-Você tinha que ficar de olho nela – ouço Mikelly repreender alguém.

-Desculpe – Leon disse num tom irritado.

-Esqueçam isso – Wade disse num tom sério – Precisamos descobrir porque Raphael veio atrás dela.

-Acho que isso é óbvio – Seth disse com escárnio.

-Para mim não é – digo ainda mantendo meus olhos fechados por mais dois segundos – Quero explicações e de preferência agora.

Ajeito-me na cama, sentindo dores em meu tórax e vendo que boa parte de meu corpo está enfaixado.

-Consegui cicatrizar alguns ferimentos e cuidar de outros, mas sentira algumas dores enquanto melhora – Seth me explica.

-Por acaso é o Deus da Cura? – indago meio sarcástica.

-Ganhou na loteria – Leon satirizou.

Formo uma careta para ele que apenas me olha gélido. Retorno meu olhar para os demais.

-Quem vai me contar o que está havendo? – pergunto aleatória.

Um silêncio e seriedade percorrem cada rosto enquanto cruzo os braços.

-Raphael veio atrás de você não conseguimos chegar a tempo – Dythan respondeu dando de ombros.

-Isso eu já entendi – digo com rispidez – O caso é que ele disse coisas interessantes e quero saber por que ele quer o meu corpo.

-Porque é o corpo de um demônio – Leon conta rapidamente.

-Leon! – Mikelly o recrimina.

Abro minha boca, mas não consigo emitir nenhum som. Enquanto minha irmã despeja uma serie de broncas para cima do romeno que fica escutando fazendo uma careta.

-Me expliquem – consigo pronunciar, chamando atenção de todos.

-Explicar o que? – Mikelly indaga – Sobre seu corpo ser de um demônio?

-Pensei que eu fosse humana – digo pausadamente – Como consegui esse corpo?

-Quando desceu ao inferno – Wade começa – Teve que se livrar de algo para pagar o pedágio. Você escolheu dar o seu corpo pensando que sairia de lá novamente sem problemas, só que não foi bem isso que aconteceu...

-Eu assumo daqui, Água – Eva disse materializando-se ao lado de Seth. –Nem ousem discutir comigo.

Todos se entreolham antes de assentirem com a cabeça. Ela volta-se inteiramente para mim estendendo sua mão.

-Vamos fazer uma rápida viagem – ela esclarece enquanto minha mão alcançava a sua.

Sinto apenas uma leve pressão sob meu corpo e tudo muda de ares. Eva me enlaçava pela cintura enquanto caminhávamos por cima de uma ponte deixando que eu visse o mar vermelho escalarte abaixo dela que não me dava nem um pingo de paz.

Volto meu olhar para frente, vendo o céu avermelhado com poucas nuvens negras, um castelo emergia-se dentre as casinhas rústicas que relembravam as da Idade Média até mesmo as pessoas que passavam por entre nós vestiam-se de maneira antiga. Tudo era antigo.

Ouço gritos vindo do leste agudos e torturantes, vejo uma espécie de portão o que me faz franzir a testa por me ser familiar.

-Aquela é a entrada para as prisões do submundo – Eva me explica enquanto passamos por entres as pessoas que tinham cada uma olhos de cores esquisitas – E estas pessoas são demônios.

-Bom saber disso – digo sarcástica – Para onde estamos indo?

-Iremos ver Cassiel – ela respondeu erguendo-me e transportando-nos para uma sala.

Isso se eu conseguir caracterizá-la como uma, já que parecia mais um salão decorado ricamente com quadros que retratavam as mais diversas cenas sombrias ou mesmo alegres, o grande lustre que pendia do teto iluminava praticamente tudo dando as paredes douradas um ar meio clássico e irreal.

Deixo meus olhos recaírem sobre o homem que entrava impregnando o ar com sua opulência, poderio.

