Love Is Waiting escrita por Gabriela Rodrigues


Capítulo 2
Capítulo 2




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Acordei na manhã seguinte ainda bastante sonolenta, com minha mãe me sacudindo de leve pelos ombros. Levei um susto ao ver que não estava em casa (o que é natural na primeira noite de viagem), mas logo me lembrei de tudo o que havia feito no dia anterior, ainda surpresa por não ter sido apenas um sonho.

Levantei arrastando os pés, e fui ao banheiro. Tomei banho, escovei os dentes, penteei a enorme moita que era meu cabelo e quase gritei ao ver a hora no relógio digital: sete da manhã. Controlando-me para não matar minha mãe, fui à cozinha tomar meu café e constatei que todos (menos Jake, que fora dormir bem depois de mim, ou pelo menos era o que eu pensava) estavam acordados.

Preparei uma caneca de café com leite, uma fatia de pão integral com manteiga (eles não comem margarina) e comi um pouco de Sucrilhos, cujo pacote estava aberto em cima da mesa. Ia lavar a louça, quando ouvi passos lentos e arrastados vindos do corredor.

Jake levantara. Olhos vermelhos de sono, cabelo despenteado e no rosto as marcas do grosso edredom e do travesseiro.

- Bom dia. – ele praticamente grunhiu, grogue de sono.

- Bom dia. Ou devo dizer boa noite outra vez? Parece que você vai dormir de novo assim que sentar a bunda no banco.

- Muito engraçado... A piadista da família.

Eu sorri.

- Posso te servir alguma coisa ou você está esperto o suficiente pra pegar por si mesmo?

Ele revirou os olhos, mas respondeu:

- Eu consigo comer sozinho, mas agradeceria se você fizesse o favor de pegar uma colher pra eu mexer meu leite.

Fui até a gaveta e escolhi a pior colher que vi: uma de cabo verde com florezinhas rosas mal-desenhadas.

- Essa é a do Fred – ele disse depois de avaliar a colher em minha mão por um breve momento – a minha é a rosa de peixinhos...

Rimos um pouco, depois ele pegou a colher da minha mão e a usou. Fui lavar a louça enquanto ele comia.

Enquanto estávamos sós na cozinha, ele ria, brincava e era ele mesmo. O Jake que eu conhecia. Mas em determinado momento ele parou. Olhei pra trás, pensando que ele tivesse saído da cozinha (o som de riso vindo detrás de mim cessara do nada) e notei que ele ainda estava lá, porém minha tia (mãe dele) havia entrado e sentado ao seu lado.

- Então... Vocês vão sair com a gente hoje ou vão cuidar da casa de novo?

- Talvez eu vá. Qual o programa? – perguntei.

- Não sei... Faz um bom tempo que não vamos ao zoológico. Uma caminhada não faria mal. – ela olhou para Jake e ele nada disse; só se levantou, colocou a louça suja na pia para eu lavar e foi ao banheiro.

Minha tia ficou calada até perdê-lo de vista e depois perguntou:

- O que vocês ficaram fazendo ontem?

- Nada demais. – dei a ela a mesma resposta que dera à minha mãe para o caso de ela querer confirmar.

- O que é “nada demais”? Ir ao shopping? Checar seus e-mails? Vamos lá... Eu vi vocês dois arfando e com o rosto vermelho quando cheguei. Você sabe que o Jake não brinca na frente dos outros, mas pelo menos ele ainda vive um pouco que seja quando ta contigo... Me deixe apreciar isso pelo menos de forma indireta...

Pensei por um minuto, mas concluí que era melhor não. Já tinha ficado tempo demais sem falar com meu primo por causa de sei-lá-o-que que ele me fez e não queria magoá-lo expondo-o daquele jeito. Afinal, devia ter uma razão para ele não ter mudado em relação a mim. Ou era assim que eu pensava...

