Estilhaços escrita por Yokichan


Capítulo 3
03 - Heron.


Notas iniciais do capítulo

Nota: O "ele" de quem eu falo nesse capítulo, não é o mesmo "ele" do capítulo anterior. Então, por favor, não se confundam. São pessoas diferentes.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/111588/chapter/3

ao passado que sempre volta

            Em um descuido, eu agarrei-me a uma falsa certeza de que ele jamais voltaria. Estava tudo acabado, não estava? As últimas palavras haviam sido ditas, as mais dolorosas. “Você não é nada pra mim. Não senti nada por estar aqui hoje. Nunca mais quero saber de você na minha vida, nunca.” Elas haviam sido cuspidas sobre meu rosto. Não houve emoção da parte dele, não houve amor, não houve dor, não houve sentimento algum. Enquanto minhas esperanças eram quebradas, uma a uma, eu só recebi sua frieza descomunal e uma tranquilidade inumana.

            Eu ainda sinto o nó na garganta quando lembro das coisas que ele disse.

            Eu ainda sinto os olhos arderem.

            Mas agora, eu não choro mais. Eu aprendi a suportar a dor, a escondê-la.

            Eu devia saber que acreditar em ilusões não resolve nada. Nunca resolveu. É apenas um escape temporário para o sofrimento, uma fuga para qualquer canto iluminado onde você pode esquecer o que quer que seja por algum tempo. Mas a luz sempre apaga, ela não dura para sempre. Então, toda a sombra que você pensou que havia deixado para trás retorna e o pandemônio começa outra vez. Os fantasmas voltam.

O meu fantasma voltou.

Havia um sorriso sádico em seu rosto pálido, como se ele soubesse que eu havia me enganado mais uma vez. Que eu havia fantasiado um fim para aquilo tudo, que eu havia me agarrado pateticamente a um mundo bonito apenas para vê-lo desmoronando. A verdade estava ali, brincando comigo. Se ele não sentia nada por mim, por que havia voltado? Se ele havia jurado nunca mais querer saber de mim naquela vida, por que estava ali? Por que ele havia retornado? Se era uma piada, eu não conseguia compreender.

Eu ouvi suas desculpas, ouvi seus argumentos, mas não havia explicação para o que ele havia feito. Nada no mundo justificaria, por mais que o tempo passasse, nada poderia apagar o que eu ainda sentia. Eu não podia perdoar, não conseguia perdoar. Nada seria como antes, eu não o amaria como antes, o tempo não volta para que possamos corrigir nossos erros. E ainda assim, algo em mim estava feliz por ele ter voltado.

Meu príncipe das trevas estava ali depois de tudo, e eu não consegui dizer adeus. Eu não quis que ele fosse embora, embora para nunca mais voltar. As palavras estavam entaladas em minha garganta, mas eu não tinha força o suficiente para fazê-las sair. “Eu não quero você aqui. Vá embora, para sempre.” Eu não fui capaz de dizer, não fui capaz de fazê-lo sofrer como eu havia sofrido, do mesmo modo frio e calculista como ele havia feito comigo. Por quê? Por que eu não consegui?

Por que não disse que havia suportado viver sem ele, embora fosse doloroso?

Por que não disse que estava melhor assim, apesar de lembrar dele todos os dias?

Por que não disse que estava conseguindo esquecê-lo, mesmo que fosse mentira?

Por que eu não... Por que não admiti que ainda o amava?

É algo doentio, não? Ele sempre disse, viver de passado é doença. E ainda assim, aquele amor não havia sido morto com o passar do tempo, nem com as palavras que me endureceram por dentro, nem com a ausência silenciosa daquele que despertou em mim a mistura de amor e ódio. Sim, eu o odeio. Odeio por ter desistido de nós, por ter me ferido como ninguém no mundo foi capaz de ferir, por ter mentido tantas vezes que nunca mais voltaria. Mas o amo por ter transformado tudo o que eu sou com um simples “eu te odeio”. Nenhuma outra pessoa teria conseguido isso. Apenas ele.

Meu fantasma.

Meu medo.

Minha solidão.

Meu único amor verdadeiro.

Eu gostaria que ele desaparecesse, mas não tenho coragem para deixá-lo ir. Gostaria que ele fosse embora, e que este fosse o seu último – realmente, último – adeus, mas também gostaria que ele ficasse para sempre, que fosse a pessoa que eu um dia sonho que ele seja. Não, eu sei que ele não desistirá de nada por mim.

Enquanto eu sinto o mundo bem longe de mim, ele mantém seus pés firmes no chão.

E isso nunca irá mudar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Estilhaços" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.