Puxo ar para meus pulmões enquanto meus dedos agarram alguns de meus fios.

Mentiras, mentiras, mentiras.

Quantas mais ainda iam aparecer?

-Meu corpo é de um demônio e minha alma de uma Guardiã – consigo pronunciar – Leon me salvou do acidente no avião e me deu de presente para os anjos.

-Você sempre foi deles – ele me explicou sério – Pensei que tinha sido um milagre ou mesmo erro de calculo meu, já que não era pra ninguém sair vivo daquele acidente.

Olho diretamente para ele.

-Por que um corpo de demônio é tão cobiçado? – pergunto não dirigindo a pergunta a alguém diretamente.

-De forma simples, corpos de demônios são os mais fortes e poderosos existentes – Wade respondeu pensativa – E é cobiçado pela maioria dos deuses de terceira linha ou mesmo de segunda.

-Entendo – mordo meu lábio inferior – Foi por isso que vieram me matar ou foi porque fiz o acordo.

-Nem uma coisa nem outra – Seth se intrometeu – Pensávamos que fora Sean que fez o acordo levado às circunstâncias. Viemos, a saber, da verdade depois que Cassiel interveio.

-Agora que sabem a verdade irão me levar para os Guardiões...

-Temos que te proteger deles e de quem mais vier – Dythan me cortou encostando a cabeça na parede.

-Mikelly é o suficiente – argumento voltando meu olhar para ela que detinha uma expressão nada relaxante no rosto – O que houve, Mike?

-Ela não é mais sua Protetora – Leon respondeu solene – Foi designada para cuidar de uma outra pessoa.

-Por que? – pergunto perplexa – Ela deveria me proteger.

-Desde que você não estivesse envolvida com os Guardiões – ele frisou pondo as mãos dentro no bolso do casaco – Anjos não se intrometem nos assuntos deles, ou seja, você está indefesa caso apareça algum Guardião agora.

-Só que Leon cuidará de você – ela diz pondo sua mão na minha coxa.

-Não! – nego sobressaltando-me – Dythan?

-Deus da Felicidade – o romeno disse entediado – Não vai conseguir ver perigo nem que esteja no nariz dele.

-Isso muito me comove – ele satirizou seco.

-Seth? – viro-me para ele.

-Ocupado demais indo de hospital em hospital – Leon argumentou novamente.

-Wade? – minha última esperança.

-Não vai querer ela te protegendo – ele argumentou novamente dando um bocejo.

-Obrigada Sebastian – ela disse por entre os dentes antes de se voltar para mim – Não tem muita escolha, Angelique. Sebastian pode sentir o perigo a quilômetros de distância e pode resolver tudo sem te machucar.

-Mas ele me odeia! – exclamo gesticulando para ele.

-Te odeio? – ele indagou cético – Posso não ser seu maior fã, mas ódio nem pensar.

-Ah não? – indago retórica – Matar toda a minha família e agir como um grosso comigo, não é me odiar?

-Acho melhor deixar eles a sós por agora – Eva sugeriu já desaparecendo.

-Não – nego vendo os outros seguirem para a porta – Não há necessidade de saírem.

-Na verdade há sim – Seth disse nos olhando alternadamente – Se irão ficar juntos, terão que se entender agora. Entendiam-se antes, por que isso agora?

-Nunca me entendi com ele – replico séria.

-Nisso ela tem razão – Dythan concordou.

-O caso é que vocês precisam deixar as desavenças de lado – Wade intrometeu-se – Lavem logo a roupa toda.

Sem chance de qualquer protesto meu eles saem do meu quarto deixando-me sob o olhar de Leon que me assustava.

-O que pretende dizer ao seu favor? – pergunto cruzando os braços.

-Sobre o que? – ele respondeu voltando seu olhar para a janela – Não me arrependo de nada do que fiz.

-Mesmo? – indago sarcástica – Bom saber que não passei de uma pecinha irritante que ficou em seu caminho.

Ele retorna seus olhos acinzentados para mim.

