Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 14
Um terço




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Nós podemos ser nós, só por um dia”

             David Bowie

                                                              

  As minhas mãos estavam coladas no volante e pisar no freio foi natural quando alcancei a guia da calçada e deixei o carro em ponto morto; o suor brotou nas palmas assim que minha respiração ficou irregular e mais alta, um gemido escapou dos meus lábios parcialmente abertos quando olhei ao redor.

  Eu queria me mexer, abrir a porta e correr para longe daquele carro, mas parecia que meus membros eram pedaços de carne inertes, sem qualquer serventia e gemi outra vez quando o barulho da chuva acertando a lataria do veículo era o único som que eu escutava. As palhetas do limpador de para-brisas começaram a trabalhar e bati a cabeça contra o encosto do motorista.

— Não é real, não é real — gemi e bati a cabeça com mais força dessa vez. — Por favor, por favor — minha respiração condensou dentro do carro quando senti o cheiro podre, nauseante de carne estragada impregnando tudo. — Não é real — insisti.

  O máximo que consegui fazer foi fechar os olhos quando minha cabeça se moveu para o lado assim que a porta do passageiro foi aberta, eu senti o cheiro de chuva e o vento gelado pinicava a minha pele até a porta ser fechada.

— O que você está esperando, Sakura? Dirija — não contive porcaria nenhuma quando ela me instruiu, a voz melodiosa e um pouco irritada ecoava naquele cubículo de metal e o cheiro dela, aquele cheiro horrível, intoxicava o ar e me desesperei quando escutei a voz infantil:

— Você prometeu que ia dirigir, Saki-Saki — o resmungo birrento do banco de trás me fez surtar de vez.

— Ah, merda, por favor — gemi e meu corpo inteiro ficou ainda mais rígido quando senti as pontas dos dedos molhados dela roçando na minha bochecha e parando no meu ombro. Eu não queria, mas os meus olhos se abriram feito mágica e um par de mãos invisíveis viravam a minha cabeça na direção do passageiro. — Po-Por favor.

— Dirija logo, Sakura — eu via os ossos do rosto se movendo debaixo da carne exposta, o rosto não era a pior parte – os cortes longos e horríveis que se cruzavam como numa costura torta -, aquela massa sangrenta era só a metade da cara amassada dela. Os buracos prateados que serviam de olhos refletiam o meu próprio rosto apavorado. Tem que seguir o roteiro, querida.

— Dirija, Saki-Saki — não era birra, mas ódio cego e assustador que ecoava naquela voz infantil do banco de trás. — Você prometeu, PROMETEU PROMETEU PRO...

* * *

  Levei um tempo até associar que eu estava enxergando o mundo real e só quando a minha cabeça me garantiu de que não havia nenhum par de olhos prateados debaixo da cama, só aí é que eu consegui jogar as minhas pernas duras para fora do colchão e hesitei quando pus os pés no carpete.

  Só percebi que a camiseta larga que eu usava colava nas minhas costas graças ao suor gelado que brotava e que a gola parecia me sufocar quando tropecei e engatinhei até a cômoda. Tateei o chão e avancei, meus dentes batiam uns nos outros e o ar estava entalado nos meus pulmões quando finquei as unhas no chão e depois no puxador da gaveta. Eu ainda tremia quando abri a gaveta e remexia minhas roupas amassadas atrás da cartela de Profaxim.

  Siga o roteiro, querida, siga...

— Por favor — gemi impaciente e eu simplesmente sabia que, se eu esticasse bem o pescoço sobre o ombro, encontraria um par de bolas prateadas à espreita, bem atrás de mim.

  As minhas mãos não pararam de tremer quando revirei toda a gaveta e a escancarei, como se a cartela de Profaxim fosse aparecer por pura força de vontade. Minha garganta ficou seca e meu estômago revirou, numa espécie de pressentimento de que alguma coisa ruim aconteceria comigo, porque eu não encontrava as malditas pílulas.

  O suor brotou e escorreu gélido pela minha testa e pelas minhas costas quando revirei as minhas roupas pela terceira vez, esfreguei os lábios com força e o som da minha respiração alterada era outro fator estressante.

