O Povo do Vento escrita por Gabrielle Erudessa


Capítulo 4
4: Flecha Esmeralda


Notas iniciais do capítulo

Aeee!!!!
Mais um cap! =D
Espero que gostem *-*



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Thorn pousou no teto da cidade, próximo à uma porta que havia no chão, feita de madeira.

Aí é o quarto que eles lhe deram. O dragão deixou ecoar na mente de Murtagh, enquanto este desmontava.

Tenha um bom descanso, Thorn. Murtagh desejou, sorrindo, antes de sumir pela  porta, trancando-a por dentro. A última coisa que viu antes de entrar no quarto foi o dragão enrolar-se sobre uma almofada bem confortável vermelho-sangue que fora colocada lá especialmente para ele, tendo as estrelas como teto. Thorn respondeu algo parecido antes de cair no sono.

As roupas que ele deixara em cima da cama não estavam mais ali, apenas um conjunto branco composto de uma calça e uma camisa, mas um baú de um estranho material esverdeado havia aparecido e estava aberto, encostado numa parede. Aproximou-se, e lá estavam as roupas que Helena havia lhe dado mais cedo.

Deu pela falta de Zar’roc. Onde a havia deixado mesmo? Lembrava-se de tê-la desamarrado do cinto enquanto experimentava as roupas na loja de Helena, mas não lembrava-se de tê-la pego de novo.

Olhou para a cama, e reparou no cabo da espada com a jóia vermelha aparecendo por debaixo de um dos travesseiros. Havia um bilhete em cima do mesmo, escrito numa letra caprichosa. Aproximou-se, pegando-o e lendo-o.

Não esqueça essa espada em lugar nenhum! Os costumes do Povo do Vento diz que a lâmina de uma espada jamais deve ser vermelha, pois atrai a desgraça para o povo do dono da espada. Alguns antigos extremamente conservadores não gostariam nem que Zar’Roc estivesse em Miën.

É um conselho de amiga.

Helena

Ficou surpreso com o que leu. Sua espada poderia ir para longe dele apenas por sua cor. Cada palavra, cada costume, o deixava mais curioso sobre aquele povo estranho, meio humano meio animal.

A espada estava ainda embainhada, perfeita. Helena não deixara nada acontecer com ela.

Trocou as vestes formais que utilizava pelo conjunto deixado em cima da cama, guardando as outras vestes no baú e fechando-o. Passou ainda a tranca que havia na porta do quarto.

Ficou olhando para as chamas esféricas e ondulantes que iluminavam o local num tom suave de prata. Como faria para dormir com aquela luz?

Sentou-se na cama, ainda pensando, enquanto o sono chegava devagar. A impressão que teve era que a intensidade das luzes diminuia gradativamente, o quarto ficando cada vez mais escuro. Decidiu por deitar-se debaixo das cobertas, a espada ao seu lado, pronta para ser usada.

A sensação de ter sua mente silenciosa como estava, era reconfortante. Aquela sensação sumira desde que Galbatorix usara as Eldunarí para aumentar sua força. E agora, a tinha de volta. Sem mais sensações e pensamentos que não lhe pertenciam. Sem mais sonhos e sonos peturbados pelas vozes de outros...

Esses foram seus últimos pensamentos antes de cair no sono e as chamas esféricas passarem a brilhar como madeira incandescente depois de apagado o fogo.

XxX

- Näi’Üué (1), por que estamos enrolando tanto? – ouvia-se a voz de uma criança falar, manhosa. Parecia familiar para o rapaz que estava semi-acordado, ainda com um pé no mundo dos sonhos. Vinha do lado de fora do quarto, em frente à porta.

-Porque ele com certeza não está acostumado à acordar  alguns momentos antes do nascer do sol como nós, Aïá. Além disso, todos nós fomos dormir tarde. – essa voz era conhecida com certeza, era de Enäí. E lembrava-se da menina, Mïhëan cumprimentara-a pegando-a no colo e dando um beijo em sua testa. O que significaria Näi’Üué?

- Mas eu quero mostrar a cidade e ensinar nossos costumes pro Tio M logo! – a garota respondeu, emburrada. Tio M? Aïá estava referindo-se à ele?

Ganhou um apelido também? A pergunta de Thorn ecoou na mente do rapaz, despertando-o por completo.

Como assim, também? A menina te deu um apelido? Respondeu a pergunta com outras perguntas, levantando-se e esfregando o rosto.

Sim. Tio T. Incrível, não? Sou mais novo que ela, e ela me chama de “Tio”... O dragão foi sarcástico, enquanto expreguiçava-se sobre a almofada acima da cidade. O cavaleiro sentia suas intenções de voar por cima do país.

Murtagh apenas riu, enquanto levantava-se, trocando o conjunto branco pela túnica branca com bordados vermelhos nas mangas e nas barras e pelo robe negro avermelhado com bordados dourados na mangas e na gola. Fez os laços o mais rápido que pôde, pendurando Zar'roc na cintura.

Quando abriu a porta, encontrou Enäí e Aïá, a primeira preparava-se para bater na porta. Ela sorriu e cumprimentou-o com o cumprimento para Guerreiros e Cavaleiros. Aïá sorriu e o cuprimentou cobrindo o rosto com as mãos e levando-as para trás da face. Ele respondeu ao cumprimento de Enäí antes de qualquer coisa.

- Oi, Tio M! – disse a menina alegremente, dando pulinhos de felicidade. Murtagh riu, enquanto Enäí lutava para fazer a garota acalmar-se.

- Desculpa por isso, ela é muito animada... – Enäí desculpou-se sem um motivo muito claro para o rapaz, dando um sorriso sem graça enquanto fazia Aïá parar de pular segurando-a pelos ombros.