- Sério, tia... Não fizemos nada demais... Vi TV, comi alguma coisa e ele não saiu da frente do computador. Eu fiquei vermelha de tanto rir do programa que tava passando e ele tava tomando água porque tinha dado uma crise de tosse nele pouco antes de vocês chegarem.

Ela ficou decepcionada com a notícia, mas pareceu engolir a história.

Fomos todos ao zoológico. Estava de manhã, o tempo estava aberto e mesmo assim ainda batia uma vez ou outra um vento bastante frio. Jake também foi. Pouco antes de sairmos eu disse que precisava falar com ele, mas que nossas mães suspeitariam se ficássemos sozinhos em casa de novo. Ele disse para eu avisar aos outros que esperassem, o que surpreendeu a todos os outros, menos a mim. Jake geralmente fazia quase tudo o que eu pedia ou o desafiava a fazer.

Minha mãe havia alugado um carro por telefone pouco depois que chegamos no dia anterior para não ficarmos tão dependentes do carro de sua irmã. De certa forma foi também muito útil. Éramos sete (April estava trabalhando, como sempre, e não pôde ir) e, como é obrigatório que todos os passageiros usem cinto, mesmo estando no banco de trás, tivemos que nos separar.

Nossas mães foram no carro alugado junto com Fred, meu irmão (Ed, de onze anos, que morava na casa do meu pai e que tinha chegado de viagem na madrugada do dia anterior para hoje), e Luke, que se recusara a ir no mesmo carro que Jake. Sobrou pra mim acompanhá-lo, o que, de certa forma, era o que eu queria.

Jake ligou o motor, ligou o rádio em uma estação de música clássica (sua preferida) e esperou minha tia sair na frente. Percebi, para meu constrangimento e profunda irritação que ela nos olhava pelo espelho retrovisor a cada meio minuto, avaliando, eu imaginava, cada movimento nosso.

Jake apertou o volante e virou em uma rua onde a perdemos de vista, parando logo depois no acostamento.

- Queria falar comigo? – ele perguntou, curioso, e abaixou o volume da música.

- É... Sua mãe desconfia que estejamos escondendo alguma coisa dela. Minha mãe sabe da história superficialmente, mas ambas querem saber os detalhes de tudo o que ficamos fazendo ontem à noite para estarmos tão cansados quando eles voltaram do passeio.

Ele parou de me olhar e ficou fitando a rua e os carros que passavam zunindo por nós.

- O que você respondeu? – ele me perguntou sem vontade, temendo minha resposta.

- Para minha mãe, que sabe que você ainda vive um pouco quando ta comigo, eu disse que nós brincamos um pouco. Só. Para a sua, que você teve um acesso de tosse e estava tomando água para aliviar a secura da garganta enquanto que a idiota aqui tava vermelha por se acabar de rir de um programa de televisão.

Ele pareceu aliviado, mas confuso ao mesmo tempo.

- Por que fez isso?

- Porque eu sei o que você faz na frente dos outros. O que você finge ser. – ele voltou para a pista e eu prossegui – Não queria que você ficasse com raiva de mim por estragar seu jogo. Mas também acho importante que você saiba que sua mãe se preocupa. Ela acha que você simplesmente parou de viver. – minha voz saiu num sussurro – E eu também.

Ele me olhou de relance e ligou novamente a música.

- Você acha que eu mudei contigo?

- Não. Mas me preocupo com os outros.

- Esquece os outros por um minuto e responde a minha pergunta. Eu mudei contigo? – ele apertou o volante.

- Não.

- Então tudo bem. Posso lidar com o resto. – ele relaxou.

- Mas... Por que você faz isso?

- Sabe quando não adianta falar como você se sente? Os outros sempre acham que você ta exagerando? – fiz que sim com a cabeça. Disso eu sabia muito bem – Pois é.

- Então é por isso? Quer dizer... Você decidiu fazer com que eles sintam o mesmo que você?

- É. – e isso me deixou curiosa.