  Siga o roteiro siga o

  A sensação de pânico foi maior ainda quando virei a cabeça para o lado e notei que Hinata estava paralisada na porta, eu sentia os sintomas da abstinência pinicando a minha pele e me deixando irritadiça, agoniada e frustrada ao mesmo tempo e ficando mais intensos debaixo do olhar assustado de Hinata.

— Por favor, eu... E-eu preciso delas, Hinata. Preciso — praticamente implorei quando ela finalmente passou pela porta e a fechou com extrema cautela. Eu não conseguia parar de gesticular e eu senti vontade de chorar quando percebi que a pena surgia lentamente nos olhos perolados dela. — Eu só preciso que... eles parem.

Eles quem? — Então, veio a vontade de rir daquela pergunta e daí outro pico de asco e agonia quando percebi que Hinata estava sendo sincera. — Sakura? — As lágrimas deslizaram pelas minhas bochechas e movi a cabeça na direção de Hinata quando ela insistiu: — Quem são...

(...outros compromissos, sinto muito — o tom cansado na voz dela ainda era o mesmo de horas atrás. Massageou a testa com força enquanto encostava a cabeça na janela do passageiro. — A reunião levou mais tempo do que...

— Como se você desse a mínima para alguma coisa além do seu trabalho — a voz dura interrompeu a mais velha, girou a chave na ignição e pôs as mãos no volante. — Eu só te peço um dia e...

— Alguém precisa trabalhar, Sak...)

— Sakura? — O tom de voz suave de Hinata apertou ainda mais a minha garganta e eu quis inclinar a minha cabeça na sua direção, mas parecia que meu pescoço estava rígido e pesado demais para isso.

— E-Eu não posso continuar...

(...o limpador de para-brisa trabalhava enquanto o carro deslizava pela pista molhada, aquele som – aquele maldito som – a atormentava tanto quanto a voz infantil do banco de trás que insistia:

— Vocês não estão brigando, não é, mamãe? Não é Saki...)

— E-Eu juro, eu... Eu não queria, Hinata, não queria — enfiei as unhas no couro cabeludo e estremeci ainda mais quando a dor irradiava em camadas; meu corpo tremia e a minha voz mal passava de um sussurro enquanto confessava: — Estava escuro, estava tão escuro e ninguém...

(...calava a droga da boca, não. Ela continuava discutindo, argumentando sobre suas incontáveis responsabilidades, sobre o quanto outras pessoas dependiam dela e de como Sakura Haruno agia como uma perfeita...)

— Eu não queria isso — admiti e apertei ainda mais os dedos ao redor da minha cabeça. — Mas eles não param, e-eles nunca param. Eu queria esquecer — cuspi as palavras e a dor no couro cabeludo vinha em ondas mais constantes. — Por...

(...favor, não briguem — a voz assustada do padrasto era apenas um detalhe. Não era mais uma questão de indiretas e apontar dedos, mas de simplesmente jogar toda a merda no ventilador.

— Não me diga o que fazer. Você não é o meu pai — vociferou ofendida e pisou mais fundo para ultrapassar o carro da frente. A sua atenção não estava no velocímetro ou em qualquer outra coisa que fosse, seus olhos grudaram no retrovisor para capturar o rosto surpreso do padrasto em seu campo de visão, quase sorriu, a reação dele parecia uma vitória pessoal e mesquinha.

— O que há de errado com você? Era só uma peça! — A voz da sua mãe se elevou ao seu lado e os nós dos seus dedos ficaram brancos quando virou o volante e alinhou o veículo na pista. — Um dia, você vai descobrir que a vida é dura e nem tudo é...)

— ...justo. Não é justo — murmurei desesperada e encarei Hinata. — Por que eu? Po-Por que eu tinha que sobreviver e lembrar de tudo? — Não era a primeira vez que eu me fazia essa pergunta e também não era a primeira vez que me decepcionava com a resposta.

  A grande verdade: não havia resposta.