- Não tem problema. – ele disse, rindo de novo quando a garota livrou-se das mãos da outra, mostrando-lhe a língua assim que se escondeu atrás do cavaleiro.

- Inäg é muito mole com você! – Enäí ralhou, cruzando os braços, impaciente.

- Nëi’Üué(2) não é mole comigo, apenas desistiu de tentar me controlar depois que escondi na biblioteca o arco que o Nëe’Üué(3) deu pra ele. – Aïá sorriu de um jeito maroto, deixando Murtagh confuso quanto aos significados ocultos das palavras na língua do Vento que ela falara.

Enäí bufou, balançando a cabeça e murmurando algo em sua língua natal que o cavaleiro não escutou, e mesmo se tivesse escutado, não saberia o que ela tinha dito.

- Vamos. Você deve estar com fome. – Enäí suspirou, sorrindo, já parecendo mais calma, como se o episódio de agora à pouco já tivesse sido tachado como “Costumeiro”.

Os três começaram a andar pelo corredor, Aïá saltitando do lado de Murtagh. Enquanto isso, a irmã de Mïhëan explicou algumas coisas para o rapaz, que tomou o cuidado de permitir que Thorn ouvisse. Aparentemente, o dragão cor de sangue encontrara Länie bebendo água de um rio do outro lado da montanha, e agora conversava com ele.

- Minha irmã gostaria de lhe falar sobre nosso povo, mas alguns assuntos urgentes relacionados aos Djins estão pendentes, e eu tenho que colocá-la à par de tudo que aconteceu enquanto ela esteve fora. Por causa disso, Aïá irá lhe falar mais sobre nós, assim você não se sentirá tão perdido quanto aos nossos costumes. – ela sorriu suavemente, enquanto Murtagh olhava para a menina, com um sorriso calmo de criança nos lábios escurecidos.

-Sem problemas. – ele não via problema nenhum em passar o dia ao lado da garota. Parecia ser até melhor. Crianças dificilmente possuíam segundas intenções.

Desceram uma das escadas, a água exalava um cheiro suave e fresco que ele não conseguiu identificar, e as chamas circulares emitiam uma luz azul que imitava o tom do céu. Entraram por um dos corredores laterais, e antes disso os olhos do rapaz foram atraídos para a primeira tapeçaria, da jovem que parecia uma elfa, de cabelos cor de ouro. Destoava do resto das tapeçarias, sua identidade oculta no passado daquele povo.

Seguiram pelo corredor por algum tempo, passando por algumas portas duplas de aparência pesada e antiga, entalhadas com altos e baixos relevos de batalhas pelas quais aquele povo passara contra os Djins, tendo como aliados outros tão estranhos quanto eles que viviam naquela parte do mundo. Alguns possuíam asas de pássaros variados nas costas, com garras tão longas nos pés e mãos, que poderiam atravessar o peito de uma pessoa e aparecer do outro lado. Outros, haviam saltado, a cena gravada num processo de transformação em algum animal pêludo e grande – muito grande. E outros semelhantes à Helena, em sua maioria usando estranhas barras, três, ligadas por correntes, ou um par de facas longas cuja forma das lâminas lembrava a asa de um morcego de um lado, e do outro era perfeitamente reta. E seres que pareciam pessoas cobertos dos pés a cabeça manejando armas estranhas. Uma delas consistia numa corrente com uma pequena foice na ponta, manejada com habilidade.

Entraram por portas cujos entalhes eram completamente diferentes. Uma jovem Lupus sentada em meio à flores de formas variadas, com diversos corpos pequenos ao redor, voando ou então sentados nas flores. Era uma imagem estranha.

O local era uma enorme sala, cheia de mesas longas e baixas, com almofadas coloridas ao redor. O lugar estava cheio, os Lupus espalhados. As crianças mais conversavam e brincavam do que comiam, enquanto os pais e irmãos mais velhos tentavam a convencê-las à comer. Um rapaz de aparentes dezoito anos passou correndo por ele, gritando um nome, logo atrás de um menino de uns oito ou nove anos, que ria como se aquilo fosse a melhor coisa do mundo. A cena o fez rir, ainda mais que ela se repetia pela sala toda. Viu um pai com a filha de seis anos nos ombros, que se debatia querendo correr pelo chão, levando-a para o lugar onde a mãe esperava. Todas as crianças pareciam do tipo que não paravam quietas um minuto.

Aïá segurou sua mão e começou a puxá-lo para um lugar vazio numa mesa próxima. Ela e Enäí sentaram-se de frente para Murtagh, que observava a mesa. Os pratos e talheres eram mais simples que na noite passada, e as taças eram feitas de prata sem nenhuma decoração. Nas travessas, ele encontrou biscoitos cor de terra, frutas variadas, pão, queijo, bolinhas de carne e geléias de frutas; nas jarras, encontrou sucos de todos os sabores e leite, mas o que definitivamente fazia sucesso e que sempre alguém trazia mais da cozinha, era um líquido expesso e marrom, quente, com cheiros que variavam: doces, frescos, apimentados.

- O que é? – perguntou para a garota quando ela se serviu.

- Xocoátl(4). É feito de cacau e leite, principalmente, mas acrescentamos hortelã ou pimenta, geralmente. – ela explicou logo depois de beber um grande gole da taça. Havia um bigode marrom acima dos lábios, que ela tratou de limpar imediatamente com a língua. Seus olhos carregavam uma expressão de puro deleite que apenas crianças sabiam fazer. – Quer experimentar? – ela perguntou já servindo o Cavaleiro, que nem teve tempo de responder.

