O Povo do Vento escrita por Gabrielle Erudessa


Capítulo 3
3 Canto para os Atormentados


Notas iniciais do capítulo

Sorry a demora, mas cá está *-*



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O jantar foi animado e farto, e as vozes das crianças cantando tornou a noite memorável. Murtagh guardou a lembrança daquela noite com cuidado num canto especial de sua mente, para que jamais a esquecesse.

Quando todos estavam satisfeitos e os pratos e taças não estavam mais sendo cheios, Mïhëan voltou a levantar-se, sorrindo levemente.

- Meu Povo. Espero que o jantar tenha agradado... E que a Ambrósia tenha permitido que suas vozes ficassem em perfeito estado para a Cerimônia de Cantos. – alguns risos isolados foram ouvidos, outros sorriram apenas com os lábios largamente, enquanto as crianças tiravam as mesas e sumiam, rindo disfarçadamente. – Que Länie e Miën os guardem pela próxima hora, até que nos encontremos novamente durante a Cerimônia. – fez o cumprimento dos braços cruzados sobre o peito. Todos o repetiram e, então, levantaram-se e encaminharam-se para a cidade.

A rainha virou-se para Murtagh, sorrindo, sinalizando para que ele a acompanhasse até a cidade. Seus irmãos também se levantaram e foram indo na frente. Murtagh notou que Helena e Súëi saíram abraçados, assim como Enäí e o outro rapaz que também estava na mesa redonda. Véäio caminhou sozinho.

Notando seu interesse, Mïhëan sorriu.

- Súëi e Helena são companheiros numa união cujo sentido se aproxima do que humanos e anões chamam de “casamento”. Enäí e Ínäg, o Lupus que eu me esqueci de apresentar, compartilham o mesmo tipo de união. – enquanto andava, observava a Lua adiante, acima de um bosque. Ao falar os nomes da irmã e do companheiro desta, riu levemente. – Que ironia... Enäí significa “Paz” e Ínäg, “Guerra”... – sua expressão era a de alguém alegre ao falar isso, as sobrancelhas levemente erguidas, uma alegria sarcástica.

- Como assim, se aproxima? E quanto à Véäio?  – ele não resistiu em perguntar, aproximando-se mais de Mïhëan. Ela virou o rosto para ele, sorrindo.

- Exceção à rainha, todos do Povo do Vento tem visões com aquele ou aquela que deve ser seu companheiro ou companheira, quando este ou esta está em perigo de morte. Essa união é pra vida toda. Se um morrer, o outro morre, já que a ligação que se forma é como a ligação de um Cavaleiro com o seu Dragão. Além disso, quando nós atingimos a maturidade, paramos de envelhecer até encontrar nosso companheiro. Aos quinze para as mulheres, aos dezoito para os homens. Muitas vezes, nossos companheiros não são Lupus, como aconteceu com meu irmão Súëi. Além disso, apenas aqueles que pertencem ao Povo do Vento ou são considerados do Povo do Vento, como Helena, podem ter conhecimento. – sorriu levemente. – Véäio ainda não teve visões com sua companheira, o que significa que ou ela não nasceu, ou ainda não passou por perigo de morte. – respirou fundo enquanto entravam na cidade.

Murtagh olhou para Mïhëan por alguns segundos, algumas peças se encaixando no complicado quebra-cabeça daquele povo. A rainha parecia ter sua aparência congelada nos quinze anos, mas tinha quinhentos e quinze. Enäí era sua irmã gêmea, mas parecia ter mais ou menos vinte e dois anos. Enäí encontrara seu companheiro, mas a irmã gêmea ainda não.

- Você... Já teve visões com ele? – ele perguntou, incerto se seria ou não uma falta de educação. Mïhëan apenas sorriu, mas ele percebeu, quase sem querer, uma nuvem de lágrimas inundar os olhos castanhos.

Murtagh viu Mïhëan abrir a boca e percebeu que ela falava, mas ele não estava ouvindo. Franziu o cenho, um insuportável zumbido invadindo seus ouvidos. Por alguma razão, sentiu cheiro de sangue misturado à um cheiro doce em excesso e enjoativo. Sua cabeça começou a doer como se um martelo estivesse batendo nela, enquanto sentia uma mente que ele conhecia muito bem tentar invadi-la, batendo contra os muros mais uma vez. Sentiu Thorn tentar unir suas mentes, mas foi rechaçado pela mente que ele já conhecia há muito.

