O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 6
Capítulo IV - Cordas do diabo


Notas iniciais do capítulo

Notas iniciais: Oi oi, Hunters.
Confesso que esse capítulo foi muito difícil para mim, o escrevi e reescrevi diversas vezes buscando uma melhor execução dos fatos. E até agora, não sei bem o que achei do resultado. Sei que trabalhei muito nele, e isso é tudo.
Mais para frente, na hora certa, o Sam vai aparecer para fuder com o psicológico de todo mundo, prometo.
Mas tudo ao seu tempo. Por enquanto matem a saudade do nosso Winchester favorito (Se você está acompanhando essa fic, você só pode ser fangirl/fanboy do Sam como eu) na prequel "A garota que ficou para trás"
PS: Gente, aqui eu alterei o cannon de alguns personagens que morreram na série. Aqui, essa galera que vai aparecer, está vivinha da silva.
Boa leitura : )
PS: Gente, eu sei que a casa do Bobby fica na Dakota do sul (de acordo com a série) mas eu preferi colocar aqui que ele mora no Kansas.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808152/chapter/6

 

 

Ponto de vista de Hazel Laverne, Cleveland – Ohio, 2004.

Estamos na estrada há dois dias e já deixamos a Pensilvânia para trás, e isso não é nem um terço do longo caminho que temos pela frente com destino no Kansas, onde o tal Bobby Singer mora. Decidimos parar para almoçar nessa lanchonete chamada Rosie’s Corner. Uma coisa interessante sobre as lanchonetes e paradas de estrada é que sempre parecem ser o mesmo lugar, mas com nomes diferentes. Você percebe como são feitos para passageiros, transeuntes, turistas.

Pessoas que vagueiam e que estão perdidas.

—Eu vou querer um triplo cheese burguer e uma coca, por favor. – Dean pede para a garçonete, que não para de sorrir para ele.

Eu faço uma careta para tudo o que está disponível no cardápio, mas preciso escolher alguma coisa. Tenho uma vasta lista de motivos pelos quais não só não sinto fome alguma, mas também sinto uma trava na minha garganta, como um desvio em uma rodovia. Minha realidade virou de ponta cabeça e eu não tive tempo algum para assimilar minhas perdas. Descobrir as mentiras da minha avó me trouxe ao mais profundo nível de raiva.

Eu perdi um ano da minha vida naquele hospital psiquiátrico, dopada constantemente com remédios que nunca precisei de verdade. Os tomei por quatro anos. Sempre tentei perdoá-la por seus jeitos tortos porque acreditava que suas ações vinham de boas intenções. Mas agora que sabia de suas mentiras sujas, quem sabe ela não tenha mentido sobre isso também? Talvez Antonella soubesse a verdade, ou de coisas que eu sequer sei ainda, e mesmo assim tenha me jogado lá dentro. Eu nunca vou saber, porque nunca mais irei vê-la na vida.

Respiro fundo e sinto meu peito se comprimir ao pensar que sempre tentei justificar suas violências para não a perder também, como a todos os outros.

Minha mãe, meu pai, Sam...

Saber que não resta mais ninguém faz meu peito queimar, por mais que a odiasse, ter alguém horrível em minha vida que fingia se importar comigo era melhor do que ficar sozinha. É isso o que ninguém nos conta sobre o abandono, sobre o desamparo, ficamos tão famintos por tanto tempo que qualquer tipo de par de olhos nos enxergando, nos sacia. Porque somos invisíveis. Qualquer coisa é melhor do que quatro paredes vazias.

E agora, após anos me entupindo de remédios, meu corpo está se ajustando a ficar sem eles. Sinto o conflito entre o meu cérebro e o restante dos órgãos, tudo está fora do lugar. Eu acreditei que era louca, por todo esse tempo. E agora, tenho que me ajustar ao fato de que era tudo real.

E que a realidade está vindo me pegar.

E tem...o Sam.

Perdê-lo há quatro anos, me dilacerou. Graças as mentiras, o odiei até os ossos, me ressenti até onde o limite permitia. E isso me manteve viva.

