Sem Ensaios para a Vida escrita por Lara Boger


Capítulo 14
Má Impressão




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Se uma noite de Kat normalmente era povoada de pensamentos e retrospectivas, aquela não tinha sido diferente. Se antes o foco era o fato de Nash nunca ter lhe dirigido a palavra, ou o fato de suas primeiras terem sido extremamente cruéis, agora ele parecia mudar de atitude. Alguma coisa lhe dizia que aquilo que acontecera no dia anterior fora algo inédito e que talvez nunca mais pudesse vê-lo de forma tão... vulnerável.

De qualquer modo poderia começar a saber. Teria aulas de pás de deux, e não sabia o que poderia esperar. Pelo pouco que sabia de seu partner, talvez cordialidade não era o que poderia esperar.

Ao chegar no salão, procurou-o disfarçadamente, percorrendo o espaço com os olhos. Não o encontrou e tentou não se importar com isso. Deixou a bolsa onde costumava deixar, calçou as sapatilhas. Depois foi para um canto próximo a barra pretendendo fazer um breve alongamento. Sua intenção era distrair-se com um exercício dentro da pouca privacidade que um lugar daqueles poderia oferecer, e se pudesse, talvez passar despercebida. Não queria que percebessem sua preocupação com o fato de ficar novamente sem partner e ter de contar com a benevolência de seu professor. Tudo isso vinha a sua mente enquanto alongava os músculos da perna.

-- Katherine? – ouviu a voz chamando-a, e Kat virou-se para ver Nash ao seu lado. – Oi.

-- Oi. – respondeu ao seu cumprimento tão desajeitada quanto ele, ainda que tentasse não demonstrar. – Pensei que não viria.

-- Eu não tinha motivos pra faltar.

A troca de palavras não durou muito tempo, pois logo tiveram de começar a aula. Os dois dançaram juntos normalmente, embora Kat notasse algumas diferenças sutis da parte dele. Coisas que outras pessoas considerariam pequenas mas que ela sabia serem pequenos progressos. Nunca ouvira dizer que Nash podia ser cordial, mas parecia estar fazendo um esforço para mudar aquela situação.

Não puderam continuar a conversa, mas ouviu-o despedir-se em voz baixa. Pelo menos teve a impressão de ver seus lábios se movendo enquanto acenava com a mão, muito discretamente, num gesto que poderia ser confundido com qualquer outro rotineiro... mas Kat soube que tinha sido dirigido a ela e que tinha algum significado, bem distante daqueles anteriores, praticamente vazios.

“Talvez seja um começo” pensou.

Foi um progresso que Kat preferiu manter em sigilo, e as coisas do jeito que já estavam: ela em um canto e ele no outro. Talvez fosse melhor. Não pretendia mais tomar iniciativas. Aceitou o pedido de desculpas dele mas ainda estava ressabiada pelas atitudes anteriores. Talvez não fosse certo confiar em uma mudança súbita. Mudanças súbitas não existiam. Sabia disso, não acreditava em milagres. A ela aquele pouco já era um avanço e tanto. E de qualquer modo o seu ímpeto de dizer a primeira palavra parecia satisfeito. Agora, se ele quisesse, ele mesmo que fizesse isso.

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Os dias se passaram de forma lenta. O trabalho continuava pesado devido ao ritmo dos ensaios, mas para Kat foi mais fácil devido ao clima de paz estabelecido. Pacífico, amigável mas ainda sem nenhuma palavra.

Aquele estava sendo um dia normal de ensaio. Aula de pás de deux, um momento que, apesar de tudo continuava sendo de tensão para Kat. Para sua sorte estava conseguindo disfarçar, fazendo sua expressão parecer a mais normal possível. Sabia que podia ser uma boa atriz caso fosse necessário... isso desde que não tivesse que falar. Naquele caso o silêncio era o desejado. Ainda tinha um ímpeto da primeira palavra, mas mantinha-se determinada a resistir.

-- Katherine?

Ela virou para demonstrar que estava ouvindo. Sabia quem a chamava, poderia responder sem olhar para ele, mas seria educada se demonstrasse que estava lhe dando atenção. Apesar disso não parou com o que estava fazendo.

-- O que foi, Nash?

-- Você está brava comigo?

Kat estranhou a pergunta, mas decidiu responder discretamente, com outra pergunta.

-- Por que eu estaria brava?

-- Não sei... é que você não falou mais comigo.

-- Estou falando com você agora, não estou?

-- Não é isso. – coçou a cabeça – É que antes era diferente. Você tentava falar comigo, e agora... – fez uma pausa breve – Eu te pedi desculpas, não pedi?

-- Pediu sim. Não estou brava com você, Nash. Você pediu desculpas, eu aceitei e foi isso... mas não quer dizer que vamos virar amigos de infância de uma hora pra outra.

-- Não está brava, mas está chateada.

-- Dê tempo ao tempo. Nós não nos conhecemos. Mal conversamos, mal trocamos palavras e quando trocamos o resultado não foi muito bom. Já me pediu desculpas e eu aceitei. Isso não me impede de ter ficado ressabiada.

-- E... o que isso significa?

-- Significa que acho melhor deixar as coisas como estão. Se você não gosta de conversar, não vou puxar assunto. Não vou forçar a barra.

-- Eu não quero que tenha uma má impressão de mim, Katherine.

Ele parecia constrangido. Havia uma certa apreensão em sua voz. “Talvez por falta de uso” pensou, rindo por dentro por pensar em tal possibilidade mas sem deixar que o riso chegasse aos seus lábios. Seria no mínimo mal educado. Apesar disso, havia algo ali que parecia ser sincero.

-- Não duvido.

-- Por acaso eu te disse alguma coisa? Algo que pudesse te ofender sem ser aquilo?

-- A gente mal se fala... como poderia me ofender?

Era uma mentira. Como tinha memória lembrava daquilo que ouvira outro dia, sobre ser parte das sobras. Mas ele não disse isso diretamente a ela, e de qualquer modo a verdade não devia ser encarada como uma ofensa.

-- Olha, não tem que se preocupar com isso. Pra mim tanto faz, é um assunto encerrado. Não tem que fazer tanto esforço para ser amigável, como se me devesse alguma coisa. Ser educado já vai ser o suficiente. – vestiu um casaquinho e colocou sua bolsa no ombro – Agora eu preciso ir... até mais.

Ela o deixou, dando apenas um aceno educado antes de lhe dar as costas e ir embora. A Nash restou apenas vê-la indo, sem fazer nada.

-- Kat, o que foi isso? – perguntou Jenny, parecendo espantada.

-- Isso o quê?

-- Nash... ele falando... falando com você.

-- Qual o espanto, Jenny? As pessoas falam, se comunicam...e ele não é uma exceção.

-- Até pouco tempo nós pensávamos que ele era mudo. Não falava com praticamente ninguém, muito menos com você. E quando falou não foi nada educado.

-- Pra você ver como as coisas mudam...

-- É, percebi. Foram mais de cinco segundos de palavras não resmungadas. Você até conseguiu responder! – disse, como se aquilo fosse uma proeza. – Mas ele ficou com uma carinha meio chateada.

-- Certas coisas não acontecem de repente... não adianta ficar forçando a barra.

-- Nesse caso o que seria? Uma conversa com mais de um minuto de duração?

Kat riu. Limitou-se a isso porque não queria falar mais do que julgou ser necessário e além disso a piada de sua amiga já era bem adequada como uma resposta. Seu riso poderia ser tanto um gesto de concordância quanto de quietude.


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Notas finais do capítulo

Pessoaaal... reviews! Eu quero saber o que estão achando, please!



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