Suspirando derrotado, experimentou a bebida. Era quente, adocicada no geral, com o sabor fresco da hortelã. Era gostoso. Agora sabia porque fazia tanto sucesso.

Enäí sorriu discretamente ao ver Murtagh terminar com o conteúdo que Aïá tinha colocado e servir-se de mais Xocoátl. Apesar de tudo pelo o que passara, o rapaz aparentemente só queria aproveitar a liberdade recém adquirida. A apreciava como qualquer um em sã consciência.

Aïá pegou algumas maçãs, morangos e bananas, cortou-os e despejou o Xocoátl por cima. Murtagh arriscou experimentar os biscoitos, que aparentemente possuíam os mesmo ingredientes da bebida, e arriscou mergulhá-lo na mesma. Definitivamente, aquela bebida podia ser combinada com diferentes alimentos.

Percebeu Thorn rir quando percebeu suas sensações em relação à bebida.

Qual o problema? Deixou a pergunta ecoar, comendo uma maçã.

Estou apenas rindo de como você parece viciado nessa bebida... Thorn respondeu, com um tom debochado. Murtagh ergueu uma sobrancelha sutilmente, preferindo ignorar o tom do dragão.

XxX

Enäí saíra logo, alegando que tinha muitas coisas para fazer. Aïá aproveitara que ela saíra para começar a falar um pouco sobre seus costumes, respondendo as perguntas do rapaz.

- Por que as crianças que serviram a comida ontem à noite? – perguntou assim que afastou o prato. Era um fato intrigante. Devia haver um motivo especifíco para esse costume.

Aïá terminou de comer o último morango coberto de Xoxoátl, também afastando o prato.

- Houve uma época que eram os adultos que serviam o jantar, séculos atrás. Os Djins capturaram o filho de um dos casais que o fazia. Fizeram um acordo com os pais: eles envenenariam a Ambrósia da rainha e os Djins devolveriam seu filho. Os Djins são hábeis no controle da mente, de modo que a pessoa pense que decidiu fazer algo, mas na verdade foi ordenada, e eles assentiram que envenenariam a bebida por causa desse poder. Pelo que Mïhëan me contou, Galbatorix é violento em se tratando de controlar a mente dos outros, os Djins não; você nem percebe eles entrarem na sua mente se não tomar cuidado, mesmo que você seja um mestre no controle da mente. Rüér-Nié, a rainha da época, não morreu por pouco. Seu irmão gêmeo, que chegara atrasado por causa de uma batalha na fronteira, esbarrara na irmã que estava prestes a beber. A taça entornou e a bebida enxarcou as flores na mesa, que murcharam e exalaram cheiro de morte. O casal então contou o que ocorrera, pediram perdão, mas não misericórdia. Sabiam que tinham feito algo terrível. Rüér-Nié, sabendo do poder dos Djins, não os castigou nem condenou, mas ficou definido que as crianças serviriam o jantar. Por alguma razão, nossas mentes são fortes e impossíveis de influenciar. – Aïá levantou-se assim que terminou de contar a história, e o Cavaleiro a seguiu para a saída do salão, relativamente mais vazio e calmo do que quando chegaram.

A história o intrigou um pouco, principalmente o fato da habilidade mental dos Djins.

- E o que aconteceu com a criança? – ele perguntou, curioso, vendo o sorriso sumir do rosto da menina.

- Antes mesmo de proporem o acordo com os pais, os Djins já a tinham devorado. Encontraram apenas os ossos. – e então, saiu andando na frente, deixando um pasmo Murtagh seguir atrás dela logo depois.

XxX

Aïá o levou para o andar dos Templos, sempre falando sobre seu povo. Poucos cumprimentos possuíam palavras, a maioria era baseada apenas em gestos cheios de significado.

Ela explicou que o ato de cruzar os braços por cima do peito era o cumprimento mais honroso que alguém poderia receber, porque significava que você confiava sua vida àquela pessoa. Não corresponder à essa confiança, ou seja, não devolvendo o cumprimento do mesmo jeito, era o pior que alguém podia fazer, pois desonrava quem realizara o ato. E o cavaleiro ficou encantado por saber que tantos Lupus confiavam suas vidas à Mïhëan e ela também entregava sua vida à eles.

Em dado momento, ele interrompeu Aïá, que falava sobre como um amigo pedia desculpas à outro por causa de algo que magoara ou afastara o outro.

- O que Enäí é sua? – ele perguntou, e a menina respondeu em sua língua natal. – Por favor, na minha língua. – ele sorriu, e o rosto da garota se avermelhou.

- Desculpe, estou desacostumada à chamar mamãe numa língua que não seja a do Vento... – ela então sorriu sem graça, coçando uma das orelhas sutilmente.

- Então ela é sua mãe! – a “revelação” surpreendeu um pouco o cavaleiro. Enäí e Inäg pareciam tão novos que a possibilidade da garota ser filha deles parecia improvável. Mas lembrar-se de que Mïhëan tinha mais de quinhentos anos o fez aceitar a idéia com mais facilidade.

- Sim... – a menina afirmou mais uma vez, puxando Murtagh pela mão para que o rapaz voltasse a andar. – Continuando... A pedra simboliza a amizade das duas pessoas, a grama, o ato que um deles realizou e magoou o outro, e o fogo, o pedido de desculpas por parte do que magoou o outro. Quanto antes o pedido de desculpa é feito, menos tempo a mágoa tem para formar raízes e crescer, mais rápido o perdão é aceito e o fato, esquecido. – Aïá terminou de explicar o que os elementos do pedido de desculpa simbolizavam, parando em frente à um templo de aspecto obscuro que, por alguma razão, fez o rapaz lembrar-se vagamente de Helgrind.

