Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 16
15. Todo baile ou evento social é uma vitrine, em nosso caso, uma de informações.




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24|04|1799 Cottington House, Londres

O imenso salão de baile da Cottington House, decorado especialmente para o anual baile da baronesa Cottington, encontrava-se quase que completamente cheio, principalmente de presenças ilustres. Em um canto do salão, o embaixador saxão conversava seriamente sobre xadrez com dois cavalheiros; perto da entrada, o conde d'Artois e sua amante riam altamente com três duquesas escocesas; enquanto o príncipe Augustus dançava com a filha de um diplomata napolitano.

Lord e Lady Cottington aproximaram-se da entrada do salão, bem no momento em que as portas duplas foram abertas e foram anunciados...

— ... a duquesa chegou sã e salva em Stuttgart, posso garantir. — Quem? Anunciados, quem!? Observando parte da entrada, o príncipe hereditário de Württemberg fechou dolorosamente os olhos com a "interrupção" do enviado württemberger, que percebeu: — Algum problema?

Problema? O príncipe imediatamente abriu os olhos e, olhando de relance a entrada e nada vendo, encarou o diplomata. Claro que havia um problema! Como ele saberia quando...

— E quanto ao meu pai? Ele enviou alguma notícia ou convocação? — Fritz, porém, preferiu manter a polidez. O enviado negou lentamente, fazendo o príncipe franzir o cenho. Mas que coisa confusa. — Diga a meu pai que estou sempre preparado para retomar e lutar por Württemberg.

— Os franceses recuaram em direção ao oeste do Reno, então creio até estejamos seguros. — Por enquanto. Fritz não concordava em nada com as confiantes palavras do enviado. Os franceses poderiam estar recuando agora, mas e depois? Porém não acabou aí: — Minha única preocupação é com a permanência de meu príncipe na...

Suspirando indiferente, Fritz revirou os olhos e... sorriu largamente. Atrás do diplomata, só que muito mais distante, apareceu uma distraída, e sozinha, Anne. Ela ainda não havia visto ele, na verdade, parecia até procurar alguém... o príncipe semicerrou os olhos, seria algum...? Porém, bem nesse momento, os olhos de Anne encontram os de Fritz.

Inicialmente nenhum deles fez algo, ficaram apenas se encarando. Foram apenas alguns segundos, porém... Fritz piscou freneticamente, parece uma eternidade.

— Com licença, Excelência, mas esse assunto ficará para depois. — Voltando-se ao enviado, o príncipe avisou e depois saiu, sem ao menos esperar uma resposta.

A princesa continuava no mesmo lugar, parada e com a boca entreaberta. Estaria ansiosa? Dificilmente, porém... Fritz ainda assim sorriu com tal perspectiva. Logo o príncipe ficou frente a frente com Anne, ele sorria, enquanto ela... bem, Anne fez uma pequena careta. Oh, pois bem, era assim que Fritz gostava.

— Estou tão feliz por vê-la, Sua Alteza Sereníssima, principalmente tão cedo! — Fritz pegou a mão de Anne e, encarando-a fixamente, beijou ternamente. Não houve reação, então ele faria ter. — Feliz em ver-me?

— Como uma borboleta ao ver uma rede. — Tão seca e indiferente como sempre, a princesa respondeu.

— Oh Anne, não me trate assim, por favor! Machuca, sabia? — Com uma ferida expressão no rosto, Fritz exclamou levando uma mão ao coração. Anne, porém, apenas revirou os olhos. Ele queria rir tanto, mas não. — Vou lhe perdoar, mas apenas por lhe amar muito.

— É isso que você diz para todas as mulheres que persegue, Fritz? — Como!? O príncipe arregalou os olhos e gaguejou, tentando formular algo, porém Anne novamente revirou os olhos e voltou-se à multidão. Ela procurava? — Poderia me avisar se encontrar uma dama ruiva, não muito alta, mas muito bonita?

Oh, então era uma dama, certamente uma amiga. Inconscientemente, Fritz suspirou aliviado. Mas logo em seguida a expressão dele retornou ao anterior cinismo ferido.

