Up all night I won't quit escrita por Arin Derano


Capítulo 10
[FADREY] - Capítulo 5 - FINAL




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Naquele dia, eu lembro da expressão de desespero dela, o corpo sem vida de Janna caindo no chão e ela vindo tentando se explicar. Eu não conseguia ouvi-la, minha mente anestesiada de repente. Um calafrio me percorria, além de algo como medo e decepção misturados.

Eu a ignorei, e fui em direção a porta da frente. Ela não me impediu, mas consegui ouvir sua voz distante atrás de mim:

— Por favor, não vai embora.

E eu fui. Fui embora na certeza de que jamais voltaria ali de novo.

***

A cada dia que se passava, eu tentava me convencer de que nada do que tinha vivenciado no castelo nas últimas semanas não tinha existido. E funcionou, por um tempo.

O clube logo percebeu a ausência da editora-chefe e começaram as buscas por ela. Cartazes de desaparecida enchiam a universidade. Todos esperaram pela família dela que nunca veio, e ficou sendo um mistério para todo mundo.

Cheguei a conversar mais com Ryan depois que ele foi promovido a editor-chefe. Muitos desconfiaram dele de que pudesse ter feito algo com ela para conseguir o posto, mas isso acabou sendo provado incoerente com o tempo.

Eu não contei mais nada a Zah e Vill. Eu confiava neles e eles em mim, porém não me orgulhava de como tinha reagido naquele dia. Eu era uma cúmplice, eu não pedi por ajuda, eu não chamei a polícia.

No fim das contas, eu era culpada também.

Claro, existiam pessoas que desconfiavam disso. O fato da última matéria escrita por ela ter sido sobre mim e termos sido colegas de quarto influenciaram muito na especulação. Eu não podia fazer nada. Ninguém acreditaria em mim se eu contasse.

Um dia, fui a biblioteca para procurar sobre vampiros. Não achei nada que não fosse alguns livros de mitos e lendas, explicando coisas de que todos já sabiam. Apesar de que existia uma diferença entre esses vampiros e Audrey: ela conseguia manusear prata sem problemas.

Além disso, eu não sabia de mais nada. Eu nunca cheguei a ver como ela reagia a luz do sol ou se ela se transformava em morcego. Sendo bem sincera, acredito que nunca teria desconfiado disso se não fosse por aquele dia.

Uma cena que me assombraria para o resto da vida.

***

Um ano se passou. Eu estava no fim da graduação e Villem já se preparava para se graduar nos próximos meses.

Minha vida tinha estado normal, monótona até nos últimos meses. Desde Janna eu não tive outras colegas de quarto, então havia retomado as decorações que Sasha havia deixado no outro lado do quarto.

Com a ajuda de Ryan, eu entrei para o clube de jornalismo como ilustradora. Ele me convenceu de que seria um ótimo negócio a se fazer para se ter no currículo quando me graduasse, e tem sido uma boa experiência. O jornal não era mais tão sensacionalista nas mãos dele, dava para ver que ele trabalhava no clube por paixão e não por ganância da fama.

Eu era meu novo amigo também, e ele havia me colocado em seu grupo de DbD depois de dizer que eu sabia jogar. Ele comentou que havia jogado umas partidas com Sasha quando ela ainda estudava aqui, e saber disso me deixava nostálgica. Eu sentia falta dela.

Ryan me perguntou algumas vezes também sobre minha relação com o castelo. Eu o ignorava ou mudava de assunto. Se eu pudesse, esqueceria disso tudo o quanto antes e de como fui tola de ter ido para lá em primeiro lugar.

Não vou mentir, eu ainda pensava em Audrey. Por mais que eu tentasse evitar, ela sempre vinha a minha mente. Seja nos sonhos ou nos pequenos detalhes da minha vida. Um dia, encontrei um cachorro semelhante a Jesper no campus e congelei. Uma avalanche de memórias me atingiu e senti uma sensação estranha.

Me demorou para perceber que era saudade.

Eu preferi ignorar o que aquilo me causava, como uma espécie de autopreservação. Eu já tinha decidido: não voltaria para aquele castelo em nenhuma circunstância.

Era o que eu queria, pelo menos.

Numa tarde livre de outono, Zah me contava dos filmes que tinha visto no cinema da cidade e dos paralelos deles com sua vida quando ela tocou no assunto de romance.

— Eu sempre soube que não era interessada em romance de nenhum tipo, mas sempre gostei de ler e ver sobre. Eu acho até quase que mágico as vezes, tipo no seu caso com a garota do castelo! Como era mesmo o nome dela?

Eu a olhei incerta, de volta para a realidade. Eu parei meu lápis que rabiscava em meu caderno de desenhos.

— Não me lembro mais — respondi. Não sabia bem por que estava mentindo.

Ela me analisou com cautela. Quando viu que não diria mais nada, ela se apoiou na mesa se aproximando e me olhou nos olhos.