As paredes não pareciam terem sido escavadas na pedra da montanha como o resto da cidade, mas sim as pedras que constituíam o templo tinham sido trazidas, num passado longínquo. Parecia ser feito de cristal negro, tão profundo e escuro que não se era capaz de ver através do cristal, dando a impressão de que ele absorvia toda a luz que pudesse iluminá-lo. A estátua à frente do templo era de um homem ajoelhado com uma das mãos apoiada numa pedra e a outra mão estendida à frente na altura dos olhos com uma planta estranha, cujas pétalas eram de um roxo forte, quase negro, com uma forma semelhante à uma pessoa, o corpo feito totalmente de uma pedra de tons de marrom e preto rajados, com o cabelo entalhado em ônix, facetado e em mexas caindo pelo ombros, os olhos de diamante negro, e pedras de cores soturnas tinham sido entalhadas como uma vestimenta cobrindo apenas a cintura, como uma espécie de saia. Havia um colar que cobria grande parte do peito feito de tiras de diamante. O rosto fora entalhado com uma delicadeza que transmitia um sentimento intenso de surpresa, curiosidade e deleite em relação à flor em sua mão, como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.

Aïá aproximou-se da estátua, passando a mão pelo pescoço como se houvesse uma faca nela e estivesse cortando a gartanta, e só então começou a subir a escadaria reflexiva e lisa de cristal negro. Quando estava na metade, percebeu que Murtagh ainda estava parado lá embaixo, olhando para a entrada do templo, uma porta simples de madeira, de tamanho normal. Acenou para que o rapaz subisse a escadaria, ato que ele realizou com calma. A menina só voltou a andar quando ele a alcançou.

- O que foi aquele sinal que você fez? Ninguém fez nada parecido ontem antes de entrar no templo de... Da deusa da água. – ele perguntou antes que ela empurrasse a porta de madeira, não lembrando o nome da deusa. Era a única onde ele não vira trancas até aquele momento.

- Porque este é o templo do Guïré. Ele é deus guardião das almas, guia-as para o Palácio das Almas e, quando chega a hora delas encarnarem, leva-as para os seus corpos e, dependendo da raça, separa-a em duas. Ele é o único capaz de tirar a alma de alguém e ela ainda continuar viva. Isso é terrível, pois a pessoa precisará de ajuda para tudo, não pensará por si mesma. Fazer como se cortasse a garganta indica que a pessoa deseja que, caso ele lhe tire a alma, que seu corpo morra no mesmo instante. É o único que não é possível enganar por feitiços ou qualquer coisa assim. Quando chegar a hora, ele irá levar a alma, estando o corpo morto... Ou vivo. – havia um tom de respeito em sua voz, e então ela empurrou a porta.

A madeira arrastou no chão, provocando um som agudo que fez o Cavaleiro sentir as costas se arrepiarem. Era como as unhas de um gato arranhando um chão liso de pedra. Antes de atravessar a porta, por precaução, fez o mesmo que Aïá fizera.

Sentiu-se como que num ambiente à parte do resto da cidade. Sequer parecia estar num lugar cavado na pedra.

O templo parecia um pântano de ambos os lados. Em meio às árvores, aos cipós e a água, a flor que a estátua tinha em mãos crescia abundantemente, enroscada nos troncos ou boiando na água esverdeada coberta de algas, no entanto, não apenas no tom de roxo forte, mas também vermelho-sangue, cinza-lunar e azul-marinho. As vermelhas davam a impressão que as árvores e a água sangravam, enquanto as cinzas eram como alguém tentando curar as feridas provocadas pelas roxas, e as azuis, simples testemunhas impassíveis. A parte do chão dedicada a permitir que as pessoas caminhassem até o outro lado do templo era coberta de raízes e partes de plantas trepadeiras, entrelaçando-se numa adorável confusão, cobrindo as paredes do mesmo jeito, não em sua totalidade, mas grande parte. O ar era pesado e úmido, mas também agradável. O teto possuía um alto relevo pintado de um palácio negro como o das pedras que constituiam o templo, de uma arquitetura um tanto rústica, com altas torres subindo até se enfiarem por entre nuvens, apontando par o céu como espinhos. Saindo das janelas e rodeando o palácio, focos de luz branca indistinta ondulavam, deixando um rastro de fogo como cometas por onde passavam.

- O Palácio das Almas. – Aïá disse, notando seu interesse. – E os focos de luz são as almas que estão em eterno ciclo, indo e voltando, indo e voltando... – ela disse, e suspirou, apressando o passo.

Chegaram à um salão semelhante ao que ele e Thorn estiveram no dia anterior. No entanto, não possuía uma enorme abertura como no da Deusa da Água. Ao invés disso, uma enorme tapeçaria do mesmo homem da escultura em frente ao templo, igual em tudo, inclusive nas cores, com os focos de luz rodeando-lhe, e um em suas mãos que parecia estar em processo de separação.

Aïá aproximou-se de um altar que estava em frente à tapeçaria. Era feito do mesmo cristal negro, com o baixo relevo de uma alma deixando um corpo na lateral. Percebia haver alguém deitado sobre ele, coberto com o tecido típico tingido do roxo forte  da flor nas mãos da estátua do deus. A luz das chamas esféricas diminuiu muito, deixando o local numa penumbra estranha e sufocante. A menina retirou o tecido, deixando à vista dois corpos, um casal. O homem era um homem Lupus que parecia ter por volta de trinta anos, com os típicos traços de seu povo, e ao seu lado, uma mulher cujas características eram, no mínimo, estranhas. Os olhos eram puxados, o rosto fino e longo, a pele branca e translúcida, era possível enxergar as veias azuladas. Os lábios estavam roxos, e as orelhas tinham estranhas tatuagens vermelhas, descendo pelo pescoço e se perdendo no decote do vestido branco-pérola com pedrarias na gola e nas mangas. Os cabelos eram de um loiro muito claro, liso e fino, preso em tranças laterais. Parecia ser jovem, ter por volta de dezoito anos. Estavam ambos com os rostos numa expressão serena, como se dormissem. Mas ele sabia que estavam mortos.