- Mas por que você não age de forma diferente comigo também? Da mesma forma que você ignora os outros, eu quero dizer, já que só o fato de você ainda conversar comigo já torna tudo diferente...

- Por que eu não quero me excluir do mundo inteiro – ele enfatizou a palavra – Eu só quero garantir que as pessoas que achavam que eu só tava bancando o garoto mimado vejam que não era assim. Eu não me “isolei” – ele fez aspas com os dedos rapidamente; ainda estávamos no trânsito – logo depois da separação. Eu tentei conversar com meus pais, com alguns amigos... E advinha quem foi uma das únicas pessoas que me ouviu sem fazer críticas? Você.

- Mas eu sei como é isso... É diferente... Isso não quer dizer que eu não vá falar tudo o que você faz com as pessoas que te entendem pra tua mãe ou sei lá, qualquer outro. Queria saber por que você confia tanto em mim e nessas outras pessoas de quem você falou a ponto de ainda ser você mesmo na frente delas.

- Confio em você.

Ficamos em silêncio por um instante. Estávamos quase chegando. Mais dois quarteirões. Era o tempo que eu tinha até ele se calar outra vez.

- Então é isso? É só uma questão de confiança?

- É. Devo admitir que eu tinha minhas dúvidas. Muita gente às vezes só finge entender e depois nos dedura na primeira oportunidade. Fiquei surpreso ao ver que você, mesmo sem saber o porque, fingiu não saber de nada e ter sido ignorada como todos os outros quando podia ter posto tudo a perder. Por falar nisso, ainda não te agradeci: obrigado.

- Por nada.

Ficamos em silêncio enquanto entrávamos no estacionamento do zoológico. Era imenso e estava lotado.

- Como vamos encontrar os outros aqui?

Ele riu do meu espanto e falou:

- Desculpe, esqueci que no meio da mata não vende celular...

- Ahh... – a resposta foi tão simples e pareceu tão óbvia que eu corei.

Encontramos uma vaga perto da entrada (feito que eu considerava praticamente impossível), estacionamos o carro e Jake ligou para a mãe dele enquanto andávamos até a entrada. Ela atendeu e eles se falaram rapidamente; a voz dele monótona, como se só estivéssemos ouvido musica clássica sem abrir a boca durante todo o trajeto.

- Tudo bem, nós vamos ficar no banco, perto da entrada. – ele esperou enquanto sua mãe falava e depois acrescentou – Ta. Tchau.

- Onde eles estão?

- Na rua. Vão chegar daqui a cinco minutos, mais ou menos.

Cinco minutos?  Nós não tínhamos parado o carro, conversado no acostamento para depois seguirmos adiante? Ele deve ter percebido o choque expresso em meu rosto, pois acrescentou:

- Peguei um atalho.

Rimos um pouco e ele me puxou para um banco de madeira com espaço para quatro pessoas, perto da entrada do parque, onde ele dissera que esperaríamos. Fiquei mais calma ao perceber que ainda teria mais um tempinho com o primo que eu conhecia.

- Como vai ser, então?

- O que? – ele perguntou confuso.

- Agora... Durante a caminhada. Vamos andar devagar, como sempre, e só existe um caminho que é de quase 4,5 quilômetros.

Ele me fitou por um tempo, mas respondeu, medindo as palavras.

- Finja que eu não existo. Não fale comigo. Eu não vou deixar de responder qualquer pergunta sua, mas não fale comigo durante o passeio.

E esse foi o pedido dele. Quase uma súplica, mas se eu ia ter minhas respostas, acho que valeria a pena.

Vi um carro preto entrando no estacionamento, dando a volta perto da entrada e reconheci a placa do veículo que minha mãe alugara. Pouco tempo depois, ela, minha tia, meu irmão, Fred e Luke apareceram e vieram ao nosso encontro.

Andamos por um longo período. Eram quase dez da manhã quando começamos e quase meio dia quando paramos para lanchar, na metade do caminho. Jake se mantivera calado todo esse tempo.

