Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 14
Capítulo XIV




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O sol do meio da tarde entrava através dos vidros às suas costas, fazendo partículas de poeira dançarem por todos os cantos do antigo ateliê de sua mãe. Ateliê para pintura e também para preparo de poções, depois que ela aprendeu melhor aquela arte com o marido. 

Leônidas gostava de fazê-lo no interior de casa, fechado junto de seus próprios pensamentos e de prateleiras dos elementos a serem utilizados, enquanto Brigite preferia estar ao lado da estufa, visível caso se aproximasse um pouco das tantas janelas que deixavam aquele cômodo tão iluminado.

Agora, era uma iluminação um tanto pálida naquele sol outonal. O chão de madeira cinzenta continuava com uma ou outra mancha seca de tinta aqui e ali, enquanto o cavalete ao centro permanecia vazio. Na mesa alguns passos para o lado também não havia nada, algo tão diferente de outrora, quando costumava estar cheia de pincéis e misturas para tintas. Sabia que àquela altura seu pai devia ter se desfeito de tudo ou mandado guardarem em outro lugar. Ninguém dissera o que foi feito ― até porque Matias não perguntara ― e era um pouco difícil adivinhar qual fora a reação de Leônidas. Os sentimentos dele eram ainda mais difíceis de desvendar.

O bruxo continuou batucando os dedos das duas mãos sobre o beiral da janela em que estava sentado. O cômodo era pequeno e perfeitamente iluminado por uma parede feita apenas de janelas. Ele se levantou e andou alguns passos, caminhando em direção à mesa. Parou outra vez e apoiou as mãos sobre ela, abaixando o tronco.

Haviam inúmeros sulcos e manchas secas sobre a madeira ― sua mãe sempre fora o perfeito exemplo de alguém desastrada ― e sorriu com a mera lembrança. As marcas de que Brigite vivera naquela casa por quase um século e meio estavam por todos os lugares, mas ali... Era como entrar em um lugar que pertencia somente a ela.

Escorregou as mãos para fora da mesa e endireitou a coluna, olhando ao redor. As partículas de poeira continuavam dançando pelo ar junto do silêncio. O ateliê era um tanto afastado dos outros cômodos da casa para poder ouvir ruídos. 

Matias baixou os olhos, vendo uma pequena cômoda com três gavetas logo abaixo da mesa. A madeira era cor de mogno, contrastando com a cor clara da mesa, mas sua mãe nunca se importou com aquilo. Tudo o que ela queria era algo para que pudesse guardar os seus rascunhos e acessá-los rapidamente.

O bruxo abriu uma das gavetas, vendo dentro dela uma confusão de folhas. A Sra. Salazarte não costumava esconder sua própria arte ― fosse as pinturas ou os desenhos feitos com aquarela ou grafite ― e estava ali, acessível a todos. Ele mesmo vira várias delas ao longo da vida e se perguntava se eram as mesmas. Ou quais nunca vira, tendo certeza de que sua mãe concluiu várias no período em que ficaram sem se ver. 

Ele foi trazendo o amontoado de papéis para frente e deixando-os sobre a mesa. Olhou para o fundo, percebendo que ainda havia alguns presos na borda da gaveta, portanto, viu-se obrigado a puxá-la até o limite para poder alcançá-los. Examinou-os, vendo que a maioria eram apenas rascunhos feitos com grafite, dando a impressão de terem sido esquecidos onde estavam ou enfiados lá de qualquer jeito.

Deixou-os todos junto dos outros, encontrando um único que destoava dos demais: era um envelope lacrado. Matias o pegou e tentou desamassá-lo para que pudesse ler melhor o remetente, percebendo que era de sua tia, irmã de sua mãe.

Brigite e Inês sempre tiveram uma relação próxima e amorosa — ele próprio recordava-se da tia ser uma figura presente em inúmeros momentos de sua vida —, o que tornava estranho sua mãe ter guardado uma carta da irmã de qualquer jeito no fundo da gaveta e sequer tê-la aberto.

