Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 24
Consciência


Notas iniciais do capítulo

#demora



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- O que houve, Jin? Aconteceu alguma coisa?

A voz de Ling soou baixa e mal foi percebida por quem estava no corredor. Eles estavam fora do quarto, Adam fora levado para exames de rotina. Estavam esperando, como sempre. Dias assim costumavam ser tensos, as notícias nunca eram boas por mais fé que tivessem. Sempre saiam frustrados.

- Não, está tudo bem. É que a noite não foi muito fácil.

- Deveria ter me ligado, eu viria.

- Você precisava dormir. De qualquer modo também não seria bom deixar Cassie sozinha. Acabaria deixando-a assustada.

- Você fala como se eu fosse a única que precisasse de descanso, não sou eu quem passa todo esse tempo no hospital.

- Não me sentiria bem saindo daqui e ficando longe, Ling. Eu me sinto melhor ficando perto dele, mesmo que Adam não goste. É mais forte do que eu... me sinto culpado.

- Culpado? Você não tem culpa da doença dele, Jin.

- Não é isso - balançou a cabeça - É que eu passei tanto tempo trabalhando, ocupado com outras coisas, sempre enfurnado naquele escritório que nem vi o tempo passar. Não os vi crescendo direito, estive ocupado criando uma carreira e fiquei longe. Não fui a escola, quase não estive nos torneios de luta ou nas apresentações do show de talentos, não viajávamos nas férias... nem li pra eles, Ling. Não fiz nem aquilo que era mais elementar e agora, com tudo isso que está acontecendo eu me dei conta do quanto perdi.

Ling colocou a mão em seu ombro, compreendendo as palavras de seu marido. Infelizmente não poderia contradizê-lo. Ele estava certo: realmente perdera muito e isso não tinha volta. Os filhos não eram mais crianças e sim adolescentes maduros demais para a idade que tinham, o que a fazia pensar que tinham crescido antes do tempo. Com Adam fora assim, ao partir para Nova York. Foi ele quem mais sofreu com ausência do pai, ainda que não reclamasse como Cassie, que costumava manifestar sua insatisfação. E agora justamente por Adam percebera o quanto tudo aquilo parecia pequeno.

Sabia que seu marido temia que não houvesse mais tempo, mas sabia que não era somente ou medo que o faziam ficar do lado dele. Jin realmente queria estar lá, mesmo odiando hospitais e tendo medo de agulhas e sangue. Ainda assim ficava ali.

Era trágico pensar dessa forma, mas ele tinha medo de que Adam morresse sem que pudesse fazer mais. E por mais que quisessem, o corpo de seu filho não reagia ao tratamento. Tinham medo de ouvir isso de novo apesar de ser o mais provável.

- Adam estava tão cansado... é capaz de estar dormindo enquanto colhem o sangue para os exames. - Jin observou, pensando no quanto era triste que seu filho tivesse se acostumado com o que antes lhe trazia medo.

Ling só podia pensar que era melhor assim. Dependendo dos resultados seria mesmo melhor que estivesse alheio a tudo em um descanso e não visse ou ouvisse nada daquilo.

- Ling?

- O que foi?

- Quantos anos Adam tinha quando você parou de ler historias pra ele antes de dormir?

- Na verdade ele só parou de pedir que eu as contasse. Ainda insisti pra continuar lendo, mas recusava, dizia que estava com sono e até fingia que estava dormindo, mas era só eu sair do quarto pra ele acender a luminária, pegar um livrinho e ficar tentando ler, juntando as sílabas. - relembrou, sorrindo com a memória de uma travessura infantil - Deve ter sido assim que aprendeu a ler. Por que a pergunta?

- Nada demais... é que eu li pra ele ontem. Quando perguntei se queria, Adam ficou tão surpreso. Disse que eu nunca tinha parado pra isso quando era criança, que nunca gostei de parar pra isso.

- E o que você disse?

- O que eu poderia dizer? Não consegui dizer nada. Ele disse que não queria atrapalhar e por isso tinha parado de pedir até mesmo pra você. Eu me senti tão culpado...

- Então, leu pra ele? - ela perguntou, percebendo a tensão do marido. Sabia por experiência própria que Jin precisava falar.

- Li. Adam disse que eu não precisava fazer as vozes dos personagens. Acho que nunca tive dom pra isso, mas eu li mesmo assim.

- Não tem que sentir culpa, Jin. Não vai ajudar em nada.

- Eu não consigo deixar de sentir. Há quanto tempo ele deve ter começado a achar que não poderia contar comigo? Pior é que tem todas as razões pra isso. Eu sempre coloquei o escritório na frente de tudo, e o que tenho agora?

- Você ainda tem a sua família, ainda estamos aqui. Estamos todos aqui, não está tudo perdido. - ela disse, segurando-lhe as mãos, percebendo que estavam trêmulas.

Sabia que seu marido estava com medo, temendo imaginar quanto tempo aquilo ia durar. Ling tinha o mesmo medo, porém o medo dele era pior por envolver sua própria culpa além do amor. O quanto que ele não poderia estar sentindo?

Viram o médico surgir no corredor. Adam vinha na cadeira de rodas, visivelmente sonolento, cansado pela crise do dia anterior e bastou ser colocado na cama para que o sono viesse. Tudo aquilo era muito cansativo para ele, especialmente alguns exames que costumavam ser dolorosos.