Apressamos o passo da lanchonete até o fim do parque. Ed, Luke e Fred apostando corrida na frente, minha mãe e minha tia iam um pouco mais atrás, conversando e Jake e eu ficamos pra trás. Não agüentava mais vê-lo calado, mas ele me alertara a não falar com ele. Nossas mães olhavam pra trás freqüentemente e aquilo já estava me irritando.

Perto das girafas, o penúltimo bicho do zoológico antes dos elefantes, Jake discretamente me puxou pelo braço e viramos em uma bifurcação recente, saindo da trilha que os outros seguiam.

- Como foi a experiência? – ele perguntou.

- Não muito agradável. – admiti.

- Também não gostei muito. Estou acostumado a agir como tagarela quando estou contigo.

- Um Rodney da vida... – murmurei e ri de meu próprio comentário.

- Quem?

- Desculpa, esqueci que você não estuda na mesma escola que eu, quem dirá na minha turma. Rodney, “Rod”, como todo mundo o chama, é um mala da minha sala que não cala a boca nunca. – eu expliquei.

Ele riu comigo.

- Esse é outro atalho ou o caminho é mais longo?

- Não sei... É a primeira vez que venho por aqui, mas creio que seja menor. Não vejo nenhum bicho mais adiante...

Andamos calados por mais algum tempo e depois percebi que o sol estava sumindo.

- Acho que vai chover. – eu disse.

- É... Ta com fome?

- Como é?

- Quer comer?

- Pode ser. Mas onde?

- Conheço um bom lugar. Um barzinho aqui perto.

- Barzinho?! Eu sou menor de idade, não posso ir a bares...

Ele começou a rir.

- Qual é a graça? Perdi alguma piada pessoal ou o que? – perguntei irritada.

- Eu é que esqueci que você não é daqui. – ele riu mais um pouco e acrescentou - Barzinho pra nós é qualquer lanchonete. Eu tava pensando em ir ao Habib’s ou a algum lugar assim, contanto que tivesse um toldo, porque acho que vai chover daqui a pouco e não gosto de dirigir com chuva.

Desfiz minha cara de idiota e falei:

- Habib’s é uma boa idéia, mas preciso pedir dinheiro emprestado pra minha mãe. Deixei minha carteira na tua casa.

Ele parou de rir na hora.

- Eu tenho dinheiro. – disse ele asperamente.

- Sim. E vai pagar a sua refeição. A minha quem vai pagar sou eu.

- Sinto muito, mas devo discordar. Primeiro, eu não quero que ninguém fique sabendo que eu te levei pra comer, principalmente sozinho. Segundo, se eu falar alguma coisa pra minha mãe ou pra sua, vai acabar vindo a prole toda e essa é uma das coisas que não quero. Terceiro: você é minha convidada, logo, o que você comer sai por minha conta. Quer mais alguma objeção ou essas já bastam?

Eu ia protestar, mas nessa hora o telefone tocou. Ele olhou o nome: minha tia.

- Oi, mãe. – ele atendeu. A voz sem vida outra vez – Estamos bem.

- Eu sei – ouvi fraquinho do outro lado da linha – Só liguei pra avisar que estamos indo pra casa. Vai chover daqui a pouco. Onde vocês estão?

- Perto da saída. Pegamos o caminho novo. Se começar a chover eu paro num barzinho e como alguma coisa. Avisa pra Rosa que a Zoey ta comigo. Se a gente for parar pra comer eu pago a parte dela também.

- Tudo bem. Cuidado com a estrada. E não demorem. Se vocês não forem direto pra casa, ligue. – ela pediu.

- Tudo bem. Tchau.

Minha tia respondeu e ele desligou.

- Espero que chova. – ele disse e sorriu, cínico – não quero perder um almoço com companhia no Habib’s por causa de tempo bom.