Observou o envelope por alguns instantes, percebendo que não estava amarelado ainda, indicando que não era assim tão antigo. Considerava se deveria mesmo violar o lacre e ler a correspondência entre as duas. Poderia ser nada de mais ou...

Continuou encarando a caligrafia fina da tia e sentiu os dedos coçarem para abrir. As duas não estavam mais vivas, será que isso lhe dava o direito de ler?

Rasgou o envelope e desdobrou a carta, vendo novamente a caligrafia da tia, dessa vez ocupando somente metade da folha.

 

20 de setembro de 1719

 

Querida Brigite,

Creio que seus empregados tenham lhe contado das minhas tentativas de visitá-la ou você não teria pedido para que eles me dissessem que você não estava em casa. Sim, eu sei que você não quer me ver e, sim, eu sei que você não quer ver seu marido, mas, por favor, eu peço-lhe por uma chance, irmã. Apenas uma.

Não culpe Leônidas pelo que ele fez, a maior culpada disso tudo sou eu. Ele agiu tomado demais pelos próprios sentimentos e passou por cima das consequências por minha causa. Você o conhece até melhor do que eu, então sei que sabe disso, mesmo que esteja enraivecida demais com nós dois. Compreendo suas razões, mas peço por favor para que ouça as minhas.

Uma única chance, onde e quando você quiser, nos seus termos. Estou disposta a tudo, apenas peço para que ouça o que tenho a lhe contar.

E, lembre-se, eu sempre a amei. Sempre.

Inês

 

Matias perdeu as contas de quantas vezes releu as palavras da tia no intervalo de minutos que provavelmente deveria ter se passado. Respirou fundo e colocou o papel dobrado sobre o amontoado de desenhos.

Aquilo era todo um novo elemento na equação tão confusa que ele tentava resolver sobre os mistérios da própria família.

Alguma coisa acontecera entre seu pai e sua mãe para que o casamento esfriasse, isso era um fato, mas o que? E como aquilo envolvia sua tia? O que ela e o cunhado fizeram para sua mãe não querer mais vê-la? Considerando que sua tia faleceu algumas semanas após a data daquela carta e que sua mãe nunca a abriu, será que ela conseguiu ouvir o que a irmã parecia tão desesperada para dizer?

Sua mente encontrou somente uma única explicação para toda aquela confusão e era um pouco difícil de acreditar que o pai e a tia tivessem um caso. No entanto, se aquela fosse mesmo a resposta, por que Inês teria dito que a principal culpada era ela própria? Algumas coisas continuavam a não se encaixar.

Teria Bernardo descoberto sobre aquilo e por isso ficado tão furioso com o pai? Havia algum sentido lógico naquele raciocínio, de fato, mas... Precisava pensar. Sentia a cabeça até mesmo um pouco pesada com tantos pensamentos que uma carta tão curta lhe trouxera.

Olhou para os desenhos sobre a mesa sem verdadeiramente ver nenhum e os devolveu de volta para a gaveta, tentando organizá-los para que nenhum caísse para o fundo novamente. Fechou a gaveta e encarou o único papel que restara sobre a madeira clara, junto do envelope rasgado.

Decidiu enfiá-los em um dos bolsos internos do casaco, sem sequer prestar muita atenção. Um tanto atordoado, saiu do ateliê, ignorando todo o cenário que voltaria a ficar fechado dentro daquelas paredes.

Encontrou um ou outro empregado pelos corredores, em direção à parte principal da casa. As dúvidas consumiam demais sua própria mente para prestar atenção no rosto de qualquer um que estivesse ao seu lado. Ao chegar no hall principal, viu o mordomo em sua casaca vermelha passar em posse de uma bandeja com quatro xícaras e um bule e entrar na sala de visitas. De lá, foi capaz de ouvir algumas vozes:

― Pelo seu tom de pele, cores escuras lhe caem muito bem, Srta. Matilda ― a Srta. Gutiérrez dizia, a considerar pelo timbre. ― Vermelho, preto, azul...

Matilda soltou uma de suas risadas agudas, mau sinal. 

