Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 27
Agridoce




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“Há mais do que os olhos podem ver”

                Kaleo

 

  Menos de vinte e quatro horas haviam se passado desde que eu havia dito em alto e bom tom que precisava de ajuda e minha cabeça estava prestes a explodir. A histeria não era a pior parte, se eu levasse em conta que havia pedido ajuda ao cara que havia brincado de ser o assassino da minha família pelos últimos anos.

  De algum jeito, eu havia superado a histeria, a raiva, o ódio visceral que me consumiu assim que pus os olhos no espelho e até mesmo havia empurrado para o fundo da cabeça parte dos dedos acusatórios que brotavam na minha mente.

  A pior parte era a sensação de estar de mãos amarradas o tempo todo.

  Meu corpo parecia travado naquele estado de confusão e consegui reunir um pouco de dignidade para reprimir a voz acuada na minha cabeça que dizia o quão irônica era a minha situação atual. Mesmo que fosse verdade, eu não suportava mais daquela porcaria.

— ...acontecendo Ino? — os olhos perolados de Hinata me analisaram quando puxei o ar com força e senti que meus pulmões ardiam. Franzi o cenho e Hinata suspirou, como se não fosse a primeira vez que estivesse tentando falar comigo. — Você não tem comido muito nesses dias.

— Eu só... — não consegui estabelecer qualquer resposta lógica quando percebi que estávamos no refeitório e que havia dois sanduíches e um copo de papelão, cheio de café frio, bem na minha frente. — Desculpe, Hina. Eu só...

  Apoiei os cotovelos em cima da mesa de metal e segurei a cabeça com força, como se aquilo organizasse todos os pensamentos caóticos que me atormentavam há duas semanas. Quando consegui encarar Hinata, a compreensão nos olhos dela ajudou a desafrouxar boa parte dos nós que apertavam a minha garganta.

  Ela inclinou um pouco a cabeça na minha direção e perguntou:

— Tem alguma coisa que eu possa fazer?

— Eu só... Que merda, eu não sei mais o que fazer, Hina — despejei as palavras e minha língua parecia ser feita de lixa quando eu senti a necessidade de simplesmente contar tudo para Hinata surgir conforme eu sustentava seu olhar.

  Parecia que a única coisa que eu sabia, sem hesitar ou pensar duas vezes, era que Hinata estaria ali para me levantar quando o mundo desaparecesse debaixo dos meus pés. Não era só a gentileza nos olhos dela ou a compreensão silenciosa em seus gestos, havia um tipo de cumplicidade inata entre nós.

— Parece que o mundo inteiro virou de cabeça pra baixo e ninguém me avisou sobre isso — o cansaço na minha voz me irritou um pouco e minha boca não parou de se mexer, eu escutava as palavras brotando e escapando da minha garganta com facilidade.

  Era ainda mais surreal ouvir aquela versão macabra em que a garota órfã se enfia numa prisão juvenil com o falso assassino da sua família. Minhas mãos tremiam quando senti minha boca seca e minha cabeça doendo ainda mais assim que Hinata me escutou em completo silêncio.

— Então me diz o que eu tenho que fazer agora. — Praticamente implorei quando percebi que o silêncio não era tão acolhedor ou calmante quanto eu esperava. Hinata continuava quieta, analisando tudo o que eu havia dito e eu notei que ela escolheu com cuidado o que me responderia.

  Apertei um pouco os dedos ao redor da cabeça quando voltei a encarar os sanduíches e o café em cima da mesa enquanto os minutos se arrastavam. Não me mexi quando escutei a voz baixa e calma de Hinata.

— Você já fez tudo o que poderia ter feito até agora, Ino. Não existe outra forma de lidar com a situação e, mesmo que não pareça, não tem problema em se cansar das coisas — por um momento inteiro, o alívio brotou no meu peito e diminuiu o ardor nos meus pulmões. — Você não tem que lidar com tudo sozinha o tempo todo.

— Você é a segunda pessoa a me dizer isso — comentei num tom amargo e quando encarei Hinata, ela parecia um pouco curiosa, mas sua expressão era calma acima de tudo.