(...olha o carro! — foi a última coisa que escutou enquanto as rodas deslizavam e patinavam sem controle sobre a pista molhada. O mundo girou duas vezes quando o carro capotou e logo os gritos pararam. As coisas estavam de cabeça para baixo quando notou o corpo numa posição estranha, funcionando como um tipo de escudo e preso nas ferragens e no vidro.

   O cinto de segurança foi solto e ela rastejou pela janela do motorista enquanto o cheiro de gasolina enchia seus pulmões e o sangue empapava suas costas; ela sentiu a ardência nos antebraços e nas costas quando mancou para longe e olhou para trás, o rastro vermelho a seguia como num desenho de um mapa.

  Os gritos não recomeçaram, nem mesmo quando reconheceu o corpinho atirado na estrada e um braço estava mais longe do corpo pequeno e dilacerado. Não houve berros, nada além da paralisia e do estado catatônico que...)

— Eu preciso que eles parem, Hinata — implorei outra vez e eu não sabia até que ponto não estava alucinando, porque tudo o que eu percebia nos olhos arregalados de Hinata e em suas mãos geladas que seguravam as minhas, era uma pequena dose de compreensão. — Eles... nunca param e... Eu não posso ficar assim.

— Sakura — ela segurou meus dedos e eu precisei de alguns minutos para olhá-la nos olhos. — Quem são eles?

— Eu matei a minha família, Hinata. — Confessei num sussurro estrangulado e o peso dessas palavras era insuportável. Não havia controle emocional ou qualquer tipo de barreira mental que funcionasse, porque eu estava esgotada. — Eu... Eles nunca deviam ter entrado naquele carro. — O soluço terrível e doído que rasgou a minha garganta me fez tremer. — Eu só quero esquecer.

  Eu não me movi quando ela passou os braços pelos meus ombros, me puxou e afagou o topo da minha cabeça, eu estava presa naquela bolha de inércia paralisante outra vez. Estava arrastada naquele mundo catatônico em que havia um carro capotado com dois corpos dentro e um terceiro estendido no meio da rodovia.

  Quando eu finalmente quebrei, Hinata escutou os meus soluços e o meu choro.

* * *

  A tremedeira era parcialmente controlável se eu me concentrasse que estava prestes a conseguir mais Profaxim. Minhas pernas ainda estavam rígidas e eu sabia que Ino me seguia, mesmo mantendo uma distância relativamente boa, mas talvez, ela quisesse que eu soubesse que ela estava ali – no sentido literal da coisa.

  As passadas pelo corredor ficaram mais difíceis quando me aproximei do quarto 107 e eu sentia um comichão agradável nas pontas dos dedos assim que parei diante da porta envernizada. Olhei para os lados - um hábito paranoico - quando bati na porta e escutei o barulho da corrente sendo esticada conforme uma fresta surgia na minha frente.

  Minha língua estava grossa quando consegui falar:

— Shino, eu... Eu preciso de uma dose.

— Não vai conseguir comigo, garota nova — havia uma ponta de ironia no sorriso preguiçoso que puxava os lábios para um lado do rosto. — Nada de entregas quando as auditorias estão acontecendo.

— Eu paguei por essa porcaria — foi a minha resposta e tentei conter a ansiedade que pinicava a minha pele, esfreguei a boca com força e enfiei meus dedos trêmulos dentro do bolso do moletom e dei um passo à frente. — Escuta, eu só preciso de uma dose e, aí sim, eu dou o fora daqui.

  A forma como ele arqueou uma sobrancelha e o repuxar dos lábios naquela porcaria de sorriso sarcástico ajudaram a transformar a ansiedade que eu sentia numa agonia irritável e sufocante, meu estômago embrulhou em pura vergonha quando virei a cabeça e percebi que Ino estava parada no fim do corredor.

  A tremedeira ficou pior quando Shino me avaliou como um médico faria na emergência. Pareceu que aquilo duraria horas, mas não se passaram nem dois minutos quando Shino suspirou e repetiu:

— Nada de entregas, garota nova. Essa é a regra.          

