Sem Ensaios para a Vida escrita por Lara Boger


Capítulo 13
Arrependimento e Perdão




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Não foi uma das noites mais fáceis de Kat, tampouco das mais difíceis. Estava sobressaltada pelas coisas que ouvira de Nash, mas não tanto quanto pensou que ficaria. Ainda sentia a leveza do clima do passeio com Gabriel. O aroma das árvores ainda parecia estar preso em seu olfato. Além disso, ao voltar não tivera de responder a nenhuma pergunta de Jenny: fato que lhe causou espanto, mas que certamente uma atitude calculada. Era melhor responder perguntas depois de uma boa noite de sono, de manhã quando talvez estivesse com mais disposição. Por mais insistente que Jenny que pudesse ser, ela também sabia quando parar.

Também estava tensa. Teria aula de pás de deux no dia seguinte. Sabia que provavelmente não encontraria Nash pois ele estaria em repouso, mas isso não a impediria de estar nervosa, mesmo sabendo que poderia ter sido pior. Um motivo a mais para lembrar de tudo que ouvira ao socorrê-lo.

Sabia que ir a aula pouco teria utilidade já que não tinha seu partner , mas ainda assim foi como se esperasse um dia normal.

-- Srta. Hillard, como seu parceiro não está, poderia participar da aula com outra pessoa?

A outra pessoa em questão era Gabriel., que acenou do canto oposto do salão. Olhando rapidamente o lugar percebeu que Valerie não estava ali.

-- Sem parceira hoje? – perguntou Kat.

-- Não, o professor se encarregou de te colocar comigo hoje. Não vou ter tempo de me sentir abandonado.

-- E o que houve? Ela nunca falta...

-- Não sei. De vez em quando ela tem algum “de repente”. Longe de mim reclamar... é ótimo porque isso me dá um tempo pra pensar.

-- Acho que hoje terei tempo para pensar também.

-- Vamos ver se vão deixar.

Ao contrário do que pensou, não teve seu dia tomado pela sensação de arrependimento. Durante a aula Gabriel teve o cuidado de garantir que isso não acontecesse, fazendo-a rir com piadas sussurradas entre um passo e outro, assegurando aos dois um leve sorriso entre os exercícios. Era diferente fazer aquilo com um amigo, alguém que se preocupava.

Soltaram-se logo após ouvir a voz do professor anunciando o fim da aula, rindo bem mais a vontade.

-- Droga.. achei que mais um pouco eu não ia mais agüentar ficar séria...

-- E quem disse que você estava séria?

-- Eu estava prestes a dar gargalhadas no meio da aula... em vista disso acho que consegui ficar hiper séria. – riu, enquanto tomava um gole d´agua – Imagino o quanto a Valerie se diverte com você.

-- Com ela não é assim.

-- Não?

-- O que eu fiz com você hoje... contar piada, falar bobagens no meio da aula seria imperdoável com Valerie. Atrapalharia a “concentração”. Ela não tem senso de humor.

-- Meu senso de humor também não é tão grande assim.

-- É, mas eu fiz isso com você porque sabia que iria te fazer bem, que iria gostar... nem me chamaria de criança por causa disso. – pegou uma toalha e começou a secar o rosto. – Ela acha criancice., diz que não conseguiria se concentrar... nem eu deveria conseguir me concentrar também. – o tom de voz e a expressão do rosto eram de insatisfação apesar de um claro esforço para disfarçar.

-- Pensei que vocês se entrosassem. Ficam bem dançando juntos.

-- Nós temos regularidade... bons aspectos técnicos, mas nada mais do que isso. – pareceu lamentar – Mas talvez seja tarde para ficar reclamando disso. Agora vamos sair daqui antes que sejamos expulsos.

Com a desculpa de Jenny ter de correr para o vestiário, puderam ficar sozinhos. Conversaram até quando o relógio permitiu, até cada um ir para um lado: aulas técnicas os esperavam.