Agora, é como perdê-lo mais uma vez. Não só por saber que ele foi tão enganado quanto eu, mas porque agora está tecnicamente morto. Enquanto não resgatarmos sua alma, é assim que consigo olhar para a situação. E não vamos esquecer que o seu corpo está perambulando por aí, pronto para enfiar uma adaga em mim e torcê-la a mando de um demônio que o controla.

Tudo isso já seria o suficiente para acabar com um uma pessoa por três vidas, mas ainda há mais.

Quem sou eu de verdade? Por que sou tão importante em um plano caótico e divino, divisor entre anjos e demônios? Essas questões ficam perturbando a minha cabeça incessantemente como a estática em uma estação de rádio durante a madrugada.

E Dean...pobre Dean.

Ele não pode me proteger disso tudo, e mesmo assim, está aqui. Está tentando. Nesse exato momento, ele é a única pessoa com quem posso contar.

Com isso tudo rodeando a minha mente, fica difícil tentar comer qualquer coisa que seja, é como se o meu corpo me dissesse “Ei, isso é coisa demais para digerir. Chega!”

—Hm, uma lata de diet mounten dew, por favor. – Digo na esperança de o Dean não encrespar com isso.

—E um cheese burguer para ela também, moça. – Ele se apressa a acrescentar, me censurando com o olhar. Dou um sorrisinho fraco agradecendo a garçonete que se retira, e até me ajeito na cadeira, já pronta para o sermão que me aguarda – Você quer facilitar o trabalho do inimigo?! Se continuar comendo pouco desse jeito, não vai aguentar nem um empurrão!

—Eu sei, eu só não sinto fome alguma. Ia deixar para comer de noite...- Dean arregala os olhos como se eu tivesse xingado a sua mãe.

—De noite?! Tá maluca?! A última vez que você comeu foi ontem de manhã! Hazel, me ajuda aqui...eu sei que você tem coisa demais para digerir... – Seus olhos verdes profundos estão encarando os meus com preocupação, ele umedece os lábios antes de continuar – Mas se você não se forçar a comer, vai piorar as coisas.

Dou um longo suspiro. Não vai adiantar argumentar com ele porque ele está coberto de razão.

Mas eu estou me esforçando, e embora não seja muita coisa, ou mesmo que não seja nada, eu estou tentando.

É o que me resta, de qualquer maneira.

—Qual a próxima parada? – Pergunto, e percebo que Dean está sempre de olho ao nosso redor, como se scaneasse as pessoas em questão de segundos, em busca de ameaça. Ele está sempre em estado de alerta.

—Quero chegar a Cincinnati antes da meia noite, paramos para descansar lá e atravessamos a fronteira para Indiana ao amanhecer. De lá, St. Louis em Illinois, e finalmente, depois disso tudo, vamos passar no Nebraska, preciso...conversar com umas pessoas lá. Depois, finalmente chegaremos no Kansas. Sei que é difícil passar tanto tempo no carro, mas logo você se acostuma...- Dean tem um vinco em sua testa, que ele esfrega com o polegar, cansado pela viagem. A comida chega enquanto ele ia falando, então ele pausa por um momento e sorri para seu lanche como se fosse feito de ouro. Depois de uma mordida generosa, ele continua seu raciocínio de boca cheia – Quando chegarmos no Bobby, você vai estranhá-lo, de primeira. Ele não é muito amigável com estranhos, é um velho rabugento. Mas você se acostuma com o jeitão dele.

—Eu até que levo jeito com velhos rabugentos...- Sorrio ao me lembrar dos chiliques diários do Sr.Hudson. Sinto tanta falta dele... especialmente por saber que, muito provavelmente, nunca mais irei vê-lo novamente. Pensando nisso, uma dúvida me ocorre - Dean, todo caçador tem uma “virada de chave,” como você disse? Tipo, uma história triste e medonha por trás de tudo?

—Sim, sem exceção, é via de regra. – Sua voz é pesarosa por um momento, e eu fico pensativa com isso, imaginando qual foi a virada de chave do tal Bobby Singer, já que ele é, nas palavras de Dean, “o melhor caçador que existe”. Dean percebe que nem relei na comida e se apressa a dizer - Ei, come o seu lanche. Pelo menos metade, ok? – Assinto, segurando o cheese burguer em mãos e sentindo meu estômago se revirar só de olhar para ele.

