Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 28
Outras vezes, não existem truques




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“Meu passado tem gosto amargo há anos (...) Então eu vou enfrentar”

                   James Young

 

— Eu te avisei, não foi ruivinho?

  O sorriso convencido de Matsuri parecia ainda mais arrogante quando ela escorou o corpo com casualidade na parede e aquele fiapo de ódio cego virou uma massa grotesca que tomou conta de todo o resto quando girei o pescoço para encarar a garota de cabelos castanhos.

  Ela estava parada a poucos passos da diretoria e exibiu ainda mais os dentes quando sustentei seu olhar arrogante e animado.

— Você não vai pular fora.

  Matsuri inclinou um pouco a cabeça, estudando minha expressão conforme descruzava os braços e colocava uma mão na cintura. Trinquei a mandíbula quando o ar divertido nos olhos dela pareceu ainda mais sincero quando continuei em silêncio; não era apenas aversão ou desconfiança que eu sentia todas as vezes em que Matsuri plantava os pés bem na minha frente e recitava alguma ameaça sobre o que aconteceria com a minha irmã caso eu não agisse conforme o acordo.

  Havia uma camada mais profunda de ódio puro que tinha de ser cuidadosamente escondida por uma expressão calma e controlada assim que Matsuri exibia sorrisos insanos e estudava as minhas reações.

  Mas havia alguma coisa boa em não ter mais nada a perder: ninguém poderia me exigir qualquer tipo de controle.

— A chefe não está exatamen...

  A voz, aquela maldita voz dela virou uma série de engasgos e palavras cortadas quando segurei seu pescoço com força e finquei as unhas na pele dela. Mantive a mão direita na garganta de Matsuri quando a empurrei contra a parede, fechando a traqueia dela com facilidade.

— Continue se metendo nos meus assuntos e eu quebro o seu pescoço — avisei com a voz controlada apesar da minha mandíbula continuar, basicamente, trincada. — Eu não sei se você percebeu, mas o acordo acabou. Eu nunca disse que ficaria de boca fechada caso a minha irmã morresse, disse?

  Inclinei um pouco a cabeça e estudei o rosto vermelho dela, os olhos esbugalhados e a boca que abria e fechava em busca de ar. Apesar do desespero no olhar de Matsuri, ainda existia um pouco daquele brilho maníaco detestável nos seus olhos castanhos e, talvez por isso – ou por outra razão menos razoável -, apertei seu pescoço com mais força.

  As unhas dela arranhavam o dorso da minha mão direita e meu pulso, mas aquilo parecia um detalhe inútil comparado ao primeiro lampejo sincero de medo nos olhos dela.

— Já que você conseguiu entender esse ponto, então não vai ser difícil pra você cuidar da sua própria vida de agora em diante, não é?

  A adrenalina continuava bombeando meu sangue quando soltei Matsuri e a observei escorregar pela parede e ficar agachada no chão, tossindo com força e manteve as mãos ao redor do pescoço assim que ergueu a cabeça para me encarar.

  Agachei até ficar na mesma altura que ela e me surpreendi com o pensamento indiferente que brotou na minha cabeça ao encarar Matsuri. Eu posso acabar com isso agora mesmo. Uma condenação a mais não faz diferença.

— Não vai ter tempo pra uma próxima vez se você quiser mesmo testar a minha paciência — avisei e tentei mesmo ignorar aquela voz na minha cabeça que me dizia como seria fácil conseguir mais uma condenação.

  Levantei e me afastei de Matsuri sem muita pressa, escutei a tosse dela virar um tipo de riso sôfrego e falhado assim que avancei metade do corredor. Quando dobrei à direita e segui em linha reta até as portas duplas do refeitório, a sensação de continuar de mãos atadas não diminuiu nem um pouco.

  Por mais que eu tentasse, não consegui ignorar o pensamento amargo de que não importava exatamente o quanto eu quisesse, eu não conseguiria desfazer ou diminuir todos os estragos que eu havia causado para Ino Yamanaka no momento em que abri a boca e contei a versão fantasiosa de um assassinato encomendado.