― São algumas de minhas cores favoritas, que coincidência. Mas, ultimamente, andei pensando em variar um pouco as cores que tenho em meu guarda-roupa. Eu esperava que pudesse conseguir algumas sugestões com a senhorita, mas esse nosso diálogo me faz reconsiderar...

Matias respirou fundo e fechou os olhos por alguns segundos, tentando se concentrar. Sua vontade era de retornar para o próprio quarto e tomar um banho, beber algo que contivesse uma dose relativamente forte de álcool ou qualquer coisa para tentar relaxar a cabeça. Porém, ao considerar a presença na sala de visitas e como a irmã caçula parecia implicar tanto com os Gutiérrez... As coisas se tornavam ainda mais preocupantes se Meredith estivesse junto, o que era uma possibilidade muito grande, pois o mordomo entrara com quatro xícaras.

Soltou o ar devagar pelo nariz e tomou o caminho para a sala de visitas, praguejando baixinho pelos acontecimentos se desenrolarem na mesma tarde.

― Então talvez a senhorita devesse procurar por uma pessoa mais entendida sobre o assunto. Ou que se encaixe mais aos seus gostos ― a Srta. Gutiérrez retorquiu e o sentimento de tensão era palpável no ar.

Matias parou alguns passos após a entrada do cômodo e todos os olhares se voltaram para ele. Os irmãos visitantes ocupavam o sofá de dois lugares, com a surpreendente presença de Ezequiel, que parecia mais uma vez querer fundir-se com o tecido, e a irmã ao seu lado, as mãos movendo-se sem parar sobre o colo. Matilda ocupava sozinha o sofá de três lugares, enquanto Meredith preferira a única poltrona do conjunto. O mordomo terminara de servir a mesa entre eles e estava se retirando, parando ao lado do filho do patrão.

― Matias, que surpresa! ― Matilda exclamou. ― Por que não se junta a nós? Tenho certeza de que a sua presença terá muito a agregar! Além de você dominar como ninguém assuntos tão agradáveis de se conversar... ― ela dirigiu a indireta junto de olhar cheio de desdém para a convidada, que sequer desviou os olhos para ela, ainda imitando os outros e observando o recém-chegado.

― Não se preocupe em trazer mais uma xícara ― Matias disse para o mordomo, que assentiu e retirou-se da sala, enquanto ele ocupava um dos lugares ao lado de Matilda. ― As duas estavam conversando sobre tecidos, pelo que pude ouvir.

― Minha mãe pediu para que eu e Ezequiel trouxéssemos alguns tecidos em retribuição pela gentileza do senhor e de sua irmã ― a visitante respondeu. ― Foi quando sua irmã nos convidou para um chá. ― Ela apontou com a cabeça na direção de Meredith, que estava emburrada na poltrona e encarando o chão com um olhar assustadoramente destrutivo. Podia tentar imaginar os pensamentos que passavam por aquela mente e como a maioria deles eram ofensas para a irmã mais nova.

― É um gesto muito gentil de sua mãe. Peço que transmita meus agradecimentos a ela ― ele disse junto de um sorriso educado.

Seus olhos se fixaram no rosto da Srta. Gutiérrez, que somente assentiu com a cabeça. Mesmo que a atenção dela tenha logo em seguida se voltado para a xícara de chá ― que ela ofereceu para o irmão ―, Matias continuou a observá-la.

Sabia que estava encarando-a mais do que o decoro permitia e aquela não era a primeira vez que fazia isso, contudo, precisava admitir que era uma visão que lhe agradava os olhos.

Os cabelos loiros eram firmemente presos, porém uma ou outra pequena mecha teimava em escapar, eram belos cachos dourados. As feições suaves costumavam passar a maior parte do tempo fechadas, no entanto, vez ou outra um sorriso passava por ali, que lhe iluminava o rosto todo. Mesmo que não chegassem até os olhos cinzentos e dos quais tinha que fazer um ligeiro esforço para não observar mais do que devia.

