Ensina-me a Viver escrita por Graziele


Capítulo 10
Primeiro Salário


Notas iniciais do capítulo

Big thank to: bonno, lay_mimosinha, GLAUCIABLACK, lecullen, Ruthmasen, sheilaalves, iarinha_tp, liviagabi4, Elinha, Stefannymarie, ivis.



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O mais estranho naquela história toda era que eles não comentavam sobre o ocorrido. Naquela noite friorenta de janeiro de 1944, os dois voltaram pra casa como se fossem o mais íntimo e apaixonado casal, com braços dados e risos trocados. E, quando chegaram, simplesmente cada um foi pro seu devido quarto e dormiram até que o sol nascesse novamente.

No dia seguinte, tomaram café sem tocar no assunto e Bella sentiu uma vontade de sacudir aquele soldado insolente até que ele pedisse desculpas pelo o que fez.

Ou que, pelo menos, esboçasse alguma outra emoção que não fosse aquela indiferença que chegava a ser tão ultrajante.

Ela se perguntava até quando os dois ficariam naquela consistência de ‘esquenta e derrete’...

De qualquer modo – com beijos ou não – a vida continuava.

Eram cinco da manhã de uma quarta feira e Edward já estava de pé. No Exército, ele se acostumara a acordar antes que o galo cantasse, então, na sua pequena ‘colônia de férias’ seria muito difícil mudar os hábitos. Mesmo que a cama na qual dormia há mais de dois meses fosse infinitamente mais confortável do que aquela tábua que os ingleses teimavam em chamar de cama na Base Militar.

Já havia deixado os cobertores que o esquentavam naquele finalzinho de inverno devidamente dobrados na beira da cama, juntamente com o travesseiro. Arrumar a bagunça que ele fazia todas as noites era o mínimo que ele podia fazer, já que seus ferimentos depois daquela queda de avião estavam todos curados. Não doíam e não o impediam fazer absolutamente nada, foram apenas mais acréscimos nas incontáveis marcas que ele já colecionava como conseqüência da guerra.

Andava pelo corredor pequenino, em direção à sala para ficar deitado até que Bella acordasse e fosse fazer o café. Edward até poderia fazer isso – para ajudá-la –, mas era um verdadeiro desastre na cozinhando, e tinha medo de levar um tapa da alemã, caso desarrumasse aquela cozinha que era tão... simplesmente ela. Organizada e sem absolutamente nada fora do lugar.

O homem suspirou pesadamente ao passar pela porta do pequeno quarto de sua alemã e notá-la entreaberta. Amaldiçoando infinitamente, parou a beira da mesma, de modo que fosse completamente possível visualizar a mulher que tanto o deslumbrava e o confundia.

Empurrou levemente a porta e se encostou despreocupadamente no batente dela, fitando-a como se uma guerra não estivesse estourando lá fora. Captou todos os movimentos que a moça fazia em seu sono tranquilo.

Notou o peito dela subindo e descendo no ritmo de uma respiração calma, notou os cabelos marrons e tão diferentes da maioria das mulheres que habitavam aquele país espalhados pelo travesseiro, lembrando de quando ele tivera a honra de infiltrar suas mãos pelos mesmos, sentindo-os tão naturalmente macios...

Riu baixinho ao recordar-se do dia anterior. A alemã perguntara o porquê dele tê-la beijado, quando nem ele próprio sabia da resposta. Tentou convencer-se de que aquilo era somente o que estava querendo fazer desde que captara pela primeira vez a imagem tão tentadora dos lábios dela, e realmente lhe parecera o certo.

Ele ainda não sabia nomear aqueles sentimentos tão distintos e confusos que o perturbavam, mas, por ora, contentava-se em apenas usufruir dos mesmos. Porque eles, decididamente, eram realmente bons.

Um estranho anseio de proteção, de só... ficar perto dela, nem que fosse naquele silêncio tão confortável do qual eles aprenderam a gostar desde o primeiro dia. De desfrutar daquele torpor tão bom, tão leve que o acometia quando estava perto dela...

Talvez... isso tudo acontecesse por ele ver na alemã uma representação exata da nova vida que ele estava vivendo, e por ele querer se agarrar a essa nova vida com força. Por ele querer que essa felicidade não se acabasse.