— O que você pode fazer agora é comer um pouco — ela sugeriu e mesmo que parecesse sem importância, escutar aquilo me comoveu. Peguei um sanduíche, me forcei a morder um bom pedaço e mastiga-lo. — Vai borrar a maquiagem desse jeito — ela apontou para meu rosto e passei a palma da mão livre com força pela bochecha, secando o rastro das lágrimas que haviam escapado.

— Vê se me erra — resmunguei e mordi outro pedaço do pão.

  O sorriso bem humorado dela vacilou um pouco quando ela ergueu os olhos para a direita. Acompanhei seu olhar automaticamente e senti que o naco de comida parecia ser feito de ácido na minha boca quando reconheci Gaara atravessando as portas duplas do refeitório. Minha mandíbula doía enquanto eu continuava a mastigar e foi automático desviar minha atenção para a mesa de metal.

  Eu quis ignorar o estômago embrulhado e a ansiedade assim que percebi que Hinata continuou em silêncio; eu queria ter a mesma capacidade de antes de mascarar a agonia em olhar Gaara nos olhos e resgatar aquele ódio cego outra vez quando ele continuou parado, a menos de dois passos da nossa mesa.

  Mas o máximo que consegui foi mais daquela sensação ácida de que eu estava sendo baixa e suja por não chamá-lo de verme.

— Quer que eu saia, Ino? — Olhei para Hinata e franzi o cenho, confusa outra vez e meneei a cabeça numa resposta positiva.  A cadeira foi arrastada para trás e tentei fingir que olhar o sanduíche restante e o copo de café frio era a coisa mais interessante do mundo quando Hinata se afastou.

  Respirei fundo quando ergui a cabeça e sustentei o olhar de Gaara assim que ele puxou a cadeira que Hinata ocupava e sentou. Cruzei os braços automaticamente e minha coluna ficou reta no instante em que o silêncio brotou entre nós dois.

  A minha cabeça ainda doía com as inúmeras questões antigas e com a agonia que me consumia porque eu queria acreditar em cada palavra que Gaara dissesse, como se tudo aquilo pudesse encerrar o assunto de uma vez e eu tivesse permissão para viver como uma adolescente normal.

  Ele colocou alguns papeis enrolados em cima da mesa e permaneceu quieto quando apontei para aquele amontoado.

— O que é isso? — Franzi ainda mais o cenho quando ele demorou para responder, com a voz arrastada e cansada:

— A papelada pra alterar o depoimento — a resposta curta embrulhou ainda mais o meu estômago e não consegui mascarar o choque que atravessou o meu rosto assim que peguei aqueles papeis e comecei a lê-los. — Essa é a cópia, na verdade. A original está com Tsunade.

  Minhas mãos tremeram ainda mais quando li o que ele havia escrito, com uma letra inclinada que havia mentido durante os interrogatórios da polícia. Ergui os olhos para o ruivo imediatamente, mas ele me estudava com mais atenção ainda e havia uma espécie de ansiedade por aprovação quando analisei sua expressão aparentemente calma.

  Reli cada frase pela terceira vez antes de afastar o papel e deixá-lo em cima da mesa. O tempo todo eu sentia os olhos de Gaara sobre mim e parecia que eles pediam por algum tipo de resposta além do meu silêncio.

Por motivos pessoais, aceitei mentir nos meus depoimentos na delegacia e durante as audiências de julgamento do assassinato da família Yamanaka. Assumi a culpa por um crime que não cometi e não sabia da existência dos Yamanaka até o dia em que procurei a polícia para me declarar culpado.”

  Aquele trecho continuava martelando na minha cabeça quando sustentei o olhar de Gaara e voltei a cruzar os braços.

— O que acontece agora? — A minha garganta parecia arranhada quando cuspi as palavras com o máximo de firmeza que pude, mas eu sabia que estava abalada o suficiente para acreditar que Gaara relaxou a postura, como se estivesse realmente aliviado com alguma coisa.

  Eu preferia acreditar que estava abalada demais e que estava imaginando coisas, não enxergando uma faceta vulnerável dele, essa era a verdade.

— A Tsunade me disse que ela vai mandar que a papelada toda seja desarquivada e encaminhada para a Vara Criminal o mais rápido possível. E... — o silêncio abrupto me fez arquear uma sobrancelha; dessa vez, ele levou mais tempo para falar, mas sua voz parecia trêmula: — Eu me entreguei mesmo. Os outros papeis vão gerar mais burocracia, mas...