Sentiu seus olhos arderem e tudo ficou negro.

- O garoto é tolo, senhor. – uma voz desconhecida dizia. Parecia a voz de uma serpente. Era daquela pessoa que vinha o cheiro de sangue e doce em excesso.

Galbatorix olhava o último ovo em suas mãos, a expressão pensativa enquanto murmurava alguns feitiços.

- Muito tolo. Pensou que minha mente não conseguiria alcançar a dele. É uma questão de tempo até que suas defesas caíam e eu descubra onde ele está para que os Djins ataquem e o tragam para mim. E, se ele resistir, ainda posso usar seu verdadeiro nome. – sorriu macabramente, a pessoa a frente aproximando-se e saindo das sombras.

Era um homem... Não, não era um homem. Definitivamente não era. Era alto, troncudo, a pele levemente azulada, usando calças negras e largas e botas de couro, sem camisa. Uma longa espada de lâmina larga estava pendurada nas costas. Seu peito, braços e rosto eram cobertos por intrincados desenhos em negro, curvas, linhas, runas e outros símbolos se cruzando. Braceletes dourados estavam nos pulsos, e uma placa de ouro protegendo o pescoço. Diversos medalhões estavam pendurados no pescoço, em cordões de tamanhos variados. Anéis de prata e de bronze com pedras preciosas finamente decorados que cobriam metade dos dedos. O cabelo era negro e longo, preso em muitas tranças, caindo pelos ombros e peito. O rosto era longo e triangular. E os olhos, eram assustadores. A íris negra, com a pupila vermelho-sangue tomando quase totalmente o olho, a íris sendo uma linha fina.

- Podemos matar a rainha? É a última da linhagem, ainda não teve filhos. Nem um companheiro achou ainda. Se a matarmos, os Lupus estarão em suas mãos. E lembre-se, as crianças são nossas. Há muito não comemos carne de criança Lupus. – lambeu os lábios e Murtagh teve certeza de que viu uma língua azul.

Galbatorix franziu o cenho, pensando. Parecia considerar muitas coisas.

- Mas e a irmã gêmea da rainha? – o Imperador perguntou, ajeitando-se no trono.

- Ela só governa quando a rainha está fora. Não tem poder sobre o povo, de fato. Se a rainha morre, apenas a filha mais velha assume o trono. Caso contrário... – explicou, deixando o fim da última frase no ar. – Os Lupus são dependentes da rainha. Estão tão acostumados com a presença dela guiando-os, que ficariam perdidos sem uma. – sorriu de forma macabra ao lembrar-se desse fato.

Antes que Galbatorix falasse mais alguma coisa, as portas abriram-se com violência enquanto uma jovem com as feições parecidas com as do estranho com quem o Imperador conversava, porém mais suaves, os cabelos reluzentes como esmeraldas cortados diagonalmente, apenas o lado esquerdo do corpo com os intrincados desenhos e símbolos em negro e usando um manto vermelho entrou. Seu cheiro era um cheiro doce e desconhecido. Havia uma protuberância no ombro esquerdo, onde uma coruja de penas negras e olhos prata estava pousada, com uma expressão séria e analisadora. Os olhos, tanto da jovem, como da coruja, estavam sérios e olhavam para todos os lados, até que se fincaram onde Murtagh estava.

- Parf, o que foi, garota?! – o desconhecido gritou, andando na direção da garota.

- Aers, se não estivesse tão preocupado com seus planinhos, teria percebido que uma consciência entrou aqui e os está observando. – Parf rebateu, calma, olhando para Aers, que parecia surpreso, mas logo olhava em todas as direções, preocupado. A coruja continuara olhando na direção de Murtagh.

Antes que o estranho o encontrasse, Murtagh sentiu-se puxado para trás, como se fosse abraçado.

Mïhëan estava ajoelhada no chão, a face em desespero, Murtagh apoiado em suas pernas de costas para ela, a rainha abraçando-o pelos ombros e murmurando palavras na Língua do Vento no ouvido do Cavaleiro. O rapaz estava com o corpo mole e frio, a respiração suspensa, como se estivesse morto. Uma lufada desesperada por ar, os olhos  abrindo-se expressando terror, enquanto lutava inconscientemente para livrar-se do abraço de Mïhëan.

- Murtagh, däí iäa (1)! – falou em tom alto, lutando para fazer o Cavaleiro perceber que estava em segurança.

