra sorveteria com a Cassie e a Sidney. Tenho fofocas pra te contar!”

Sentei na cadeira que estava atrás de mim e senti o olhar de Jake nas minhas costas. Corei, mas não me virei, como se não tivesse percebido.

- To ouvindo.

Conversamos por mais de uma hora. Quando finalmente desliguei todos já haviam almoçado, então fui à cozinha fazer meu prato e comer. Jake estava lavando a louça.

- Você fala, hein?

- Minha amiga... O que eu posso fazer?

Ele sorriu um pouco, contra a vontade:

- Vai fazer o que mais tarde? – Jake perguntou.

- Sei lá... Por quê? Tem planos? – perguntei esperançosa.

- Na verdade, sim. – ele começou – Tava pensando em torrar o nosso prêmio do jogo de hoje... Que tal? Topa?

- Que horas?

- Pode ser hoje à noite... Ou você tem hora pra dormir? – ele perguntou com um riso de deboche.

- Não... Mas realmente não acho que a minha mãe vai me deixar voltar tão tarde.

- Sem problema. A gente vai estar de volta antes das oito.

- Antes das oito? Ta zoando, não é? Não preciso voltar tão cedo assim.

- Quem disse que eu falei das oito da noite de hoje?

Soltei um riso histérico. O que ele tava pensando? Que eu ia virar a noite (de novo)? Eu também precisava dormir... Se bem que... Medindo os prós e os contras (virar a noite e me divertir com meu primo preferido versus ficar em casa sem nada de interessante pra fazer com Jake no computador que nem um hipnotizado), eu preferia os prós.

- Bem... Vou ter que falar com a minha mãe. Acho que ela vai entender, se eu disser a ela que só vamos dar uma gastada básica no nosso lucro de hoje...

- Ou, eu falo pra minha mãe que nós vamos comer fora hoje à noite e aproveitar pra gastar nosso “dinheiro extra”. Ela eu tenho certeza de que vai gostar da notícia de que eu vou sair com companhia e por vontade própria e também tenho certeza de que ela vai convencer sua mãe melhor que você.

A tarde passou devagar enquanto eu esperava dar seis e meia (horário em que iríamos sair). Às quatro da tarde, minha mãe me chamou no quarto:

- O que você vai levar? – ela perguntou indicando o guarda-roupa.

- Como assim?

- O Jake disse que te convidou para ir ver a nova casa dele na capital e passar a noite lá e que você concordou. – ela me olhou em dúvida. A ficha caiu na hora. Ele falara com minha tia para ela conversar com minha mãe sobre eu ir dormir na casa dele. A mãe dele com certeza convencera a irmã. Cabia a mim decidir se eu ia ou não.

- Ah. Claro. Pode deixar, eu arrumo minha mochila. – eu falei. De repente a idéia de ir para a casa do meu primo, sozinha com ele e passar a noite lá começou a parecer perturbadora. Onde eu iria dormir? Tudo bem que eu já cochilara varias vezes nos braços dele, mas sempre tinha a garantia de algum membro da família por perto... Não. Isso era ridículo. Continuei arrumando minhas coisas, olhando duas vezes a bagagem para checar se eu não havia esquecido nada. Tudo no lugar.

Cinco da tarde. Fui tomar banho e outra onda de pensamentos me inundou. Jake e eu numa casa parecida com essa, mas em uma cidade mais movimentada. A água morna do chuveiro me acalmava. Eu tinha agora a garantia de que poderíamos conversar a noite inteira; virar a noite sem interrupções, sem irmão nos mandando dormir, sem nossas mães dizendo que temos que acordar cedo. Só nós numa casa que era estranha pra mim.

Acabei o banho em tempo recorde. Meia hora depois eu já estava completamente arrumada. Lembrei a mim mesma de levar uma bolsa (com certeza iríamos sair; dormir na capital era só uma distração para irmos onde quiséssemos sem ter que pedir permissão, afinal Jake possuía habilitação) e o dinheiro certo para um bom jantar. Separei sessenta reais (trinta na mochila, trinta no bolso de trás da saia) e fui à salinha de estudos.

Jake me olhou de cima a baixo quando entrei no cômodo. Estávamos sozinhos (“acostume-se com a idéia”, pensei) e ele falou:

- Bela roupa.