  Estreitei um pouco os olhos, assimilando aquelas informações e foi a segunda vez em que o choque escalou a minha espinha, deixando minha pele gelada. Foi você quem queria resolver tudo, não é?

— Espera aí, você confessou tudo o que você fez antes de parar aqui? — As palavras pareciam pesar duas vezes quando ditas em voz alta e outro nó apertou a minha garganta assim que eu reconheci uma espécie de conformismo nos olhos dele.

— O que mais eu tenho a perder? — ele ergueu os ombros e apesar da postura calma que ele mantinha, eu percebia a ânsia quase infantil de saber se estava fazendo a coisa da forma correta. Como você está há duas semanas, garota. — Talvez eles me chutem daqui e me enfiem em outro lugar, já que fraude processual costuma irritar os promotores — um meio sorriso amargo puxou os cantos dos lábios dele para cima.

— Só o seu depoimento não vai mudar as coisas — aquele fiapo de racionalidade desapareceu da minha cabeça quando percebi que Gaara continuava estudando a minha expressão e minhas mãos pareciam dormentes quando segurei os papeis enrolados outra vez.

— Eu deveria ter te mostrado antes, mas eu só... — a voz dele soou mais rouca e o surreal outro lado da história pareceu um pouco mais aceitável quando nos encaramos. — É seu por direito há muito tempo.

  A pasta parda tinha as bordas dobradas e o meio da capa parecia ter sido manuseado várias vezes; os dedos dele ainda estavam em cima da pasta quando ele a colocou sobre a mesa. Gaara não sabia o que fazer quando afastou a mão e puxei a pasta, tentando respirar da forma mais controlada possível, mesmo que o meu pulso tivesse disparado ainda mais quando segurei a pasta de volume considerável.

  A primeira coisa que eu vi foi uma foto minha tirada de longe e a nostalgia fechou a minha garganta quando a foto seguinte era dos meus pais. Eles pareciam felizes e completamente focados em sair do carro com as compras, toquei os rostos corados e meu coração bateu um pouco mais rápido quando reconheci a casa em que morávamos.

  Meus dedos passaram pelas fotos das poças de sangue, dos disparos, das pegadas cheias de pó e dos peritos espalhados pela minha casa. Senti que as lágrimas ardiam nos meus olhos quando eu li os títulos dos relatórios de perícia e dos detetives encarregados pelo caso, e as frases pareciam saltar bem na minha frente, formando uma linha de raciocínio bem simples.

  O assassino não podia ser um adolescente.

  Os termos técnicos e as dúvidas que cada relatório trazia apenas aumentavam a minha dor de cabeça; minha boca ficou seca quando li uma frase escrita à mão no final dos dois relatórios.

— Caso inconclusivo — repeti e o ar voltou a queimar nos meus pulmões quando desviei minha atenção para o ruivo.

— Esse material foi descartado pela polícia assim que eu estraguei as coisas e ferrei com tudo — a voz dele parecia estrangulada e eu sabia que Gaara estava dizendo era verdade. Eu simplesmente sabia. — Já fazia um tempo que eu tinha tudo isso, como um tipo de garantia pra que o acordo fosse mantido.

  Meu corpo parecia travado e eu sabia que não podia mais controlar o choque, a agonia ou qualquer outro tipo de emoção que me rachasse e me deixasse vulnerável.

— Isso é tudo o que eu sei sobre o que aconteceu com os seus pais. Eu não sei o nome da mulher que me ofereceu o acordo ou por que ela teria interesse em encerrar a investigação. A minha irmã foi internada assim que eu assinei a confissão — a voz dele era baixa e culpada quando ele sustentou meu olhar atônito. — Eu juro que estou falando a verdade.

— Eu sei — meus lábios mal se mexeram, mas ele não tinha percebido isso e emendou:

— Pelo menos metade dessa pasta deve servir para provar que eu estava mentindo durante o processo todo — ele levantou um pouco depois e enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. — Eu sei que isso não conserta as coisas, mas espero que ajude. — A hesitação brotou nos seus olhos, Gaara abriu e fechou a boca antes de acrescentar com a voz mais arrastada: — Eu não vou mais mentir, Ino.