— Foda-se a sua regra. Eu não vou sair daqui enquanto você não me der alguma coisa pra desligar — rebati com esforço, porque parecia que a minha garganta estava inchada e minha língua era feita de lixa. O único pensamento sensato na minha cabeça era que Profaxim resolveria tudo, como sempre havia feito desde o acidente. — Eu tenho que desligar.

  Ele me analisou outra vez e, nesse meio tempo, eu tentava controlar minha respiração ofegante e a manter meus olhos grudados na fresta e na corrente esticada, porque eu não tinha coragem de olhar ao redor e ter a atenção presa em Ino – eu não podia encará-la, não agora.

  Respirei fundo quando Shino esticou a mão pela fresta e agarrei as cinco pílulas de cápsulas azuis, um arrepio de prazer surgiu quando senti a superfície compacta do remédio e outro de puro medo escalou a minha espinha quando Shino apertou meu pulso.

— Cuidado, garota nova. Overdoses são ruins demais pro meu negócio. — Ele mal se movia enquanto enfiava mais as unhas curtas no meu pulso e apertava com mais força; eu precisei de todo o resto de autocontrole para fingir que nada daquilo me afetava, mas eu fedia a medo e nós dois sabíamos disso. — Estou arriscando muita coisa por sua causa.

— Eu vou me lembrar disso.

— Não me procure em auditorias, isso é idiotice.

— Deixar seus clientes em abstinência também é — arrisquei a dizer e, pelos olhos apertados dele, era nítido que eu estava perto de acabar com a paciência dele - e foi exatamente isso o que eu consegui.

  Eu fingi que racionar as pílulas de Profaxim era a coisa mais importante do mundo assim que percebi o olhar intenso de Ino me acompanhando de longe, e ela fingiu que olhou para o outro lado quando tomei a primeira dose.

 * * *

— ...não seria possível... — a voz do Akemi alguma coisa soava apaixonada pelo tema do período e ele continuaria discursando sobre cidadania, até ser interrompido pela sirene estridente que anunciava o fim da sua palestra. — Continuamos na próxima aula.

  Aquilo me arrancou um sorriso irônico e, não pela primeira vez, senti a nostalgia cutucando minha sanidade, comparando as meias conversas nos corredores, os risos genuinamente felizes das garotas e os sorrisos encabulados dos garotos, as infinitas turmas e duplas inseparáveis – como se tudo fizesse parte de uma rotina do ensino médio, e não de um depósito da escória criminosa que nem havia atingido os dezoito anos.

  Não frite seu cérebro com isso, querida. Não se dê ao trabalho. Você não é como eles, não é? É Sakura Haruno, a grande

  A quarta pílula de Profaxim desmanchou na minha boca e o gosto amargo me fez tremer em puro prazer; enfiei meus pertences na mochila, da mesma forma mecânica como havia feito nos últimos três dias, seguindo o roteiro e acabando com o estoque de Profaxim quando eu sentia que estava perto de ver meus velhos fantasmas.

  A grande diferença, agora, era que eu participava mais das conversas com as meninas, as acompanhava o máximo de tempo possível e continuava a fingir que nada havia acontecido, que eu não havia desmoronado. Porque, dessa vez, eu tinha medo de mergulhar naquelas memórias e não escapar nunca mais.

  Ah, minha querida, minha querida... Será

— Você fica linda assim — pisquei confusa e as unhas da minha mão esquerda ainda estavam afundadas na lateral da minha testa, como se fossem arrancar aquelas malditas palavras do meu cérebro traumatizado. — É sério, eu... — franzi o cenho quando encarei Sasuke e ele pareceu encabulado, sorrindo um pouco tímido ao me encarar. — É a verdade.

— Ah, eu... — mordi o lábio inferior e massageei a testa. — Eu... tenho que ir.

— Se você quiser, a gente pode fazer alguma coisa — ele soou apreensivo e prestei atenção na maneira como ele mexia o cabelo e os cantos dos lábios insistiam em formar um meio sorriso.

— Como o que, por exemplo?