  Você estraga tudo o que toca, lembra? Regra número um da família Sabaku.

— Inferno! — Chutei com força um dos armários de metal, como se aquilo fizesse com que toda a raiva que eu sentia de mim mesmo desaparecesse a cada golpe. Isso aí, continue agindo como um garotinho raivoso até resolver as coisas. Ponto para o caçula Sabaku!

  Apoiei as mãos no armário de cima daquele que eu havia chutado e tentei controlar o ritmo da minha respiração, mas tudo o que eu conseguia era puxar o ar e soltá-lo de forma ofegante. O ponto que mais incomodava era que Matsuri estava certa: não havia como pular fora daquele acordo sem danos.

* * *           

  Pouco mais de nove horas haviam se passado desde que eu havia terminado de repetir para Tsunade, um assistente social de olhares cínicos e dois guardas com os dedos perto das armas de atordoar a verdade nua e crua sobre os outros crimes que eu havia cometido. Foi só durante a repetição sobre os Yamanaka que o assistente mostrou algum tipo de interesse enquanto alinhava o terno várias vezes.

  A minha cabeça ainda doía pela avalanche de pensamentos acusatórios que haviam brotado feito mágica e aumentavam a certeza de que eu estava praticamente implorando para continuar preso num projeto experimental de campanha política. Não é como se você não merecesse. Isso aqui é uma colônia de férias perto do que te espera assim que você alcançar a maioridade.

  O ponto era que invasão a domicílio, furtos, ameaças, contrabando e várias lesões corporais graves não resultariam em nada menos do que cinco anos, se eu levasse em conta que ninguém descobriria as outras merdas. Pode apostar que ninguém vai ligar os pontos. Quase sorri com escárnio com o pensamento e esfreguei os olhos com força.

— Quer dizer que você lembrou onde é o seu quarto, hã? — Ergui a cabeça assim que a voz de Sasuke ecoou pelo quarto; o Uchiha chutou uma pilha de roupas no meio do corredor estreito depois que fechou a porta com força.

— Foi você quem se mudou para o quarto da Haruno, não eu — retruquei e ele ergueu as sobrancelhas, pareceu considerar o que eu disse e levantou os ombros como resposta. O silêncio era praticamente sólido, apesar do barulho dos passos de Sasuke que eram amortecidos pelo carpete velho.

  Nós dois não erámos o exemplo de amizade a ser seguido, se você levasse em conta parâmetros normais – havia surgido uma camada fina de desconfiança e irritação desde que Sasuke Uchiha havia decidido que valia a pena investigar sobre a minha única irmã. Ponto para o Uchiha. Me remexi no colchão de Naruto e pus os olhos no meu colega de quarto assim que ele comentou, num tom surpreso:

— Bom saber que você se preocupa com o meu bem-estar, babaca.

 Foi Tsunade quem decidiu que um falso assassino, um parricida e um traficante formariam o melhor trio de amigos de toda a cadeia juvenil. Traga as bandeiras e as tubas, nós vamos fazer um desfile! Aquela era uma piada muito ruim, já que não existia muita afinidade entre nós três, apenas um acordo silencioso de respeito mútuo.

  As coisas funcionavam bem até que investigações, surras e humilhações públicas começaram a fazer parte da rotina. E quando você começou a dar a mínima, hã? Essa era uma ótima pergunta e eu não sabia como respondê-la.

— Você não parece muito bem — o sorriso de escárnio que brotou no meu rosto foi uma reação automática à voz de Sasuke e percebi o quanto eu estava saturado de sustentar mentiras e a expressão bem treinada de indiferença assim que encarei minhas mãos.

— Você venceu, Uchiha. Você estava certo desde o começo — admiti e levantei os olhos para o meu colega de quarto; a voz autoritária na minha cabeça que me avisava sobre como era importante ficar quieto e manter a expressão fria e calculista grudada no rosto parecia aumentar a vontade de despejar metade dos pensamentos que me atormentavam.

  Desde quando você começou a dar a mínima se Matsuri e Karin estavam cercando Ino e suas amigas? Ou quantas vezes você interferiu e quase estragou tudo de novo, hã?