Murtagh parou de debater-se para se levantar, deixando-se apoiar contra o corpo da rainha, que esfregou seus ombros com as mãos, buscando, de algum jeito, passar calor para o corpo frio do rapaz. Murtagh ofegava, os olhos dançando pelo lugar. Aparentemente, estava no que seria uma praça. Alguns do Povo do Vento estavam ao redor, distantes, mas percebia-se em suas expressões a preocupação. Fechou os olhos, segurando os braços de Mïhëan com as duas mãos. Ela o fez soltar seu braço e segurar uma de suas mãos. Murtagh apertou sua mão com força, e Mïhëan percebeu que ele suava frio.

- Já passou... – murmurou em tom calmo, buscando acalmar o Cavaleiro. Lentamente, a respiração dele estabilizou-se.

- O qu... O que aconteceu? – Murtagh deixou escapar por entre os lábios num tom cansado, a rainha ajudando-o a levantar-se. Não sabia por que, mas sentia que estava desesperado, e só estava se acalmando por causa da presença da rainha.

- Galbatorix tentou invadir sua mente. Comecei a murmurar um feitiço para expulsá-lo, mas então sua consciência abandonou o corpo e tive que murmurar outro feitiço, para chamar sua consciência para o seu corpo e manter seu coração batendo antes que fosse tarde e Enäí continuou tentando expulsar Galbatorix de sua mente. Lembra-se de ter visto ou ouvido algo? – ela perguntou, segurando-o pelos ombros e fazendo-o apoiar as costas numa árvore alta de copa verde com flores avermelhadas.

Murtagh fechou os olhos e forçou sua mente a tentar lembrar de alguma coisa, mas sem sucesso. Lembrava-se apenas do cheiro de sangue misturado ao doce em excesso.

- Nada... Só cheiro de sangue misturado à algo muito doce... – murmurou, passando os dedos de uma das mãos pelo cabelo, buscando tirar algumas mechas da face. Mïhëan suspirou. – Sinto por isso... – disse, não entendendo ao vê-la sorrir.

- Não sinta. É ótimo você não se lembrar. Acredite quando digo que lembrar-se do que viu quando sua consciência abandona o corpo não é nada agradável... – mal terminou de falar isso, Enäí e Inäg chegaram correndo, analisando o Cavaleiro. Inäg parecia prestes à sair retalhando tudo, enquanto Enäí parecia impassível.

- “Mïhëan, o que houve?!” – Inäg chegou meio que berrando com sua pouca paciência na língua do Vento, aproximando-se da rainha. Esta permaneceu calma, mas o suave sorriso desaparecera da face.

- “Galbatorix, de algum jeito, conseguiu estender seu poder para que alcançasse a mente de Murtagh. Não sei como ele fez isso... Estamos muito longe de Urû’baen... E ainda há os feitiços protetores de Miën, consciências estranhas não deviam conseguir entrar, quanto mais uma hostil.” – Mïhëan respondeu, pensativa.

Inäg olhou com hostilidade para Murtagh, fazendo o rapaz ter um sobressalto, enquanto ainda recuperava-se do momento em que sua consciência abandonara seu corpo. Não sabia o que estavam falando, mas tinha a noção do assunto, pelos nomes que entendeu. Provavelmente discutiam sobre como Galbatorix fizera sua mente ir tão longe.

- “É tudo culpa dele, Mïhëan. Trazê-lo está fazendo com que ganhemos mais um inimigo. Já não bastam os Djins à Oeste, ainda quer que venha perigo do Sul? Nós mal estamos conseguindo nos defender dos Djins desde que eles roubaram o Oráculo de Guerra! Está vendo se consegue fazer Länie, Branö, Iën, Riën, Miën, Randë e seus filhos aparecerem em carne e osso para nos ajudar?!” – as palavras de Inäg foram duras e cruéis, revelando mais uma vez uma verdade que Mïhëan já conhecia desde que ele era uma criança, afinal, apesar da aparência, o companheiro de Enäí era cerca de cem anos mais novo que a rainha e a irmã desta.

