Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 23
Reviver


Notas iniciais do capítulo

Tem tempo que eu não posto, não é. Não esqueci da fic, continuei escrevendo durante esse tempo mas esqueci de postar. So sorry.



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Os dias de Jin estavam sendo mais difíceis do que poderia pensar. As mudanças na rotina tinham sido enormes desde que optara por ficar no hospital. 

 

Não que fosse exatamente uma opção: desde o começo aquela foi a única alternativa da qual foi capaz de cogitar. Trabalhar no escritório enquanto seu filho permanecia no hospital estava fora de cogitação. Ainda mais quando vivia trancado em sua sala e praticamente isolado de tudo...

 

Mas não, não seria assim dessa vez. Nenhum trabalho ficaria na frente de sua família. Nunca fora preciso escolher, mas quando finalmente aconteceu, não hesitou em largar tudo. O estranho era seu filho não querer isso.

 

Adam sempre insinuava que devia voltar para o escritório, ou então insistia para que ele trabalhasse ali mesmo. Jin tentou argumentar que seu trabalho era estressante e acabaria lhe aborrecendo mas não havia jeito de convence-lo. Adam insistiu e não teve como recusar.

 

Agora suas horas no hospital eram preenchidas por números, projetos e ordens de um patrão mais rigoroso que si mesmo: seu próprio filho.

 

Pela primeira vez em sua vida o trabalho que tanto amava pareceu efadonho. E se descobriu incapaz de manter a concentração por mais de dez minutos quando antes era fácil ficar horas e horas dentro do escritório sem se preocupar em telefonar para casa, ou trancado em um cômodo de casa, ignorando o fim de semana.

 

Porém, naquele hospital simplesmente não conseguia. As pausas eram feitas ao menor pretexto e tinha vontade de jogar aquele notebook longe.

 

Só queria perguntar a Adam a razão daquilo. Por que ele queria mantê-lo longe?

 

Era uma pergunta que levava consigo e não conseguia esquecer assim como seus medos.

 

Algo do qual acabou tendo uma resposta ao escutar uma conversa entre seu filho e Tanya. Um recurso ilícito, mas inevitável pois nos últimos meses estava em busca de qualquer coisa que o ajudasse a entender. Não era sua intenção escutar a conversa deles, mas ouviu duas ou três palavras enquanto tomava café no corredor e continuar ali ouvindo foi um impulso que não pôde conter. Sabia que ele confiava em Tanya e talvez falasse mais.

 

- ... seu pai parece abatido. Aconteceu alguma coisa?

 

- Ficar aqui no hospital em tempo integral não tem sido muito fácil pra ele. Mas ainda não cedeu.

 

- Como assim não cedeu?

 

- Não voltou para o escritório, continua insistindo em ficar por aqui. Então se não vai ao escritório, o trabalho vem até ele.

 

- Está obrigando seu pai a trabalhar?

 

- O que mais posso fazer? Ficar aqui sem fazer nada é que não dá. É para o bem dele.

 

- Creio que seu pai não ache a mesma coisa.

 

- Só estou tentando fazer com que ele tenha uma vida normal, Tannie. Vai ser mais fácil depois que... acontecer. Alguém precisa pensar nisso e é justo que seja eu. Até onde sei, pro meu pai o trabalho é o melhor jeito. Sempre foi fácil passar semanas ocupado com algum projeto. Vai ser melhor desse jeito.

 

Saber que seu filho estava lhe preparando para a própria morte foi pior que tudo. Pior que saber da leucemia, dos prognósticos negativos ou da falta de doadores de medula. Saber que ele não tinha esperanças era pior que tudo.

 

Naquela noite, chorou como não chorava há muito tempo.

 

ooOOoo

 

Acordou cedo naquela manhã. Foi quase como se não houvesse dormido. Quando o relógio despertou, levantou-se como em um salto. Não queria perder tempo, apenas estar no hospital o quanto antes. Não sabia o que fazer, mas sentia que precisava estar por perto.

 

Era dia de quimioterapia e já podia prever como ia ser. Adam ficava muito mal, ficava frágil e abatido. Precisava de distração, alguém precisava estar próximo e queria estar lá o quanto antes principalmente depois de descobrir o que ele pensava. Não podia deixar que ele alimentasse esse tipo de pensamento.