—Eu odeio a comida americana...- Resmungo, dando a primeira mordida. Se antes Dean havia me encarado como se eu tivesse xingado a sua mãe, agora parece que eu xinguei sua árvore genealógica inteira.

—É o que, garota? Tá ficando doida, é?! Não tem o que não gostar! Hambúrgueres, fritas, churrasco texano...- Vou fazendo uma careta a cada comida que ele menciona e ele se ofende ainda mais – Você gosta de comer o que, então?

—Comida de verdade. – Falo isso dando um gole na diet mounten dew – Hambúrguer não é comida de verdade, mas você não está pronto para essa conversa. – Dou um sorriso, feliz por tê-lo tirado do sério pelo ao menos um pouquinho, tendo em vista que eu passei as últimas 48 horas o ouvindo cantar o álbum And...Justice for All, do Metallicasem parar.

Ele balança a cabeça de um lado para outro, como se tivesse desistido. Terminamos de comer, embora eu tenha aguentado só metade do meu lanche e Dean tenha comido o que restou.

—Escuta, eu vou no banheiro e depois vou abastecer a baby. – Rolo os olhos toda vez que ele chama o carro desse jeito - Fica aqui dentro e não sai, ok? Por nada no mundo inteiro, entendido? – Dean me olha muito sério, até que eu assinto mostrando meu pleno entendimento das suas ordens.

—Sim, capitão. – Falo com ironia. Vejo ele resmungar e ir em direção ao banheiro, e fico remexendo no saleiro, completamente absorta na música que começa a tocar do rádio da lanchonete, meio ao chiado devido a idade avançada do aparelho.

Country roads, take me home

To the place I belong

West Virginia, mountain mama

Take me home, country roads...

A voz do homem que a canta é melancólica e quebra em algumas partes da música. Gosto de canções cruas assim.

—Oi, com licença...- Me sobressalto quando uma voz aveludada interrompe a música, e quando olho para cima vejo uma mulher muito bonita, com olhos marcantes e um sotaque diferente, parada ao meu lado. Acho que ela não estava aqui antes, mas pode ser só impressão. Ou, talvez, ela tenha acabado de entrar na lanchonete – Você pode me emprestar o seu celular? O meu está descarregado e preciso muito fazer uma ligação.

—Claro, aqui...- Entrego o aparelho para ela, que parece aflita com algo. Talvez seu pneu tenha furado ou esteja perdida. A mulher sorri agradecida, e se afasta alguns metros para fazer sua ligação. Seus cabelos castanhos têm cachos nas pontas, e embora ela seja muito bonita e elegante, me parece cansada. Ela desliga o celular, e caminha na minha direção.

—Obrigada, garota. Meu carro está dando problema e a minha mãe não está tão longe daqui, por sorte ela vem me ajudar. – Ela respira fundo, parece estar tendo um dia difícil - Ei, nem perguntei o seu nome, como sou rude! – Dou um sorriso simpático, feliz por poder ajudá-la.

—Jude, Jude Crawford. – Minto. Dean me deu esse nome falso, por precaução.

—E eu sou Beatrice Tamlin, e foi um prazer conhecê-la. Obrigada, novamente. – Ela me dá um último sorriso antes de sair pela porta. Poucos segundos depois, Dean entra na lanchonete e me chama.

—Vamos, temos que colocar o pé na estrada.

Assinto, me levanto e o sigo até o Impala.

XXX

—Deixa eu ver se eu entendi, você escuta as mesmas músicas o tempo todo, sem parar, enquanto canta na cabeça de quem estiver no banco do carona...e ninguém pode colocar alguma coisa diferente para tocar?! – Estou quase perdendo a sanidade, e Dean me dá um olhar sério, as mãos no volante.

—É, parece que entendeu direitinho! – Ele aumenta um pouco o volume durante o solo de Orion, do Metallica. Que tipo de música não tem palavras?! Isso está me deixando maluca, e eu começo a roer as unhas.