Não era como se nunca tivesse visto uma mulher bonita em sua frente, entretanto, vê-la tantas vezes naquele intervalo de dias fazia aumentar sua vontade de continuar olhando e olhando. 

― Eu estava curiosa para conhecê-lo, Sr. Gutiérrez ― Matilda comentou, assistindo seu convidado servir-se da xícara de chá. ― Meu pai tem se esforçado tanto em seu caso, que queria conhecê-lo pessoalmente. Circulam tantos boatos sobre o senhor e sua família no Submundo que me pergunto quais seriam verdadeiros ou não.

― A senhorita pode ser um pouco ingênua pela sua idade ― a Srta. Gutiérrez interrompeu uma tentativa de resposta do irmão, que abria e fechava a boca em busca de palavras ―, mas um conselho meu é que não deveria dar ouvidos a boatos que circulam pelo Submundo. Boa parte das grandes famílias bruxas acabam sendo alvo de boatos mentirosos. Acreditava que tivesse consciência desse fato.

A mais nova dos Salazarte estreitou os olhos, percebendo a provocação. A gentileza da Srta. Gutiérrez parecia ter ido embora, pela forma que ela fuzilava a garota com os olhos. Pelas falas naquela conversa, não poderia julgar os sentimentos dela.

― A Srta. Gutiérrez está certa, Tilda ― Matias interveio, tentando interromper uma escalada naquele diálogo, pois conhecia as irmãs muito bem. ― Há inúmeras pessoas maldosas e que difamam outras pelo simples prazer de fazê-lo.

Ele viu que a Srta. Gutiérrez assentiu com a cabeça, enquanto olhava para o irmão de canto de olho. O rapaz continuava a encarar o conteúdo da xícara.

― Eu sou realmente grato pelo esforço do seu pai nesse um ano e meio. ― Ezequiel finalmente conseguiu articular, mesmo que de forma lenta e um tanto pausada entre algumas palavras. ― Ele é um homem muito inteligente e admiro a sua disposição em sempre ir atrás de mais informação. ― Abriu e fechou a boca por alguns segundos, parecendo perdido entre as sílabas. ― Além de ser graças a ele que não tenho tido mais febres por um bom tempo.

Matilda ergueu os ombros e um sorriso vacilou pelo rosto, entre se sentir cheia de si e, talvez, compadecida pela informação do jovem bruxo? Matias sabia que, no fundo, a irmã possuía um coração, mesmo que Meredith não acreditasse.

― Papai nunca deixou de estudar mais sobre sua área. Um dia espero ser uma mestra de poções tão boa quanto ele, tenho estudado muito sobre isso.

Matias olhou para o lado, vendo a outra irmã respirar fundo na poltrona. Pulou alguns lugares no sofá com rapidez e tentou tocá-la, numa tentativa de evitar que outra briga entre as irmãs Salazarte começasse. Pouco se importou se era assistido pelos convidados ou não, apenas queria evitar mais discussões.

― Então a senhorita pretende seguir os passos de seu pai e trabalhar para curar pessoas? ― Ezequiel questionou em uma aparente inocência.

Matilda franziu a testa, como se ele tivesse dito algo absurdo, e balançou a cabeça, segurando uma risada.

― Eu­? Não. ― Ela riu. ― Mas precisamos honrar as aptidões de nossa família, não? Porque alguns de nós parecem ter se esquecido disso, uma pena...

No mesmo instante, Meredith fechou os punhos no colo e Matias tentou segurar as mãos da irmã com uma das suas.

― Alguns de nós acabam descobrindo talentos escondidos durante os estudos ― o mais velho dos Salazarte interveio. ― O que reforça ainda mais a importância de continuar se aprimorando, independente de em qual direção.

A Srta. Salazarte deu um sorriso agradecido na direção do irmão, que virou o rosto na direção da outra outra alguns assentos mais distantes e percebeu que ela os encarava com raiva. Matilda estava emburrada e não fazia ideia de como equilibrar as coisas com as duas. Tentar consertar as coisas com uma era enraivecer a outra.

