Crônicas do Inferno escrita por Megurine Jackie


Capítulo 9
Circunstâncias


Notas iniciais do capítulo

Nesse mundo ninguém é apenas uma vítima.



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Entramos na carruagem. Meu coração estava tão acelerado que parecia que ia explodir. Meu corpo todo tremia, mas estava decidida a tentar por um pouco de razão em toda aquela insanidade.

Olhava para os rostos daqueles seres, mas eles pareciam humanos. Provavelmente já foram humanos mas agora desempenhavam um trabalho realmente terrível!

Todos estavam em silêncio. Eu não sabia se podia falar alguma coisa, mas decidi não abrir minha boca. Já estava bastante encrencada...

Olhando para fora da carruagem, através de uma janela, podia ver um céu vermelho, por cima das nuvens. Era uma visão estranha.

Chegando no local previsto, a carruagem se desfez, tornando-se o auxiliar de Ai. Aquilo ainda me assustava muito. A menina vira-se para nós e diz:

- Onne Hona, Ren e Wanyūdō, vocês ficam aqui. Maya, você vem comigo.

Sua voz era tranquila e infantil, mas seu rosto tinha sempre aquela expressão sinistra, obscura, indecifrável.

Acompanhei Ai silenciosamente até a sala de uma casa. Foi estranho atravessar paredes. Me sentia um fantasma. Vimos uma senhora de uns quarenta e cinco anos sentada na frente de um computador, olhando para o monitor. Cochichei para Ai:

- Ela pode nos ver?

- Não. E não precisa falar baixo. Ela não nos ouve também.

Eu observei atentamente aquela senhora. Parecia uma pessoa normal. Olhando mais de perto podíamos ver que ela andou chorando. Ela tinha algo nas mãos. Acho que era uma fotografia.

Ai se aproxima da senhora.

- Você me chamou? - Ela diz.

A senhora vira-se repentinamente, com a face pálida de quem acaba de tomar um grande susto.

- Você é a... - Ela diz, gaguejando.

- Meu nome é Ai Enma. Você me chamou.

Observo o rosto tranquilo de Ai. Não parece que aquela menina tão pequena e doce tem um trabalho tão horrível... Que talvez se tornasse o meu trabalho pela eternidade.

A senhora desaba a chorar, ajoelha-se na frente de Ai, segurando sua mão. Vejo no rosto de Ai uma certa expressão de nojo.

- Você vai me ajudar, não vai? - Diz a senhora soluçando. - Vai mandar o miserável que matou o meu único filho para o inferno!

Ai tira sua mão da mão da senhora. Olha com a mesma expressão de antes.

- Tome, pegue. 

Ela lhe entrega um estranho boneco de palha. E continua:

Se você deseja vingança deve puxar o laço vermelho. Puxar o laço significa que você oficialmente me contratou, e a pessoa que você odeia será enviada imediatamente para o inferno.

A senhora segura o boneco com as duas mãos e o olha com atenção.

- É só puxar o laço e a alma daquele desgraçado vai para o inferno?

- Sim. Entretanto existe um preço. O ódio é uma faca de dois gumes: se você mandar a pessoa que odeia para o inferno, a sua alma também irá para lá.

A senhora arregala os olhos cheios de pavor.

- Minha alma... Vai para o inferno?!

- Sim. - Continua Ai, com a mesma expressão, sempre. - Mas isso só ocorrerá quando você morrer. Sua alma ficará pairando entre dor e sofrimento durante a eternidade.

De repente vejo a senhora deitando-se no chão, gritando e se retorcendo, como se estivesse sentindo muita dor. Aquela cena é horrível!

- Ahhh!!! Pare, por favor!!! Me tire daqui, não fiz nada!!! Não!!!!

São gritos horríveis de dor e pânico. Eu sinto muito medo do que vejo, aquela senhora ali sofrendo tanto e Ai parada em pé, olhando calmamente a cena.