— Suas palavras me ofendem, Anne. Assim parece até que estou lhe perseguindo. — O que era realidade, em parte, claro. Dessa vez, porém, Fritz usou do maior drama possível, como Anne não respondeu, ele sorriu malicioso. — Além do mais, nunca tive problemas para conquistar uma mulher. Afinal, as que tive em Württemberg precisavam de mim para sobreviver.

Prostituição era um trabalho como todos os outros, afinal de contas, degradante, de fato, mas ainda um trabalho. Porém a alusão a essa profissão causou uma terrível expressão de nojo na princesa, que riu com escárnio e negou.

— Perdão então por ofendê-lo, meu príncipe, assim como a suas garotas. — Talvez esse não fosse o objetivo dela, mas Fritz sorriu com muita malícia. Anne por acaso estava com ciúmes? Ele riu, porém a princesa acrescentou arrogantemente: — Perdoe-me, pois eu nasci muito rica, mais até que sua família.

Foi o bastante para calar Fritz, assim como para deixá-lo sem reação. Mas que tipo de resposta foi essa!? Após isso, Anne virou-se para o lado, ainda não desistindo de encontrar a tal amiga. Mas... Fritz também não desistiria!

— Em relação a sua segunda pergunta, eu já encontrei uma ruiva muito bonita! — Indo atrás de Anne, o príncipe respondeu altamente ao colocar-se à frente dela.

Ambos pararam, ou melhor, Anne parou praticamente encostada em Fritz e encarou-o furiosamente... porém imediatamente essa fúria tornou-se um corar.

— Não sou ruiva, Fritz, mas sim loira, assim como muito alta. — Ela continuava vermelha, mas não desviava o olhar.

— Mesmo? Não importa a diferença. — Essa proximidade física entre eles era tão imprópria, mas Fritz não conseguia afastar-se, apenas aproximar-se, fitando-a. — Nada importa, pois ele é perfeito. Brilhante e bonito, como... você.

Foi impossível, a voz dele saiu tão rouca e lenta que... Fritz levou uma mão ao rosto de Anne, porém no meio do caminho ela impediu e abaixou a mão dela, mas não soltando-a... em silêncio, ambos fitaram as mãos juntas e depois um ao outro. Por Deus, mas o que estava acontecendo!?

Fritz sentia como se não estivesse pensando, ele, ou melhor, ambos estavam sendo dominados por um sentimento diferente. Certamente que eles sentiam atração, Fritz mesmo já havia se imaginado numa situação íntima com Anne, mas isso não era atração! Seria... paixão? O príncipe hereditário e a princesa se aproximaram ainda mais...

— Sua Alteza Sereníssima! — Imediatamente Fritz e Anne se afastaram, cada um para um lado. Por Deus o que foi isso!?

Mesmo ainda arfantes, eles voltaram-se ao dono do chamado. O príncipe franziu o cenho, era apenas um jovem cavalheiro, não muito mais velho que eles, sorrindo amplamente. Ele não parecia ter percebido o, mas... Fritz semicerrou os olhos.

— Ambos somos altezas, cavalheiro, assim como sereníssimas, explique. — Sem a menor paciência, Fritz respondeu, fazendo o cavalheiro parar de sorrir. Anne nem mesmo conseguia manter a cabeça erguida. — E quem é o senhor?

— Oh, perdão! Sou Dalton Wandes. — O tal Dalton Wandes estendeu uma mão ao príncipe, que nada fez. Fritz fitou Anne, cujo cenho estava franzido. — De St. Agnes Abbey, em Yorkshire. Meu segundo irmão mais velho é o General Wandes, herói da Batalha de Quiberon.

— Os britânicos não perderam essa batalha? — Wandes corou violentamente com o comentário do príncipe.

— Meu irmão mais velho, o Almirante Wandes, estava no comando do HMS Princess Sophia no Glorioso Primeiro de Junho. — Pelo menos não foi uma derrota. Wandes sorria amplamente, o que fez Fritz buscar em Anne uma afirmativa.

— Acho que... lembro desse nome. — Imediatamente após a lenta resposta de Anne, Fritz a encarou surpreso. Lembrava mesmo? A princesa, porém, volta-se ao cavalheiro. — O senhor deseja algo?