- Quem são? – ele perguntou em tom baixo, se aproximando lentamente. Aïá colocada uma coroa feita daquela flor vermelho-sangue, e passava uma espécie de tinta cor de fogo em seus rostos, formando metade da flor símbolo do Guïré em cada um, em suas testas com as raízes cobrindo o rosto do lado das pétalas de modo aleatório. Se olhasse os dois como uma totalidade, veria que as flores se completavam perfeitamente.

- Uma mulher do Povo das Cavernas ou Povo Alvo e seu companheiro, dos Lupus. Morreram salvando crianças menores de espiões Djins. Ele deu sua vida para salvá-la... Mas, bem, não adianta muito conosco... – ela riu de um jeito um tanto amargo que não combinava com uma criança. – Isso que estou fazendo é um costume nosso... Em nossas crenças, a Mandrágora simboliza uma alma inteira, e desenha-la desse jeito em nossos rostos, une as duas metades que estavam separadas, para assim irem para o Palácio das Almas, onde descansaram até que queiram partir. – Em seguida, ela voltou a cobri-los com o tecido e as chamas esféricas voltaram a irradiar toda a sua luz.

- Por que é você à fazer isso? – ele perguntou quando ela sentou no chão, provavelmente não estava com muita vontade de mostrar o resto da cidade para ele naquele momento.

- Na verdade, todos nós honramos nossos mortos antes de cremá-los. Geralmente, quem desenha a Mandrágora, é o sacerdote do Guïré. – ela suspirou, e parecia enfadada. – À noite, quando formos cremá-los, eu que irei presidir a cerimônia... – agora, havia um tom temeroso na voz infantil, e o rapaz sentou-se ao lado dela, atento. – E sabe o que é pior? Nunca fiz isso antes. Não deveria ser eu a fazê-lo, mas a antiga sacerdotisa teve de partir para um lugar da fronteira as pressas. O sacerdote responsável por aquela área morreu no ataque. Ela tinha que cuidar dos ritos funerários do sacerdote e de outros do meu povo... Eu não teria nada para fazer, mas aí os espiões tentaram pegar algumas crianças, e agora... É o que dá ter decidido ser uma sacerdotisa! – Aïá bufou e arrancou a coroa de sua cabeça, olhando-a de um jeito que o cavaleiro teve certeza de que só não a atirara longe porque sabia que não adiantaria nada.

- Você vai conseguir. E se passar mal durante a cerimônia, não se preocupe, peço para Thorn te dar uma forcinha e faço o mesmo. – piscou um olho de forma marota para a garota, que sorriu de um jeito tipicamente infantil, enquanto o abraçava pelo pescoço.

- Não vai precisar, mas agradeço mesmo assim! – ela riu sonoramente, enquanto levantava de um pulo. – Vamos, temos mais lugares para ir! – Aïá deixou a coroa de flores em cima do tecido roxo forte, começando a puxar Murtagh pela mão para a saída do templo. Ele apenas riu, acompanhando a menina.

XxX

Mïhëan estava debruçada sobre um mapa desenhado no tampo de uma mesa de madeira clara. Fora desenhado com algo que queimou a madeira, mostrando o Império e outras terras, abaixo das Beor, indo à Leste do deserto Hadarac e outras acima de Du Weldenvarden. A costa que seguia a parte do Império continuava, até Lüen, o território dominado pelos Djins, que consistia basicamente em montanhas, canyons, vulcões inativos e lagos congelados. Tudo provocado pelo poder dos que habitavam aquelas terras. Não era extenso, mas era relativamente grande. Miën contornava Lüen, montanhas intransponíveis à menos que se estivesse em um dragão formavam a maior parte da fronteira, pequenos vales entre elas eram as únicas coisas que ligavam as terras. Do outro lado, estendiam-se países menores que Mïen, um deles era apenas uma alta montanha, denominado Oénä. As terras à leste de Hadarac possuíam apenas o nome de Terras de Ninguém, com tribos e cidades marcadas no que parecia se tratar de terras um tanto estéreis, com apenas um rio, com oásis e poços marcados por toda a terra. Ao sul das Beor, uma espécie de ilha à parte do resto do continente, relativamente grande. Estava marcada como Terra das Foices Cruzadas. De fato, como símbolo, haviam duas foices curtas cruzadas.

Estava pensativa. Ínäg e Véäio moviam pedras coloridas com brasões gravados nelas pelo mapa, falando de como as coisas tinham andado nas duas semanas em que ela esteve fora. As que preocupavam a rainha eram as brancas e as amarelo-areia. As pedras brancas com um estranho símbolo que se enrolava em si mesmo várias vezes estavam nas fronteiras de Miën com Luën, e outra em Uru'Baên. E as amarelo-areia, com um símbolo que consistia numa gota de água, vinham avançando sobre os países do norte vindas das Terras de Ninguém. Algumas negras com as foices cruzadas estavam nas Terras de Ninguém, avançando em direção às amarelo-areia.