— Como é que você conserta as coisas quando você só consegue ferrar com tudo? — Perguntei amargo e infeliz com o desespero que começou a me corroer assim que falei aquelas palavras; era estranho que o silêncio não estivesse carregado com cinismo e desconfiança quando Sasuke continuou quieto.

— Depende. Agora você está sendo sincero quando quer consertar as coisas?

— Não consigo mais mentir pra ela — mal mexi a boca e desviei o olhar para minhas mãos pela segunda vez quando Sasuke estudou meu rosto. — Eu queria ter coragem de ter feito as coisas de um jeito diferente há mais tempo. — Boa parte do cansaço emocional que moía o meu cérebro pareceu ter diminuído assim que disse em voz alta o que eu queria esconder desde que havia confessado a verdade para Ino.

  O fato era que eu não conseguia lidar com os olhos perdidos dela. Eu não tinha mais a capacidade de fingir que não me importava com o que acontecia.

  Coloque todas as cartas na mesa, rapaz. Você ficou com medo de que Matsuri interfira na reabertura do caso, que ela consiga atingir Ino ou que a garota tenha um surto de razão e não aceite mais a sua ajuda. Aquela linha de raciocínio doía, mas eu não conseguia deixá-la de lado simplesmente por ser verdade.

  Apesar do ódio por Matsuri e pela mulher que havia me oferecido aquele maldito acordo, era o medo que realmente me deixava em estado de alerta. Talvez fosse o medo de que, no final das contas, eu nunca conseguiria parar de machucar Ino Yamanaka.

— O ponto é que você nunca vai saber se teria feito as coisas de outro jeito, mesmo se pudesse — levantei a cabeça para encará-lo e a seriedade marcava muito bem o seu rosto; Sasuke soltou o ar antes de acrescentar: — Que merda, Gaara. Eu não estava certo sobre nada, eu não sou um oráculo. Então não comece com esse papo de que eu ganhei, porque ninguém tem nada a ganhar com toda essa porcaria de situação.

  Os olhos dele continuaram duros quando tentei controlar o ritmo da minha respiração. Escute com atenção, rapaz. Você fez por merecer.

— Não vai adiantar muita coisa se eu falar que você é um cretino, um babaca e um perfeito boçal que merece sofrer na mesma moeda que a Ino sofreu — a voz dele era baixa e o Uchiha mal mexia a boca enquanto despejava aquelas palavras com rispidez; tudo o que eu fiz foi continuar em silêncio. — Você merece isso. Mas é o único que pode consertar um pouco dessa merda toda.

  Sasuke soltou o ar, mas a seriedade continuava em seus gestos e na sua expressão.

— Só... sem mentiras. — Ele bagunçou a franja com gestos nervosos e pigarreou quando o silêncio prevaleceu. — Oferta de paz? — Sasuke me estendeu um cigarro amassado e segurei o filtro enquanto ele procurava um isqueiro. O cheiro de tabaco encheu o quarto assim que acendi o cigarro e traguei um pouco.

— Sua oferta de paz tem gosto ruim.

— Não estava na minha agenda topar com você e menos ainda servir de conselheiro emocional — ele levantou as sobrancelhas com certa ironia assim que estendi o cigarro. Sasuke fumou um pouco antes de me devolver o cigarro e mordi o filtro. — Eu não sou oráculo.

  O gosto de nicotina encheu os meus pulmões e tentei acreditar que cada tragada diminuía os nós na minha garganta e que afastava, mesmo que por um minuto ou dois, a voz desdenhosa da minha mente que me dizia que eu não conseguiria consertar porcaria nenhuma. Soprei a fumaça e nós dois olhamos para a porta assim que Naruto passou por ela.

  Ele nos olhou por alguns minutos antes de fechar a porta num chute, o Uzumaki empurrou Sasuke para ter espaço no colchão e ignorei as provocações quase rituais que os dois trocaram antes de se acomodarem na cama do Uchiha.

