Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 21
Compreensão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/10435/chapter/21

 

Manhã seguinte.

 

Tanya estava na estação de rádio. Chegara bem mais cedo que o de costume, com o pretexto de selecionar as músicas para o programa. Foi com essa idéia que saiu de casa, numa tentativa de agir o mais próximo possível daquilo que seria normal.

 

Porém, tentativas não significavam certezas, e sim possibilidades. Sabia que não seria tão fácil, e que talvez não fosse possível, mas precisava fazer qualquer coisa que ajudasse a esquecer.

 

Ainda estava sob efeito das palavras de Adam. Dos seus motivos, de suas verdades. Aquilo que tanto insistira para ouvir, mas agora tentava esquecer. Não que estivesse mais calma. Simplesmente estava exausta por ter repassado aquela história em sua mente milhares de vezes.

 

Naquela tarde, não soube como conseguiu chegar em casa sem desabar. Suas mãos tremiam tanto que foi difícil destrancar a porta. Por sorte não havia ninguém: seus pais não estavam lá e com isso não teria de responder nenhuma pergunta.

 

As lágrimas vieram em questão de segundos: o tempo de se ver protegida pelas paredes de seu quarto.

 

Desejou muito que aquilo fosse mentira, fruto de algum delírio provocado pelos remédios que davam a ele, que fosse apenas um meio de escapar do hospital. Mas Tanya sabia que isso não ia acontecer. Sabia que Adam tinha lhe contado a verdade. Conhecia-o bem para saber disso. Ele não sabia dissimular. Adam podia disfarçar, omitir algo por um motivo claramente justificável nas nunca dissimular. Isso estava muito claro: os anos como ranger lhe deram essa percepção, assim como a amizade que levaram para fora do centro de comando, longe das intermináveis batalhas travadas todos os dias.

 

Eles tinham uma confiança quase cega um no outro. Estímulos, ajuda, conselhos... era natural que se ouvissem e Adam sempre lhe entendera, assim como ela o entendia. Como amigos de infância. Ouvir o que ele contou lhe deixou em choque, incapaz de pensar e agir de forma coerente. Fugir foi tudo que conseguiu. Uma reação inconsciente, involuntária. Não conseguiria ficar lá diante daquilo.

 

O que Adam tinha feito? Por que ele se arriscara daquele jeito? Por quê?

 

Era o seu melhor amigo. O seu companheiro de lutas, umas das melhores pessoas que conhecera na vida... e por escolha própria ele se condenara. Destruição certa. E por sorte ou azar, a conseqüência dos seus atos levaria algum tempo para se concretizar, sob o peso de uma doença.

 

Uma doença que não tinha cura.

 

Agora podia entender.

 

As lágrimas eram de compreensão de uma perda anunciada. Pensar nisso doeu muito.

 

Coragem? Última alternativa? Não sabia dizer, não podia responder, mas já estava feito. Não podia fazer nada pra mudar a situação. Tinha de passar por cima daquilo, como algo imutável. Porém, não estava conseguindo. Não podia passar por cima disso, ignorar ou esquecer. Até tentou, mas sabia que não seria assim.

 

Foi com esse pensamento que acabou saindo da rádio mais cedo. Não poderia pensar em mais nada. Não conseguia tira-lo da cabeça. tinha de vê-lo, ainda que não soubesse  como reagir diante dele. Não poderia esperar mais. O tempo era um luxo quando se tinha certeza de que talvez não durasse muito. Talvez quase nada.

 

Seus passos foram rápidos. Não era uma grande distância. Levaria uns quinze ou vinte minutos se não parasse no caminho. Poderia ter ido de carro, como era de costume, mas não se sentia capaz de dirigir. Estava nervosa demais pra isso. Melhor não ignorar sua intuição.

 

Ao chegar ao hospital, diminuiu a velocidade de seus passos, andando pouco mais devagar ao percorrer o labirinto de corredores que a levaria ao quarto de seu amigo. Nem precisava raciocinar muito. Já conhecia o caminho e poderia fazê-lo às cegas. Chegaria lá naturalmente, por instinto.