Avistamos a entrada menos de dois minutos depois e fomos rumo ao carro. Mal sentamos, a chuva começou. Olhei espantada para Jake que sorria abertamente para os raios que começaram a cair e deixei escapar:

- Boca santa.

- Pena que não funcione pra ganhar na loteria.

- Já tentou? – perguntei, rindo junto com ele.

- Não custava nada...

Colocamos o cinto, ligamos o rádio e saímos do estacionamento.

- Então... Aonde vamos?

- Pensei que tivesse dito pra sua mãe que íamos ao Habib’s...

- Ah. – foi minha resposta.

- Que foi?

- Nada.

Não iria dizer que jurava que aquilo fosse só um blefe pra conversarmos mais um pouco sem olhares furtivos a cada trinta segundos.

- Se você quiser a gente pode ia a outro lugar. – ele propôs.

- Não. Habib’s ta ótimo.

A chuva começava a engrossar e o vidro ficava cada vez mais embaçado. Percebi que Jake ficava mais tenso à medida que o tempo passava. Eu sabia que ele não gostava de dirigir (tirou a carta de motorista por insistência da mãe), principalmente com chuva.

- Estamos muito longe?

- Não. – ele respondeu.

Ficamos calados ouvindo a música que tocava baixo o suficiente para que pudéssemos falar à vontade, mas estava sem assunto e constrangida demais para perguntar qualquer coisa, visto que tudo o que eu falava parecia nos levar de volta à mesma questão: seu mais recente comportamento.

- Está tudo bem? – ele perguntou.

Eu estava olhando pra frente, prestando atenção no caminho. Não me atreveria a perguntar o que quer que fosse além do que eu já sabia. Passamos por um posto de gasolina, por um hotel grande que mais parecia um edifício e por fim viramos a direita na entrada para o Shopping Dom Jake.

- Tudo. – eu respondi muito depois.

- Você ficou calada no carro...

- Pensativa. – não era de todo uma mentira.

- Nesse caso, é melhor irmos andando.

- Mas... Pensei que você não gostasse de shoppings.

- Não. Mas era mais perto que o Habib’s que eu pretendia ir. A chuva engrossou demais e eu já não gosto de dirigir nem com o tempo bom, então... Bem - vinda a Campinas!

- Como é que é? – perguntei. Praticamente exclamei tão atordoada eu estava.

Ele riu, mas explicou.

- Estamos no Shopping Dom Pedro, o maior aglomerado de lojas da America Latina. Não sabia que ele fica na estrada de Americana para Campinas? Pensei que você estivesse prestando atenção na pista.

- Eu tava... Mas na paisagem, não nas placas. Isso era tarefa sua.

Ele me pegou pela mão e eu me espantei. Ele nunca fizera isso. Jake me soltou, me olhou rapidamente e acrescentou me puxando agora pelo braço para ficarmos mais perto no shopping lotado:

- O costume não é as crianças segurarem na mão dos adultos para não se perderem? – ele perguntou com desdém.

- Vou me manter por perto. – eu respondi no mesmo tom.

Fomos até a praça de alimentação que ficava no subsolo e nos dirigimos ao Habib’s.

- O que vai pedir? – ele perguntou.

- Tanto faz pede o que você quiser. Faz o teu pedido e pede qualquer coisa pra mim.

- Fala logo. Você é convidada. Não esqueça.

- Ta. – respondi mal-humorada – Esfiha de queijo e refrigerante.

- Quantas esfihas?

- Sei lá... Quantas você costuma pedir?

- Cinco.

Eu ri.

- E eu com medo que você achasse que eu como muito. Pede cinco pra mim também.

- E o refrigerante?

- Coca.

Ele fez o pedido e eu tentei sair para procurar por uma mesa vaga. Ele me deteve.

- Aonde você vai? – ele segurou meu braço quando eu comecei a me virar.

- Procurar por um lugar pra sentar e comer.

- Espera um pouco. Já ta quase pronto.