Suspirou baixo enquanto virava-se para o corredor, rumando novamente para a sala de estar. Ainda mancando, Edward abriu as janelas um pouquinho para deixar o local arejado, tomando o máximo de cuidado para não deixar que ninguém o visse. Não alguém fosse fazê-lo, já que não havia ninguém na rua, mas era sempre bom prevenir, ele sabia.

Os soldados da Base Militar que havia por perto não se preocupavam em ficar em estado de alerta, pois tinham certeza de que ninguém iria atacar aquela cidade tão minúscula e aparentemente inofensiva.

Edward Masen sabia que esse tipo de comportamento era um erro enorme, porque os inimigos, aproveitando esse estado de certo ‘relaxamento’ da proteção de lá, poderiam atacar. Não necessariamente para acabar com armamentos e táticas secretas, eles podiam jogar uma bomba ou realizar uma invasão apenas para mostrar seu poder de fogo.

Balançou a cabeça negativamente, já se livrando daqueles pensamentos. Emmett Cullen talvez estivesse certo quando dissera que ele tinha ‘vício de guerra’.

Já estava livre da mesma, mas, ainda assim, não conseguia tirá-la da cabeça. Tudo ao seu redor lembrava-o algo que aprendera no Exército, algo que fizera no Exército... Ele simplesmente tinha que esquecer. Porque, para ele, acabara.

Teve vontade de rir ao lembrar-se de quando dizia a si mesmo que a guerra só acabaria quando ele morresse, afinal, fora exatamente o contrário.

A guerra acabara para ele quando ele começara a verdadeiramente viver.

Irônico, não?

Mudando drasticamente sua linha de pensamentos, ele devaneou sobre seu beijo maravilhoso com Isabella.

Já se fazia dois dias, e, estranhamente, ele tinha tão vívido na memória como se tivesse ocorrido ainda há pouco.

Claro que Bella esperava que ele falasse do acontecido com ela, mas ele não o fez. Pois sabia que – se fosse discutir com ela seus motivos – todo o encanto daquele momento seria quebrado novamente com suas dúvidas e inseguranças. E, provavelmente, também com um ataque de mau humor ou fúria de sua alemã.

Então, ele apenas continuou sua vida, como se nada tivesse sucedido, e como se, naquele dia, eles tivessem apenas conversado e não praticamente se enroscado como dois promíscuos.

Preferia guardar tudo aquilo na memória. Todas as reações desastradas e até nervosas dela, aquela imagem desajustada e aquele olhar afável que ele tanto amava, toda aquela inexperiência que lhe dera a vontade de ensiná-la tudo...

Só na memória.

Sorriu involuntariamente ao ouvir um estrondoso baque vindo do andar de cima, seguido por um xingamento muito irritado. Já sabia que, provavelmente, Isabella havia caído ou derrubado algo na hora de levantar. Ela tinha o pior equilíbrio de Edward já vira na vida. A pobre não conseguia dar mais de dez passos sem tropeçar em algo, ou até mesmo se estabacar vergonhosamente no chão.

Sorte dela tê-lo por perto para poder segurá-la...

Algum tempo depois, a alemã descia a pequena escada ainda xingando até a décima geração do que quer que tenha atrapalhado seu caminho. Estava devidamente apresentável, mas claramente irritada.

E Edward adorava aquela expressão dela. Gostava de observar as bochechas da moça tomarem aquela adorável coloração avermelhada e as sobrancelhas se unirem num gesto de desaprovação. Os olhos amendoados ficavam levemente mais escuros, também demonstrando como estava aborrecida.

- Jesus, tinha um bloco no seu quarto? – ele debochou, aproximando-se. – O que foi que caiu lá?

Só naquele momento Bella pareceu perceber que o soldado a observava. Parou seus xingamentos e soltou um grunhido na direção do homem, fazendo-o arregalar os olhos antes de soltar uma gostosa risada.

- Tinha um maldito baú na minha frente, e eu juro que mato o infeliz que o colocou lá. – Ela resmungou, rumando para a cozinha e sendo seguida pelo soldado. – Merda, meu pé vai ficar doendo pelo resto do dia!

- Acho que foi você mesma quem o colocou lá, afinal o quarto é seu. – Edward explanou, recebendo em troca um rolar de olhos.