- E então, doutor? Como foi?

ooOOoo     

Noite, quarto do hospital.

Ling estava sentada na poltrona, encolhida e imersa naqueles pensamentos que tanto lutou para não ter, tudo confirmado pelos últimos exames.

Novamente a quimioterapia não surtira efeito. Não fez a doença recuar nem parar. A leucemia continuava avançando e seu filho estava enfraquecendo. A esperança era um transplante de medula óssea, mas não haviam encontrado um doador. Cassie não era compatível.

Já tinha pensado em engravidar novamente, mas seriam chances nulas: depois do parto de Cassie não poderia mais ter filhos. Se conseguisse não havia garantias de compatibilidade e mesmo se fosse compatível talvez Adam não conseguisse resistir por tanto tempo.

Tudo conspirava para o pior. E por mais que soubessem dos resultados anteriores não estavam preparados para ouvir aquilo, e ceder significava abrir mão de seu filho. Isso não fariam nunca.

Jin ficara paralisado diante do homem que lhe dava a notícia. Era a constatação dos medos que ele confessara. E mal conseguira se controlar depois de tudo. Teve de tomar um calmante e ser mandado para casa. Não conseguiria passar outra noite no hospital por mais que quisesse, e realmente queria. Ling o mandou sair, ficando então em seu lugar. O dia fora muito tenso para ele e não podiam deixar que isso afetasse Adam. Seu filho não precisava de mais esse estresse e Jin teria de lidar com o problema. Se enfrentasse aquilo de uma vez seria mais fácil, conseguiria suportar. Por mais cruel que fosse, seria para o seu próprio bem.

Agora não sabia o que fazer. E se Adam perguntasse sobre os exames? Como ia contar aquilo? Como Adam reagiria a outra má notícia?

Como diria a seu filho que as chances de uma cura eram nulas. Talvez fosse melhor omitir algumas coisas para que ele não perdesse as esperanças.

Eram várias coisas a ponderar, mas todas se tornaram menores quando o viu abrir os olhos e olhar em sua direção.

- Oi, mãe.

- Oi, Addie. Como está?

- Com sono. Cadê o meu pai?

- Mandei-o para a casa. Quer falar com ele?

- Não, só perguntei por perguntar. Deixa ele quieto, vai ser bom pra ele dormir em uma cama.

Ling riu diante daquilo. De fato era seu marido quem passava mais tempo no hospital, passando dias e noites naquele sofazinho. Não sabia como ele não reclamava de dores pois o lugar não era nada confortável. Talvez até sentisse mas não tivesse coragem de reclamar pensando que Adam passasse por coisas bem piores.

- Você deveria ter ido com ele.

- E te deixar aqui?

- Qual o problema? Tenho idade pra ficar sozinho em um hospital.

- Sei que já está grandinho, mas tem coisas que nunca mudam. E nem tente argumentar pois já sabe a resposta.

- Sei sim, mas não pude deixar de tentar. Desculpa.

- Pelo que está pedindo desculpas?

- Pelo trabalho que estou dando, não era pra ser assim. Acabei fazendo o caminho inverso.

- Que caminho?

- Eu já tinha saído de casa e tive de voltar.

- Não me venha com esse tipo de pensamento. Você não é trabalho e não tem que se preocupar com essa coisa de sair de casa e se virar. Nunca falamos nada sobre você ir embora, de onde tirou isso?

- Não tirei isso de lugar nenhum, mas olha a minha idade. É normal que isso aconteça, não queria ser um peso e ficar dependendo de vocês.

- Nem pense nisso, Addie. Não tem ninguém querendo te expulsar de casa, nem planejando transformar seu quarto em escritório.

- Meu pai não reclamaria de ter um escritório maior.

- Ele não gostaria que isso fosse as suas custas. E mesmo quando puder sair do hospital vai ficar conosco mesmo que não queira.

- Já me conformei com a ideia.

- Ótimo, então o assunto está encerrado.

Passaram a conversar amenidades, prolongando-se nisso até que Adam simplesmente não conseguisse mais acompanhar e dormisse, agora não por exaustão ou remédios. Nada muito demorado mas de qualquer modo era melhor se manter em silêncio, sabendo que o sono era leve. 

Seria fácil ficar quieta: não havia ninguém com quem conversar e o pouco que seu filho dissera fora suficiente para ter algo no qual pensar.

Adam aceitara a proposta de ir a Nova York somente por achar que estava na hora de sair de casa? Não era algo difícil de se imaginar. Conhecendo seu filho, sabia que era bem possível.

Mas por que ele pensara nisso? Se Adam estivesse pensando em um parâmetro que fosse, poderia pensar que era cedo demais e acabar deixando esse plano para dali a dois ou três anos.

Talvez quisesse mostrar maturidade. Ele sempre fora maduro demais para a idade que tinha.

Suspirou. Era melhor não pensar nisso. Até precisava, mas não naquele momento. Talvez a solução fosse a mesma para todas as descobertas sobre a postura de seu filho. Invariavelmente tudo parecia passar por seu marido. Era Jin quem tinha chances de mudar aquele cenário. Saber disso aumentaria sua sensação de culpa, mas também lhe daria esperanças. Seria o sinal de que ele poderia fazer alguma coisa. Saber que dependia de sua atitude faria-lhe bem.

Não estavam de mãos tão atadas quanto imaginavam.


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