― Falando em estudos, peço licença para me retirar. ― Mesmo de cara emburrada, Matilda se levantou. ― Preciso estudar antes que anoiteça, porque detesto fazer isso à luz de velas. O conselho de meu irmão foi tão convincente que sinto que preciso colocá-lo em prática. ― Ela dirigiu um olhar frio para o irmão, que ergueu as sobrancelhas pela reação dirigida a ele. 

― Acredito que também seja a hora de irmos. Está ficando tarde e não queremos atrapalhar os afazeres de vocês ― a Srta. Gutiérrez se manifestou logo em seguida e trocou olhares com o próprio irmão. Matilda estreitou os olhos, farejando se aquilo era ou não uma provocação, quando provavelmente era somente um fato.  

A bruxa se colocou de pé e o rapaz bebeu parte do conteúdo de sua xícara em um gole só, colocando-a de volta na bandeja com um tinir.

― Eu os acompanho até a porta. ― Meredith de pronto se ofereceu e não levou mais do que alguns segundos para Matias compreender que ela queria tomar aquele tempo para conversar algo com os dois. Coisa que deveria ter feito, se não tivesse passado o tempo inteiro emburrada por causa da irmã.

Matias e Matilda se despediram dos visitantes e viram-os se retirar da sala de visitas junto da irmã, deixando para trás Matilda ainda de pé e os braços cruzados sobre o peito.

― Satisfeito por ter conseguido me humilhar na frente das visitas? ― ela disparou para ele, que massageou as têmporas de olhos fechados.

Estava sentindo uma dor de cabeça começar logo acima das sobrancelhas e realmente precisava retornar para o próprio quarto. E principalmente deixar para repassar todos aqueles pensamentos outra hora.

― Eu sei que você não se dá bem com os Gutiérrez, mas... ― Ele abriu os olhos e soltou uma respiração de uma vez, encarando a irmã que continuava de cara amarrada. ― Tente ser um pouco cordial, por favor.

― Meredith está andando com essas pessoas para cima e para baixo, agora os traz para nossa casa e você está jogando a culpa em mim?

― Mesmo que não goste dos dois, nós devemos...

― Você fala isso porque sou eu! Meredith me provoca o tempo inteiro e você não faz nada. ― Ela fez um bico e foi abaixando o tom da voz conforme as palavras iam saindo. ― Mas se você for como ela e não quiser estar perto de mim, tudo bem. Há quem queira a minha companhia.

Matilda saiu da sala batendo os pés, enquanto Matias chamou seu nome e tentou segui-la, porém a garota se retirou com certa rapidez, erguendo a bainha do vestido para facilitar subir os degraus. Ele somente a assistiu do final da escada e, ao vê-la sumir no segundo andar, teve certeza que entrou em algum dos quartos. Apoiou a mão sobre o começo do corrimão e baixou os olhos por alguns segundos, tentando alinhar os pensamentos, para então rumar para o próprio quarto.

― Eu pensei que você nem estivesse em casa. ― A voz de Meredith foi se aproximando aos poucos.

Matias ergueu o rosto e olhou para trás, vendo-a sair do corredor de entrada para o hall principal. A memória de alguns minutos atrás retornou. 

De forma alguma contaria aquilo para a irmã, pois havia uma única pessoa que seria capaz de lhe fornecer a informação que precisava... A questão era: será que Leônidas lhe contaria? Ou melhor, será que contaria a verdade?

Ao dar-se conta de onde estava, percebeu que a irmã parou ao seu lado no começo da escada.

― Está tudo bem?

― Eu precisava de algum tempo sozinho para colocar alguns pensamentos em ordem. ― Aquilo não era uma mentira, afinal, de fato fizera isso. Meredith assentiu e ele decidiu que o melhor era ocultar os detalhes, no entanto... Hesitou por alguns instantes e percebeu que a irmã continuava a encará-lo preocupada. Ela não sabia, nem ela e nem Matilda sabiam de nada, porém... Ao menos sabiam um pouco mais do que ele. ― Eu estava relembrando certas coisas do nosso passado... Eu havia enviado uma carta comentando sobre o falecimento de nossa tia, quando as notícias chegaram até mim. Não sei se vocês chegaram a recebê-la...