- Tanto faz, eu quase morri, não devia dar risada.

Edward trincou o maxilar, controlando seu riso. Apercebeu-se que a alemã estava realmente muito irritada naquela manhã e ele não via nenhum motivo aparente pra isso. Bom, deviam ser as coisas de mulheres...

Sentou-se a mesa, permanecendo devidamente calado. Não ia arriscar ser alvo da irritação que as mulheres costumavam ter quando estavam daquele jeito.

Observou, com divertimento contido, a mulher praticamente socar todos os utensílios necessários para o preparo do café da manhã, enquanto ainda xingava o baú no qual havia tropeçado outrora.

- Que horas você vai pra construção? – ela indagou, esquecendo-se completamente do tão costumeiro e milenar ‘bom dia’.

- No mesmo horário de sempre – Edward respondeu simplesmente.

- Tomara que uma madeira caia no seu pé pra você ver como dói – ela amaldiçoou, tentando parecer sombria, mas apenas arrancando outro sorriso de Edward. – Aí eu quero ver você rir.

- Sou forte como um cavalo, alemã – ele gabou-se. – Certamente, não vai ser uma madeira que vai me derrubar.

Ela ficou em silêncio, e Edward podia apostar que, naquele momento, ela revirava os olhos novamente.

- Depende de onde ela cair. – Sussurrou ela, misteriosamente.

Foi a vez do soldado revirar os olhos, com um pequeno sorriso brotando-lhe nos lábios. Não só pela fala da moça, mas também ao perceber a discussão inútil e completamente infantil que eles estavam tendo.

Mas isso já se tornara clichê. O soldado destemido, amargurado e sangue frio dera lugar à outro homem. Aquele homem de bem, divertido e descontraído que se aflorava somente quando estava perto de sua alemã.

Uma verdadeira criança, afinal.

- Não quero que você vá me buscar hoje – Bella disse de súbito.

- Mas hein? – Edward ainda parecia meio atordoado com o pedido dela.

- Está surdo, soldado? – ela resmungou, virando-se de frente para o homem e mostrando uma sobrancelha perfeitamente arqueada. – Eu disse que não quero você me buscar hoje, na floricultura. – Frisou, como se falasse com alguém que tinha sérios problemas mentais.

- E por que não? – ele indagou, como se estivesse ofendido.

E, naquele momento, a coloração vermelha e deslumbrante tomou conta da face dela. Edward deu um sorriso torto, presunçoso. Desconfiava vagamente o motivo.

- Por conta... daquele... hm, episódio – explicou ela, o vermelho ficando mais forte a cada palavra. – Você sabe, não pode se repetir. Já estou me arriscando demais ao colocá-lo aqui dentro, arrumando um emprego pra você... não é nada respeitável que fiquemos nos... atracando por aí, como se fossemos compromissados. – Embora eu duvide que até o casal mais íntimo faça aquilo, completou em pensamento.

O rubor não abandonara as bochechas dela, entretanto, ela pareceu não se envergonhar disso, pois, em todo momento de seu discurso, ela manteve o olhar fixo no dele, tentando passar toda a convicção por meio do mesmo. Convicção essa que ela não conseguia passar em forma de palavras.

- Então, certo – cedeu ele, com um dar de ombros, que irritou a profundamente. Ele um cafajeste mesmo! – Como quiser.

- E não dizer mais nada? – desafiou ela, com os olhos crispados.

- Talvez eu deva dizer que você gostou do que fizemos naquele dia, e é por isso que está fugindo. Por ter medo daquilo se repetir e de você gostar novamente. – Sussurrou ele.

Bella suspirou baixinho, enquanto assistia o soldado se levantar da mesa e, lenta e perigosamente, se dirigir até seu corpo, prensado e sem saída, entre Edward e o balcão da pia.

Sentia-se fraca por não conseguir resistir ao charme e ao sorriso torto daquele homem. Sentia-se fraca por não conseguir simplesmente chutá-lo para fora de sua casa. E, principalmente, sentia-se fraca por estar gostando de todas as reações que ele provocava em seu ser.

- Talvez você deva confessar, alemã – ele segredou, esticando a mão áspera e tocando-lhe a bochecha rubra com certo carinho. – Confesse que gosta, e que não me quer afastado.