A senhora se cala. Abre os olhos e senta no chão, ainda segurando o boneco de palha entre as mãos.

Ai, que já está do meu lado nesse momento, diz:

- Agora, cabe a você decidir!

Ela se vira e começa a caminhar para a parede. Eu corro para alcança-la.

- Mas o que foi aquilo?

Ai olha seriamente para mim e diz:

- A pessoa tem que conhecer todos os termos do contrato antes de aceitá-lo. É assim que funciona.

Eu continuei confusa com a resposta.

- Como assim? O que você fez com ela?

Ai nem direciona seu olhar para mim. Apenas continua andando.

- Eu mostrei a ela como é o inferno. Assim ela se decidirá sabendo do preço a ser pago.

- Isso é horrível! Ai, você nunca pensou em simplesmente abandonar esse trabalho?

Ela me olhou tristemente. Parecia que não queria falar sobre isso.

- Esse é o meu trabalho. Se você quiser aceita-lo será o seu trabalho. Ele precisa ser feito. Se você decidir aceitar e desistir depois, sua alma irá para o inferno. Maya, não tem saída.

Eu fiquei chocada com a sinceridade dela naquele momento. E triste. Ai também não teve escolha.

Ela olha para os seus ajudantes.

- Ren, investigue o Uemato Sheiko, verifique o que ele faz e veja seus medos.

O rapaz se inclina em sinal de reverência.

- Sim, senhorita.

Ele se transforma em um circulo de luz esverdeado e some em direção ao céu.

- Hone Onna e Wanyūdō, vocês podem voltar para o Eterno Crepúsculo se quiserem. Mas me deixem a sós com Maya.

Os dois inclinaram-se e afastaram-se de nós. Eu fiquei com medo, de repente.

Ela começa a caminhar e eu automaticamente a acompanho.

Ficamos em silencio por algum tempo. Ai é a primeira a falar.

- Qual é o seu objetivo, Maya?

Eu fico preocupada com a pergunta. Ai não é uma garotinha de treze anos. Ela viveu muito e conhece profundamente a alma humana, mesmo desprezando-a.

- Eu queria entender como tudo isso funciona. O porque dessa loucura. Vingar o ódio das pessoas nunca deveria ser o objetivo de ninguém. Nem o ódio em si deveria existir!

Ela pareceu curiosa. 

- Maya, você foi uma vítima das circunstâncias, assim como eu. Eu também não tive escolha. E aqui estou.

Ela fica em silencio novamente. Mas me olha atentamente, com seus grandes olhos vermelhos.

- Você quer me fazer desistir, não é mesmo?

Não sabia muito bem aonde eu iria chegar, mas acho que não iria parar naquele momento.

- Não, Ai. Vou continuar. - Disse com firmeza.

- Você não está com medo? - Ela me perguntou olhando profundamente em meus olhos.

- Eu... Estou apavorada! Nunca senti tanto medo na minha vida! Mas não vou parar. Você aceitou que eu fizesse o estágio. Vou até o fim!

Ai me olhou de forma orgulhosa. 

- Esse trabalho eu vou terminar e você vai só vai observar. O próximo trabalho você fará sozinha.

Eu não tinha certeza de que conseguiria ser forte o bastante. Mas estava decidida a fazer Ai mudar de idéia. Ninguém ganha em um acordo como esse. Só dor e sofrimento. Ambas almas irão para o inferno. Isso é realmente muito triste...

Continuamos caminhando em silencio. A expressão de Ai agora era tranquila. Quase podia ver um sorriso, muito sutil, no seu rosto. Cheguei a sentir pena dela e de seu tão cruel destino.

'Nós duas fomos vítimas das circunstâncias... Mas isso não vai acontecer de novo. Nunca mais!'


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Notas finais do capítulo

Estamos chegando aos momentos finais. Muito obrigada aos meus leitores queridos. Continuem comentando.
Domo aregatou!