Estilhaços escrita por Yokichan


Capítulo 2
02 - Sonho de Natal.


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos à minha noite de Natal. q



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/111588/chapter/2

às luzes da melancolia

- Quanto tempo falta? – perguntei.

            Sentada no meio-fio da calçada gelada, eu abracei as pernas encolhidas e encarei o celular equilibrado sobre um de meus joelhos. As copas das árvores fincadas no cimento dançaram com o sopro da noite, e suas sombras disformes agitaram-se sobre mim. Ao meu lado, uma garrafa de rum me fazia companhia.

- Quanto tempo falta para o quê? – a voz dele veio saiu do celular.

- Para a meia noite.

            Um momento de silêncio, e um sorriso nascendo em meu rosto.

- Dez minutos.

            Dez minutos para o Natal. As luzes piscavam por toda a parte no escuro, a música se espalhava pela noite, o calor vinha através do hálito pesado carregado pela brisa, risadas indistintas desciam pelas janelas dos apartamentos e se perdiam ao encontrar o chão. Havia tanta luz, tanta alegria, tanta champagne... Mas não havia ele, que era tudo o que eu queria.

            Entornei a garrafa de rum contra os lábios e goles quentes arranharam minha garganta. Havia algo bem mais forte arranhando as paredes internas de meu coração, algo pesado e doloroso chamado Saudade.

            O vidro do fundo da garrafa brigou com a pedra da calçada quando eu a larguei.

- Que barulho é esse?

- Nada. – afundei a mão no cabelo.

- Está bebendo? – ele insistiu.

- Que droga. – suspirei. – Não acredito que isso está acontecendo de novo.

- Isso o quê?

- É mais um Natal. – silêncio. – E a gente continua sem se ver.

            Meus olhos se perdiam nos paralelepípedos escuros da rua, mas minha mente estava bem focada nos planos que eu havia construído para aquele momento, caso ele estivesse ali. Eu engancharia meus braços no seu, e assim, caminharíamos sob os arcos de luz da rua principal. Haveriam sorrisos em nossos rostos. O meu emocionado; o dele debochado. Nos sentaríamos sobre a grade ao redor do chafariz da praça e ficaríamos olhando para o céu salpicado de estrelas. Eu não precisaria de mais nada, porque ele estaria comigo.

- Eu queria estar com você agora. – ele disse. – Queria estar com você o tempo inteiro.

- Ah... – e desta vez o suspiro saiu carregado de angústia.

- Mas que se foda.

- Que se foda? – arqueei as sobrancelhas com desdém para o celular.

- É. – tive certeza de que ele estava sorrindo.

- Odeio isso em você. – revirei os olhos. – Idiota.

            Do outro lado da linha, ele gargalhou. Entornei a garrafa novamente, e agora o gosto do rum não parecia mais tão forte. Qual era o problema com aquilo? Qual era o problema comigo? Por que quando todos estavam comendo peru e sorrindo uns para os outros, eu estava sentada naquela calçada suja enchendo a cara? Por que as luzes de Natal me entristeciam, embora fossem tão lindas? Eu poderia ficar ali, admirando-as por toda a madrugada, mas alguma coisa me dizia que eu não conseguiria manter os olhos abertos por tanto tempo.

            No condomínio às minhas costas, as pessoas elevaram as vozes e começaram a contagem regressiva para a meia noite. Que patético, nem era virada de ano. Cinco, quatro, três.

- Ei? – ele chamou.

            Dois. Um. E então, os gritos e as risadas. Os foguetes brilhando no céu.

- Feliz Natal.

            Meus olhos encheram-se de lágrimas, e eu precisei de muito esforço para prender um soluço que correra até a metade da garganta, e engoli-lo de volta. Não, eu não teria um feliz Natal. Eu estava sozinha. Como aquilo poderia ser bom?

- Eu te amo. – consegui dizer.

- Eu também te amo.

            Ah, que se dane. As lágrimas simplesmente jorraram, os soluços vieram, meu estômago se comprimiu e todos os músculos de meu corpo se enrijeceram naquele ritual. Minha boca com cheiro de rum se abriu em um quadrado assustador e eu chorei. Chorei como uma criança, copiosamente.

            Que droga, que droga, que droga. Por que eu não podia tê-lo ao meu lado, se ele era o que mais importava naquela bagunça louca que chamam de vida? Por que eu precisava amar alguém que sempre esteve tão longe? Por que eu nunca fazia as coisas certas?

            O celular deslizou de meu joelho para o chão e eu afundei a cabeça entre os braços, soluçando e gemendo na solidão da rua iluminada. Às vezes, a dor e o desespero precisavam sair de debaixo dos panos e se mostrarem, e quando isso acontecia, a angústia, a saudade, a solidão e o medo sempre eram os convidados de honra. Nenhuma máscara de felicidade dura vinte e quatro horas por dia, nenhum sorriso é sincero para sempre, nenhum disfarce oculta completamente aquilo que queremos encobrir. E então, a verdade acaba encontrando brechas para sorrir à luz.

            Durante muito tempo, o celular permaneceu caído aos meus pés. Eu não soube se ele havia permanecido ali, escutando meu choro angustiado em silêncio, ou se havia simplesmente desligado. Quando a última gota de rum finalmente se foi da garrafa, eu peguei o celular de volta.

Ele não estava mais ali.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews? *-*



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Estilhaços" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.