Bella amoleceu no mesmo instante em que fechou os olhos e sentiu a mesma mão que lhe acarinhava o rosto descendo deliberadamente até tocar na lateral de sua cintura. Soltou um gemido baixíssimo com o cheiro tão inebriante e sedutor daquele soldado.

Sentiu todos os pelos de seu corpo se arrepiarem o notar aqueles olhos tão verdes abrasando-lhe com fúria, ganância...

Por um momento, ela cogitou seriamente em simplesmente mandar toda sua racionalidade para o inferno – como fizera naquele dia – e só se deleitar com aquele momento.

Mas foi por pouco tempo. Afinal, as preocupações eram demasiadamente pesadas para simplesmente serem ignoradas, como um mosquito que voa perto de seu nariz. Ela não podia, não devia. Além de não ser digno de uma moça, iria lhe trazer mais problemas do que os que ela já havia acumulado apenas com o fato de tê-lo abrigado.

Colocou toda sua força de vontade naquele pensamento. Somente naquele. Ignorando a respiração gelada dele que batia em sua bochecha, ignorando a mão máscula que fazia círculos cadenciados na base de suas costas e, sobretudo, ignorando aqueles olhos verdes e tão expressivamente magníficos.

Sorrateiramente – e sem quebrar o contato visual com Edward – arrastou sua mão até conseguir alcançar a colher de pau que jazia no extremo da pequena pia. Num átimo, ela a levantou e golpeou o homem de quase dois metros na ponte do nariz, fazendo-o se afastar de supetão.

Quebrando todo o encanto do momento, Bella continuou com sua ‘arma’ devidamente posicionada, atenta ao menor sinal de que o soldado voltaria a se aproximar de maneira tão pessoal dela outra vez.

- Deveria ter vergonha! – ela ralhou, enquanto o homem acariciava seu nariz, com olhos lacrimejando. – Ora, aproveitando-se de minha hospitalidade!

A situação teria sido cômica, se não tivesse sido trágica.

Ora, que artista não gostaria de pintar uma obra onde uma moça aparentemente frágil apontava uma colher de pau para um homem enorme e musculoso? Certamente, renderia milhões.

Edward ainda praguejava em inglês aquela mulher maluca que, primeiro, se rende aos seus encantos e depois o ataca com uma colher de pau, enquanto sentia o nariz ardendo como o fogo do inferno.

Aonde é que havia ido parar seus instintos perspicazes e velozes de militar? Se tivesse prestado mais atenção, teria evitado um hematoma!

- Vá colocar uma blusa e vá trabalhar! – ela comandou, ainda visivelmente irritada. – Depois coma alguma coisa, mas eu não quero correr o riso de ser atacada novamente!

Edward – que ainda mantinha a mão massageando a área atacada – só virou as costas e subiu as pequenas escadas na maior velocidade que fosse humanamente possível, perguntando-se o que diabos aquela mulher tinha de errado.

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Alguns dias depois.

Bella preferiu deixar o ‘ataque de colher de pau’ somente na memória e não comentar mais sobre o mesmo.

A mulher ficou meio que com remorso de ter feito aquilo, depois de ver o roxo enorme que apareceu no nariz do soldado no dia seguinte. Mas seu remorso logo era dissipado quando pensava que, agora, ele nunca mais iria aproximar-se daquela maneira tão... imoral.

E ela tentava se convencer de que isso era bom.

O mês de janeiro se encaminhava pro fim e o dia do primeiro pagamento do soldado chegava.

Bella tinha a vaga ideia de que só mais dois ou três meses e o dinheiro que, provavelmente teria sido ganho, fosse já o suficiente para o homem ir embora de uma vez.

Ela tentava não pensar no que ele faria quando voltasse para seu país, tentava não imaginar que ele poderia voltar para o Exército e para aquela vida que ele parecia odiar tanto.

Até porque, não era da sua conta.

Suspirou pesadamente e fechou seus olhos, massageando suas têmporas e apoiando as mãos no balcão de sua floricultura.

Alice estava cuidando de alguns papéis e a tarefa de cuidar dos clientes ficara, novamente, para Bella. Ela realmente não se importava muito, e até preferia fazê-lo, pois, desse jeito, ela podia simplesmente colocar seus pensamentos em ordem.