— Sabe... Eu estou com você para o que der e vier, mas sinto que se você voltasse lá, poderia encerrar esse capítulo da sua vida. Não estou certa?

Eu não sabia o que dizer. Eu não queria voltar, mas ela parecia ter dito uma verdade. Talvez se eu voltasse lá e desse um final para essa parte da minha vida, eu poderia seguir em frente.

Zah sempre soube dar conselhos como ninguém. Como quando Vill teve seu primeiro término com o garoto do time de rúgbi ou de quando eu fui mal em uma prova que estava confiante de que iria bem. Ela era nossa âncora, nosso porto seguro.

E se ela lhe desse uma opção para melhorar como estava se sentindo, muito provavelmente essa era a resposta que procurava.

Então, depois de meses, a ideia de voltar ao castelo abandonado se fez presente uma última vez.

***

Muitas pessoas já tinham esquecido do castelo a esse ponto. Ervas daninhas nasciam sobre as pedras da construção, as árvores que cercavam já tinham galhos maiores e escondiam algumas partes da estrutura. O caminho de pedras que levava para a porta da frente já não existia mais, escondido em meio a grama e ao capim que crescia.

Quando tive a visão completa dele deteriorado pelo tempo, uma tristeza passou pela minha cabeça. E se ela não estava mais ali, nem Jesper? E se tivesse conseguido dar um fim em sua sina e já estivesse muito longe daqui?

Respirei fundo.

“Você já chegou até aqui. Não vai desistir agora.”

Me aproximei da porta de madeira e bati com a alça de metal. A alça estava mais pesada e dava para notar que estava enferrujando. Eu esperei um, dois, cinco minutos sem resposta.

Estava dando meia volta quando ouvi a porta ranger, ainda mais do que já costumava ranger. O som, querendo ou não, me foi um alívio. Se não tivesse ninguém, pelo menos podia dizer que tinha tentado.

Mas eu sabia que tinha alguém, e não tinha certeza se estava preparada para encontrá-la.

Abri a porta o suficiente para passar com a cadeira, e não me incomodei de fechá-la. Seria rápido e era improvável que mais alguém fosse entrar no castelo.

Pensei em chamar por Audrey ou Jesper, mas achei besteira. Preferiria ver com meus próprios olhos primeiro.

Fui para o jardim. Assim que me aproximei e vi o estado das flores, foi como se uma parte de mim tivesse se partido. Tudo que um dia foi flor e plantas saudáveis estavam secas, e a única que permanecia ali eram ervas daninhas que percorriam das paredes externas do castelo até aos arcos de decoração que havia.

Suspirei, e continuei procurando. Passei pela biblioteca, e as estantes estavam com teias de aranha do teto ao chão. As poltronas do meio da sala estavam cobertas de poeira, fazendo-as mudarem para uma cor cinzenta.

Quando me aproximei do centro, notei um livro na mesa de centro entre as poltronas. Assim que o vi o reconheci.

Eu não achava certo ler o diário de outras pessoas, mas ver o diário dela ali, intocado, me trazia uma curiosidade difícil de controlar. Eu me perguntava o que teria acontecido para ela tê-lo deixado para trás.

Folheei o diário rapidamente procurando pela última página, na esperança de descobrir o que tinha ocorrido. Do contrário do que esperava encontrar, os escritos da última página eram sobre outra coisa.

“Estou cansada de tudo isso. Eu não devia ter feito o que fiz, e vou levar esse erro comigo até o fim. Eu preciso vê-la e farei o que estiver ao meu alcance para conseguir.”

— Você achou — escutei uma voz familiar atrás de mim. Me virei rapidamente com o susto, e Audrey me olhava com uma expressão triste da porta da biblioteca, usando as mesmas roupas de quando a conheci. Sua aparência estava mais pálida e esguia.

Eu retribuí o olhar calmamente, esperando que ela dissesse mais algo.

— Eu sei que apenas pedir desculpas não é o suficiente. Eu não te contei tudo sobre mim e isso me custou... você. — Ela esperou que eu respondesse, e quando percebeu que não aconteceria, continuou. — Você agora já sabe o que eu sou, mas não por que estou aqui. Se quiser, você pode ler as primeiras páginas do diário, todas as respostas que procura estão aí.

Ela não se aproximou, mas se recostou no batente da porta, os movimentos lentos.

Então, peguei o diário e comecei a lê-lo. Nele, havia três caligrafias de cores diferentes. Não compreendi o que era tudo aquilo, mas era como se fossem pessoas diferentes escrevendo em um mesmo livro, em momentos distintos. Em uma caligrafia roxa estava escrito um tipo de receita, com ingredientes que nunca tinha visto.

— Ela pensou em algo que poderia nos ajudar... Mais ou menos — comentou, e percebi que ela tirava algo do bolso: um frasco com uma tampa de cortiça e um líquido arroxeado dentro.

— Quem...? Como...?

Audrey suspirou.