  Assim que ele deu as costas e se afastou num ritmo aparentemente calmo, minha voz escapou num sussurro ainda mais cansado do que antes:

— Eu sei disso.

* * *

  Já fazia dois dias desde que eu havia entregue a pasta de bordas dobradas e com todo o material arquivado sobre o caso Yamanaka para Tsunade. Eu acompanhava a agitação nos corredores e tentava escutar as meias conversas enquanto caminhava com Sakura e Hinata, cumprindo os cronogramas de aulas, mas não havia nenhum boato que envolvesse o meu nome ou o de Gaara.

  Eu ainda conseguia trocar farpas com Sakura se eu realmente me empenhasse nisso e conseguia fingir que a presença do Uchiha era mais insuportável do que na realidade todas as vezes em que dividíamos o mesmo espaço, fosse nas salas ou no refeitório. Me esforcei para prestar atenção nas conversas amenas de Hinata, suas propostas de fazermos alguma coisa juntas e em participar da nova dinâmica de grupo de cinco pessoas durante as tardes.

  Eu queria que os risos e que os comentários sarcásticos soassem verdadeiramente casuais, talvez fosse por isso que eu treinava essas expressões no espelho sempre que tinha a oportunidade. Enquanto meus lábios se moviam e meus olhos se espremiam, eu ignorava a preocupação nítida no par de olhos azuis pintados de maquiagem preta que estavam no reflexo do espelho.

  Se você continuar praticando, vai parecer que está tudo bem mesmo.

  Em quarenta e oito horas, as coisas pareciam normais. Não houve retaliação por parte de Karin, alguns garotos magricelas ainda fugiam do meio do meu caminho e Kakashi dedicava boa parte de seu tempo atormentando a vida de cada adolescente dentro do período de aulas.

  Alguns orientadores continuavam acreditando que havia algum tipo de conversão comportamental adormecida dentro dos corpos cheios de hormônios e espinhas dos adolescentes que haviam assassinado, roubado e chantageado. A outra metade dos orientadores ainda acreditava que merecíamos ir para o inferno e não para a sociedade civil assim que alcançássemos a maioridade penal e tivéssemos cumprido a pena sem qualquer problema.

  Parecia que tudo permanecia quase igual e que o mundo não havia mudado de curso porque Gaara havia confessado todos os crimes que havia cometido e despejado mais do que eu esperava escutar.

  Talvez esse estado de torpor que pinicava a minha pele tivesse ocupado boa parte do meu cérebro quando finalmente me dei conta de não era apenas a atitude de Gaara que me incomodava desde então.

  Ele era o tema central da maioria dos meus pensamentos, fosse em tons acusatórios, fosse em tons de análise emocional e dúvidas. Porque eu não sabia mais até que ponto as coisas não eram mais normais a respeito dele – era esse fato espinhoso que machucava e me deixava com as mãos dormentes e a garganta apertada.

  Admita: você não sabe até onde você o detesta por ter mentido e até onde você está aceitando que ele se torne uma pessoa de verdade, não um verme, não um monstro, mas uma pessoa que

  O barulho das sirenes me arrancou daquela linha de raciocínio e olhei em volta do corredor quase vazio; a temperatura havia despencado nos últimos dias e apertei mais a jaqueta de couro contra o tronco. Tentei concentrar meus pensamentos no clima, na neve que logo começaria a cair e que os meus coturnos não durariam muito tempo.

  Qualquer coisa era mais válida do que uma análise sentimental.

  Trotei pelo corredor num ritmo mais apressado até alcançar a secretaria e esfreguei as palmas das mãos algumas vezes durante o percurso. Aquela maldita normalidade durante esses dois dias só estava me deixando mais atormentada e irritadiça, então a ideia de plantar os pés na frente de Tsunade e exigir respostas me parecia perfeitamente saudável. Continue tentando e quem sabe as coisas fiquem bem de verdade.

 Avancei pelo corredor com mais pressa e reconheci as letras um pouco apagadas do letreiro da secretaria, diminuí o ritmo dos passos até um arrastar de pés. Eu estava prestes a girar os calcanhares e atravessar o batente de madeira quando Sakura passou por mim, cabeça um pouco baixa e ombros rígidos. Virei o corpo na direção dela e a segui automaticamente.