Abriu novamente os olhos e quase pulou para trás de susto, ao avistar o inglês parado bem na sua frente, encostado no batente da porta da floricultura, como se não tivesse qualquer preocupação no mundo.

Bella controlou o calafrio que perpassou por sua espinha, pois aquela visão não lhe trazia boas recordações.

Qual parte do ‘não apareça mais na floricultura’ aquele homem não entendera? Já dava-se pra ver que ele era pior do que uma mula empacada no quesito teimosia!

Ele adentrou a floricultura, com aquele sorriso torto, mas que, daquela vez, trazia algo a mais. Como se estivesse nostálgico... Certamente também lembrando-se daquele episódio que aconteceu naquela mesma floricultura, há algumas semanas atrás.

Sem nem esperar algum comprimento da parte da mulher, Edward aproximou-se mais até que estivesse frente a frente com ela, sendo separado apenas pelo balcão... que também era um lembrete daquele dia. Alargou um pouco mais o sorriso, ao notar que não estava rubra – como ele esperava –, isso, talvez, quisesse dizer que a vergonha já não era tão relevante na relação estranha e incomum dos dois.

Entretanto, os olhos amendoados e fascinantes dela estavam mais escuros, e ele tinha certeza de que aquele sombreado queria dizer que ela estava irritada. Edward sabia que não deveria ter aparecido na floricultura aquele dia, pois a alemã deixara bem claro que não queria ver a cara dele por lá tão cedo, mas, ao receber seu primeiro salário, ele não resistiu a tentação de ir visitá-la e de comprar alguma coisa de presente para ela. Afinal, era o mínimo que podia fazer.

- O que diabos está fazendo aqui? – ela indagou, num sussurro. O soldado tinha certeza de que a amiga dela estava por perto, e que Isabella queria evitar maiores especulações vindas da mesma.

- Sai mais cedo hoje – respondeu. – E recebi meu primeiro salário – ele completou, com um sorriso tão reluzente que até um cego veria.

Bella – mesmo estando irritada – não pode deixar de sorrir também. Estava feliz por ele. Mas, estranhamente, não por aquele fato demonstrar que a partida dele estava próxima, mas sim por ver que ele estava realmente disposto a recomeçar.

- E quanto recebeu? – perguntou ela, parecendo realmente interessada.

Edward deu os ombros e enfiou as mãos na blusa, tirando de lá seu salário. Eram em moedas alemãs – logicamente – e ele não fazia a mínima ideia de quanto valiam.

A alemã, no entanto, arregalou os olhos ao ver o quanto de dinheiro estava exposto no balcão. Pareceu-lhe muito por apenas algumas semanas de trabalho, então presumiu que o trabalho era realmente difícil.

- Nossa, é bastante!

- É bom saber que Jasper Whitlock está dando o devido valor aos calos que estou acumulando naquela construção. – Ele comentou divertido, arrancando um rolar de olhos da moça.

Como se um homem que já participara de incontáveis batalhas fosse ligar por algumas deformações nas mãos!

- Não sei quanto está custando a passagem de trem, mas desconfio que só mais algum tempo e já poderá voltar pra sua terra natal – ela disse, tentando parecer animada, e estranhando a própria conclusão de que não gostara daquela informação.

O ego do soldado inflou-se absurdamente ao passo que o mesmo notara a decepção nos olhos da moça quando ela falara aquilo. Então, percebera,com uma extrema alegria – a qual ele nem se preocupou em esconder – que ela também não estava muito feliz com sua partida.

- Mas será que posso gastar um pouco para comprar um presente para alguém? – indagou ele, mordendo os lábios. – Alguém muito especial.

Edward sorriu internamente ao ver a confusão na face dela. Tão inocente.

Tinha certeza de que outras mulheres já estariam envaidecidas e já certas de que o presente citado era para elas, mas sua alemã não. Ela ainda podia pensar que ele conhecera outra pessoa que merecesse qualquer coisa vinda dele.

- Claro, mas depende do que você vai querer.