— O que tá rolando aqui? Reunião dos fodidos? — Naruto pegou o cigarro que estendi e tragou um pouco, ele fez uma careta para o cigarro e outra para Sasuke. — Onde você arrumou essa porcaria?

— Sasori. Ele é mais barato do que você — Sasuke levantou os ombros e terminou o cigarro. — Você inflaciona demais os itens críticos, cara. Estamos num país livre, nada me impede de procurar a concorrência.

— E aí? Já terminaram a reunião dos fodidos ou eu preciso voltar mais tarde? — Naruto abriu um maço de cigarro e amassou a proteção de plástico antes de jogá-la em Sasuke. Peguei um dos cigarros que ele ofereceu e agarrei o isqueiro pouco depois.

— Vocês dois querem um tempo sozinhos, é isso? — Perguntei com cinismo e bati as cinzas do lado da cama sem muita pressa assim que acendi o cigarro. Sasuke reclamou, um pouco mais alto do que o necessário, sobre como eu era um perfeito cretino e como eu parecia me esforçar para ignorá-lo; Naruto estava completamente indiferente ao Uchiha e o loiro me lançou um sorriso sarcástico como resposta assim que Sasuke listou seus defeitos.

— Vocês dois não são bons amigos — Sasuke declarou e apontou para nós dois antes de acender o cigarro que havia pego do maço que o loiro tinha oferecido.

— Quem quer ser o seu amigo, porra?! — Naruto estreitou os olhos e tirou o cigarro da boca, esperando a reação exagerada do outro com paciência. Abafei a risada cínica que ameaçava escapar dos meus lábios e tentei manter o rosto sério enquanto Sasuke praticamente rosnava:

— Eu sou a porra do amigo legal, tá? Vocês dois, seus cretinos, é que não têm outro amigo além de mim. — Ele tragou o cigarro e soprou a fumaça em cima de Naruto. — Eu sou popular, porra!

— E eu não vendo drogas — Naruto rebateu com superioridade e tentei disfarçar o riso que escapou da minha garganta, mas o máximo que consegui foi tossir com força em seguida. Naruto conseguiu manter o rosto sério por mais alguns segundos antes de rir descaradamente.

  Quando a sirene ecoou do lado de fora, não parecia tão absurdo que um falso assassino, um parricida e um traficante fossem amigos ou o mais próximo disso.

* * *

  Era um pouco nostálgico reconhecer os muros que ladeavam o lugar em que havia sido colocado para cumprir parte da pena de seis anos. O carro se aproximou dos portões e suspirei aliviado quando as placas de metal se abriram, quando o veículo voltou a avançar pela estrada de asfalto rachado, a minha respiração normalizou.

  Desci do carro e mantive as mãos na frente do corpo enquanto um dos guardas se aproximava e me empurrava para as portas duplas da entrada. Chutei que deviam ser quase três da tarde, já que eu havia sido escoltado do meu quarto até a diretoria por volta das seis da manhã e, mais ou menos duas horas depois, eu estava sentado na sala de audiências.

  A inquietação me pinicava mais do que as algemas nos pulsos e eu estava perfeitamente ciente de que não haveria diminuição de pena ou compensação com trabalho voluntário. Quando foi a minha vez de abrir a boca pela terceira vez e repetir tudo o que eu havia feito até ali, a sensação agoniante de estar de mãos atadas diminuiu.

  Eu não fui o único a ignorar as desculpas esfarrapadas que o defensor público soltava, tentando chegar a um acordo que me favorecesse. O desdém estava estampado nos olhos de cada um assim que eles se davam ao trabalho de me encarar por mais de cinco minutos.

— Nada de acordos — resmunguei para o homem de cabelos puxados para trás com gel que tentava me defender. Desse ponto em diante, as barganhas de diminuição das penas sumiram e não levou muito tempo para me enfiarem dentro do mesmo carro que havia me levado até ali.

  Puxei o ar gelado do corredor e massageei os pulsos quando um dos guardas girou a chave minúscula nas algemas. Minhas pernas pareciam ser dois pedaços de metal quando me forcei a entrar na diretoria, acompanhado pelo defensor público. Os olhos de Shizune saíram da pilha de prontuários verdes e pararam sobre nós dois com um pouco de curiosidade.