E foi assim. Comemos, bebemos e, principalmente, mais que qualquer outra coisa, conversamos. Eram quatro da tarde quando saímos do shopping. O tempo passava rápido quando eu estava com ele.

- Pra casa agora? – Jake perguntou quando entramos no carro.

Eu queria dizer que não. Inventar qualquer outro lugar para irmos só para continuar vendo meu primo se divertir; agir normalmente, do jeito que ele sempre fez.

- Pra casa. – concordei, tentando esconder a pontada de tristeza que começava a se formar dentro de mim. – Mas quero saber quanto eu te devo.

- Como? – ele se fez de desentendido.

- Sim senhor. Quero saber quanto eu te devo pelo almoço. Não me faça procurar na internet o valor de cada esfiha pra poder saber o total exato. A coca eu sei que eram R$ 3,20.

- Pára com isso. – ele disse, sério.

- Não. É isso ou eu fico sem comer, mas não aceito mais sair pra almoçar, lanchar ou jantar contigo.

Ele amarrou a cara pra mim, mas não disse nada. Já tinha parado de chover e nós tínhamos esquecido de ligar quando chegamos ao shopping. Nossas mães estavam umas pilhas quando paramos na casa dele.

- Onde vocês estavam? – minha tia exigiu saber quando voltamos.

- A culpa foi minha. O Habib’s era muito longe e a chuva engrossou. Acabamos parando no shopping Dom Pedro. – era um mau-hábito de Jake querer assumir a culpa por tudo que fazia de errado ou simplesmente esquecia.

- Poderiam ter ligado! – ela quase gritou. – Fiquei preocupada!

- Tudo bem. Desculpe. – foi a resposta de Jake. Ele se virou e foi à sala de estudos onde, eu percebi, Ed e Fred brincavam de Batalha Naval.

- Zoey, por que você não ligou? – perguntou minha mãe.

“Porque eu tava conversando com Jake e não queria perder tempo dando satisfações de onde eu estava nem receber recomendações de ‘volte a tal hora.’” Eu queria responder, mas me contive.

- Não levei celular e não ia pedir o dele. – esperava que ela engolisse aquela, então saí casualmente da sala de estar e fui atraída à sala de estudos, onde Jake estava conectado ao MSN em seu notebook.

Sentei-me ao outro computador e conectei-me também. Letícia, uma amiga, estava online.

“Oi! Tudo bem? Sei que são só dois dias, mas já sinto falta das fofocas.” Eu enviei.

“Não perdeu nada. Quase todos ficaram de recuperação. Teve sorte de se mandar daqui tão cedo. Ta mais quente que o normal.” Ela respondeu.

De repente, uma nova janela de mensagem se abriu. Fiquei aturdida ao ver quem era: Jake. Sentado a dois palmos de distância, ele preferia digitar a conversa a pronunciá-la em voz alta.

“O que achou do nosso passeio?”

“Bom. Por que você não usa a própria voz?” enviei e olhei furtivamente para ele, esperando uma resposta em voz alta. Ele voltou a digitar e o som de uma nova mensagem foi emitido do computador que eu usava quando ele acabou, ainda sem sequer tirar os olhos de seu notebook.

“Não estou com vontade de falar. Faça um favor? Finja que não é comigo que você está falando. Quanto ao passeio... Que bom que gostou. Assim podemos repetir a dose em breve.”

“Jura? Não sou tão chata quanto julgo ser? Ótimo. Mas me avise antes de me raptar.”

Vi sua cadeira sacudir ao meu lado enquanto ele reprimia um impulso de rir, disfarçando um acesso de tosse.

”É justo...”

Ficamos conversando assim até umas sete horas da noite, quando fomos jantar. Estranhamente, eu me sentia mais à vontade jantando sozinha com Jake que acompanhada de várias pessoas menos ele. Era reconfortante apreciar sua companhia e poder vê-lo se descontrair e brincar mesmo que por curtos intervalos de tempo.