- Nada mal você também. – eu elogiei. Jake estava vestindo um jeans desbotado, tênis preto e camisa de manga curta preta com uma caveira branca enorme desenhada na parte da frente com os dizeres “kill me” (mate-me) por baixo de uma jaqueta de couro preto aberta.

Quanto a mim, nada além de uma saia verde-clara frisada que ia até o joelho, calça de lycra preta por baixo, um par de botas pretas de cashmere que iam até a metade da canela e não tinham salto combinadas com uma blusa de manga comprida da mesma cor.

Meu cabelo estava arrumado em um rabo alto que caia por sobre o ombro, com algumas mechas soltas na frente graças às camadas que ele possuía. Jake pegou uma porção que havia se soltado e a arrumou gentilmente atrás de minha orelha com um casual:

- Está pronta?

Ao que eu respondi prontamente:

- Sim... Só vou falar “tchau” pra minha mãe. Já volto.

Ele assentiu e eu disparei para a sala onde minha mãe assistia a algum filme que eu nunca vira antes.

- Tomem cuidado com a estrada. – ela recomendou e logo depois me repreendeu – Você não vai passar frio só com essa blusa?

Não consegui controlar o impulso de revirar os olhos.

- Não se preocupe comigo, mãe. Eu to levando casaco extra.

- Muito bem, então. – foram suas últimas palavras – Divirtam-se e juízo!

Entramos no carro e pude ver minha mãe acenando da janela enquanto ouvia Ed resmungar por ela te me deixado dormir fora aquela noite. Viramos a esquina e dirigimos por mais três minutos até chegarmos à rodovia.

- Gostei da roupa... – Jake começou a conversa. – Só espero que você tenha trazido casaco extra como você disse à sua mãe...

- Trouxe... Por quê?

- Porque eu estava pensando em te levar a um lugar antes do jantar onde acho que vai ventar um pouco a essa hora.

- Onde? – perguntei sem esperanças que ele fosse me responder. Em geral, ele gostava de fazer mistério, então fiquei surpresa quando ele falou:

- Zoológico. – ele me espiou pelo canto do olho – Tem um lugar lá que eu gosto.

- Qual? – decidi abusar um pouco da sorte. Acabei quebrando a cara.

- Quando a gente chegar, eu mostro. – ele sorriu.

Ficamos em silêncio ouvindo os clássicos que ele sempre deixava tocando até chegar ao nosso destino.

O zoológico estava deserto. Apenas sete carros naquela imensidão negra e mal iluminada de estacionamento. Paramos bem em frente à porta e nos dirigimos para a trilha.

A trilha, cheia de árvores, possuía uma iluminação diferente durante a noite. Os bichos de hábitos noturnos se agitavam em seus viveiros enquanto os outros adormeciam.

- O que a gente veio fazer aqui? – perguntei. Eu estava desconfortável com a aparência das tantas árvores iluminadas fracamente por luzes artificiais e cheguei um pouco mais perto de Jake. – Você não pretende ir até o fim da trilha, não é? Isso levaria horas!

- Dá pra ficar calma? Eu sei pra onde estamos indo e não é longe. Mais três minutos...

Chegamos a uma bifurcação que não reconheci e pegamos o caminho da direita, o que era completamente errado se o objetivo fosse observar os bichos. Será que havia algum animal novo ou diferente mais adiante? Apertei os olhos para tentar enxergar através da escuridão que se intensificava, mas de nada serviu o esforço.

Mais adiante, outra escolha: seguir em frente ou dobrar para a direita novamente? Jake pegou a curva e eu o segui de perto. Não muito além, uma pequena clareira iluminada pelo luar.

- Onde estamos? – perguntei incapaz de esconder o quão maravilhada eu estava com o lugar. Enormes e coloridas flores trepadeiras se estendiam por sobre os troncos das poucas árvores que rondavam e formavam o lugar. Rosas, lilases, margaridas, orquídeas... A beleza era tanta que me deixou momentaneamente tonta.

- Esse é o orquidário do zoológico. Ficou pronto recentemente e abre à noite para visitantes... – ele não tirava os olhos do meu rosto enquanto falava.

- Mas por que me trouxe aqui?

- Pensei que você fosse gostar. Pelo visto acertei... – ele sorriu.

Sua pele branca ficava ainda mais clara à luz do luar, que escurecia mais seus cabelos castanho-escuros.