- Flores – ele disse rapidamente. Vistoriou o local e concluiu que era bem bonito e definitivamente muito simpático. Algumas flores do campo – coloridas e cheirosas – adornavam o estabelecimento, sendo suspendidas em prateleiras de madeira escura e brilhosa. O espaço era relativamente pequeno, porém condizente com o tamanho da cidade em que estava.

- Preferência? – Bella indagou de má vontade. Edward estampou um discreto sorriso. Será mesmo que ela não percebera que somente ela merecia alguma atenção proveniente dele?

- As mais bonitas que houver. – Respondeu simplesmente, recolhendo seu dinheiro do balcão e o recolocando no bolso do casaco.

- Gosto de flores do campo – ela sugeriu.

- Mas as mulheres não preferem rosas? – Edward indagou, surpreso.

- Eu não – Bella respondeu, dando os ombros. – Rosas têm um cheiro enjoativo demais. – Completou, torcendo o nariz.

Edward riu um pouco. Já devia saber que os gostos de sua alemã não eram nada comuns.

- Pois então, dê-me algum arranjo bem bonito de flores do campo.

Bella assentiu levemente, perguntando-se para quem Edward poderia mandar aquelas flores tão bonitas e, ainda por cima, gastando seu salário que seria destinado ao seu ‘fundo’.

Um desconhecido sentimento sufocante lhe subiu pelo peito e ela sentiu uma vontade absurda de ser a felizarda que merecera um presente dele.

- Vai levar na mão?

- Acho que não será necessário – respondeu, sorrindo. – A pessoa para quem vou dar as flores está bem perto.

Só naquele momento que Bella pareceu se dar conta de que ele falava dela mesma. Corou quase imperceptivelmente e estampou um discreto e encantador sorriso nos lábios rosados.

- Só a pessoa que se importou verdadeiramente comigo as merece. – Confessou, sincero.

- Oh, obrigada, então – agradeceu, já voltando-se novamente para o homem. O arranjo de flores esquecido. – Nunca recebi flores de ninguém.

- Te espero para o jantar, alemã – disse ele com uma piscadela, para, logo depois, girar nos calcanhares e simplesmente sair da floricultura, esquecendo-se de levar as flores.

E deixando Bella ali. Sorrindo feito uma boba apaixonada, enquanto indagava-se o que aquele homem tinha de especial para torna-se tão deslumbrante.

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Eram quatro da manhã e Bella não havia conseguido pregar o olho.

Parte disso se devia, claro, ao soldado.

Parecia que qualquer pensamento que ela fosse colocar dentro de sua mente a levaria para aquele homem.

E isso realmente a assustava.

Ela tentava convencer-se a si mesma que isso estava acontecendo por conta da convivência. Ele se viam todos os dias, e ela só se preocupava com ele por saber como o mesmo poderia tornar-se um problema pra ela.

Mesmo que esses tais problemas não tenham aparecido ainda. Sim, pois ninguém havia sequer notado que aquele homem não parecia alemão, e que a história dele ter aparecido lá para apoiar Bella na morte da mãe não passava de uma lorota muito boba.

Bufando, Bella livrou-se do montante de cobertas que estavam em cima de seu corpo para depois levantar-se da cama, com fúria.

É como disse, tudo a levava de volta para o soldado!

Por fim, Isabella desceu as escadas, em direção a cozinha, tentando, a todo custo, não prestar atenção na porta entreaberta do quarto do homem.

Todavia, nem precisou olhar duas vezes para a mesa da cozinha para notá-lo ali, de costas, tomando algo parecido com chá.

Suspirando baixinho, ela ficou a analisá-lo, sem se preocupar em repudiar-se por isso.

Estava com uma camisa azul marinho e com uma calça preta, que lhe valorizava ainda mais a pele pálida. O cabelo bronzeado estava ainda mais bagunçado que o normal, e Bella podia apostar que alguns fios caiam pela testa dele, acentuando ainda mais aqueles olhos tão verdes e profundos.

- Vai ficar parada aí? – a voz rouca lhe tirou do transe.

Bella abanou a cabeça, sorrindo abobada.

- O que faz acordado? – indagou, dando alguns passos e ficando bem próxima a ele.

- Estou sem sono. – Deu os ombros.

- Que coincidência – comentou a moça, sentando-se na cadeira de frente a ele.

Ela adorava conversar com o soldado.