 

Engoliu uma caneca de café e mastigou um sanduíche pequeno enquanto colocava suas coisas na pasta. Nada que pretendesse usar, mas era apenas para cumprir a promessa feita ao filho. Ainda chegou no hospital com vários minutos de folga, causando surpresa na esposa que passara a noite ali em seu lugar. Trocaram algumas palavras sobre como fora a noite, e como Adam tinha se comportado: passara a maior parte do tempo quieto, em curtos cohilos. Não era o suficiente para estar descansado em um dia daqueles, mas melhor que nada.

 

Despediu-se da esposa e entrou no quarto. Encontrou-o aparentemente tranquilo. Claro que não estava feliz com a ideia do tratamento, mas mantinha-se sereno. Dava pra ver que sua noite não fora grande coisa: olheiras fundas lhe davam um ar cansado, porém Jin sabia que já fora pior.

 

Também trocaram palavras. Coisa pouca como algum cumprimento e poucas perguntas. Apenas o usual. Ainda não sabia bem como falar com Adam, sequer conseguira pensar em algo. Só sabia que deveria tirar aquelas ideias da cabeça dele. De qualquer modo, não teve tempo hábil de dizer nada pois logo vieram o médico e a enfermeira. Sem grande demora já estavam inserindo os remédios no cateter. Viu o rosto de seu filho mudar diante do incômodo da agulha, e também pela perspectiva dos efeitos colaterais.

 

Jin assistiu a aplicação das drogas, observando Adam, que estava de olhos fechados e respirando de forma leve, na certa prevendo o que estava por vir. Sabia que ia acontecer em algumas horas, sabia como era, porém não como lidar com isso. Ainda era difícil entender que seu filho estava sofrendo e ajudar estava fora de seu alcance. Sentia-se derrotado por pensar que sua companhia era muito pouco diante do que ele realmente precisasse, mas era tudo que poderia oferecer.

 

Poucas horas se passaram, e Jin soube que ele estava lutando contra seu próprio corpo. Pálido, agitado e tentando se conter embora o esforço se mostrasse inútil, mas ainda assim tentando minimizar a preocupação dos outros. Porém estava fraco demais para recusar ajuda por muito tempo. Sabendo disso, ao menor sinal de que ele fraquejaria colocou-se ao seu lado segurando a comadre que ficava ao lado da cama para que Adam pudesse vomitar. Segurou-o, temendo que ele caísse, estava fraco demais e parecia sentir dor. Seu filho fazia um grande esforço para reagir ao mal estar.

 

Adam estranhou a aproximação, tentou esboçar uma recusa e dizer que não precisava, mas Jin não lhe deu ouvidos fazendo do silêncio sua declaração mais efetiva. Manteve-o firme em seus braços e sequer piscou ou demonstrou nojo enquanto ele vomitava. Sentia a pele dele gelada e o suor frio, sentia o corpo se contraindo pelo esforço e Jin não pôde raciocinar diante daquilo. Simplesmente agia. Se tentasse pensar talvez não conseguisse permanecer no quarto pois aquilo lhe faria relembrar os diagnósticos ruins, a falta de doadores de medula e tudo mais que o afligia.

 

Raciocinar significava lembrar de tudo aquilo. Causaria dor, não ajudaria em nada. Lembraria-se dos extremos a que seu filho estava chegando, da conversa que ouvira, da morbidez que Adam enfrentava ao tentar prepará-lo para sua morte.

 

Permaneceu alheio a tudo aquilo mesmo que significasse um grande esforço. Apenas agiu durante o que pareceram ser horas, até que Adam caísse inerte em seus braços, deixando-o desesperado. Os médicos vieram ao primeiro sinal e o levaram para exames constatando exaustão. Desmaiara pelo cansaço já que estava muito fraco e provavelmente dormiria por várias horas, ou até mesmo o dia inteiro.

 

Jin não saiu daquele quarto. Simplesmente ficou ao lado da cama, o mais próximo possível dele enquanto velava seu sono, vigiando cada movimento do seu peito naquela respiração suave.

 

Acarinhou suavemente o rosto de seu filho, sabendo que ele não acordaria tão cedo. Não seria repreendido por estar ali ao invés de trabalhar, nem dizer que precisava voltar para casa pra comer e descansar. Nada daquilo lhe importava, e nem era importante diante do seu garoto doente. Talvez somente assim pudesse se sentir útil sem se sentir pequeno e sem que Adam se recusasse. Não aguentaria vê-lo pedir para que fosse embora trabalhar, e pra falar a verdade começara a odiar o seu trabalho. E o sentimento só piorou depois de descobrir o que se passava em sua cabeça.