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Os risos durante o pás de deux a sustentaram durante mais dois dias, mais precisamente ate uma tarde onde, devido a um feriado importante ganharam uma folga. Kat não gostou muito da idéia mas sabia que não era obrigada a compactuar com o que julgou ser uma “conspiração para o luxo”. Luxo era apenas para aqueles cujo talento permitia o ócio em meio a competição. Definitivamente não era o seu caso.

Estando apta a desfrutar disso, Jenny fez seus planos de fim de semana que incluíam dormir, sair e ficar de pernas para o ar. Kat também fez os seus: ensaios e exercícios sem hora pra terminar

Com todo o ritual costumeiro conseguiu sair sem acordar Jenny, uma tarefa da qual já parecia estar mais a vontade de tanto que já havia feito. Pretendia retomar o ritmo que estava antes do desmaio. Até aquele momento ainda estava sendo vigiada: Jenny e Gabriel, cada um a seu modo, fosse por perguntas discretas quanto por um olho sempre atento ao seu prato.

Naquela manhã optou por não ser tão apressada. Iria procurar com calma um lugar onde não seria interrompida com tanta facilidade, afinal pretendia ter um ensaio adequado. Enquanto avaliava qual salão seria o ideal, pensava em quais passos iria fazer. O caderninho onde anotava as etapas de cada aula estava dentro de sua bolsa, mas também estava em sua mente que repassava tudo, pensando em qual música isso ficaria adequado: amontoados de palavras em francês somadas a esparsas notas musicais.

Vamos lá, vai dar certo...” pensou, como se isso pudesse lhe trazer mais ânimo. “Ninguém vai iterromper dessa vez”

Encontrou o lugar que julgou ser o mais próximo do ideal. Deixou sua bolsa num canto qualquer, o som perto de uma tomada que não soube dizer de que lado estava e colocou as sapatilhas. Um alongamento aplicado, fruto de seus dias de atleta. Exercícios de barra demorados porque sabia da importância de cada movimento treinado. A memória de quem sabia de cada passo das aulas que assistira, afinal todos estavam desenhados e esquematizados em seu caderno.

Apertou o play, dando início a uma música clássica qualquer. A mesma da última aula de Dechamps, a mesma coreografia também. Tudo seria útil.

E assim começou, tentando fazer como Dechamps sempre dizia: deslizando pelo salão, ao som da música e comandada por uma contagem que fazia mentalmente. Tentava não se preocupar com os aspectos burocráticos ou exigir a perfeição extrema para não se irritar logo no início. E apesar de sua determinação nesse ponto, não conseguia evitar o espelho.

Últimos acordes, atitude final. Um princípio de auto-análise e conseqüente reprovação foram interrompidos por uma voz masculina.

-- Fica melhor se seus braços forem mais leves.

Kat virou-se, querendo conferir se o que ouvira era real, e o que viu foi algo que considerou inacreditável.

-- Fica melhor se seus braços forem mais leves. – ouviu-o repetir. – Mas para um primeiro exercício sem professor foi bom. Com um pouco de ensaio isso pode se resolver.

Viu-o entrar e dirigir-lhe essas palavras como se fosse a coisa mais normal do mundo enquanto se aproximava, altivo, e com um sorriso que não soube decifrar. E sem saber o que dizer, Kat ficou muda esperando por alguma palavra a mais.

-- E então? – perguntou como se não houvesse percebido seu espanto. – Não vai dizer nada?

-- O que está fazendo aqui? – a pergunta era comum e apropriada e o seu tom era incisivo.

-- Te ajudando a ensaiar, ora...

-- Estranho, não me lembro de ter pedido ajuda a ninguém. – foi ao som como se pretendesse trocar o CD, apenas para não ter que olhar para o seu rosto, uma primeira demonstração de desprezo. – Acho que você se enganou. Deve ter me confundido com outra pessoa... portanto...