  A minha cabeça girava com o pensamento insano de que eu devia agarrar a pilha de papeis que resumia a ordem do juiz para ficar trancado atrás desses muros por mais cinco anos antes de ser despejado para uma prisão de verdade e queimar toda aquela porcaria antes que fosse tarde demais.

  Onze anos agora, Sabaku. O número vai aumentar daqui uma semana e meia, quando outro juiz olhar o restante das merdas que você confessou.

  Observei com atenção quando Shizune se endireitou atrás do balcão e pegou a pilha de papeis das mãos do defensor com uma expressão satisfeita no rosto. Dei meia volta e consegui respirar aliviado e agoniado ao mesmo tempo; parei na metade do caminho e esperei até que o defensor saísse da diretoria e atravessasse as portas duplas que davam acesso ao pátio.

  Aquilo tudo não levou mais do que cinco minutos, mas na minha cabeça, tudo parecia extremamente lento e demorado. Parabéns Sabaku, você conseguiu! Se a Matsuri não reportou para a chefe como você tem sido desobediente, então você está oficialmente ainda mais ferrado! Tentei deixar a paranoia para trás conforme avancei pelo corredor e forcei minhas pernas a trabalharem mais rápido até o meu quarto.

  Eu não consegui me mexer quando vi que Ino Yamanaka estava parada ao lado da porta 130. Ela mantinha os braços cruzados na frente do corpo quando finalmente me aproximei e os olhos pareciam ainda mais cansados e ansiosos do que antes.

  A distância entre nós dois mal passava de três passos e não consegui articular nenhuma palavra quando consegui abrir a boca.

— Como foi lá? — Ino pigarreou antes de analisar minha expressão e sussurrar a pergunta. Aquela mistura confusa de agonia, remorso, com um fiapo de esperança de estar fazendo a coisa certa brotou e se espalhou pelo meu corpo rapidamente enquanto os olhos azuis dela continuavam me estudando.

— O defensor público entregou a decisão do juiz sobre a audiência de hoje. Não sei quanto tempo vai levar até que eu tenha que depor de novo sobre a sua família — meus ombros pareciam pesar um pouco menos quando consegui resumir para Ino o que havia acontecido durante a audiência. A minha garganta apertou quando a expressão dela parecia mais abatida. — Eles vão ter que rever o caso inteiro, já que eu menti no processo.

   Quando Ino soltou o ar com força e olhou para o teto, meu corpo parecia queimar assim que ela voltou a me encarar. Não seja estúpido. Desviei os olhos para os meus pés, tentando reorganizar meus pensamentos e controlar o ritmo errático do meu peito.

— Eu não...

— Olha... — as palavras morreram na minha boca quando nós dois falamos praticamente ao mesmo tempo e o silêncio era um pouco desagradável assim que nos encaramos. Meneei a cabeça em sua direção, num incentivo mudo para que ela continuasse. — Eu só... Eu sei que as chances de desarquivarem o caso e encontrarem o verdadeiro assassino da minha família são muito baixas, eu não sou idiota a ponto de pensar que o mundo todo vai se importar se outra pessoa confessou um crime que não cometeu.

  A voz dela era baixa e triste, apesar do esforço que ela fazia para soar firme e praticamente intocável com o peso daquelas palavras. Levei um bom tempo para perceber que arrastei os pés para frente e estiquei a mão automaticamente na direção dela, como se eu pudesse fazer alguma coisa que diminuiria o cansaço nos olhos dela ou a dor que transbordava na sua voz.

  Há quanto tempo que você dá a mínima?

— Eu sei disso. E você também sabia disso quando decidiu confessar tudo — a voz dela estava mais firme dessa vez e eu senti que toda a minha capacidade de raciocínio ou explicações bem elaboradas havia sumido. — Não me venha com essa merda de que você não tinha mais nada a perder, porque eu quero a verdade. Eu preciso entender esse ponto.