 

Como seu filho podia achar que o trabalho pudesse ser mais importante que sua vida? Que espécie de pai fora para fazê-lo acreditar nisso?

 

Sentir culpa era simplesmente inevitável.

 

ooOOoo

 

Não saiu do quarto. Não quis sair até ter a certeza de que ele estava bem. Ficara assustado ao vê-lo desmaiar em seus braços. Depois disso como poderia pensar em deixá-lo sozinho no hospital?

 

Adam só acordou durante a madrugada, lentamente. Viu-o se mexendo na cama, como se o movimento lhe esforço demais, balbuciando algo que não pôde entender. Abriu os olhos, piscando algumas vezes como se sua visão estivesse fora do foco.

 

- Addie? Como está se sentindo?

 

Não houve resposta. Adam não pareceu ouvir, distante demais para compreender.

 

- Addie, está me ouvindo? - tocou seu rosto, tentando obter alguma resposta mas não teve sucesso - Eu vou chamar o médico.

 

- Não. - sua voz soou rouca e vacilante - Não precisa... o que houve?

 

- Você passou mal por causa da quimioterapia, a pressão caiu muito e acabou desmaiando. Não se lembra?

 

- Não. Quanto tempo eu dormi?

 

- O dia todo. Você estava muito cansado. O que está sentindo?

 

- Dor de cabeça.

 

- Imagino. Vou chamar a enfermeira pra ver se pode trazer algum remédio.

 

- Não, não precisa.

 

- Como não? Você está com dor.

 

- Não quero remédio.

 

- Por que isso? Não precisa ficar sentindo dor.

 

- Eu não... - ia completar a frase mas acabou desistindo. Apenas suspirou e se deu por vencido - Tudo bem.

 

Jin levantou e saiu do quarto para chamar o médico. Adam esfregou os olhos, pensando que pouco adiantaria recusar. Não queria dormir de novo, mas sua vontade pouco seria aceita.

 

Não sentia fome, mas fora obrigado a comer por causa do remédio, e assim que este começou a correr por suas veias o sono não demorou a chegar. Exausto, ceder ao cansaço foi uma questão de poucos minutos. Os olhos atentos de seu pai lhe acompanharam, na certa esperando que o sono lhe trouxesse descanso mas ele mal sabia que isso apenas lhe fazia perder a noção do tempo.

 

Os remédios não ajudavam em nada, mas quem poderia saber?

 

Adam apenas deixou-se levar.

 

 

ooOOoo

 

Viu-o dormir pelo resto da noite. Acompanhava cada movimento seu por menor que fosse. Tinha um medo estranho, o mesmo que o levara a velar seu sono quando era apenas um bebê. Medo que ele passasse mal ou parasse de respirar de repente. Quando seus filhos eram bebês, tinha temor da chamada “morte súbita”, em uma época onde não havia tantas informações a respeito, porém um medo que foi passando a medida em que se informava.

 

Sentir Adam desmaiando em seus braços por exaustão só fez com que esse medo voltasse.

 

A respiração de seu filho era leve, tão leve que em alguns momentos checava se havia algo de errado. Ao menor sinal de agitação, verificava se ele pudesse estar com febre. Ficava em alerta para qualquer sinal, e para seu alívio nada aconteceu. Os médicos não haviam se enganado.

 

Quando ele acordou tinha a fisionomia abatida, como já era de se esperar. Parecia ausente, e Jin não achava que fosse apenas uma impressão sua. Não era difícil entender a razão, mas agora que sabia um pouco mais, outras hipóteses vinham a sua mente.

 

Adam não apenas sabia dos prognósticos que Jin tanto lutava pra esconder, como não tinha fé naqueles tratamentos embora aceitasse ser submetido a eles sem reclamar. Talvez aceitasse somente para atender as expectativas. Adam falara para Tanya sobre morte como se fosse uma certeza e ela sequer retrucara como faria qualquer outra pessoa. Esforçava-se para parecer bem mesmo não estando, pensando que não gostaria que mudassem suas rotinas para estarem ao seu redor. Chegava ao cúmulo de querer prepará-lo para o que julgava inevitável.