- É muito estranho, Mïhëan. Djins no Império... Os Andarilhos das Terras de Ninguém atacando os países do norte... A Foices Cruzadas mandou uma águia mensageira que chegou pouco antes de você avisando que estava enviando alguns grupos de seus soldados antes da Assembléia. Acham que vamos precisar depois que os Andarilhos começaram a se organizar e avançar. – Ínäg disse tudo de forma que a rainha pudesse entender e gravar, mas com certa urgência.

Mïhëan continuou em silêncio, apenas observando o mapa e a colocação das pedras que representavam destacamentos de soldados. Os Djins atacando-os não era novidade, sempre o fizeram, mas um destacamento em Uru'baên, e os Andarilhos das Terras de Ninguém se organizando e vindo em direção aos países do norte, essas coisas não faziam sentido. Os Andarilhos não se importavam com o destino do mundo, já tinham muita coisa para se preocupar, como em sobreviver num lugar onde a água e a possibilidade de agricultura eram escassas e poucas espécies de animais adaptavam-se ao clima.

Suspirou, esfregando o rosto.

- Não podemos chegar à uma conclusão definitiva antes de nos reunirmos com os líderes dos outros povos e sabermos como vão as coisas entre eles... – ela disse num tom lento e controlado, os olhos brilhando amarelos. No salão, não estavam apenas ela, os irmãos e Ínäg; estavam representantes das outras cidades do país e líderes de seus exércitos. Como que influenciados pela tensão na rainha, os olhos de todos agora estavam iguais aos de um lobo, as orelhas atentas, os músculos tensos, as mãos dos líderes dos exércitos apertando os cabos das espadas e de outras diversas armas. – Mas devemos concluir que os Djins entraram em contato com Galbatorix e se aliaram a ele... – múrmurios preocupados percorreram a sala, várias espadas chegaram a mostrar um pouco o metal de suas lâminas, azuis e negras.

- O que devemos fazer? A Assembléia será só daqui há dois meses! Os dois juntos... Os Varden não vão aguentar! E nem nós! – uma Lupus cujos cabelos estavam cortados curtos, apontando para todos os lados, usando um conjunto de calça e camisa branca e o robe vermelho-cereja, com uma série de facas de atirar ao redor da cintura e em cintas ao redor das coxas, preparadas para serem lançadas à qualquer instante, manifestou-se. As linhas em suas pálpebras eram vermelhas, e no olho direito alongava-se e terminava em uma rosa.

Mïhëan ficou em silêncio por algum tempo, pensativa, enquanto os demais presentes na sala sentiam que a tensão aumentava. Nunca tiveram tantos problemas de uma vez só. As coisas estariam menos tensas se a rainha já tivesse encontrado seu companheiro e tido uma herdeira ao trono, mas a situação não era essa. Por tradição, em uma guerra, a rainha lutava na linha de frente, liderando o exército. Por consequência, se a rainha morria sem uma herdeira, ficariam sem quem lhes liderasse. E todos sabiam que haveria guerra.

- Enviem mensageiros nos lobos mais rápidos do reino para os outros povos e uma águia para a Foices Cruzadas. Devem estar aqui o mais breve possível. Sei que chegarão em menos de um mês se as mensagens chegarem logo... – Mïhëan deu seu veridicto, e muitos ombros relaxaram. Confiavam suas vidas à rainha, mas sabiam que a situação era delicada.

Mïhëan deixou-se cair numa cadeira confortável ao fundo da sala, cuja chama que a iluminava, o fazia com um tom de vermelho. Relaxou um pouco, enquanto todos saíam para convocar os mensageiros e descobrir quais os lobos mais rápidos. Länie devia estar na fronteira com Luën, auxiliando aqueles que protegiam as fronteiras, como lhe pedira de manhã. Enäí redigiria as cartas, era sua tarefa como embaixadora; conhecia melhor que ela o que era necessário para não ofender os líderes dos outros povos através de palavras. E a escrita também. Ínäg e Súëi deviam ter ido descobrir quais os lobos mais rápidos. E Véäio, escolher os mensageiros certos. E ela...

Ela devia descansar... Relaxar... Ir em busca daquilo que seu povo precisava.

Levantou-se, alisou as dobras do robe vermelho-carmim e do vestido prata-azulado, verificou que a tiara estava no lugar, o cabelo assentado, e saiu do salão. Aïá devia estar agora mostrando-lhe os campos de treinamento.

Parou em seu quarto, que ninguém diria tratar-se do quarto da rainha. Possuía apenas poucas coisas à mais do que o quarto de Murtagh: uma bancada com as armas que ela costumava manejar, livros e arquivos numa desordem que apenas ela compreendia na estante e na escrivaninha, um baú à mais, aberto e com mais livros, e uma Faith da primeira rainha manejando uma espada longa cujo lado afiado era apenas um, levemente curva, de cor azul, brandindo-a em meio à Djinns, numa batalha.

Dirigiu-se à bancada com as armas, olhando-as atentamente. Faria bem à ela praticar um pouco...

Ficou indecisa entre uma arma chamada morningstar, que consistia num bastão com uma corrente ligando-o à uma bola cheia de espinhos longos, manchados de sangue, e sua espada, igual à da Faith, de lâmina azulada. Optou pela morningstar. Os Djinns costumavam usá-la no campo de batalha. Seria bom Murtagh aprender a lidar com ela...

XxX

Aïá, depois de fazê-lo conhecer os templos de seus principais deuses e explicado-lhe o básico sobre eles – embora o Cavaleiro de Dragão não tenha guardado o nome de nenhum –, o fez conhecer a maior parte do primeiro andar e, agora, tinha levado-o para o campo de treinamento.