― Ah, isso! Eu acho que sim... Sinceramente, eu não me lembro. ― Ela parou por alguns instantes, levando dois dedos sobre os lábios cheios enquanto pensava. ― Foi um período muito conturbado e recebemos tantas cartas e mensagens de apoio que... Se a sua carta chegou, ou se perdeu no meio de muitas coisas ou nosso pai a escondeu.

― Mas não havia nada nela para que ele a ocultasse de vocês. ― Viu-a dar de ombros, parecendo não querer sustentar o argumento. Melhor assim, porque ele próprio não estava a fim de prolongar aquele diálogo para um debate, precisava apenas tirar uma dúvida. ― Eu estava confuso. As informações que vocês apresentaram sobre a morte de tia Inês eram um tanto... Confusas.

― Bem, ela estava estranha havia um tempo. Paranóica, eu diria.

― Sim?

― Ela vivia nos pedindo para que eu e Matilda convencêssemos mamãe a falar com ela...

― As duas brigaram?

― Eu não sei... Elas pararam de se falar de repente e tia Inês parecia desesperada para falar com ela, vinha até aqui quase todos os dias. ― O semblante de Matias tornou-se grave e os olhos se voltaram outra vez para os degraus. ― Você não acha que...

― É estranho que as duas tenham se desentendido dessa forma, sempre foram tão próximas.

― De fato... ― Ela pareceu reconsiderar por alguns segundos, mas logo adicionou. ― Mas mamãe ficou bastante abalada com a morte dela, muito mesmo. Quando ela voltou a acompanhar Matilda aos bailes foi quando começou a se recuperar. ― Soltou um resmungo. ― Tinha que ser a Matilda para arrastá-la até esses lugares.

― E isso não seria algo bom? Mesmo que ela estivesse indo com Matilda a bailes mundanos, ao menos estava se recuperando. ― Ao comentário, viu a irmã revirar os olhos. ― Você devia ser um pouco mais compreensiva com ela. ― A garota riu e ele continuou antes que ela rebatesse. ― Ela ainda está um pouco abalada com o que aconteceu.

A jovem baixou os olhos para os próprios pés, respondendo-o em um murmúrio.

― Eu sei. Todos nós estamos.

Aquilo era de fato uma verdade, que todos estavam ignorando e jogando para debaixo do tapete como todos os segredos daquela família. Por mais que tentassem voltar à vida normal, nenhum dos Salazarte estava plenamente bem.

O silêncio caiu como uma cortina entre os dois.

― Ninguém sabe explicar o que estava acontecendo com nossa tia ― Meredith trouxe à tona do nada, recuperando o assunto anterior na tentativa de evitar aquele. ― Ela parecia paranóica, com medo de alguma coisa e...

― Simplesmente se jogou do último andar da própria casa ― Matias completou com a informação que ele recebera na última carta de seu pai, antes daquela que anunciou a tragédia com a mãe e o irmão.

― Todos concordavam que tia Inês não estava bem.

Aquele parecia ser o único fato que todos da família chegavam a um consenso, contudo... O que estava acontecendo entre Inês, Brigite e Leônidas? Duvidava muito que fosse conseguir alguma resposta do pai. E somente ele poderia esclarecer praticamente todas as dúvidas que torturavam sua mente. Ele era o grande responsável por aquela família estar tomada por segredos. 

― Irei tomar um banho ― ele anunciou, deixando claro que encerraria a conversa.

Quando havia subido alguns degraus, ouviu a voz de Meredith chamá-lo e se virou.

― Eu… ― ela hesitou, quase diminuindo a voz quando retomou. ― Queria me desculpar pela forma que tenho tratado a Matilda. Sei que tenho exagerado um pouco, mas...

― Não é para mim que você deveria dizer isso.

A frase saiu um tanto ríspida, mas Matias estava exausto. E não apenas das discussões das irmãs. Ao vê-la assentir de cabeça baixa, continuou a subir as escadas.


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