 

O que mais poderia esperar de seu filho?

 

O médico entrou no quarto perguntando a Adam como estava se sentindo. A resposta fora a mais óbvia: cansado, o que de todo modo era um alívio.

 

Uma enfermeira traria o café da manhã e já esperando por isso Jin ajudou-o a sentar-se, não querendo que ele se esforçasse mais. A bandeja chegou em pouquíssimo tempo e a ajuda da enfermeira foi dispensada, pretendendo cuidar de seu filho sozinho. Adam não pareceu gostar muito da ideia, mas como sempre acabou aceitando.

 

- Há quanto tempo está aqui? - ouviu-o perguntar.

 

- Desde a hora da quimioterapia.

 

- Está aqui desde aquela hora? - pareceu surpreso - Pai, não precisava ter ficado.

 

- Fiquei porque quis, Addie. Ninguém me obrigou.

 

- É tempo demais pra ficar aqui. Não é bom pra dormir e nem confortável pra qualquer coisa.

 

- Não precisa se preocupar comigo. Sei me virar.

 

- Você está abatido, não dormiu nada.

 

- Estou acostumado a passar as noites acordado, sou bom nisso.

 

As respostas de Jin eram despreocupadas, parecendo mais interessado em fazê-lo se alimentar. Algo que requiriu algum esforço pois Adam não tinha fome. Insistiu, com medo de seu filho acabasse perdendo as poucas forças que lhe restavam e acabou conseguindo fazê-lo comer o mínimo, dando-se por satisfeito e sem querer insistir, temendo que ele passasse mal novamente.

 

Um momento de silêncio se fez presente. Não muito mas o suficiente para causar desconforto. Queria fazer algo, ajudá-lo de alguma forma, e não saber o que fazer era penoso. Algo que durou até olhar para o lado e ver um livro, com uma página marcada pouco antes da metade. Sabia que Ling, Cassie e Tanya costumavam ler para ele, já que Adam enjoava com facilidade ao tentar fazê-lo. Talvez aquilo fosse uma alternativa.

 

- Addie, quer que eu leia pra você?

 

- O que? Está me perguntando se quero que leia pra mim?

 

- E qual a razão do espanto?

 

- Não esperava.

 

- Por que não?

 

- Você nunca gostou de contar histórias.

 

- O que?

 

- Você não gostava de parar pra ler uma história pra gente. Posso contar nos dedos quantas vezes fez isso.

 

- Mas... nunca me pediu.

 

- Eu pedia. Pedi algumas vezes mas você precisava trabalhar. Sempre preferiu trabalhar de noite, até a madrugada e eu não queria atrapalhar.

 

Jin ficou calado diante daquela afirmação, como se tentasse ponderar aquelas palavras, mas Adam sequer pareceu ter percebido e continuou.

 

- Bom, de qualquer forma ler histórias nunca foi o seu forte.

 

- Nunca?

 

- Ler para crianças exige paciência e você estava sempre apressado. A minha mãe interpretava a história, fazia as vozes, mas gastava mais tempo no quarto da Cassie porque ela tinha problemas pra dormir. Eu não ia morrer ou crescer traumatizado por isso então acabei abrindo mão.

 

A respiração de Jin quase parou ao ouvir aquilo, mas se conteve. Para alguns poderia parecer insignificante, mas lhe parecia denso demais. Há quanto tempo Adam aprendera que não poderia contar com sua presença?

 

- Sei que pode ser estranho mas não tem problema. Não sou bom nisso, mas posso pelo menos tentar, caso você quiser, não é trabalho nenhum.

 

- Ok, tudo bem, se quiser. Não precisa fazer as vozes ou interpretar as frases.

 

Adam sorriu ao dizer isso e o pai abriu um sorriso ainda maior diante da brecha que seu filho lhe dera. Abriu o livro na página indicada e começou a ler. Seu desempenho pode ter sido sofrível, porém ao menos obteve a atenção de Adam.

 

Poderia parecer infantil mas sentiu-se como se estivesse pagando uma dívida muito antiga.

 

Primeiro seu filho deixara de pedir por histórias para que pudesse trabalhar. Agora, anos depois Jin abria mão de seu trabalho em nome de quem era mais importante.        

 


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