No dia seguinte não foi tão difícil convencê-lo a sair. Serena e Jamie vieram me visitar. Os dois ficavam lindos juntos, aposto que todos notavam inclusive os dois. Agora meu Jamie tinha vinte e um anos...

            Eles logo saíram para trabalhar. Algo em Serena deixou uma sensação no ar, e me fez pensar em Saralynn, e no seqüestro... Não sei se foram seus olhos, sua voz, ou seu rosto, mas algo no fundo da minha memória me avisava para tomar cuidado.

            Agora todos os dias Ian saía e voltava a noite, parecendo cada vez mais dolorido. Eu tinha certeza que algo estava acontecendo e ele estava preocupado que eu ficasse preocupada, mas ainda estava muito fraca para confrontos, principalmente com Ian. Naquele momento, ele era tudo o que eu tinha. Tudo.

            Já faziam doze dias que eu acordara para a terrível realidade de que minha filha mais frágil tinha sido seqüestrada e estava desaparecida. Fazia meia hora que Ian tinha saído, quando a porta caiu com um estrondo, me assustando e fazendo Roxanne chorar e me abraçar.

            Sunny, que estava do outro lado do batente, entrou no quarto com alguns passos e colocou as mãos no quadril.

            -Escuta Peg, eu entendo que o que Ian está passando é difícil e está sendo bem drástico, mas isso não é razão para atacar Kyle sem nenhum motivo, circunstância ou razão!

            -O que? Atacar? - Perguntei me levantando, colocando as mãos na minha cintura, encarando a alma de pele olivácea. – Desculpe Sunny, mas eu não faço a menor ideia do que está falando...

            -Como assim? Ian não te contou?

            -Contou o que?

            Ela suspirou frustrada.

            -Desculpe achei que soubesse...

            -Do que, Sunny?

            -Não quero que saiba por mim...

            -Você está me matando, mulher!

            -Já é a quinta briga de Ian e Kyle, pronto falei!

            Ela disse rapidamente. A raiva subiu até a minha cabeça me deixando vermelha. Me virei para minha filha que olhava assustada de Sunny para mim e disse:

            -Roxanne, fique aqui querida, já volto.

            Saí do quarto com os passos mais largos, pesados e decididos que minhas pernas pequenas e feridas podiam, e pude ouvir a corrida apressada de Sunny para me alcançar.

            -Onde eles estão?

            Perguntei. Minha voz parecia pedra.

            -No refeitório, Jeb está tentando apartar sem usar a arma, mas não vai agüentar muito tempo.

            A medida que cheguei perto do corredor do refeitório, pude ouvir a bagunça de vozes que se conflitavam entre as frases: “ Briga! Briga! Briga!” e “Parem, por favor!”. Não era difícil discernir qual era das almas e qual era dos humanos. Assim que entrei no refeitório, pude ver os sobressaltos de todos ao me ver e aos meus ferimentos.

            -Ian O’Shea!

            Eu gritei com uma voz que não parecia minha de tão brava e decidida. As pessoas abriram caminho para mim passar, me encarando como se eu fosse a coisa mais horrenda do mundo, e com certeza, depois da minha beleza anterior, era o que eu devia estar parecendo. Cheguei ao centro do refeitório, onde Jeb, Kyle e Ian estavam de punhos levantados, congelados olhado para mim.

            Havia até uma mesa quebrada. As mesas eram de pedra.

            -Ian. – Levantei um dedo e o dobrei, acenando para que ele viesse até mim. Ele baixou os punhos e caminhou devagar até mim. Estalei-lhe um tapa na cara que ecoou no silêncio tenso do cômodo – Nossa filha está desaparecida e é isso que fica fazendo? Não é hora de brigar! Podemos estar todos em perigo, a ponto de sermos descobertos!

Devíamos estar mais unidos do que nunca – Me virei para o público que me olhava, ainda fascinado e assustado ao mesmo tempo – E vocês ainda incentivam essa loucura! Obrigada a quem pediu para pararem! – Me virei de novo para Ian, e vi que ele ia dizer alguma coisa, mas o interrompi. – Não importa o que ele tenha feito, quero que se vire e peça desculpas.

            Ele virou-se e caminhou até o irmão de cabeça baixa e ombros curvados para baixo, e murmurou algumas palavras, que eu sei que foram de desculpas porque Kyle sorriu satisfeito. Ian arrastou os pés até mim novamente.

            Estendi a mão, ele sorriu e colocou a mão na minha. Tirei-a rapidamente, e estendi novamente, dessa vez buscando o que eu queria. Saí do refeitório sob aplausos, arrastando Ian pela orelha.