- “Está tentando me ensinar como governar meu povo, Inäg Dévïgéo’Tréänö (2)?” – seu olhar era perfurante e fez o Lupus engolir em seco. – “Murtagh fica. Galbatorix cedo ou tarde se tornaria nosso inimigo. Você sabe que os Djins estão loucos para dominar este lado da floresta e que somos os únicos que os impedem. Sem escrúpulos como só eles e Galbatorix sabem ser, fariam algum acordo com ele e se entenderiam muito bem, obrigado. São farinha do mesmo saco, Inäg. Você, como nosso principal General, Conselheiro de Guerra e tendo o nome Guerra do filho de Branö e Randë deveria saber que para vencer seu inimigo, é necessário pensar como ele.” – Inäg abaixou os olhos, evitando os da rainha, que estavam amarelos feito os de um lobo. Mïhëan apenas suspirou, fechando os olhos, esperando voltarem ao castanho. Certas vezes o General realmente conseguia tirá-la do sério. Devia ser efeito do nome do cunhado.

- Quanto tempo fiquei “fora do ar”? – ao perceber que a discussão acabara, tendo como resultado um Inäg amuado  mas inquieto, Murtagh arriscou perguntar enquanto deixava de se apoiar na árvore para caminhar. Suas pernas ainda estavam meio bambas, mas não o suficiente para impedi-lo de caminhar.

Mïhëan virou-se para ele, permitindo que um leve e misterioso sorriso se moldasse nos lábios naturalmente negros antes de responder, mas com uma apreensão medida e disfarçada no olhar e nos movimentos.

- Cerca de meia hora. Muito tempo para uma consciência ficar fora do corpo. É perigoso... – parou de falar, abaixando os olhos e alisando algumas dobras do vestido. Ergueu-os então, observando Murtagh atentamente. Isso provocou um arrepio involuntário no Cavaleiro. O olhar era de tal modo penetrante que o rapaz sentia como se ela pudesse ler sua mente sem que ele percebesse, mas ela não invadiu sua mente, sequer tentou. Apenas o olhou de forma intensa.

Enäí suspirou, colocando uma mão no ombro da irmã, chamando sua atenção. Comunicaram-se pelo olhar, num código só delas. A rainha baixou o olhar e virou-se de costas, escondendo o rosto e as mãos, que pelo que o Cavaleiro percebera, demonstravam mais seu estado de espírito do que as expressões de seu rosto.

- Vamos. Está quase na hora e ainda temos um caminho considerável à percorrer até chegar ao templo. – a rainha não esperou respostas, logo começando a andar com passos rápidos. Enäí, Inäg e Murtagh não tiveram opção, à não ser começarem a andar rápido para acompanharem os passos de Mihëan.

XxX

Murtagh foi guiado por um labirinto de escadarias até chegarem à um lugar de teto alto e ruas largas. A mesma água que vira no andar do palácio escorria pelo centro da rua. O lugar era silencioso e emanava paz e tranquilidade. Não haviam pessoas à vista

Enquanto andavam, Murtagh observava as laterais das ruas. Templos de uma pedra azulada com veios de prata erguiam-se. Escadarias largas levavam aos interiores. Em frente à cada um, havia uma estátua que chegava até o teto. Contou sete estátuas diferentes, apesar de haverem mais templos.

Pararam em frente à um templo que, pelo que Murtagh calculou, ficava à beira da cidade. Ele percebeu que diversos regatos de água saiam e entravam por janelas e buracos ou escorriam pelas paredes até os buracos. Observou a estátua com o corpo feito em aqua marina. Era uma mulher sentada suavemente numa onda. Erguia os braços à frente do corpo, em cima das mãos, estava uma planta estranha para o Cavaleiro, com as raízes descendo pelas laterais e caindo até o chão, grossas como cipós. Tinha um olhar plácido e compassivo, com os olhos feitos de diamante. Os cabelos lisos esculpidos em turquesa desciam pelas costas e ombros e misturavam-se com delicadeza à onda esculpida em aqua marina. Tinham uma aparência lisa de água, decorado com conchas coloridas. O corpo estava coberto com ondas de água feitas de ágata azul, com espumas feitas de ágata branca. Era um trabalho de mestre. Murtagh estava abismado com a delicadeza com a qual as pedras preciosas haviam sido trabalhadas, mas ao mesmo tempo transmitindo imponência. Era uma figura à ser respeitada.

- É Randë, a deusa da água, da cura e da renovação. – Enäí disse, sorrindo, antes de começar a subir a escadaria, ao perceber o olhar aparvalhado do rapaz.

Murtagh seguiu os Lupus que já haviam subido a escadaria, um pouco temeroso do que encontraria.