— Eu não tenho a mínima ideia, Sakura — ele deu um passo à frente e estiquei um pouco o pescoço assim que encostei a ponta da minha bota no tênis surrado dele. — É meio que uma desculpa pra continuar perto de você.

— As suas desculpas não são muito boas — respondi e senti que eram os meus lábios que formavam um meio sorriso debochado, natural. Os olhos de Sasuke eram divertidos enquanto me analisavam e senti que não conseguia parar de sorrir, feito uma adolescente. — O seu flerte não é muito bom também.

— Desculpe, senhorita Sakura. Acho que eu devo pedir direito, então — ele sorriu abertamente e senti minha garganta travar. — Eu senti mesmo a sua falta e... Só saiba que você pode contar comigo.

  O silêncio se instalou e quando nós dois continuamos a nos encarar, eu realmente quis que não estivéssemos ali pelas razões ruins; ele encurtou um pouco mais a distância e alisou minha bochecha, os olhos escuros não se desviaram dos meus e fechei os olhos, e me permiti sentir bem.

— Não dá — murmurei agoniada quando ele tocou a minha nuca, parecia que a ponta da cicatriz queimava debaixo dos dedos de Sasuke e me afastei. — Eu... tenho que ir — repeti e agarrei a alça da mochila, como se aquilo fizesse o nó na minha garganta sumir.

— Sakura — ele segurou meu pulso com delicadeza e mordi o lábio com força, porque eu tinha medo do quanto a minha pulsação estava frenética e de como a minha nuca formigava e como parecia que as vozes críticas e de acusação na minha cabeça sumiam quando Sasuke se aproximava daquele jeito. — Você pode confiar em mim.

  Meu coração batia descompassado e não consegui desviar os olhos do rosto ansioso de Sasuke quando senti as pontas dos dedos acariciando meu pulso, o toque era leve e oscilei entre me agarrar às minhas barreiras e meus fantasmas e a acreditar que a pessoa em quem eu havia me tornado também era boa e capaz de viver.

— Eu não sou boa em confiar nas pessoas, Sasuke.

— Eu sou um terror, também — ele emendou e senti sua hesitação, sua respiração irregular quando ele inclinou um pouco mais a cabeça na minha direção e seus dedos se entrelaçaram nos meus. — E sou péssimo em flerte e você não é boa com desculpas, então a gente forma uma boa dupla, não acha?

— Você fala muito — minha voz tremia um pouco e o sorriso que moldava meu rosto era natural, estupidamente natural, porque não eram aquelas as palavras que eu queria dizer. Abri minha mochila e arranquei uma folha de papel, rabisquei a frase enquanto minha mão tremia e o sorriso idiota continuava lá.

— Está marcando o nosso encontro? — Amassei o papel até formar uma bolinha e a coloquei na palma da mão dele; eu sentia seu olhar intenso durante o processo.

— Vai se ferrar, Sasuke — resmunguei bem-humorada e ele ergueu uma sobrancelha, a droga do sorriso aumentava quando precisei erguer a cabeça para enxergá-lo.

— Isso é um sim? — Ergui os ombros, me divertindo com sua expressão curiosa e me afastei antes que a voz acusatória gritasse outra vez.

  Os meus lábios continuaram repuxados e minhas bochechas ardiam quando puxei um pouco o capuz e mantive as passadas largas e rápidas e, quando espiei o caminho pelo canto do olho, reconheci Matsuri pela silhueta longa e de postura arrogante encostada na parede. A piscadela que ela me lançou trouxe à tona todas as camadas de paranoia que eu havia erguido cuidadosamente desde o julgamento.

  A sensação de estar sendo observada não diminuiu, mesmo quando dobrei o corredor e andei o mais rápido que pude até o pátio.

* * *

  A auditoria era, basicamente, uma inspeção cheia de frases de efeito e promessas típicas de políticos sobre melhorias na estrutura, alimentação e redução de pena proporcional às avaliações do corpo docente – essa era a expressão usada. “Nos ajude a te ajudar” estava escrito nas testas brilhantes dos assessores e da prefeita que discursava há pouco mais de 40 minutos sobre o tablado montado às pressas pelos funcionários daqui.

