Era meu aniversário.
A festa estava caidinha, devo admitir, mas perto das dez o interfone tocou novamente e minha mãe correu para atender. Fiz uma rápida contagem mental:estavam todos ali e eu não chamara mais ninguém.
Abri a porta querendo ter logo a visão do penetra, mas o máximo que consegui foi conter um grito ao ver Jake, meu primo, parado depois de 14 anos na porta da minha casa.

Até que ponto você seria capaz de esconder seus piores temores e permanecer numa casa onde habitam coisas que te devoram aos poucos e enlouquecem seus moradores gradualmente?Seria você forte o suficiente para socorrer seus amigos enquanto eles gritam de outros cômodos, mesmo sem saber o que encontraria ao chegar lá?Até quando você agüentaria as ilusões por ela formadas, os gritos de dentro das paredes rachadas, os rangidos em cada cômodo e as portas trancadas que te impediriam de sair correndo dali?Se eu contasse a vocês que sobrevivi, provavelmente por milagre, seria apenas uma meia-verdade. O ser mais repulsivo, de um mundo julgado por muitos como inexistente, me salvou. Ele se contorcia quando eu me aproximava, ardia de dor num desejo que fervilhava dentro de si, mas que ele se privava de satisfazer: matar-me.

Ele me olhou nos olhos. sabia que não o veria tão em breve. Poderia ser questão de meses assim como poderia levar anos até que eu voltasse para São Paulo. Como seria minha vida até lá? Eu não fazia ideia, mas tinha que embarcar no avião.