— Ei, Sakura — ela mal se moveu quando me aproximei e mantinha a cabeça inclinada, olhei para baixo e vi o papel meio amassado em sua mão. Estiquei o pescoço, tentando enxergar melhor o seu rosto, mas o cabelo rosa escapava do capuz e escondia o rosto dela. — Tá tudo bem? Alguém tentou te causar problemas?

  O silêncio dela foi estranhamente incômodo e senti que havíamos regredido quase oito meses e meio no tempo quando a falta de resposta ou movimento dela durou mais do que três minutos. Franzi o cenho, a chacoalhei e repeti seu nome; levou um bom tempo até ela levantar a cabeça e me encarar.

— O que aconteceu, hein? — Disparei a pergunta assim que ela sustentou o meu olhar e foi a vez dela franzir o cenho.

— Eu não sei, Ino. Eu não sei mais o que tá acontecendo — a voz de Sakura mal passava de um sussurro e os lábios estavam praticamente colados, mas o choque dela era quase palpável. Meus olhos foram para o papel imediatamente e o tirei das mãos dela sem qualquer resistência. — Quer dizer, eu... E-Eu...

  Sakura balançou a cabeça para os lados e apoiou uma mão na parede e encostou a cabeça ali. Alternei minha atenção para a folha de papel com um cabeçalho sofisticado da Justiça, termos técnicos, com o nome completo de Sakura em letras garrafais, três parágrafos de texto jurídico e uma assinatura chamativa de um juiz no final da página.

  Precisei ler aquela linha duas vezes, porque eu achei que fosse mesmo um tipo de erro de digitação.

“...que a revisão de pena foi acatada a pedido da defesa, apresentado em...”

— Você pediu isso? — Sakura agitou a cabeça numa negativa e tentei analisar se a assinatura extravagante do juiz pudesse ter sido falsificada, mas eu não entendia porcaria nenhuma disso. — O que acha de pedir pro Uzumaki dar uma olhada, hã?

— Não é falso — a voz dela parecia estar um pouco mais estável e ela não pareceu ter notado que o capuz começava a escorregar da cabeça dela assim que ela inclinou o rosto para cima e puxou o ar. — Acha que pode ser um teste?

— Nunca vi um teste desse tipo — respondi e devolvi o papel para Sakura. — Você não pediu mesmo a revisão do caso? — insisti e a resposta dela foi a mesma. — Ei, não precisa surtar, garota do capuz. Você pode cair fora daqui, isso é uma coisa boa.

  Minha garganta apertou um pouco quando sustentei o sorriso bem humorado no rosto e tentei soar descontraída assim que coloquei um braço no ombro de Sakura e a puxei para perto. Mas uma parte no meu peito doeu pela possibilidade de que ela tinha chances reais de conseguir sair desse lugar.

  Eu poderia chamar isso de dor da perda, se eu fosse do tipo que ligava para títulos. Forcei um pouco mais o sorriso e acrescentei mais alto:

— Você tinha que ver a sua cara de choque. Parece uma coadjuvante de filme de terror ruim.

— Me lembre de não surtar perto de você — nós duas sabíamos que estávamos segurando muito bem o tom bem humorado nas vozes e fingindo que que não entendíamos o que aquele papel queria dizer em tons bem menos jurídicos.

  Girei os calcanhares na direção oposta e nós duas caminhamos com calma pelo corredor, espiei pelo canto do olho quando Sakura dobrou o papel algumas vezes e o enfiou no bolso da blusa de moletom com pressa.

— O que a gente vai fazer, então?

— Acho que não seria... ruim se o Naruto desse uma olhada — ela olhou para frente e soava um pouco irritada e envergonhada enquanto puxava o capuz duas vezes. — Qual é, Ino... Só foi uma sugestão, a gente não tem que...

— Viu só? Eu sou a porra do gênio desse trio! — Gargalhei com vontade assim que percebi que Sakura revirou os olhos com impaciência e ela quase tropeçou nos próprios pés quando aumentei o ritmo das passadas. — Vocês duas não vivem sem mim.

— É, tanto faz — o resmungo dela me fez rir e o sorriso sarcástico que eu exibia era bem mais natural do que antes.

