Oi pai

Não me lembro se alguma vez estive pior. Sim, é claro, estive tão ruim quanto estou agora quando você foi embora, porque era com você que eu tinha – e ainda tenho – maior intimidade. Agora Gabriel se foi e não tenho mais nada para me apoiar, nada de bom vem a minha cabeça.

Deixei a imaginação tomar conta de mim na quarta feira à noite. Mamãe achou que eu estava tendo um treco, quase me levou para o hospital, mas foi a única coisa que consegui fazer para me deixar longe dos pensamentos ruins.

Chamei todos os seres que já imaginei e deixe eles seguirem minha vida. Não me mexia mais, não precisava comer nem beber, eles estavam ali e falavam suas palavras de consolo. Eu finalmente estava no meu mundo.

Mamãe ficou muito preocupada, de verdade, me tirou de meus devaneios permanentes depois de me chacoalhar muitas vezes. Acho que ela podia ter me deixado por lá, pelo menos ali eu era feliz.

Esse é o segundo dia que Gabriel se foi. Pai, não aguento mais, eu preciso de pelo menos você aqui!! Por favor, volta pra casa, eu não aguento mais isso! Ontem a mamãe descobriu que eu fui na igreja protestante, me deu a maior bronca, falou as piores palavras do mundo... Disse que tem vergonha de mim...

Eu preciso de você! Volte logo, por favor...! A situação aqui ta muito ruim, não estou mais aguentando essas brigas constantes... Faltei duas vezes no trabalho, isso não é bom, mas é que estou sem forças para fazer qualquer coisa.

Ainda acho que tudo pode melhorar. Você mesmo sabe como sou otimista, e entende o tanto que preciso que as coisas sejam boas. Por mais que tudo esteja ruim, ainda acredito que vão melhorar.

Obrigada por me ouvir, como sempre. Fiquei um pouco melhor depois de escrever para você. Semana que vem, na quinta feira, é meu aniversário... Queria que você estivesse aqui. Mas pelo menos com você prometendo que vai cuidar de si mesmo...

                                                   Para sempre sua: Bela.”

Isabela arrancou a folha do caderno, fechando-o e colocando dentro do envelope, como sempre fazia. Com movimentos monótonos grudou o selo, levantou e desceu as escadas, sem muita manifestação. Jonas estava na sala, deitado, escrevendo sua tarefa em um papel de linhas tortas. Olhou a irmã, levantando meio tropeçando.

“Onde vai, Isa?” Perguntou, querendo sair de casa. “Posso ir com você?”

A menina deu de ombros, indiferente. “Vai ser rápido. Não vou parar em nenhum lugar.” Fechou a porta da casa, descendo a rua até a praça, seu irmão a seguindo entre pulos.

“É mais uma carta para o papai?” Falou ele enquanto passavam pela grama da grande e conhecida praça, qual Isabela tinha muitas memórias e lembranças.

“Sim.” Ela respondeu, olhos fixos na caixa do correio, tentando ignorar qualquer movimentação diferente na grande e majestosa arvore central, já sabendo que era sua imaginação.

Eles continuaram a breve caminhada, quando a garota esticou a mão para deixar o envelope na pequena caixa amarelada ele perguntou, receoso. “Você acha que ele recebe?”

Isabela parou, respirando fundo e fechando os olhos. “Tenho que acreditar nisso.” Falou somente, deixando a carta cair. “Se não tudo que eu faço e todo o porquê de que eu vivo não serve para nada.”

Jonas olhou-a, de repente compreensivo. Com um abraço consolou a irmã, sorrindo um pouco. “Você vai ver, vai da tudo certo.”

Ela sorriu, deixando uma lágrima escapar. “Obrigada, querido. Obrigada.”