Tinham seguido por um túnel subterrâneo, bastante movimentado, até sairem num lugar relativamente longe da cidade. Era uma enorme clareira com algumas construções de pedra maciça onde, pelo que ela lhe disse, estavam as armas que usavam para treinar. O fato de suas vestes serem resistentes faziam com que não houvessem escudos ou armaduras. Um caminho por entre as árvores podia ser visto. A menina lhe dissera que ia para os campos onde plantavam e criavam os animais, mas que havia uma bifurcação que levava para onde recolhiam a matéria prima de seus tecidos.

Grupos treinavam por todo o lugar, simulando lutas numa guerra, fossem à pé ou montados nos lobos enormes. Reparou em um que, enquanto o lobo corria e simulava destroçar soldados, acertava flechas nos outros e, nos que aproximavam demais, usava uma espécie de maça com espinhos.

Percebeu os lobos movendo-se sutilmente de forma a vigiar o lugar. Parecia ser uma espécie de ponto cego da cidade, o local.

Esse lugar é enorme! Comentou com Thorn, que vinha voando em direção à clareira, que tinha espaço de sobra para comportá-lo e ainda todos os que treinavam.

Eu sei. Sobrevoei mais cedo, acompanhando Länie até um pedaço do caminho para a fronteira. Mïhëan pediu para ele ajudar num ponto da fronteira que está sendo atacado. O dragão comentou, deixando Murtagh um tanto apreensivo.

Se ela pedisse, eu também iria ajudar. Ela nos ajudou, nos libertou de Galbatorix. Estamos em dívida com ela! Além disso, estou curioso para ver esses Djins. O rapaz manifestou, saindo do caminho de um grupo que praticava arco e flecha montados nos lobos.

Disse isso à Länie, mas ele me falou que antes é melhor aprendermos a lidar com as armas que eles costumam manejar, além de como rechaçar seus feitiços. Thorn suspirou, emburrado. Queria destroçar algo que fosse capaz de se defender, provocando um riso em Murtagh. Ele já esperava aquilo.

- Mä’Üué (5)! – ouviu Aïá berrar, enquanto saia correndo do seu lado. Murtagh virou-se, à tempo de ver a menina se jogar no pescoço de Mïhëan, que a segurou habilmente, abraçando-a e girando.

Murtagh riu, apenas. Aïá parecia gostar de todos à sua volta. Reparou então na arma pendurada em sua cintura. Achou-a estranha. Não lembrava de ter visto uma arma como aquela em qualquer lugar.

Mïhëan deixou Aïá no chão e falou algo com ela. A garota anuiu, mas logo a rainha disse mais alguma coisa e sorriu, acenando uma despedida para o rapaz e saindo correndo para o túnel que os levara até ali. Mïhëan riu, observando-a sumir de vista, e então aproximou-se de Murtagh.

- Está tudo bem? – ele perguntou assim que ela se aproximou, mas ela acenou dizendo que não, cumprimentando-o logo depois. Ele surpreendeu-a ao, logo depois de responder o cumprimento, cruzar os braços por cima do peito. Ela respondeu ao cumprimento, um brilho de curiosidade nos olhos castanhos. – Você me salvou de Galbatorix. Sei que poderia confiar minha vida à ti. Estou em dívida com você. – ele explicou num tom calmo.

- Você se salvou. Eu só lhe dei a oportunidade para se salvar. Se você não quisesse se livrar dele, eu e meu povo não teríamos conseguido fazer nada. – ela sorriu suavemente antes de mudar de assunto. – Não sei o que vai fazer se decidir ir embora, mas estamos em tempos sombrios, os Djins podem passar pelas montanhas, embora em grupos pequenos, e nos atacar à qualquer momento, então, creio que seria uma boa idéia te ensinar como lidar com as armas dos Djins e o jeito próprio de manejar as que você já conhece.

Ela tirou a morningstar da cintura, e Murtagh observou melhor a arma. O cabo era feito de uma madeira forte, com os símbolos usados na escrita dos Lupus gravados nele. A corrente de algum metal que ele não reconheceu era de tamanho médio com argolas grossas. A bola com espinhos estava manchada de sangue, o que indicava que passara por muitas batalhas.

- Que arma é essa? – ele perguntou, curioso. Parecia ser difícil de manejar e feita para destroçar o adversário.

- Meu povo a chamda de Nië'Luën cë Aïná, na sua língua fica algo como MorningStar, Estrela da Manhã. – ela afastou-se do Cavaleiro alguns passos, girando a arma. Era pesada e rasgava o ar. Murtagh definitivamente não queria ser atingido por ela. Seus pulmões provavelmente sairiam pelas suas costas juntos com as costelas e o coração se ela o atingisse. – Depois da Espada Bastarda e da maça, é a arma favorita dos Djins. Meu povo tem um jeito próprio de manuseá-la, mas já os vi usando-a muitas vezes, prestei atenção em como a manejam.

Ela sorriu e pediu que ele a seguisse até uma área onde a grama tinha sido arrancada e uma areia fofa fora espalhada. O Cavaleiro logo percebeu que, se ele continuasse com os pés nas botas, ela teria a vantagem devido à suas patas de lobo, e tratou de livrar-se do calçado.

Ficar descalço deu-lhe melhor estabilidade na areia, além de ter lhe dado uma sensação de tranquilidade. Era como se o que ainda havia de tensão nele estivesse se esvaindo em direção à terra.

Sacou a espada, e esperou. Mïhëan não manifestou vontade de tornar as armas menos mortíferas. Não demorou muito, Mïhëan atacou. A bola com espinhos da morningstar veio de baixo, a rainha abaixada sutilmente. Murtagh saltou para o lado, mas ela mudou a direção, girando a arma em diagonal. Murtagh abaixou-se antes que a morningstar atingisse sua cabeça, e tentou acertar o braço que não estava segurando o cabo da morningstar, mas Mïhëan girou, quase o atingindo no ombro, se ele não tivesse sido rápido o bastante para usar Zar'roc para bloquear. A corrente enrolou na lâmina; ele puxou-a e por pouco o cabo não escapou das mãos da Lupus.