  Nós duas não avançamos mais do que meio metro quando escutamos a voz estridente e naturalmente rabugenta de Orochimaru ecoando pelo corredor. Mesmo a uns dois metros de distância, reconheci Gaara trotando na nossa direção, enquanto Orochimaru vinha logo atrás, resmungando e agitando o apito numa ameaça implícita se o ruivo não andasse mais rápido.

  Parecia que o enrijecimento nos meus membros vinha acompanhado com o disparo de ansiedade assim que pus os olhos em Gaara; ele continuava andando em linha reta e olhando somente para frente, mesmo quando nós duas passamos pelo ruivo.

— Todos vocês devem ser surdos, porque não entendem o que andar significa! — A reclamação de Orochimaru foi o único barulho além dos sapatos pisando em ritmos completamente diferentes e minhas pernas estancaram quando os dois se distanciaram quase meio metro de nós. — Mais rápido, Sabaku! Eu não tenho o dia todo!

  Girei o pescoço para acompanhá-los e, quando notei que eles estavam entrando na secretaria, uma onda calmante de alívio relaxou os meus músculos. Ele não estava mentindo, não é? Sem truques dessa vez.

  A minha cabeça disparava com mil outras razões que explicariam porque Gaara estava na secretaria, exatamente três dias depois dele ter confessado que não era o assassino da minha família e dois dias depois de eu ter entregue para Tsunade a papelada descartada pela perícia sobre o caso.

  A única explicação que eu conseguia acreditar era que ele havia cumprido com sua palavra.

— Vocês duas aí! — Pisquei um pouco confusa quando Orochimaru reapareceu no final do corredor, a poucos passos da secretaria, e colocou as duas mãos na cintura depois de apontar na nossa direção. — Perderam alguma coisa por aqui ou querem ajuda pra chegar na detenção, hã?!

— Na verdade, a gente...

— A gente já está dando o fora — respondi um pouco mais rápido do que Sakura e ela me olhou com um pouco de irritação assim que a empurrei para frente. A adrenalina bombeava o meu sangue e comecei a andar mais rápido, forçando Sakura a manter o mesmo ritmo que eu. — Não me olhe com essa cara, garota do capuz. Eu não sei você, mas não estou a fim de ficar grudada com o Orochimaru pelas próximas horas.

— Sei — a resposta seca não combinava com o meio sorriso bem humorado.

— Oh, alguém está de bom humor! Seu corpo começou a produzir hormônios? — Sakura ergueu o dedo médio e consegui provocá-la mais um pouco antes do silêncio predominar enquanto andávamos até o quarto 130.

  Por alguns minutos, o peso do tempo, das brigas, dos porres e das farpas foi maior do que um pedaço de papel com termos jurídicos sobre revisões de penas e depoimentos. Sufoquei com cuidado o medo de que aquela sensação de bem estar pudesse escorregar pelos meus dedos.

  Enquanto eu sentia que o medo e o alívio formavam um bolo ácido na boca do estômago, tentei me convencer de que finalmente poderia lidar com os meus próprios sentimentos a respeito de confissões de crimes de um falso assassino e uma possível redução de pena de uma amiga. 

  Quando encarei Sakura e reconheci aquele brilho sarcástico de cumplicidade, uma afinidade muito parecida com aquela que eu tenho com Hinata, detestei o engraçadinho que decidia as regras do destino.

  Oito meses e meio pareciam muito pouco tempo agora.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOO!
Consegui atualizar um pouco mais rápido dessa vez. Espero que tenham curtido o capítulo.
Algumas explicações:
— esse capítulo é um dos últimos, entramos mesmo na fase final da fanfic;
— a ideia era passar um tipo de dualidade, ao mesmo tempo que a Ino consegue descobrir a verdade sobre o que aconteceu com a sua família e levar essa verdade para o resto do mundo, ela vê que pode perder uma amizade logo;
— a aproximação entre GaaIno vai ser bem mais sutil do que dos outros casais.
Talvez ainda rolem mais dois capítulos com a narração da Ino, depois retornamos à visão da Sakura.
Sugestões, críticas, recomendações e outros são bem-vindos. Qualquer dúvida ou erro, me avisem.
Até o próximo!



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