 

Logo estava na porta, e ao chegar lá hesitou. Era inevitável tendo em vista a razão, mas ainda assim condenou-se por ceder a ela. Deixara seu melhor amigo sozinho na hora em que ele lhe confiou um segredo e contou a verdade. Um grande erro, e agora não tinha a mínima idéia de como agir. Será que ele estava aborrecido? Tinha todas as razões para isso, embora soubesse que Adam não conseguia sentir raiva por muito tempo. Talvez estivesse magoado... seria o mais certo.

 

Será que ele ainda iria querer vê-la?

 

“Droga...” 

 

- Tanya? – os pensamentos foram interrompidos pela voz suave da mãe de seu amigo, que acabara de sair do quarto. – O que faz aqui tão cedo? Algum problema?

 

- Ah, oi Sra. Park. Eu saí mais cedo da rádio. Não aconteceu nada. Como está Adam?

 

- Está tomando banho. Saí do quarto porque ele não gosta que eu fique por perto nessa hora. – suspirou. – Ele pede tão pouco que não tenho como não atender.

 

Ling parecia abatida aos olhos de Tanya. Ainda tinha aquele jeito firme, mas não tão jovial quanto se lembrava. Nada que lhe tirasse a beleza, mas lhe deu uma aparência mais madura, um pouco triste.

 

- Aconteceu alguma coisa? – foi a vez da jovem perguntar.

 

- Não, não aconteceu nada.

 

- Mas parece preocupada. – insistiu.

 

- Estou um pouco preocupada com Adam.

 

- Ele passou mal, o médico disse alguma coisa?

 

- Não, é que ele me pareceu triste. Quase não falou ontem, e hoje parece que vai ser a mesma coisa.

 

Tanya baixou os olhos, sentindo-se culpada. Claro que Adam não ia ficar imune a sua reação intempestiva.

 

- É só um daqueles dias ruins. – Ling ponderou, vendo que sua preocupação afetara a garota. – Os médicos avisaram que seria assim. Sou eu quem não consigo deixar de me preocupar. É mais forte do que eu.

 

O toque baixo de um celular interrompeu a conversa das duas. Ling atendeu e falou poucas palavras. Seu olhar procurou o relógio e sua expressão ao constatar a hora não foi das melhores. Encerrou o telefonema logo em seguida.

 

- Não acredito nisso. Como marcam uma reunião dessas a essa hora e ninguém me avisa?

 

- Se estiver precisando sair, eu posso ficar com ele, Sra. Park.

 

- Você tem esse tempo, Tanya? Pode ser que eu demore.

 

- Dia de folga. Hoje eu tenho todo o tempo do mundo, não se preocupe.

 

- Obrigada, menina. Obrigada mesmo. Se acontecer alguma coisa, se precisar de qualquer coisa me telefone, por favor. – pediu, colocando a bolsa no ombro e se despedindo. – Eu prometo que vou tentar ser rápida.

 

- Não precisa se apressar. Fique tranqüila.

 

Um toque no ombro e um “até mais” valeram como despedida. Tanya ficou observando a mãe do amigo partir, sumindo pelo corredor, logo depois de recomendar que não deixasse de comer, deixando-a sozinha com seus pensamentos e culpas.

 

Criando coragem, abriu a porta e entrou no quarto. Encontrou a cama vazia. Na certa o banho ainda não havia terminado, e nem pretendia ir até lá pra descobrir. Então sentou na poltrona que havia perto da cama, esperando por ele. Estalou seus dedos, num pequeno gesto para controlar sua ansiedade.

 

Sem grande demora ouviu o som de sua voz e a do enfermeiro que o acompanhava. Logo viu a cadeira de rodas surgindo. Pelo tom de voz, estava pensando no quanto ele poderia estar mal humorado. Não era muito fácil para alguém como ele depender de ajuda para coisas que lhe pareciam simples.

