Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 4
A verdade cruel


Notas iniciais do capítulo

Existe uma forma suave de dizer a um pai que seu filho tem uma doença grave?



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Minutos depois:

Baxter desligou o telefone, uma expressão estranha.

- O pai dele se dispôs a vir amanhã, pra saber o que está acontecendo. Não tive coragem de falar a verdade.

- Não se preocupe, é melhor contar pessoalmente.

- Num caso desses, não tenho muita noção do que possa ser o melhor. Não sei se consigo fazer isso.

- Não vai estar sozinho, no fim eu vou ter que dizer a maior parte.

- Não parece estar muito feliz com isso.

- Por mais que eu seja médico, nunca tive que dar uma notícia dessas pra ninguém. Falar de uma lesão já parece a morte, imagine então isso agora! – exclamou, e vendo a reação de Baxter piorar, achou melhor encerrar aquilo. – Vou ver como ele está.

Dovner foi até o alojamento. Abriu a porta do quarto onde Adam estava e apenas espiou. Ele estava deitado de lado, olhos fechados e a mesma respiração leve da noite anterior. Teve pena, mas pouco poderia fazer: talvez o máximo que pudesse fosse realmente ser o portador da notícia de sua doença. Mal se mexia. Aproximou-se, procurando algum sinal de febre, mas não era o caso. O sono era o resultado do desgaste de uma noite em hospital e de um dia péssimo. Não era exagero dizer que estava fraco... e sinceramente quis saber como ele agüentava entrar no tatame pra treinar naquele estado. Pelos resultados dos exames, provavelmente já sentia os sintomas há algum tempo. Imaginou o quanto deveria ter sido difícil.

Não querendo incomodá-lo, fechou a porta e foi embora. Adam continuou como estava, na mesma respiração leve, num mesmo sono irregular. E assim ficou pelo dia quase inteiro. Ninguém teve coragem de incomodá-lo para comer ou qualquer outra coisa além do estritamente necessário.

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Manhã.

Adam acordou ainda durante a madrugada, ainda que sem grande disposição, mas ao menos sentia-se pouco mais forte. Sentou-se na cama, tentando aliviar o desconforto de tempo prolongado numa mesma posição. Quis pensar em alguma coisa, mas não conseguiu mais do que temer pela reação de seus pais. Sabia que não seria nada fácil, não esperava por nada diferente disso. Estava chateado por ter acontecido, mesmo que soubesse que seria mais cedo ou mais tarde.

Pela conversa que teve com Dovner, percebeu que seria ele a dar a notícia, e que deveria esperar pela chegada de um deles em breve. Sinceramente não sabia qual deles viria. Imaginou que fosse quem fosse, descobriria a verdade dentro do escritório de Baxter, porque não havia quem desse notícias desse gênero por telefone.

Levantou da cama, disposto a tentar não pensar nisso. Precisava se distrair, então não poderia seguir a recomendação de ficar no alojamento. Já esgotara todas as fontes e seu poder de abstração parecia estar falhando. Assim, optou por procurar outros meios. Vestiu-se. Fez o que deveria fazer, e desceu junto com os outros.

- Ei, Park? – chamou um outro colega, do mesmo jeito que todos o chamavam: pelo sobrenome – Você não tinha sido dispensado? O que está fazendo?

- Fui, mas isso não quer dizer que eu não possa descer e assistir o treino.

- Isso que você tem é contagioso?

- Não. – disse, rindo. – Não é contagioso, mas é brabo.

- A sua cara não deixa dúvida, tá péssimo! Mas vai passar, né? Vai melhorar e vai voltar a treinar com o pessoal.

- Não sei. – balançou a cabeça – Não tenho idéia.

- Ihhh... mas que desânimo! “Vambora” senão não fica nada pra gente daquele café.

Foi o que Adam fez. Juntou-se ao grupo para o café da manhã, embora não estivesse com apetite. Tentava se distrair com a presença dos colegas por perto, com alguma conversa inútil ou uma sessão nostálgica a respeito de qualquer coisa que não tivessem no ginásio: os pais, a comida da mãe, a namorada, a própria cama, as garrafas de bebida, as noitadas de festas... ao menos ver aqueles caras metidos a durão fazendo queixas assim era divertido. Tirava a sensação de vazio, ou de ser estranho. Já bastava ser o mais quieto, não queria ser mais estranho do que isso.

Depois de comerem, era hora de fazer o aquecimento para finalmente começarem a treinar. A Adam já era algo que não deixariam fazer, então foi em direção ao banco para sentar-se.

- Ei, o que está fazendo aqui, Park? Nós não falamos que não pode treinar?

- Não to aqui pra treinar, só não queria ficar naquele alojamento. Tem algum problema ficar e assistir?

Baxter quis dizer que sim, não por algum preconceito, mas simplesmente não conseguia encará-lo sem saber o que dizer ou como agir. Apesar disso sabia que não era o certo, pois ele não tinha culpa de estar doente. Adam também precisava se distrair, afinal era o maior afetado por tudo aquilo.

- Não, nenhum problema. Se quiser dar uma ajuda sendo o meu assistente...

- Talvez. – deu de ombros, sem grande entusiasmo.

Baxter voltou aos gritos habituais. Nada como a rotina para tentar esquecer dos problemas embora não parecesse ser o caso. O fato de ele estar tão perto fazia-o lembrar-se da difícil tarefa que tinha a cumprir. O pai dele poderia chegar a qualquer momento, então não tinha tempo hábil para alguma forma de preparação. Era triste pensar que um de seus melhores atletas teria de ir embora, e não poder fazer nada para evitar isso.