  Nosso corpo docente estava reunido na frente do tablado, como peças numa vitrine, os rostos indiferentes e alguns com olhares irritadiços, fuzilando qualquer um que estivesse em seu campo de visão.

— ...vamos ajudar vocês a serem livres e cidadãos outra vez. Eu acredito nisso. — Eu imaginava a prefeita treinando aquelas palavras, abaixando os olhos para o texto impresso em suas mãos bem cuidadas e piscando os cílios perfeitos enquanto fingia dar a mínima para adolescentes criminosos. — Vocês estão aqui para serem pessoas melhores e para se redimirem dos...

  Eu tive vontade de vomitar - como qualquer pessoa com bom senso - então dei meia volta e empurrei parte dos internos até sair do pátio e fiz o caminho até a biblioteca o mais rápido que minhas pernas permitiam.

  Suspirei aliviada quando empurrei uma das portas duplas da biblioteca, mas travei quando escutei a voz estrangulada e chorosa de Gaara:

— Você não sabe, porra! Ela está viva! — Ele berrou e escutei seus passos duros; eu ia dar meia volta e fechar a porta quando ele completou: — Então, tudo isso foi por nada? Aguentar todos esses dias longe dela... mentir e...

— Até onde a gente sabe, você não trouxe provas — franzi o cenho com a interrupção de Naruto.

— Será que vocês não conseguem raciocinar por que uma clínica mandaria relatórios mensais sobre uma garota em coma?! Sério mesmo? — A voz irritada de Sasuke não abafou os passos de Gaara. — Eu sinto muito, mas a sua irmã está morta, Gaara.

— Você não sabe — ele repetiu. — Eu... Eu fiz a coisa certa e Temari está bem.

— Não, ela não está! Ela está morta! — Sasuke gritou de volta e eu o imaginei atravessando a biblioteca, agarrando Gaara e o chacoalhando com força. — Você precisava saber, você... — A voz dele diminuiu e senti outro nó, mais apertado do que o anterior, na minha garganta.

— Saber do que? Que eu menti pra todo mundo, e que eu... Merda! — A voz agoniada de Gaara prendeu a minha atenção, o choro estrangulado dele me fez sair dali o mais rápido possível, forcei minhas pernas duras a dar meia volta e marchar pelo corredor.

  As infinitas possibilidades sobre até que ponto Gaara poderia ter mentido para manter a irmã em segurança não paravam de fazer a minha cabeça girar porque, por um minuto muito louco, eu havia considerado que, talvez, a mentira dele envolvesse Ino.

  Vamos lá, querida, faça as contas: um rapaz desesperado, uma irmã com a saúde risco, uma boa grana para assumir uma coisa aqui, outra ali... Ele bem que poderia ser ino-

  Senti meu estômago embrulhar assim que esbarrei em Ino, bem ali, a meio caminho da biblioteca. Meus dedos formigavam quando ela franziu as sobrancelhas e me encarou.

— Ei, Ino, vamos fazer alguma coisa? — Cuspi as palavras com um sorriso idiota no rosto, pus um braço no ombro dela e a guiei para longe dali. — A Hinata está no quarto? A gente pode tomar um porre ou dar uma volta.

— Está tudo bem mesmo? — Ela estreitou os olhos e meu estômago embrulhou mais quando a mentira saiu prática, bem treinada:

— Claro. Por que não estaria?

 


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOO!
Dois mil anos depois, cá estou. Espero que não tenham desanimado da fic nesse meio tempo, apesar da grande demora.
Reescrever a maneira de contar o passado da Sakura foi difícil para mim, pois velhos hábitos custam a morrer. Tentei passar o máximo possível do espírito da primeira versão e o capítulo fluiu nesse sentido.
Estou me organizando com muitas coisas, então, acabei deixando a fic de lado por questões emocionais. Muita coisa rolou, daí a demora.
Espero que tenham gostado e agradeço a todos que comentam a fic. Qualquer dúvida, crítica, recomendação e afins, cá estou.
Até o próximo!
o/



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