  A dureza súbita nos olhos dela deixava claro que não haveria brechas, não dessa vez. Os nós nas mãos dela estavam brancos por conta da força que ela usava para manter os braços cruzados na frente do corpo e era inútil tentar controlar o ritmo da minha respiração quando sustentei o olhar dela.

— É idiotice, isso é a coisa mais burra que eu estou fazendo na minha vida, mas eu quero acreditar que você não vai mentir agora — o nervosismo dela quebrou o silêncio que se instalou quando continuei quieto por mais alguns minutos. — Eu preciso saber o porquê de você estar fazendo tudo isso.

  Consegue responder essa sem estragar as coisas, Sabaku?

— Eu não quero mais te magoar ou ser o responsável por estragar a sua vida. E eu não consigo mais mentir e dizer que não me importo com você, Ino — o medo ainda gritava na minha cabeça quando eu despejei as palavras com desespero e vi o choque moldando os olhos de Ino automaticamente. Aquele punhado insignificante de coragem parecia bombardear todo o sangue no meu corpo. — Eu queria poder consertar tudo o que eu fiz de errado, e eu sei que não vai ser o suficiente. Eu só...

  Parecia que o cansaço das últimas horas, os incontáveis nós na minha garganta e as vozes acusatórias e desdenhosas na minha cabeça haviam sido empurrados para longe quando soltei o ar.

  Você disse que diria toda a verdade. Então diga.

— Eu tô com medo de que, mesmo falando sobre tudo o que aconteceu, mesmo apresentando provas descartadas e assinando quantas confissões forem necessárias, nada disso diminua um pouco o sofrimento que eu te causei — não me importei com o quanto a minha voz soava estrangulada e trêmula ou o quanto o meu coração batia desenfreado. — Eu tenho medo de que eu não consiga parar de te magoar. E eu não quero mais que isso aconteça, Ino.

  Minha boca estava seca quando continuei falando:

— Provavelmente é a coisa mais absurda que você escutou, mas eu ligo pro que acontece com você. — Meu pulso continua disparado e minha respiração ainda estava ofegante quando o choque no rosto de Ino virava confusão. — Essa é a verdade.

— É absurdo — a voz dela mal passava de um muxoxo descrente e quase apático, mas sua expressão confusa e assustada não saía da minha cabeça. Ela mordeu o lábio inferior com força e senti a agonia revirando meu estômago e pesando nos ombros quando nós dois nos encaramos dessa vez.

  Aqueles segundos de silêncio pareceram durar horas e meus dedos ainda tremiam quando passei o dorso da mão pela bochecha de Ino e toquei superficialmente seu rosto. Tentei segurar aquele fiapo de coragem por mais tempo quando sustentei os olhos dela e deixei que ela enxergasse o que eu sentia. Remorso, agonia e ansiedade.

— O que mais você quer de mim? — O cansaço na voz estrangulada dela bagunçou qualquer linha de raciocínio que brotava na minha cabeça; Ino se aproximou mais um passo e a distância era curta demais. — Bagunçar com o que eu sinto não é o suficiente? Porque, a essa altura, eu não sei mais o que eu devo pensar a seu respeito. E isso me assusta, isso é assustador pra caralho.

  Reconheci o brilho agoniado nos olhos dela, eu já havia memorizado essa expressão gravada no meu rosto todas as vezes em que eu me encarava no espelho.

— Eu só quero que você acredite em mim.

  Minha voz parecia ser o único barulho além dos batimentos erráticos do meu peito, e eu quis acreditar que a respiração de Ino estava tão alterada quanto a minha. Não era a primeira vez que nós dois sustentávamos olhares, mas era a primeira em que ela me enxergava sem a camada de indiferença e frieza calculada. Sem truques. Sem barreiras.

— Porque eu não estou mentindo, Ino.


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Notas finais do capítulo

YO!
Não sei se ainda existem leitores depois desse sumiço, mas cá estou com o antepenúltimo. O penúltimo será postado na sequência, mais tardar até sábado.
Se ainda restou algum leitor, obrigada por ter lido.
Até.



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