O interior do templo era encantador. Um lago interior ocupava todo o lugar, aquela mesma planta nas mãos da estátua espalhada por todos os lugares – era uma folha redonda de tamanhos variados, algumas com uma singela flor branca –, com uma ponte que atravessava o centro, indo em direção à um arco feito de ônix que separava a entrada do resto do templo, com tecidos daquela seda de aranha, mais fina, tingidas de diversos tons de azul, arrumados como cortinas com nós e laços delicados, caindo até o lago e a ponte suavemente. Atravessando-se o arco, ele percebeu muitos do Povo do Vento reunidos. As paredes eram entalhadas em alto e baixo relevo com a forma de ondas e seres semelhantes à Helena, nadando, curando ou realizando feitiços usando a água. No teto, uma única pintura, onde a deusa de pele azulada estava agachada ao lado da cama de um homem de cabelos e olhos de fogo, pele morena e vestindo roupas vermelhas. Percebia-se que o homem da pintura estava moribundo. Das mãos da deusa, por sobre a testa e a boca do homem, pingava água suavemente, meio oculta por uma luz suave e azulada que envolvia suas mãos.

Inäg, apesar da apatia visível pelo cavaleiro, esperou-o na beira da ponte de pedra.

- O que significa? – Murtagh perguntou, apontando para o alto, quando aproximou-se do Lupus.

- Randë curando seu marido, Branö, o deus do fogo, da guerra e da destruição, quando ele foi envenenado pelos Djins. – Inäg respondeu, de má-vontade, logo recomeçando a andar.

A aversão do Lupus para com Murtagh era óbvia. Inäg não tentava ocultá-la.

Atravessou o arco de ônix, afastando a cortina de seda de forma a ter certeza que não a danificaria, e encontrou uma grande sala circular com escadas que iam em todas as direções, buracos no alto e nas paredes por onde escorria água, em direção ao lago. Havia uma grande abertura na parede, que dava para o céu. Thorn entrara por ela e agora estava deitado no chão de pedra, entre muitos do Povo do Vento. O silêncio era palpável, apenas o som do vento e o barulho sussurrante da água escorrendo perturbava aquele silêncio.

Mïhëan sumiu por uma porta que ficava atrás de uma escadaria por alguns minutos. Voltou usando um vestido branco com um robe carmim por cima e um espartilho vermelho por cima dos dois. Ela aproximou-se dele, segurando-o pela mão e o puxando para onde Thorn estava.

- Se ajoelhe aqui, ao lado de Thorn, e abram suas mentes. – disse a rainha, ajoelhando-se em frente ao Cavaleiro, o vestido espalhando-se ao seu redor.

- O que vai acontecer? – ele perguntou, inseguro, olhando ao redor como se à qualquer momento alguém fosse erguer uma espada para atingi-lo pelas costas.

- Vamos quebrar as promessas que Galbatorix obrigou que vocês fizessem. – ela respondeu, enquanto um rumor crescia lentamente, como chuva caindo.

- Ele saberá que isso aconteceu? – Murtagh murmurou, antes de tanto ele como Thorn sentirem-se entorpecidos pelo rumor de chuva e o som suave de uma corda começando a tocar.

- Saberá, mas não poderá fazer nada. – ela sussurrou em resposta, segurando suas mãos entre os dois. – Fechem os olhos e abram suas mentes. Não as fechem durante o processo, o resultado pode ser catastrófico. – ela avisou, fechando os olhos.

O Povo do Vento começou a cantar. Todos juntos, no ritmo do rumor da chuva, que aumentava à cada segundo. O coro de vozes era como uma cachoeira e invadiu suas mentes de tal jeito que eles achoaram, por um segundo, que enlouqueceriam. Nesse instante, Mïhëan apertou sua mão, dando a certeza de que estava ali e que não deixaria nada ruim acontecer.

Sáëtän (Sáëtän), Sáëtän (Sáëtän)

(Ouça (ouça), ouça (ouça))

Sáëtän dërá anëá cë randë’nié

(Ouça cada gota da chuva)

Sáënïtän rëas lávúë randë’nié

(Murmurando segredos na chuva)

Läénëmádö sëiátän së dïá rë sáë

(Fascinantemente procurando por alguém para ouvir)

Rïgir ressë híë landëten cë ämn däi sámnëtän

(Essa história é maior do que ela esconde)

Përi lëá, në séörigä ämn äégä

(Por favor, não deixe que vá)

Në cálïtin sïméo së särïi?