— Gostaria de convidá-la para dançar. — Dançar? Fritz não conseguiu evitar um balançar de cabeça, nem uma carranca, porém o sorridente Dalton Wandes não percebeu e estendeu uma mão, agora para Anne.

Não havia no rosto da princesa um sorriso, muito pelo contrário, ela parecia até mesmo abatida, porém, surpreendendo fortemente a Fritz, Anne sorriu e aceitou o convite de Dalton Wandes. Logo em seguida eles saíram de perto do príncipe, Anne nem mesmo olhou para trás... mas que desgraça! Evitando um grito, Fritz virou-se para trás e mordeu fortemente um dedo.

Como uma coisa dessas poderia acontecer!? Como ele permitiu!? A primeira dança de Anne sempre era dele, sempre dele! Fritz sentia-se frustrado, sentia-se desolado, como se... o príncipe arregalou os olhos, estivesse com ciúmes!

— Mas ora, agora que encontrei Anne, ela vai dançar! — Ao lado do príncipe hereditário, quase fazendo ele pular de susto, apareceu uma dama ruiva, não muito alta, mas muito bonita. Fritz franziu o cenho, essa seria...? — Sarah Compton, a viscondessa Compton.

— Esposa do primogênito do conde de Wilmington, creio eu. — Lady Compton assentiu sorrindo ao príncipe.

— Assim como amiga da princesa Anne. — Dito isso, Lady Compton voltou-se em direção aos pares dançando, a viscondessa franziu o cenho em horror. — Por que ela está dançando com o bobinho do Dalton Wandes?

Fritz, em silêncio, olhou na direção deles e simplesmente suspirou. Porque ele não tinha convidado antes.

*****

O marquês, sorrindo largamente, assentiu as palavras do conde das Galveias, que já tendo dito o que deveria, fez uma mesura e afastou-se. Pois bem, Richard suspirou cansado, quem seria o próximo? Desde que entraram no salão de Cottington House eles falavam com alguém, não houve momento sequer de paz... e esse eles lembrava Richard de...

— Você realmente não gosta de multidões, não é? — Deixando para trás o enviado português, Richard comentou fitando a infeliz Cathrine, que assentiu tristemente. O marquês sorriu de lado e acariciou a bochecha da esposa. — Sorria um pouco mais, sorria para mim, se isso ajuda.

— É difícil sorrir quando algo não parece certo. — Nem mesmo olhando para ele, a marquesa respondeu, fazendo Richard franzir o cenho. Havia algo errado? Cathrine percebeu isso, tanto que suspirou e sorriu. — Eu tentarei, mas por você, e apenas por você. Acho que estou com sede.

Claro que estava, ele também. Richard riu levemente e, pegando a mão dela, começou a andar pelo salão. Agora parecia que eles tinham alguma paz.

— Vamos beber algo, talvez um champagne ou... — Melhor parar no champagne mesmo. Balançando a cabeça, Richard sorriu docemente para Cathrine, que fez o mesmo e apertou a mão dele. — Estarei sempre do seu lado, Cathrine, fique tranquila.

Ela assentiu, embora quase imediatamente depois seu sorrindo tenha ficado visivelmente forçado. O marquês suspirou, não era do desejo de Cathrine estar aqui, ela estava sendo obrigada pelo dever, por isso mesmo Richard faria todo o possível para deixá-la confortável, talvez até feliz.

Se pelo menos Cathrine tentasse fazer amizades, não ficasse tão junto dele sempre, se ela fizesse tal como Anne e... onde estava Anne, por sinal?... Richard balançou a cabeça e fitou preocupado a esposa, tudo poderia ser melhor se ela tentasse, mas não era assim que as coisas funcionavam.

Porém, quando estavam prestes a chegar na mesa das bebidas, o marquês e a marquesa foram parados pelo príncipe e a princesa von Herrlich, cujo interesse não era outro senão a guerra. Pois bem, Richard naquele momento deu a Cathrine um olhar de perdão, estava na hora de voltar à diplomacia.