Não muito mais adiante era possível se ouvir um barulho fraco de água jorrando. Fui ver o que era e me deparei com uma pequena fonte não muito maior do que eu. Sentei-me na baixa murada que impedia que a água transbordasse e toquei o líquido: morno.

Jake sentou-se ao meu lado, quase de frente pra mim.

- Algum problema? – perguntou ele.

Não ia dizer que estava preocupada com o fato de ficar lá sozinha com ele. Ele me passava segurança, mas a idéia de que estávamos completamente a sós ainda era ligeiramente perturbadora. Ninguém nunca nos dera tanta privacidade. Em geral, alguém entrava ou nos interrompia toda vez que estávamos em uma conversa delicada e, só de pensar que hoje seria diferente (pois estaríamos na casa dele e em outra cidade) me fez tremer involuntariamente.

- Com frio?

- Um pouco. – menti. Eu era covarde o bastante para não dizer que o que realmente me incomodava era o fato de estarmos lá sem mais ninguém, não a brisa gélida que soprava.

- Vamos. Outro dia nós voltamos se você quiser. Seu casaco ficou no carro.

Ele me conduziu de volta pela trilha em silêncio, só falando para me perguntar se eu estava bem ou se eu queria o casaco dele emprestado até chegarmos ao carro onde eu poderia finalmente pegar o meu. É claro que recusei veementemente qualquer favor, sempre afirmando estar ótima.

Chegamos ao estacionamento mais rápido que ao orquidário. O tempo estava aberto e foi fácil e tranqüilo chegarmos a São Paulo. Eram duas horas de viagem que Jake reduziu quase pela metade, dirigindo como louco.

- Com fome? – ele perguntou ao estacionarmos na frente de seu prédio.

- Um pouco.

- Eu ia sair, mas acho que você está cansada... Quer comer o que? Tem umas pizzarias boas que fazem entrega em domicílio ou então você pode escolher comida italiana, japonesa, ou sei lá...

Pelo seu tom de voz ele estava tão à vontade quanto eu, o que significa que ambos estávamos tensos.

- Tem um catálogo telefônico lá em cima. Você da uma olhada, escolhe e eu peço. – ele completou enquanto eu pensava nas possibilidades.

- É... Eu acho que vou checar as opções.

Entramos no hall e apertamos o botão do elevador.

- Em que andar você mora? – perguntei na tentativa de quebrar o gelo.

- Cobertura. – ele sorriu.

- Caramba.

- Tava pensando no que fazer no carro...

- E... Decidiu algo pra hoje? – de repente aliviada que a conversa estava fluindo além de monossílabos.

- Bem... Quer acampar? – ele perguntou avaliando minha expressão. Não devia ser nada boa pela careta que ele fez. – Ou não... – ele acrescentou num murmúrio.

- Acampar? – ele era doido o que?

- É... É porque o quarto de visitas ta em reforma, e eu não acho que você vá querer dormir no sofá...

- Por mim não tem problema... – eu interrompi rapidamente.

Ele riu um pouco e continuou quando entramos no elevador que finalmente chegara:

- Eu queria te mostrar a vista da cobertura… Acho que você vai gostar… Mandei instalar um teto de vidro, então não bate tanto vento... E dá pra ver o céu.

- Mas... Acampar?

- Sim... Não queria te deixar dormindo no sofá e, com certeza, não daria certo dormirmos na mesma cama...

- Não daria certo mesmo! – enfatizei tremendo involuntariamente com a idéia de nós dois dividindo a cama.

- Eu sei... Mas acima de tudo queria que ficássemos juntos a noite toda... E a melhor forma que encontrei pra satisfazer a esse desejo era acamparmos na cobertura, já que lá não é tão mais frio que qualquer outro cômodo...

O elevador parou e nós descemos. Jake procurou pela chave da casa e abriu a porta. Minha primeira reação ao ver o interior daquele apartamento foi surpresa. Aquele lugar era maior que a casa da minha tia! E só tinha olhado a sala.

Havia um sofá em L como na casa de sua mãe encostado em um dos cantos daquela sala monumental. De frente para ele, ficava uma televisão de tela plana de sabe-se lá quantas polegadas, disposta sobre um raque de madeira escura onde ficava o aparelho de DVD e incontáveis fileiras de filmes dos mais variados estilos.

Um violão novo e bem envernizado estava apoiado em um dos lados do sofá em uma parte onde o enorme carpete bege que cobria quase todo o chão não o alcançava.