— Esse diário é escrito por mim e mais outras duas pessoas, e estamos separadas pelo tempo. Não temos outro método para conversar que não seja por ele. Nós não somos desse mundo... Mexemos com a pessoa errada e viemos parar aqui, separadas e forçadas a ficar no castelo, alguns metros distantes dele apenas. Achei que ficar fechada aqui fingindo ser uma humana me faria me sentir melhor, mas não foi o que aconteceu. Esse frasco — ela o sacudiu. — Pode me tornar uma ou me matar.

Eu desviei o olhar dela para o diário que continuei a ler. Eu não sabia com certeza o que estava procurando.

— Tudo bem se não acreditar. Honestamente, nem eu conseguiria acreditar — admitiu. Eu tentava ler sua expressão, mas sem sucesso.

— Está tudo bem? — perguntei, meu coração falando mais rápido que minha mente.

Ela me olhou e sorriu.

— Sabe... Depois daquele dia, não consegui ser vampiro mais. Eu não bebo sangue a um ano.

Uma sensação de culpa me percorreu. Eu poderia tê-la ajudado, e meu orgulho – medo...? – tinha sido mais forte.

— Então... as pessoas que vinham para o castelo você... — Ela assentiu antes que eu terminasse — Ah... e o que você fez com o corpo dela? Ninguém o achou, e ainda acreditam que ela só esteja desaparecida.

— Eu dei um jeito. Tenho meus truques, lembra? — disse simplesmente. Um sorriso fraco estampava seu rosto.

Eu me aproximei, e ela não recuou. Estendi o braço na direção do frasco e ela me deu com cuidado. Agora mais perto eu conseguia ver que ela estava tremendo.

— Como pode ter certeza de que funciona?

— Não tenho. Kimura nunca foi uma cientista, ela só o escreveu depois de muito tempo sem escrever nada lá no diário. Não dá para saber o que aconteceu com ela, não tem mais nenhum escrito dela depois disso. Ela achou uma forma de sair da profecia, de uma forma ou de outra.

— Não existe mais outra opção? — perguntei.

Uma expressão semelhante a repulsa passou pelo seu rosto.

— Tem, eu teria que te matar.

Acredito que ela esperava que eu fosse ficar em choque, mas não estava. Eu estava me acostumando a todo seu contexto.

— Precisa ser um sacrifício de alguém que amo — completou. — E eu não amei ninguém além de você. Eu não quero ter que fazer isso, e por isso prefiro a opção mais simples — ela apontou para o frasco em minha mão.

— E Jesper?

— Ele era dessa casa, de muito tempo atrás — começou, e minha expressão confusa a fez continuar. — Ele era um cachorro fantasma. Seja lá quem dizia que existia um por aqui estava certo. Eu nem sabia o nome dele, só dei esse nome por achar que combinava com ele. Ele me fez companhia nos dias que não esteve aqui. Deixei que ele seguisse o caminho dele uns dias atrás.

Minha respiração ficou pesada de repente. Eu tinha errado com ela, tinha errado comigo. E ela também, dava para notar que estava tão arrependida quanto eu.

Afinal, ela estava morrendo. Ela preferiria morrer a viver com a culpa.

— Podemos ir ao jardim? — pedi e ela assentiu. Fomos em silêncio até chegar no jardim abandonado, o fantasma do cheiro das flores ainda presente em minha mente.

Audrey parecia dispersa, e fui indo na frente. O jardim tinha um banco de madeira pintado de branco, com os braços adornados em ervas-daninhas. Me dirigi até ficar ao lado dele e apontei para que ela se sentasse também.

Quando o fez, perguntei:

— Se você se tornar humana, você pode sair do castelo?

Ela confirmou com a cabeça, o olhar distante.

— Se eu morrer também.

— Não vou deixar — respondi e segurei seu rosto com firmeza, o tornando para meu lado para beijá-la. Um beijo terno, sem pressa.

Ao nos separarmos, ela sorria, o sorriso logo se esvaindo.

— Não deveria ficar aqui perdendo o seu tempo.

— Não estou perdendo meu tempo. Eu já perdi muito tempo que poderia ter ficado com você — admiti.

Seu olhar se dividia entre meus olhos e minha boca. De repente seu olhar ficou marejado.

— Eu não quero morrer.

— Você não vai — ela apoiou a cabeça em meu ombro e acariciei seu rosto tentando confortá-la — Podemos viver muita coisa juntas ainda.

Minutos depois, quando eu quase cochilava, notei que ela tinha se levantado. Assim que minha visão se ajustou, vi ela segurando o frasco aberto, seu olhar focado no líquido.

— O que decidiu? — perguntei, tentando transparecer tranquilidade. Por dentro um turbilhão e emoções me preenchia.

— Vou tomar e esperar que dê certo — ela me fitou nos olhos. — Você promete estar comigo se der?

— Claro. Eu não irei embora como antes. — Estendi minha mão para alcançar a dela, que segurou a minha por um tempo.

— Até logo, Fay.

Audrey tomou o líquido do frasco e foi como se eu desfalecesse também.

Se fosse para morrer, eu morreria com ela.


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