— ... os estados italianos estão dando algum trabalho, os franceses parecem resolutos em ter aquela península, mas não é do nosso interesse repúblicas francesas na Itália. — Embora algumas já existissem e nem mesmo o papa tenha sido salvo da "democracia". Dito isso, von Herrlich virou-se a esposa. — Suas tias escreveram o que mesmo, Sophie?

— Que permanecer em Florença tornou-se insustentável. — Séria como o príncipe, a princesa respondeu. Embora... tal coisa na Toscana já fosse esperada. — Com a deposição do grão-duque Ferdinando pelos jacobinos, a Toscana tornou-se insegura aos austríacos.

— A rainha de Nápoles nos escreve sempre sobre a situação deles. — Ou seria rainha da Sicília? Richard suspirou e fitou o príncipe von Herrlich. — Mas posso garantir que pelo menos Nápoles estará a salvo dos franceses. O governo em Palermo está organizando junto da marinha britânica uma reconquista.

— Uma notícia agradável. Creio que após salvar a Suíça nossa aliança austro-russa passará a Itália e... — Apesar de mostrar realmente mais alívio, embora já soubesse disso, von Herrlich continuou a falar da Campanha Italiana e Suíça.

A conversa continuou por um bom tempo, falando dos mais diversos assuntos alemães sobre a guerra. Porém, francamente, a atenção de Richard voltava-se constantemente para Cathrine, de forma alguma ela parecia animada, muito pelo contrário, parecia até que... gostaria de estar em outro lugar.

— Você nem esconde o tédio, não é, Cathrine? — Com a despedida do diplomata austríaco, Richard voltou-se a desanimada, e calada, marquesa. Ela inicialmente franziu o cenho, mas logo suspirou. — Concordo que não tivemos conversas interessantes ainda.

— Eu sempre imaginei bailes como momentos para diversão e distração. — E não era isso? Richard pegou a mão de Cathrine e a conduziu até os refrescos, embora ela ainda tenha negado. — Nunca pensei que fosse uma vitrine.

— Mas é. Todo baile ou evento social é uma vitrine, em nosso caso, uma de informações. — A resposta dela foi uma pequena risadinha, junto de uma negativa. Isso... feriu Richard. — Desculpe por isso, tudo isso. Sei que essa não está sendo nossa melhor noite.

Havia tanta diplomacia e negócios que... o marquês bufou e foi escolher uma bebida para Cathrine. Era tão difícil isso, como dar atenção para estado, irmãos e esposa, tudo ao mesmo tempo? Oh Deus, o marquês apertou fortemente uma taça de champagne, o que seria dele quando o bebê nascesse!?

Atrás dele, porém, Cathrine observava as ações de Richard com uma dolorosa expressão. Ela sabia do esforço que ele fazia e ainda assim... a marquesa apertou fortemente o ventre.

— Não se desculpe, Richard. Apenas não estou me sentindo muito bem. — Como!? Quase derrubando a taça, Richard virou-se para Cathrine, muito preocupado. Porém ela negou rapidamente. — Não! É normal, eu preciso apenas de ar fresco.

— Pois então vamos tomar agora mesmo um "ar fresco". — Mesmo com ela negando, Richard pegou a mão de Cathrine e começou a arrastá-la pelo salão, até que... a marquesa afastou-se. O marquês franziu o cenho. — Qual o motivo disso?

— É desnecessário, logo vai passar e...

— Não negue sua própria saúde, Cathrine. — Aproximando-se rapidamente dela, o marquês respondeu sério. Não houve resposta. Richard olhou então para a barriga da esposa, assim como ela mesma. — Nem a do nosso filho.

Ela não respondeu, não era necessário uma resposta. Não dando opções para negativas, Richard tomou a mão da esposa e a levou até Lady Cottington, certamente que ela poderia ajudá-los permitindo a entrada deles no jardim de Cottington House. Naturalmente a baronesa permitiu, mas não sem antes avisar:

— Peço apenas que não desçam da sacada. Os degraus da escadaria estão cheios de lodo e não quero ninguém caindo, principalmente minha marquesa.

Nenhum deles queria. Novamente Richard tomou a mão de Cathrine e a levou pelo salão. Porém, quando eles estavam prestes a sair por uma das portas laterais, uma mão tocou no ombro do marquês, fazendo-os parar.