 

Ele pareceu surpreso em vê-la. Surpreso demais, quase incrédulo. Tanya não gostou de constatar isso. O que ele não havia pensado para ter uma reação dessas?

 

- Oi, Addie. – cumprimentou-o, tomando a iniciativa para aquilo que talvez evoluísse para uma conversa. Chama-lo pelo apelido foi tanto instinto quanto estratégia.

 

- Oi. – respondeu, constrangido.

 

- Ei, Park – interrompeu o enfermeiro – Está na hora do almoço. Posso pedir pra trazerem a sua comida?

 

- Não estou com fo...

 

- Com licença. – disse Tanya – Pode sim, peça que traga o almoço dele, por favor.

 

O enfermeiro meneou a cabeça, indicando que sim. E saiu em seguida, deixando-os a sós.

 

- Você precisa fazer um esforço pra comer. – justificou, em tom suave.

 

- O que está fazendo aqui?

 

- Vim te ver, ora. Não é o que faço sempre?

 

- Mas... – pareceu desorientado com a hora e Tanya sabia que essa era uma de suas poucas queixas. – Não está muito cedo?

 

- Está cedo sim. Saí da emissora antes da hora. Queria te ver, fiquei preocupada por... ontem. - A expressão do amigo mudou naquele momento. Tornou-se triste, envergonhada. Adam baixou seus olhos, sem perceber que a fisionomia dela mudou da mesma forma, então ela completou. - Eu queria te pedir desculpas.

 

- Desculpas? Por quê?

 

- Pela forma como eu agi. Não foi certo.

 

- Você agiu da forma como achou certa. Não se importe, Tanya.

 

- Eu me importo porque te magoei.

 

- Não faz diferença. Foi justo.

 

- Não foi! Eu fiquei assustada e reagi sem pensar. E sei que te magoei porque te conheço muito bem. Perdão.

 

- Esqueça. – ele balançou a cabeça levemente – Qualquer pessoa teria agido dessa forma. Eu é que não deveria ter te contado.

 

- Não me contou porque quis. Eu te pressionei.

 

- Poderia ter inventado qualquer história.

 

- Você não tinha como mentir. E mesmo se tentasse, eu acabaria percebendo.

 

- É um problema meu. Não era intenção minha envolver mais gente.

 

- Era um peso grande demais para carregar sozinho. De qualquer forma, eu seria a única que poderia entender.

 

- Você entende?

 

- Entendo. – respondeu, sinceramente. – Foi a única forma. Fez o que achou certa, por Carlos, Alpha... por você.

 

- Não foi um gesto tão altruísta, Tannie. Eu quis ser o ranger preto de novo. Eu me senti tão forte...! Senti tanta falta disso! Eu desejei. Foi egoísta da minha parte.

 

- Hey! Pare com isso, Adam. Não foi culpa sua, nem egoísmo. Você é um ranger, age como ranger e vai ser assim pra sempre. Você agiu como um ranger e fez o que tinha de fazer. Não se culpe.

 

- Sabe... achei que depois de ontem você nunca mais falaria comigo. – confessou, parecendo envergonhado.

 

- Eu nunca faria isso, Addie. – ela respondeu, pegando sua mão num gesto que lhe foi puro instinto e com diversas pretensões: criar um vínculo, reforçar a confiança, reafirmar suas palavras. – Eu sempre estarei por perto pra você da mesma forma como sempre esteve perto pra mim.

 

Sua mão permaneceu ali, sobre a dele. Os dedos entrelaçados denunciavam a cumplicidade. De uma forma ou outra ambos sempre estariam ligados. O vínculo entre eles jamais seria desfeito.

 

Naquele dia, Adam teve suas primeiras horas de sono em muito tempo. Sem sonhos e sem pesos na consciência, vigiado atentamente pelos olhos atentos da única pessoa que poderia lhe compreender.

 

Somente um ranger poderia entender o outro.

 

 

 

Continua...              

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Verdade e Consequências" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.