Aquela noite foi diferente. Minha mãe ainda estava cansada da viagem e não conseguira dormir direito na virada do dia anterior para hoje. Eu estava bem disposta, mas meu irmão já tinha torrado a paciência me dizendo para ir dormir.

Mandei-o pra cama aos berros, dizendo que eu não estava cansada e que, portanto, não precisava ir pra cama às dez. Ele foi, de mau humor e eu continuei na salinha de estudos, vendo um programa chato na TV. Jake, que estava no banho, apareceu logo depois com os cabelos pingando e algumas gotas d’água escorrendo por sua nuca de encontro à toalha azul, casualmente pendurada atrás do pescoço.

Ele vestia uma bermuda bege, estava descalço e não usava camisa alguma, mesmo que o termômetro do computador marcasse 7°C como temperatura local. Fiquei bestificada ao finalmente perceber o quanto ele havia mudado em quatro anos. Devo ter ficado de boca aberta, pois ele fechou a porta da sala de estudos, foi até mim e perguntou:

- Incomodada? Posso vestir uma camisa, se quiser...

- Tanto faz. – tentei parecer despreocupada e esconder o alívio por ele ter entendido errado a minha reação. – você que vai congelar, não eu.

Ele riu um pouco. Eu ainda não tinha me acostumado à temperatura de lá e estava batendo o queixo de frio. Jake se sentou ao meu lado e ligou a TV. Estava passando Harry Potter em um dos canais, mas não lembro qual era sua ordem na série. Encostei-me em Jake e, para minha surpresa, ele passou o braço pelo meu pescoço, afagando de leve meu ombro. Estava quente e era confortável. Ficamos assim até o meio do filme, mas a programação começou a ficar chata.

Jake mudou de canal. Passava outro filme; um musical de nome Spectacular eu já havia assistido uma vez, e gostara. Queria ver de novo. Eram quase duas horas quando a mãe dele bateu de leve na porta anunciando que não agüentava mais ficar acordada. Desejamos boa-noite a ela e continuamos vendo o filme.

Às três da manhã, fomos lanchar. Fizemos uma pequena guerra de comida na cozinha e Jake fingiu sentir nojo quanto ao meu hábito de misturar achocolatado e pizza na mesma refeição. Ele preferia suco. Vimos mais um pouco de TV. Estava passando um filme antigo, mas o pegamos pela metade; até que era legal. Lá pelas tantas, uma mão passou rápido demais por mim e peguei a mim mesma assistindo a um show de ópera.

- Que merda é essa? – perguntei, fingindo tapar os ouvidos.

- Só um pouco de cultura.

- Prefiro ficar surda.

Ele riu.

Levantei-me e voltei para o filme. Mal sentei, a ópera recomeçou.

- Ta de palhaçada, né?

A cadeira dele se sacudia, mas não vinha som algum daquela direção.

Tateei no escuro, à luz da televisão até achar o botão certo e voltei mais uma vez para o filme em preto e branco. Sentei-me novamente, assisti mais um pouco ao programa e Jake fingiu dormir, enfadado. Boca aberta, cabeça tombada de lado... Só faltava roncar e babar.

- Quer um lencinho? – perguntei.

- Não preciso. Enxugo na sua blusa. – ele passou a mão na boca teatralmente e limpou em minha jaqueta. Fingi sentir nojo e dei-lhe um tapa de brincadeira.

A noite passava rápido. Quando olhei pela janela tive um sobressalto. Estava quase claro. Consultei o relógio de parede, iluminado pela luz da TV: quinze para as cinco da manhã. Tínhamos virado a noite e minha tia havia avisado que visitaríamos a chácara de meu tio hoje cedo.

Desejei boa-noite a Jake e me preparei para correr até o quarto, trocar de roupa e tentar dormir antes de alguém acordar, rezando para não fazer barulho. Estaquei na porta; o braço de Jake envolvendo minha cintura.


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Notas finais do capítulo

Por favor, comentem! Preciso saber o que vcs acharam!!!