— Por favor, Sua Alteza Sereníssima, tem um minuto? — Era o conde Semyon Vorontsov, o embaixador da Rússia. Fitando Cathrine e depois o conde, o primeiro pensamento dele foi recusar, porém o conde... — É um assunto de extrema urgência.

Um assunto de extrema urgência? Novamente o marquês ficou dividido, mas... Richard fechou fortemente os olhos, que problema haveria? Ele fitou a esposa.

— Poderia me esperar na sacada? Logo estarei junto de você. — Cathrine assentiu e rapidamente saiu pelo corredor. Richard, agora sério, voltou-se ao conde Vorontsov. — Pois bem, tem seu minuto, Excelência.

*****

Dançar com Dalton Wandes não estava sendo em tudo desagradável. Ele era um jovem agradável, com aparência regular, altura regular e sabia dançar bem, não tinha uma personalidade marcante, de fato, mas também não era entediante. Em resumo: Dalton Wandes era só mais um cavalheiro rico na multidão, o que tornava tudo ainda pior.

Mesmo dançando com ele, mesmo a presença dele não sendo desagradável, Anne não conseguia suportá-lo, Anne quase não conseguia encará-lo, ela... olhava constantemente para o lugar onde Fritz a observava junto de Sarah. Nesse momento ela queria tanto estar sendo tocada por... os olhos de Anne arregalaram. Oh Deus... Oh Deus!

— Está gostando da dança, minha princesa? — Como? Anne voltou-se imediatamente ao cavalheiro, levemente confusa, até que... ela entendeu e sorriu.

— O senhor dança muito bem. — Ele sorriu em agradecimento, nada envergonhado. O silêncio retornou um momento entre eles, tanto que Anne quase retornou para Fritz... mas sorriu para Wandes. — Perdão pela minha distração, há tantas pessoas aqui que...

Ele riu... Dalton Wandes começou a rir... Anne franziu o cenho em confusão, não era uma risada divertida, não para ela, parecia até que ele estava... lembrando de alguém. O cavalheiro parou de rir e, sorrindo, negou para a princesa.

— Pode ser engraçado, mas... acabei de ver a marquesa nessa ação de minha princesa. — Quanto a isso, Anne não poderia rir junto. O sorriso dela morreu. Wandes, porém, em sua exaltação, não percebeu. — Ela é tão tímida e doce, e sempre parece tão confusa quando esquece de algo.

— É mesmo? — Foi a única resposta que Anne conseguiu formular, embora ainda tenha saído afetada.

— Oh, deve ser o Éden viver no mesmo ambiente que ela! — O cavalheiro novamente não percebeu, tanto que comentou fechando prazerosamente os olhos. Anne sentiu-se tentada a fugir, mas ele abriu os olhos. — Sou poeta, sabe? E devo confessar que a marquesa é minha musa inspiradora.

— É mesmo? — Agora foi impossível esconder a irritação, Anne estava perdendo a paciência.

— Minha princesa tem tanta sorte. Eu daria tudo para estar no mesmo lugar que ela, para conversar com ela, até mesmo dançar! — Wandes encarou Anne fixamente, mostrando claramente o que desejava. — Amo-a! Porém é um amor platônico, impossível, o máximo de nobreza que tenho é minha tia-avó, filha de um barão.

Não aguentando mais, Anne afastou-se abruptamente do cavalheiro e, levantando a mão, abriu a boca para falar as mais frias e destruidoras palavras, porém a música acabou e sobrou apenas um perplexo Dalton Wandes. Respirando fundo, a princesa ergueu arrogantemente a cabeça e, dando as costas, afastou-se. Chega disso, esse "poeta" deveria estar abusando do ópio para cometer um desrespeito desses!

Uma humilhação! Uma terrível humilhação! Que tipo de cavalheiro fazia isso!? Em sua raiva, Anne passou rapidamente pelo príncipe hereditário e Lady Compton, porém sem parar e nada dizer, para a preocupação deles. Mas Anne estava furiosa! O homem havia procurado ela apenas para conseguir Cathrine! Anne foi usada como ponte para...