A luta seguiu-se por algum tempo. Nenhum dos dois conseguia atingir o outro, e continuaria assim, se Mïhëan não tivesse atingido o braço do cavaleiro.

Murtagh deixou a espada cair, enquanto encolhia o braço. Os espinhos não cortaram o tecido e nem a pele ou a carne, mas o impacto provocara-lhe muita dor e provavelmente quebrara o braço.

A rainha também deixou a arma cair, erguendo a manga da roupa do Cavaleiro delicadamente e verificando o estado do braço. A pele já adquiria um tom arroxeado, e Mïhëan mordeu os lábios, enquanto tocava o braço com cuidado. Murtagh tentou recolher o braço como reflexo, mas ela segurava-o firmemente, então a única coisa que ele pode fazer foi resmungar de dor.

- Arma poderosa essa... – ele falou para ignorar a dor enquanto Mïhëan colocava os ossos no lugar usando as mãos. Usaria menos energia para conscertar os ossos.

- Com certeza. E a minha é menor do que a que os Djins costumam usar... Cuidado se lutar contra um que manuseie uma morningstar, um golpe como esse teria transformado os ossos em pó, ao invés de apenas quebrá-los. – ela sorriu para ele singelamente antes de usar o feitiço para conscertar os ossos.

Mais dor invadiu o Cavaleiro, mas ele engoliu o grito de dor enquanto os ossos se colavam. Quando acabou, ele suspirou de alívio.

- Acho melhor mudar um pouco o que treinar... – ela disse, com um sorriso um tanto sem graça, pegando Zar'roc e entregando-a a Murtagh e pegando a própria arma. – Que tal montar nos lobos?! – ela exclamou, e por um segundo Murtagh percebeu de quem Aïá tirava toda a animação.

O Cavaleiro ergueu os ombros de um jeito que dizia "Pode ser". Enquanto Mïhëan chamava os lobos, Murtagh conversou um pouco com Thorn, que estava quase chegando. Ele parara para beber água.

Como está o braço? Ele perguntou, o tom preocupado.

Bom. Mïhëan parece ser boa como curandeira... Ele respondeu, movimentando o braço perfeitamente bem, um sorriso vago nos lábios.

Tome mais cuidado da próxima vez. O dragão sentenciou com um tom sério. Murtagh riu antes de responder.

Pare de tentar ser sério. Não combina com você. Thorn também riu, voltando a ficar em silêncio.

A rainha aproximou-se, um lobo a acompanhando. Calçou rapidamente as botas, aproximando-se do lobo. Os Lupus montavam em pêlo, e não havia nada semelhante à uma sela no país. Não restava outra opção à não ser montar como eles.

Mïhëan acariciava atrás das orelhas do lobo, enquanto o lobo inclinava uma das patas dianteiras para que Murtagh conseguisse montá-lo. Depois de acomodar-se nas costas do animal, Mïhëan andou para o lado, dando instruções para Murtagh de como comandar o lobo.

- Ele ouve os seus pensamentos. Basta você direcionar sua mente à ele pensando no que quer que ele faça. – ela explicou. – Segure firme nos pêlos do pescoço, mas não puxe, ele vai te derrubar. – disse como se já tivesse experiência própria nesse sentido. – Se quiser, tente se segurar só com as pernas, mas cuidado. – ela terminou e se afastou um pouco, com um sorriso encorajador.

Murtagh fez como ela lhe disse, segurou-se nos pêlos cinzas e enviou uma mensagem dizendo para começar a andar ao redor da clareira, aumentando a velocidade até começar a correr.

No começo, foi fácil, mas conforme o lobo aumentava a velocidade, foi ficando mais difícil de segurar-se, mesmo segurando com as mãos no pêlo. As costas mexiam-se mais do que as de um cavalo, e ele não possuía a habilidade de anos de treino desde a infância dos Lupus para conseguir acompanhar o movimento. Era impessável para ele lutar montado num lobo como os outros do Povo do Vento.

Conforme voltava a se aproximar de onde a rainha estava, ele notou uma inquietação na mente do bicho e que ele notara um cheiro diferente: sangue e doce em excesso, que ele se lembrava vagamente de já ter sentido.

E então, no momento que o lobo parou de correr, como que em câmera lenta, o animal lhe mostrou o facho de luz esverdeada que se aproximava cada vez mais de Mïhëan. Não soube o que guiou seu corpo, mas atirou-se em cima dela, sentindo uma dor excruciante se espalhar por seu corpo à partir do ombro direito. Algo o perfurara, e fundo. O que quer que fosse, ele concluiu que estava envenenado devido ao fogo que sentia correr em suas veias.

Thorn tentou puxá-lo para fora de seu corpo enquanto pousava na clareira, tentando poupá-lo da dor, mas a mesma bloqueou completamente sua mente a qualquer coisa de fora.

A única coisa da qual ele tinha certeza antes de ser tragado para um vórtex negro de dor e agonia, era que queriam matar Mïhëan.


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Notas finais do capítulo

1. Mãe na Língua do Vento.
2. Pai na Língua do Vento.
3. Vovô na Língua do Vento.
4. O famoso chocolate. O original, a bebida azteca. Extremamente gordurosa. Engorda menos comer uma caixa de bombons Nestlé xD
5. Tia na Língua do Vento.

Espero que tenham gostado =D
Beijos



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