Desde questões políticas até nada que fosse mudar-lhes a vida. Admitia para si própria que aquele homem fora algo a mais naquela sua vida tão pacata. Mesmo com tantas preocupações que lhe a acometia a cerca do mesmo, ele dera algo a ele. Sensações novas, reações novas... Sentimentos novos.

- Vai comer algo? – perguntou ele.

- Não, se não é capaz de eu acordar com dor na barriga. – Terminou com uma careta.

Edward riu um pouquinho, levando sua caneca de leite até os lábios e sorvendo o líquido num gole só.

- Alemã... – começo ele, depois de um tempo. – Sobre aquela história de... eu estar aqui para apoiá-la na morte de sua mãe...

Ele calou-se de repente. E Bella arqueou uma sobrancelha, na tentativa de um olhar significativo.

- Posso perguntar como aconteceu? – indagou ele de uma vez só.

A pergunta não assustou a mulher, pois ela sabia que – mais cedo ou mais tarde – ele acabaria querendo saber. Entretanto, talvez, a resposta talvez fosse assustá-lo de alguma forma.

- Um bombardeio em Berlim, há alguns anos atrás. – Respondeu Bella, num suspiro.

Edward estava preparado para qualquer resposta; desde alguma doença, até algum tipo de violência, mas não para aquela. Quais seriam as chances dele mesmo ter... matado a mãe de sua alemã? Sim, pois ele já havia atacado aquela cidade, lembrava-se com clareza do dia em que o fizera. Quão irônico seria isso?

- Eu devo dizer que... sinto muito? – perguntou hesitante.

- Acho que não, já faz algum tempo.

Edward engoliu o resto de sue leite ruidosamente, tentando aplacar o desconforto.

- Ela tinha ido comprar um presente pra mim – a voz da mulher soou nostálgica, e Edward arriscou um olhar de esguelha para ela, notando como aqueles orbes castanhos e brilhantes agora fitavam a mesa, de forma saudosa. – Até hoje não sei que presente seria. – Terminou ela, voltando seu olhar para o do Edward e dando um sorriso extremamente triste.

Edward sentiu seus órgãos contraírem ao ver que ele mesmo provocara aquela súbita tristeza em sua alemã. Xingou-se mentalmente por isso. Queria ver um sorriso genuíno novamente naquele rosto.

Por isso, apenas abanou a cabeça, já tentando arrumar algum outro assunto para contornar aquela situação melancólica que ele mesmo criara.

- Então, não quer que eu faça leite com canela? – Arriscou, torcendo para que ela não dissesse que era alérgica a única coisa que ele arriscava na cozinha.

- Eu já disse que vou acordar com dor na barriga – torceu o nariz novamente.

- Ora, como você é manhosa! – repreendeu o homem de brincadeira. – Se acordar com dor, eu me disponho a cuidar de você.

Com essa, Bella tremeu até seu último fio de cabelo.

Tentou não concentrar-se no pensamento de que gostaria de ficar com dor apenas para tê-lo junto a si...

Pára com isso, Isabella!, ela ralhou consigo mesma, dando um tapa de leve em sua têmpora, para ver se conseguia dispersar aqueles pensamentos insanos e imorais.

Sorriu docemente para o homem enorme que agora levantava-se e se encaminhava para a jarra de leite, já preparando a canela.

Bella esqueceu-se de comunicar que simplesmente odiava aquele gosto meio amargo e meio de gosto de nada que a mistura daqueles dois ingredientes produzia, pois não iria estragar os planos do soldado.

E foi naquele dia, num finzinho de janeiro, com a guerra estourando fora das janelas da casa da Rua Frieden que Bella percebeu que algo novo lhe aquecia o coração.

E nada lhe importou. As diferenças, os perigos, os governantes... Nada.

Somente aquilo que, agora, lhe dera algum motivo para viver.


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Notas finais do capítulo

Oi, flores!Primeiramente, desculpa pela demora. Isso está se tornando cansativo, mas acontece que as aulas voltaram e eu to sem tempo até pra respirar, rs.E quanto ao capítulo... será que eles vão continuar nessa de não engatar nada? Hm, o próximo capítulo me diz que não ,hein, rs.Enfim, é isso. Beijos!