Saindo do salão por uma porta lateral e entrando assim num grande e vazio corredor, Anne gemeu furiosamente, embora quisesse muito gritar. Sentindo-se mais que humilhada, a princesa continuou a andar pelo corredor, logo chegando ao escuro jardim de Cottington House, onde ninguém mais viria.

Porém, quando Anne estava prestes a descer a escadaria do jardim, alguém pegou fortemente a mão dela. A princesa voltou-se para trás e...

— Não pode me deixar sequer um minuto em paz, Fritz!? — O príncipe assustou-se com o grito dela, mas Anne não deu importância alguma. — Não vê que não estou para brincadeiras!

— Por isso mesmo não posso deixá-la sozinha. — O tom dele mostrava tanta... preocupação. Ainda assim, Anne negou e, soltando-se, desceu alguns degraus. Fritz foi atrás. — Está escuro e... não posso deixá-la nesse estado.

— Ah, mas pode sim. Se eu mandar, você irá! — Anne novamente gritou, descendo tão rapidamente e com raiva que nem prestava realmente atenção onde pisava. — Vá embora, Fritz!

— Anne, por favor... — Foi uma súplica, porém...

— Vá embora... Fritz! — Sem entender como, Anne acabou deslizando num degrau.

Tudo aconteceu muito rápido, em um momento Anne estava prestes a cair e logo no outro ela estava nos braços de Fritz, com a cabeça no peito dele. Ambos se encaravam fixamente, o azul dos olhos dele era a única coisa que a princesa conseguia ver. Os dois se aproximaram e... se beijaram.

*****

Em passos lentos, porém constantes, Cathrine cruzou o longo corredor e chegou às portas da sacada. Oh Deus, mas o que estava acontecendo com ela!? Que sensação terrível era essa!? Respirando fundo, assim como acariciando um momento a barriga, a marquesa abriu então as portas e... acalmou-se assim que sentiu a fria brisa da noite.

Talvez fosse a gravidez, um enjoo natural, ou a ansiedade dela, afinal o salão estava cheio, assim como muito abafado, mas agora Cathrine sentia-se muito melhor. A marquesa saiu então da entrada e foi até o final da sacada, estava muito escuro, então ela não conseguia ver quase nada, porém... ainda conseguia ouvir.

— Não! Oh, meu Deus, o que foi isso!? — Uma medrosa voz feminina chamou a atenção de Cathrine, que semicerrou os olhos no final da escadaria. Parecia até... um casal de namorados. — Não... não poderíamos ter... pelo Cristo!

— Por que de tanta preocupação? — Sim, era um casal de namorados. Porém agora escutando essa voz masculina... ambos pareciam tão familiares. — Foi apenas um beijo?

Santo Deus! Cathrine levou imediatamente ambas as mãos à boca, tentando evitar um grito. Eles estavam se beijando!? Mas isso... deveria ser por isso que Lady Cottington mantinha esse jardim fechado. Porém, sentindo-se até uma fofoqueira, Cathrine olhou atentamente quando a sombra masculina pegou a mão da feminina.

— Apenas um beijo? Como ousa dizer que foi apenas um beijo!? É um escândalo, isso sim! — A dama afastou-se rapidamente do cavalheiro, gritando quase histericamente. Parecia tanto com... — Oh Deus, oh Deus! E se alguém tiver visto? Não, não e não! Diga que não!

Foi praticamente desnecessário afastar-se, pois a dama voltou a abraçar fortemente o cavalheiro. Ele falou algo baixo no ouvido dela e o casal retomou o beijo. Por Deus, mas que coisa. A consciência de Cathrine começou a pesar, afinal, ela estava espiando a intimidade de outras pessoas.

Bastante singular esse casal era, parecia até com pessoas conhecidas, quem? Cathrine negou, não conseguindo lembrar. Suspirando, a marquesa deu as costas, pronta para ir embora, porém...

— Oh Fritz, não sabe como estou cansada. Não suporto isso, Fritz, não suporto Cathrine! — A marquesa imediatamente parou e voltou-se para trás. Cathrine? Oh Deus, havia apenas uma Cathrine em toda a Inglaterra... ela mesma. — Todos sempre dizem como ela é belamente tímida e bondosa, uma presença cativante!