-Te entreguei aos cuidados de quem você merecia – ele explicou sem emoção – Ou queria mesmo se tornar serva de Sean?

Pisco meus olhos atordoada.

-É o trato que tínhamos, as almas ou serem que sobreviviam dos acidentes que provoco deveriam ser enviadas a ele – ele continuou sem emoção ainda – Um trato que quebrei justamente na pessoa que ele mais ama.

Engulo em seco absorvendo aquela mais nova noticia.

-E isso o fez odiá-lo? – conjeturo estreitando minhas sobrancelhas.

Ele deu um suspiro.

-Basicamente sim – ele deu de ombros – O caso é que terei que fazer o sacrifício de proteger você.

Lá vamos nós de novo.

-Te libero do sacrifício então – digo saindo da cama sentindo uma leve dor nas costelas.

Maldito Raphael.

-Deveria continuar deitada – ele aconselhou sério.

-Agora se importa – digo ríspida indo para meu guarda-roupa – Para sua informação não preciso da sua ajuda. Sou uma Guardiã, correto?

-Não é mais – ele replicou suave. – Suas memórias já eram, tais como suas habilidades. Apenas sua alma é de uma Guardiã.

Uma pequena lâmpada se acendeu na minha cabeça.

-Eva me mostrou o momento exato que fiz o trato – digo virando-me para ele – E era certo que não havia como ninguém vir atrás de mim ou mesmo acordar Sean. Como conseguiram, então?

A expressão no rosto dele se tornou indecifrável.

-Alguém nos disse – ele respondeu solene – Tal como alguém acordou Sean e começou esse rebuliço todo.

-Quem foi? – pergunto ansiosa dando um passo na sua direção.

-Se soubéssemos já estaríamos longe de você há tempos – ele respondeu sério me encarando.

-Então é isso – reflito baixando meus olhos para o piso – Estão atrás de quem acordou Sean e avisou os anjos de mim...

-Não entenda mal – ele me cortou.

-Não entender mal? – indago descrente – Você matou minha família, me jogou como lixo para os anjos, deixou que eu morresse e agora vai me deixar novamente. Por acaso quem pediu para ser salva por você!

Ele deu um passo na minha direção.

-Eu nunca quis salvar você para inicio de conversa – ele disse lentamente – Só que também não queria que morresse.

-Não me parece – replico cruzando os braços.

-Sua opinião não me afeta – ele rebateu examinando-me – Sean foi atrás de você, queria que eu fizesse o que?
-Que estivesse lá – respondo o fitando – Vi em meus olhos naquela hora, que contava que pelo menos daquela vez contasse com seu apoio. Só que ele não veio e advinha o que isso gerou?

Ele permaneceu em silêncio enquanto novamente dou um passo na sua direção sentindo meu corpo inteiro dolorido.

-Raiva – respondo por entre meus dentes – Você me odeia e olha que bom o sentimento é recíproco.

-Já avisei que não te odeio – ele disse suave, mas havia uma nota de tristeza em sua voz?

-Não acredito – replico séria – Por mais que não queira admitir, você me o-d-e-i-a.

Ele deixou um sorriso sem humor escapar de seus lábios.

-Quer saber a verdade? – ele perguntou retórico – Apenas não me sinto normal quando tenho que lidar com você.

-Do que está falando? – pergunto olhando-o confusa.

-Quero dizer que você me faz perder a compostura – ele respondeu pesando cada palavra – E um deus como eu não deve ter esse erro.

Abro minha boca para replicar, mas nada sai dela.

Afinal posso dizer que ele está enganado?

Sinto a dor aumentar nas minhas costelas o que me faz procurar por seu apoio.

-Continua teimosa como sempre – ele resmungou me colocando em seus braços e levando-me para minha cama – Descanse por essas horas. Logo estará irritante como sempre.

Acerto em cheio um tapa em seu rosto o que faz com que me olhe abismado.

-Minha raiva foi toda despejada – conto em meio a uma tossida – Só que ainda não ficamos quites.

-Nunca ficaremos – ele decretou saindo do meu quarto logo em seguida.