(Não podemos ficar por enquanto?)

Landëten méï dëna dürí aanë

(É tão difícil dizer adeus)

Sáëtän úë randë’nié

(Ouça a chuva)

Sáëtän, Sáëtän, Sáëtän, Sáëtän, Sáëtän, Sáëtän úë randë’nié

(Ouça, ouça, ouça, ouça, ouça, ouça a chuva)

Páelïtün

(Pingando)

Sáëtän (Sáëtän), Sáëtän (Sáëtän)

(Ouça (ouça), ouça (ouça))

Nui eníten séol lávuë támïn

(Eu estou sozinho na tempestade)

Dänieé, haní, vanéiës rünton inä

(De repente, doce, palavras tomam forma)

Dëis në cálïton së nuëdë, në lëátën nié dïán

(Eles não podem ficar por você, não tem muito tempo)

Ménäigü dïe’os täuos rë úë säráeh úë dïeo lï

(Abra seus olhos para o amor a sua volta)

Nuëdë cálïtän iaä enä séol

(Você pode se sentir sozinho)

Ní nui eníten mëno malië nuëdë

(Mas eu estou aqui com você)

Nuëdë cálïtän sán rëa ämn lehö

(Você pode fazer tudo que desejar)

Sül hïméogä iaä cë sáëtän úë randë’nié

(Só lembre-se de ouvir a chuva)

Sáëtän

(Ouça)

A música penetrou em suas cabeças com força. Não apenas elas, mas o rumor de chuva e as mentes daqueles que cantavam também. Um lobo grande e guardião que entrou em todos os recantos escondidos de suas mentes, e tudo que colocava em xeque as crenças de Murtagh e Thorn, tudo que os prendia à alguém contra a vontade deles, foi estraçalhado por seus dentes e garras, dando ao Cavaleiro e ao Dragão uma sensação de alívio, de correntes quebradas.

Quando a música acabou, a rainha soltou suas mãos, o rumor de chuva sumiu, assim como o som da harpa.

Murtagh e Thorn sentiam-se leves, como se um grande peso houvesse sido retirado de seus ombros, um peso enorme e que eles não conseguiam mais carregar sozinhos. O cavaleiro sentia-se como durante o tempo relativamente calmo em Farthen Dûr, que ele não tinha obrigação para com ninguém. A única obrigação que permanecia e que ele não tinha nada contra, era para com Thorn.

Olhou para Mïhëan e todos do Povo do Vento. Tinham um olhar cansado, mas sorriam com autêntica felicidade. Engoliu em seco. Mesmo em conjunto, a energia usada fora muita. Eles deviam estar exaustos.

- Você está bem? – Thorn passou a pergunta para Murtagh e este a fez à Mïhëan. Ela sorriu, levantando-se com dificuldade.

- Não, mas se os juramentos que vocês fizeram contra suas vontades foram quebrados, vale à pena. – ela respondeu, franca, ainda sorrindo. Ela encontrou forças em seu íntimo para falar ainda para as pessoas que se encontravam no templo. Ninguém saíra ainda. – Agradeço a todos do Povo do Vento. Graças ao trabalho em equipe de nosso Povo, duas criaturas que contra sua vontade tinham tido sua liberdade arrancanda por juramentos, tiveram essa liberdade devolvida. –uivou como fizera mais cedo. Todos seguiram o uivo, cruzaram os braços sobre o peito e curvaram as cabeças. Ela imitou o gesto e todos começaram a se retirar, lentamente e organizadamente. Em seguida, virou-se para Murtagh e Thorn. – Está tarde, e nosso dia começa cedo. É melhor irmos. Se desejar, Murtagh, você pode ir com Thorn. Ele sabe qual porta leva para o seu quarto. – ela sorriu, curvando levemente a cabeça e virando-se para ir embora.

Vamos? Thorn ecoou a pergunta na cabeça do cavaleiro, espreguiçando-se como se estivesse há muito sem se mexer.

Vamos. Murtagh respondeu, subindo nas costas do dragão e acomodando-se. Thorn ficou de frente para a abertura na parede, esticou as asas e alçou vôo.


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Notas finais do capítulo

1. Murtagh, Acalme-se!
2. Inäg Cavaleiro de Lobo. Meio ridículo, eu sei.
Meio curto, mas agora sim a história começa a andar!
Espero que tenham gostado!
Beijos



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