Essa voz... Cathrine aproximou-se lentamente da sacada, assim como do casal. O coração dela batia fortemente, quase saindo pela boca, porém... a marquesa olhou novamente para o casal.

— Eu não suporto Cathrine, Fritz, odeio fortemente ela! — Arregalando os olhos, a marquesa tampou novamente a boca, evitando ao máximo um grito, assim como lágrimas. Era Anne! Oh Deus, Anne! E junto dela ainda estava o príncipe hereditário de Württemberg. — Cathrine... desde que chegou, Cathrine trouxe apenas humilhação para mim... ela tomou o meu lugar!

Ela negou, ela negou veemente. Não! Não era isso! Anne estava pensando apenas em si mesma! Cathrine não... a marquesa fechou fortemente os olhos, tentando ao máximo segurar as lágrimas que ameaçavam cair de seus olhos. As coisas não eram assim, Cathrine era a marquesa, então Anne que era a usurpadora!

O príncipe hereditário consolou Anne, porém Cathrine conseguiu apenas sair da sacada e... fechando as portas do jardim, gemeu dolorosamente, parecia até um choro disfarçado. Acalmando-se minimamente, a marquesa começou a cruzar rapidamente o choro, porém ela acabou esbarrando em...

— Cathrine? Mas por que de tanta...? — Pegando a esposa pelos ombros, Richard imediatamente arregalou os olhos ao ver o estado dela. — Você está pálida e seus olhos... você andou chorando?

— Eu quero ir para casa, Richard. — Soltando-se do marido, Cathrine falou sem ânimo algum. Ele não respondeu, deixando ela muito irritada. — Quero ir agora! Não estou bem!

A única ação de Richard foi recuar para trás, mas isso apenas fez Cathrine perder ainda mais a paciência. Dando as costas ao marquês, ela voltou a andar rapidamente na direção da saída. Richard, sem saber ao certo o que fazer, olhou em direção ao jardim e... foi atrás da esposa.

*****

O barulho da música e das risadas no salão começou a diminuir conforme ele se afastava, enquanto os poucos criados que passavam por ele faziam apenas uma rápida mesura e iam embora, porém... era Richard que andava rapidamente para ir embora, para sair de Cottington House. O marquês estava sério, assim como muito confuso.

Richard não estava entendendo mais nada. O que aconteceu naquele jardim enquanto ele conversava com o conde Vorontsov, uma conversa bastante inútil, por sinal? Tudo aconteceu tão rápido que... estava sendo difícil até racionar.

Chegando no hall de entrada, o marquês logo viu a carruagem deles abaixo do pórtico, estava aberta, e imediatamente a razão e os pensamentos retornaram à cabeça dele. Não foi apenas um enjoo, eles não causavam tudo isso, na verdade, foi outra coisa, algo que ele haveria de descobrir.

— Você demorou, Richard. — Chegando na carruagem, ele encontrou a esposa com os olhos fechados, parecia até que estava dormindo, foi um engano.

— Eu tive que pedir para Lady Carlisle avisar Anne do nosso retorno. — Subindo na berlinda, o marquês respondeu calmamente, embora no íntimo estivesse muito perturbado. — Não devemos tirar dela a oportunidade de se divertir.

— Claro, afinal de contas, ela merece muito. — Ainda com os olhos fechados, Cathrine respondeu friamente. Richard franziu o cenho, as palavras dela pareciam até... gotas de veneno. — Sua irmã ficará muito grata, ela não será mais eclipsada por mim.

Eclipsada? Quem havia dito uma coisa dessas para ela? Ainda muito perturbado, Richard sentou no banco e logo a carruagem começou a mover-se. Durante grande parte do trajeto o silêncio reinou entre os dois, Richard apenas encarava Cathrine, que por sua vez, já tendo aberto os olhos, encarava as ruas londrinas pela janela.

Poderia ter sido assim até o final, talvez até tivesse sido melhor, mas... não era isso que Richard queria.