Ele tinha o cabelo mediano, liso e branco enquanto sua pele pálida revestia o corpo alto e musculoso que possuía uma estranha tatuagem no peito. As sobrancelhas eram espessas que lhe davam um ar duro combinados com os olhos negros e vermelhos ao mesmo tempo deixando-me ainda mais submissa a sua superioridade.

Puxo finalmente o ar para meus pulmões vendo-o caminhar deixando sua “saia” longa toda esfarrapada com uma grande fita ao redor de seus braços arrastar-se pelo chão enquanto ele sentia a frieza dele sob seus pés descalços.

-Cassiel – consigo murmurar tendo a confirmação de Eva depois.

Entrando por uma outra porta é uma mulher simplesmente belíssima com um manto branco com detalhes em dourado, trazendo pendida em sua cintura esbelta uma espada.

Demoro meu olhar nela o suficiente para me lembrar que era parecida comigo em alguns traços, a cor do cabelo, os olhos, a pele...

-Angelique – Cassiel se pronunciou com solenidade – Que surpresa vê-la aqui.

Sinto minhas pernas me deixando na mão enquanto absorvo a noticia de que era eu que estava na frente do Senhor do Inferno e não parecia nem um pouco comigo.

-Cassiel – eu digo, melhor, Angelique disse – Quero um favor seu.

-Não presto favores para Guardiões – ele disse sério enquanto se sentava no grande sofá de veludo marrom no extremo leste.

Olho para Eva que apenas fecha os olhos enquanto retorno a olhar a dupla.

Eu realmente sou uma guardiã?

-Cassiel – ela disse suave – Temos um problema aqui.

-Que problema? – ele perguntou a encarando.

-Um anjo desceu até aqui – ela respondeu solene – E o quero de volta.

O deus solta um sorriso de descrença.

-Um anjo? – ele sibilou – Se tivesse algum por aqui eu seria o primeiro a informar vocês.

-Não quando se trata de um Serafim – ela explicou séria – Preciso caminhar pelo inferno atrás dele, mas não consigo.

-Claro que não consegue – ele replicou – Se continuar um pouco mais aqui embaixo acabara tendo problemas não apenas com seu corpo como sua alma também.

-Estou ciente disso – Angelique reforça – Tenho que levá-lo a Tribuna para que seja executado e não posso voltar sem ele.

-Enviarei alguns demônios para ajudarem-na – Cassiel disse pensativo – Acredito que seu tempo deve ser de apenas uma hora para que tenha que voltar ao mundo Superior.

-Devo acreditar que é tempo o suficiente para achá-lo – ela disse confiante.

-Espero que sim – ele confessa – Uma Guardiã não é das mais fáceis de se encontrar por aqui.

-Sei disso – ela replica seca virando-se para sair – Até mais, Cassiel.

Respiro recuperando a calma antes de Eva pegar meu pulso levando-me para algum lugar que tinha temor em saber qual era.

As imagens passavam como borrões por nós até que voltamos novamente para a sala só que dessa vez em de ser eu era Sean e parecia desesperado.

-Onde ela está? – ele perguntou esbaforido.

Cassiel olha-o de cima abaixo antes de fechar o livro que lia, depositando-o ao seu lado.

-Acalme-se – ele pediu – E Angelique está em estado critico no momento.

Sean desaba no chão com as suas faixas pedantes deixando que eu visse suas cicatrizes.

-O que pode ser feito por ela? – ele perguntou meio atrapalhado.

-Não sei – o Deus respondeu erguendo-se – Ela foi teimosa em querer ficar mais tempo por aqui, Guardiões não conseguem suportar a pressão do submundo e bem ela está delirante chamando cada vez mais pelo Caos.

A cara de Sean é tomada de fúria.

-E onde ele está que não está cuidando dela? – ele esbravejou levantando-se.

-Ele é o responsável por ela ser uma Guardiã – Cassiel explicou impassível – É normal que ela o chame.

-Não é! – Sean exclamou – Ele apenas a deixou largada para os anjos cuidarem, nunca se importou com ela, em saber como estava, como se sentia. Ele pode ter a resgatado daquele acidente de avião, mas não passa de um idiota patético.