-- Ei, ei! Que tal um pouco de educação? – Nash protestou, tentando se impor – Estou aqui no dia de folga na maior boa vontade... – parecia enumerar suas qualidades, ofendido com a recusa dela.

-- Não acho que educação seja o seu forte. – Kat interrompeu-o sem alterar o tom de voz – Tive uma experiência muito desagradável da última vez que tentei ser educada com você... ou melhor, ser gentil, porque educada eu ainda estou sendo.

Kat aguardou uma resposta da parte dele, imaginando que iria acabar se aborrecendo mas não foi o que aconteceu. Nash ficou sem palavras, e isso durou por um tempo que considerou longo demais.

-- Olha, eu vim pra ensaiar sem ser interrompida, então se não tiver mais nada a dizer, por favor... – não completou a frase, deixando subentendido que queria que ele saísse. Pouco olhou para o rapaz, mas soube que ele demorou alguns segundos para acatar seu pedido. Provavelmente esperava que ela recuasse, mas ao ver que não era o caso acabou obedecendo.

Ao sentir que Nash fora embora, respirou fundo como se estivesse aliviada. Sabia que mais tarde poderia acabar se sentindo culpada, mas saboreou uma pequena vitória por ter conseguido responder a altura. Não durou muito pois logo se pôs de volta a sua realidade: precisava continuar ensaiando.

-- Katherine. – ouviu a voz chamá-la e virou-se – Eu sei o que está esperando que eu diga, e tem toda a razão de querer... mas é que eu nunca fiz isso antes. Pode ser que seja muito ruim.

-- Sou paciente.

Viu-o suspirar, como se quisesse reunir forças. Não queria olhar para ele mas aquilo parecia algo acima de sua vontade. Por mais forte que fosse o seu aborrecimento, sabia que apesar de perfeitamente cabível, não conseguiria oferecer seu desprezo. Apenas uma ironia leve. Talvez até leve demais para a ocasião.

Disfarçou sua curiosidade, desviando o olhar para o seu porta cds, como se escolhesse algum outro para seu ensaio, embora isso já tivesse sido planejado com antecedência., seguindo a seqüência de seu caderninho. Então, para pressioná-lo a tomar uma decisão apertou o play e foi para o centro. Esperava que ele se cansasse e fosse embora, mas isso não aconteceu.

-- Me desculpe. – ele disse em voz alta para se fazer ouvir em meio a música – Eu não devia ter falado com você daquele jeito. Foi uma idiotice e estou arrependido. Será que pode me perdoar?

Kat voltou sua atenção para ele, agora explicitamente. Já era seu papel ouvir e responder. Sabia que estava diante de algo inédito. Não chegara a começar a coreografia, apenas se colocara em uma posição inicial, e até aquele momento não tinha pretensões de dançar na frente dele. Ainda era “a sobra”. Ouvi-lo falar fora um alívio momentâneo por não ter de dançar, e ouvi-lo pedir desculpas então era uma pequena vitória. Sendo assim desfez a posição e assumiu uma postura mais leve, observando-o e tentando descobrir se aquelas palavras eram verdadeiras. E a conclusão que chegou vendo o brilho estranho de seus olhos verdes fez com que tomasse sua decisão.

-- Tudo bem, Nash. Vamos pôr uma pedra nesse assunto. – disse, séria, mas não zangada. Era o tom de quem não sabia o que dizer e nem exatamente o que esperar.

-- Obrigado, Katherine.

Olharam-se por breves segundos, cada um sentindo algo diferente. Ela com sua expressão séria, ele como quem parecia envergonhado.

-- Com licença. – ele disse, saindo do salão, deixando-a novamente sozinha com seu som , suas sapatilhas e meia dúzia de pensamentos sobre o que acabara de ouvir e que ameaçavam sua concentração.


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Notas finais do capítulo

Pleaseee...



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