Algumas poucas horas se passaram e durante esse tempo Adam permaneceu sentado naquele banco, como se supervisionasse o treino. Encarando a brincadeira a sério, citava uma coisa ou outra que tinha percebido, e dava sugestões, a maioria acatada por Baxter. Surpreendeu-se quando ouviu de seu treinador que daria um excelente técnico. Médico e treinador permaneciam atentos, a procura de qualquer indício de que estivesse se sentindo mal, mas as únicas coisas que puderam perceber foram palidez – habitual – e os sangramentos nasais, da qual Adam não fazia qualquer alarde. Simplesmente usava lenço de papel ou ia ao vestiário lavar o rosto, sendo o mais discreto possível.

Foram momentos de um pouco de sossego, mas que duraram até Dovner reparar numa presença, que apesar de já ser esperada, fazia-os lembrar de uma obrigação pouco confortável. Cutucou Baxter, para avisá-lo de que o pai de Adam já estava ali.

Olharam para a porta, viram um homem alto e magro mas sem que isso lhe desse ares de fragilidade. Olhos orientais, rosto de traços suaves mas nada mais que isso. Talvez fosse mestiço mas algo que não era tão visível, como era o caso de seu filho. Vestido de forma simples e casual, entrou no ginásio a passos lentos e olhando ao redor, procurando por alguém.

- Chegou a hora – disse Dovner, cortando os pensamentos. – Melhor levá-lo para o escritório... ninguém mais precisa ouvir essa conversa.

Ele concordou, e aproximou-se, pensando em como poderia abordá-lo já que não seria nada fácil. Optou em começar sendo cordial.

- Olá, senhor Park. – estendeu-lhe a mão, para cumprimentá-lo. – Ainda bem que está aqui. Veio mais rápido do que pensamos.

- O senhor pediu para que eu viesse o mais rápido possível. – respondeu, com um pequeno tom aflito na voz, quase imperceptível. – E então, o que houve? Onde está Adam? Ele fez algo de errado?

- Está ali, assistindo ao treino. – mostrou-o, de longe - Ele não fez nada de errado, pelo contrário,é um outro tipo de problema. Será que podemos conversar no escritório?

- Sim, podemos. – concordou.

- Então vamos.

Baxter indicou-lhe a direção do escritório, embora Jin Park já soubesse o caminho, e foram para lá, em direção a uma conversa de portas fechadas. Enquanto isso, Dovner foi até Adam, dar-lhe uma prévia do que iria acontecer, evitando fortes emoções. Distraído com a tarefa de assistente, observava cada movimento com cuidado, e nem tomou conhecimento da presença de seu pai.

- Park... seu pai está aqui.

- Aqui? Onde? – perguntou-o procurando em volta.

- Acabou de entrar no escritório.

- Mas, tão rápido!

- Nós telefonamos ontem. Ele se dispôs a vir hoje. Nós vamos contar agora.

Adam ficou mudo, sentindo o coração acelerar, e as mãos tremendo levemente. Sabia que eles iriam contar, mas não tão depressa.

- Estou te contando isso para que não fique desamparado. Não queremos que fique nervoso, pois isso pode te fazer mal. Estou indo pra lá agora. Sou eu quem vou dar a notícia.

- O senhor?

- Claro, sou médico.

- Posso ir junto? – perguntou, com voz nervosa.

- Não, não seria conveniente. – tentou ser ponderado. – Não vai ser bom pra nenhum de vocês.

O rapaz pareceu decepcionado com a resposta, mas conformado. Talvez já esperasse. Então resolveu fazer um último pedido.

- Por favor, toma cuidado.

- Pode deixar, vou tentar ser o mais delicado possível.

Dovner saiu, deixando-o sozinho. Adam abaixou a cabeça, sem saber o que fazer, tentando voltar a prestar atenção nos treinos enquanto as coisas aconteceriam sem seu conhecimento embora fosse o foco de toda aquela turbulência e uma espécie de enjôo ameaçasse seu estômago.

Em poucos segundos, os dois estavam no escritório de Baxter. O ambiente não era nada convidativo, todo cinza, de cores mortas, e as únicas coisas que destoavam daquela decoração era o brilho dos troféus na vitrine, além de alguns quadros e pôsteres nas paredes, todos de lutadores e alunos importantes. Baxter chegou a pensar que não tinha sido o lugar mais adequado para uma notícia dessas, mas acabou lembrando que era melhor do que a enfermaria, ou o hospital.

- Senhor Park... nós te chamamos aqui porque aconteceu uma coisa muito séria, e por mais que o garoto esteja sob a nossa responsabilidade, não temos condições de cuidar disso.

- Ele se meteu em alguma encrenca? – perguntou, preocupado.

- Não, pelo contrário, é o que menos dá trabalho. Mas está com problemas. – disse Baxter, pedindo ajuda para Dovner que acabara de entrar – Ele pode explicar melhor.

Assim, a responsabilidade mudou de mãos.

- Olá, Sr. Park, meu nome é Richard Dovner, sou o médico do ginásio. – sentou-se para que assim estivesse em igualdade de condições – O seu filho se sentiu mal há mais ou menos uma semana, desmaiou durante o treino. Dias depois passou mal de novo. Os exames anteriores indicavam anemia e quando repetiram esses exames, encontramos um novo problema.

- Então Adam está doente? O que ele tem? É grave? – sua voz era tensa, preocupada, mas havia esforço para manter-se calmo.

- Está, e infelizmente devo dizer que sim, é grave. – Dovner respondeu, tentando arrumar uma forma menos cruel para dizer algo tão ruim. – É leucemia.


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