— Poderia, por favor, me dizer o que aconteceu no jardim, Cathrine? — Ela não respondeu, nem mesmo olhou para ele. Fechando os olhos e respirando fundo, Richard então sorriu docemente para Cathrine. — Tenho quase total certeza de que se você falar nós poderemos resolver... isso.

Antes mesmo dele acabar, Cathrine voltou-se para frente, com uma expressão jamais vista nela por Richard: a de profunda frieza. Ela parecia frustrada e furiosa, tanto que o marquês não conseguiu evitar um arregalar dos olhos.

— Estou cansada disso, Richard! De tudo isso! — Cansada de quê? Tudo o quê? Richard conseguiu apenas negar as frases cheias de frustração de Cathrine, o que a irritou mais ainda. — Você... você não pode resolver nada!

— Mas... do que você está falando, Cathrine? — Tentando ao máximo conter a voz, ele perguntou, embora tenha saído choroso. Richard respirou fundo e pegou a mão dela. — Explique-me, por favor.

— Foi Anne! Isso que aconteceu! — Dessa vez gritando, Cathrine afastou furiosamente a mão do marido, que ficou sem reação. — No jardim... ela me ofendeu... me acusou de estar tentando tomar o lugar dela! Disse que a causa de todos os problemas dela, sou eu, unicamente EU!

Um grito, a última parte foi um forte grito de Cathrine, com lágrimas caindo dos olhos dela logo em seguida. Richard imediatamente abriu a boca para falar, mas nenhuma palavra foi dita, as forças dele acabaram assim que essas lágrimas foram vistas. Ela estava sofrendo... sofrendo por culpa... a marquesa virou o rosto.

— Cathrine, nós... eu vou...

— O quê, Richard? Você vai fazer o quê? — Voltando-se novamente para ele, a marquesa respondeu num suspiro cansado. Ela duvidava dele, mas... Richard não respondeu. — Estou cansada disso, simplesmente cansada. Você fala, mas nada resolve. Faz promessas quando choro, quando grito, mas tudo é vazio e feito apenas no meu limite!

— Pare agora mesmo de falar, Cathrine! — Não aguentando mais, Richard gritou altamente, até mesmo sentindo uma solitária lágrima caindo do olho dele. — Não vê que estou sempre buscando fazê-la feliz!? Cuido de você, dou atenção, carinho... amor!

— Mas dá o mesmo também aos seus irmãos! — O que!? Os olhos de Richard arregalaram com as palavras gritadas por Cathrine. O que ela estava querendo dizer com isso? Cathrine, respirando ofegante, então disse: — Qual de nós é mais importante: eles... ou eu?

Ela estava resoluta, praticamente implorando por uma resposta. Mas... que tipo de pergunta era essa!? Richard negou veemente. Como Cathrine poderia pedir para ele escolher entre a família dele e a família dele!?

— Acho melhor pararmos aqui com essa conversa. — Dando um basta a tudo isso, o marquês finalmente declarou sério.

A marquesa novamente fechou os olhos e voltou-se em direção a janela. Que coisa mais desgastante. Os romances não diziam era o casamento era assim, nunca foi dito que após os proclamas tudo era desse jeito. Em total silêncio, Richard e Cathrine continuaram até Hampton Court.


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Notas finais do capítulo

* Que capítulo emocionante, não? Pelo menos para mim, tudo foi muito dinâmico e rápido, o que não significa um capítulo curto. As coisas estão mudando para os Tudor-Habsburg e isso ficará muito mais evidente no próximo capítulo.

* O que acharam da minha "diplomacia"? Eu tentei ao máximo colocar ou mencionar diplomatas e falar do que está acontecendo no mundo. As coisas na Itália não estão nada boas, até mesmo o papa perdeu Roma, nesse momento ainda não existia o Vaticano, apenas a colina com esse nome.

* Mais uma explicação: Richard mencionou a rainha de Nápoles, mas logo em seguida se endaga se seria agora da Sicília. Isso acontece porque Nápoles foi tomada pelos franceses e a monarquia deposta, Nápoles tornou-se uma república, mas o rei e a rainha fugiram para o outro reino deles: a Sicília, uma ilha, e de lá planejam uma reconquista. Ou seja, eram o réu e a rainha de Nápoles e Sicília. Interesse, não?

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