-Cuidado com o que diz – Cassiel alertou num tom assustador – Lembre-se de qual é o seu lugar, Dor.

-O que pode ser feito por ela? – ele perguntou num tom tristonho.

-Nada – Cassiel respondeu dando de ombros – Ela morrerá dentro de algumas horas e depois o resto fica a encargo de seus parceiros.

Sean passa as costas das mãos em seus olhos que já começavam a derramar lágrimas. Cassiel o olha por um segundo antes de suspirar.

-Você a ama muito não? – ele indagou suave, mas tenebroso.

-Mais do que minha própria existência – Sean confirmou – Quero-a de volta, não importa o meio.

-Um pacto possivelmente salvaria a vida dela – Cassiel pensou alto olhando de soslaio ele – Quer tentar?

-Claro – ele concordou prontamente – O que deve ser feito?

-Eu posso selecionar um corpo para abrigar a alma de Angelique – Cassiel respondeu – Só que possivelmente ela não conseguirá agüentar a pressão de tudo...

-E onde é o problema? – Sean perguntou ansioso.

-Seria melhor que dividisse o corpo com ela – ele respondeu solene, mas noto um pouco de prazer na sua voz – Em compensação a tudo isso ela perderá qualquer vestígio de ter sido uma Guardiã, toda sua vida até aqui, começara do zero e você não terá controle do corpo e da mente dela até que alguém o acorde. Fui claro?

-Mais que a água – Angelique disse encostada na porta com alguns fios colados em sua testa e uma aparência horrível, mas mesmo assim cativante.

-Selena – disse Sean indo ao encontro dela abraçando-a – Deveria estar descansando.

-E você não deveria estar aqui – ela o censurou – Aiden o matará quando tiver a oportunidade.

-Não podia deixá-la morrer – ele se explicou a olhando nos olhos.

-Não pedi que viesse – ela replicou – Se Aiden não te matar, Leon irá.

-Ele nem aqui está! – ele exclamou recebendo um olhar irritado dela – Por que continua defendê-lo? Ainda senti algum carinho por ele?

-Ele salvou minha vida. Queria o que? – ela perguntou retórica – Quero que volte para seu lugar.

-Não – ele negou-se balançando a cabeça – Morreria se a deixasse, eu te amo Selena.

Ele cola seus lábios aos dela enquanto Cassiel assistia a cena divertindo-se amargamente. Sinto como se meu estômago estivesse começando a se retorcer diante de tudo aquilo.

Não poderia acreditar em tais coisas, na verdade, não queria acreditar.

-Por favor - ouço Sean sussurrar – Fique comigo.

Angelique pega as mãos dele e o encara meio séria.

-Não posso fazer isso – ela decretou voltando-se para Cassiel – Quero o corpo.

-Não agüentara a pressão – Cassiel alertou.

-Eu divido o corpo – Sean se prontificou.

-Vai acabar sendo caçado por quebrar a lei – Angelique avisou severa.

-Vou fazer de tudo o possível para que fique viva – ele decidiu sério.

Ela o olha pensativa antes de assentir com a cabeça.

-Vamos com isso – ela disse voltando-se para Cassiel – Eu faço o pacto e com todas as considerações.

-Muito bem – ele concordou dando um meio sorriso – Sabe o que isso implica para você.

-Serei caçada que nem um rato – ela explicou seca – Por meus próprios companheiros.

-Mesmo assim está disposta a continuar?

-Não vou repetir duas vezes – ela replicou – Vai ser uma nova vida para mim no final das contas.

-Então – ele juntou as mãos – Estamos acertados.

Fecho meus olhos por um segundo e quando os abro já estou no meu quarto novamente com todos ao meu redor e Leon bem na minha frente com a mascara de frieza que ainda não tinha me acostumado.

-Temos algumas coisas para acertar – Wade se pronunciou ao meu lado.