Na manhã seguinte:

Todas já estavam no salão, fazendo alongamento, conversando ou colocando as sapatilhas enquanto esperavam a professora chegar. Kat entrou apressada, olhando ao redor e parecendo aliviada por não estar tão atrasada.

-- Kat, o que é isso? Que cara é essa?

-- Não consegui dormir. Fiquei rolando na cama a noite toda, e...

Não conseguiu completar a frase. Tudo silenciou com a chegada de Dechamps. Bastaram poucos segundos para que todas estivessem de pé, prontas, apenas esperando uma ordem.

-- Bom dia. – disse ela com expressão impassível e voz sem emoção. – Vamos começar...

Após alongamento e aquecimento, era hora dos exercícios de barra. Dechamps mostrou quais eram os movimentos, e com um bater de palmas fez com que as garotas assumissem suas posições. Enquanto faziam os exercícios, Dechamps passava pela sala observando-as atentamente, demorando-se com uma ou outra, fazendo comentários.

A próxima fila a passar era onde estava Kat. Sentiu imediatamente sua presença sem que fosse preciso ouvir seus passos. Infelizmente, seus dias como ranger não a tinham preparado para lidar com pessoas como Yelena Dechamps, cuja simples presença intimidava, e apenas um olhar faria alguém no mínimo tremer.

Percebendo que era um alvo em potencial para sua acidez tentou se concentrar mais, esquecer sua proximidade embora soubesse que seria impossível. Logo sentiu sua aproximação e a força daquela fria análise. Não precisava do espelho para saber que ela estava de pé bem ao seu lado.

Quando ouviu seus passos indo para outra direção, sentiu alívio: por hora tinha se livrado de um comentário ferino.

Após algum tempo mudaram de posição. Hora dos exercícios de centro. Itiam executar uma pequena coreografia: uma seqüência de passos mais elaborados, complexidade média, mas que era fácil de confundir. Kat precisava se concentrar para não cometer erros. Não queria dar mais motivos para broncas.

O som do piano tomou conta do salão. Concentrada nos passos não cometeu nenhum erro até aquele momento. Mas não demorou a sentir que era o alvo dos olhos gelados de sua professora.

-- Leveza, Katherine. Quadris para dentro.

Não podia parar de dançar. Apenas tentar se corrigir, do jeito que dava.

-- Onde está sua extensão?

Tentou se corrigir e ter concentração. Sabia que estava sendo olhada de cima a baixo, praticamente fuzilada. Ainda assim continuou, tentando fazer o melhor que podia, disfarçando a náusea e a forte queimação do estômago, fruto do nervosismo e companheiro freqüente naqueles dias. Sabia que estava na iminência de um masacre.

-- Onde está sua extensão? – perguntou novamente, com voz gélida. – Nós já conversamos sobre isso, será que não entendeu?

Sem resposta. Continuou dançando, tentando esquecer a proximidade de sua professora, ou daquele tom de voz absurdamente ríspido.

-- Pulsos leves... quadris para dentro... – sacudiu os braços, indicando que estava no limite de sua paciência: portanto ainda podia piorar. -- Será possível que não entendeu nada do que eu falei?! Está me ouvindo, Katherine?!

O tom era cada vez mais ríspido e agressivo.

-- Está me ouvindo?!

O último movimento da coreografia era um giro. Mas já estava desconcetrada por ver sua auto-estima desmoronar sem poder reagir e acabou cometendo um erro simples: perdeu o ritmo e atrasou o passo.

-- Atrasou o giro. – disse Dechamps em tom de desdém. – Pelo menos não caiu nem esbarrou em ninguém. Obrigada por contribuir com esta aula mostrando o que não se deve fazer...

Sentindo o estômago arder e um bolo na garganta que mal a deixava respirar, saiu correndo.

Jenny correu logo atrás, preocupada.

-- Voltem aqui! A aula ainda não acabou...

-- Dane-se. – respondeu Jenny, sem sequer dirigir-lhe o olhar, batendo a porta logo em seguida.

Já fora do salão, ouviu o bater de palmas e a voz elevada de Dechamps tentando retomar a ordem. Olhou para os lados, procurando a amiga. Não podia deixa-la sozinha, estava nervosa demais. Então, embrenhou-se no labirinto de corredores que era aquela academia, até vê-la no fim de um deles.

-- Kat! Espera! – gritou, correndo até ela, temendo que ela fugisse, mas a velocidade não foi necessária. Kat obedecu: estava parada, esperando- a – Vem, vamos sair daqui.

Pegou-a pelo ombro, conduzindo-a para que saíssem daquele lugar.