As paredes eram de um tom salmão meio escuro e eu supus que minha tia havia escolhido a cor. Na parede detrás do sofá, ficava pendurado um pôster que Jake mandara fazer de uma foto que todos os primos tiraram juntos e na outra parede, um quadro que a mãe pintara para ele.

- Uau! – exclamei incapaz de me conter – isso tudo é teu?

- Ganhei.

- Como assim? – Onde, em sã consciência, alguém ganhava uma casa de presente?

- A casa era do meu pai. Ele nunca vinha aqui. – explicou Jake percebendo a confusão em meu rosto – Então ano passado quando completei 18 anos, ele me deu o apartamento de presente. O Luke também tem a dele.

Eu arregalei os olhos, espantada. O pai dele antes tinha duas casas alem da que ele morava?

- Mas já tava completamente mobiliada, então... – conjecturei.

- Em parte... Eu não venho muito aqui... Fico mais por causa da faculdade. O prédio é relativamente perto da USP.

- Hmm...

- Quer conhecer o resto? – ele perguntou esperançoso.

- Adoraria...

Ele me levou por um corredor largo onde eu consegui enxergar três portas de imediato. A mais próxima, à esquerda, era um banheiro do tamanho de um closet. Os ladrilhos brilhavam e Jake disse que mandara trocá-los recentemente.

A próxima porta Jake não abriu. Apenas disse que era um dos quartos de hóspedes, mas estava cheirando a tinta, pois ele acabara de pintar. O próximo quarto era o dele. Não era a suíte; só mais um quarto com uma cama de solteiro (mas ainda sem colchão) e um armário inteiro que ocupava toda uma parede.

A casa era arejada e clara. O corredor por fim fazia uma curva que nos levava a um último aposento que não se via de imediato: a suíte. A suíte do apartamento de Jake era idêntica à da casa de sua mãe, com o banheiro embutido como se fosse apenas mais uma porta de armário.

- Quer entrar? – ele perguntou, puxando-me pela cintura até perto da cama que ocupava mais da metade do quarto coberto de caixas e outras quinquilharias.

Olhei para cima procurando algum vestígio de brincadeira em seus olhos.

- Talvez outro dia, então. – ele falou – Vem. Vou te mostrar o resto.

A cozinha ficava do outro lado da sala, antes do corredor. Havia uma bancada imensa que separava a mesa de centro redonda da fila de armários, o fogão de seis bocas e a geladeira com freezer embutido. Do outro lado da bancada, estava uma porta de vidro por onde eu pude ver uma escada não muito estreita.

- Vamos? – chamou Jake.

- Claro. – respondi de imediato.

Subimos rápido; dois degraus de cada vez. Eu estava arfando quando chegamos à área aberta que deveria ser a cobertura. Era como ele dissera: tão frio quanto o resto da casa, graças ao teto de vidro que ele instalara e impedia a entrada de vento.

Jake mandara construir uma murada alta como cerco e tinha uma churrasqueira encostada em um dos cantos. Estava tão distraída que não ouvi da primeira vez que Jake falou comigo.

- Ta me ouvindo, Zoey?

- Desculpe... Tinha falado comigo?

Ele riu um pouco da minha confusão, mas falou:

- Sim... Já olhou pra cima?

Eu ainda não havia olhado para cima. De fato, fiquei surpresa quando finalmente constatei que a luz fraca que clareava a cobertura vinha da lua cheia, postada exatamente acima de nossas cabeças.

- Acho melhor eu descer e ligar pra algum restaurante que entregue em domicilio. Já volto.

Confirmei com a cabeça, incapaz de falar.

- Na volta eu trago os sacos de dormir e a barraca de camping que eu tenho.

Esperei-o, paciente, enquanto deitava no chão e me distraía olhando as estrelas que hoje pareciam estar mais perto que nunca. A lua cheia cintilava serena acima de mim e nem me dei conta quando Jake subiu de novo com as tralhas que usaríamos para passar a noite.

Ajudei-o a montar a barraca que tinha espaço para quatro pessoas e desenrolei meu saco de dormir. A comida chegou pouco depois e nós comemos em silêncio a pizza de quatro queijos.

Como estava esgotada, dormi pouco depois de acabar de comer, ainda com a roupa de sair que usei para ir ao zoológico, sentada do lado de fora da barraca, no chão frio, ouvindo Jake tocar a Marcha Fúnebre para mim, como ele sempre fazia.


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