—E ninguém nunca bateu de frente com você?! Só deixaram você ficar desse jeito, completamente senil, ouvindo as mesmas músicas de novo...e de novo...e de novo...? – Olho para ele indignada. Dean sorri, sem tirar os olhos da estrada.

—Não tem discussão, docinho. O motorista escolhe a música, a arma cala os protestos. – Ergo as sobrancelhas, incrédula.

—Se eu escutar mais um álbum do Metallica com você de backing vocal eu vou me jogar do carro. E eu tô falando sério! – Dean dá risada, e aumenta um pouco mais o som de uma música que é igualzinha as outras doze que acabaram de tocar. Fico incrédula – Quer saber?! Vou matracar sem parar sobre alguma coisa, até você desligar essa porcaria!

Dean ri mais, e ultrapassa dois carros.

—Ah, é?! Tá para nascer algum assunto que me estresse ao ponto de eu calar o James Hetfield! – Cerro os olhos com uma raiva genuína.

—E quanto a algum assunto que possa te constranger, ein? – Ameaço, e Dean dá de ombros.

—É, tipo o que? Se me disser ou me mostrar algo que eu já não tenha visto, juro que jogo um dólar em seja lá o que for! – Ele não está me levando a sério. Resolvo recorrer a algo baixo:

—Se você não desligar essa porcaria agora, eu posso falar por três horas sem parar sobre como é transar com o seu irmão, tim tim por tim tim. Já faz anos, mas eu me recordo dos detalhes, quer que eu comece te falando sobre o tamanho do p...

—Pelo amor de deus, garota! – Dean me interrompe com o olhar horrorizado, quase freando o carro pelo susto. Ele finalmente desliga o maldito som, e eu tenho vontade de pular de alegria. Nunca fiquei tão feliz pelo silêncio antes— Conseguiu o que queria! Feliz?! – Seu olhar de indignação é como um troféu para mim.

—Radiante. – Respondo, me encostando na janela – Se me dá licença, eu vou dormir. Dirija com cuidado.

—Mas que filha da mãe...- Ele resmunga, entre dentes. Não posso deixar de sorrir, já com os olhos fechados. Embora esteja me dando nos nervos, o Dean é o tipo de pessoa que sabe deixar as coisas mais leves. Nós dois estamos tensos e passando pelo inferno emocionalmente, então é bom ter uma dinâmica onde a gente pode fingir que o mundo não está caindo na nossa cabeça.

Sou muito grata a ele, por isso. Não que eu vá deixar ele saber, é claro. Isso iria fazer mal para o ego inflado dele.

XXX

Chegamos a Cincinnati antes do previsto, e escolhemos um motel na entrada da cidade, chamado Red Bull. Por algum motivo o lugar é decorado com búfalos, o que é bem cafona, mas tem camas e um chuveiro que funciona, que é o que precisamos. Termino de tomar um banho e já estou vestindo o meu pijama que consiste em uma calça xadrez de moletom e uma camiseta cinza de manga comprida, duas vezes do meu tamanho.

—Vou tomar um banho, você pode ir sintonizando no canal 7? Eu quero ver um jogo. - Dean me pede enquanto pega sua toalha e ruma para o banheiro.

—Claro, pode deixar. – Pego o controle e começo a caçar o tal canal 7, e preciso ficar mexendo na antena da televisão para que pare de falhar. Dean já está no banho enquanto canta a plenos pulmões algum rock dos anos oitenta.

Enquanto estou mexendo nas malditas antenas, sinto uma lufada de ar nas minhas costas. Acho isso estranho, porque a janela estava fechada há dois minutos, então decido me virar.

Dou de cara com a moça da lanchonete, que está com o seu indicador na frente dos lábios e os olhos bem expressivos, deixando bem claro que a minha única escolha é o silêncio absoluto, enquanto segura firmemente uma arma apontada para mim. Ergo as mãos em rendição, e não ouso abrir a boca. A primeiro momento, o choque é tão grande que minha mente fica em tela branca e tudo o que consigo sentir é que estou tremendo dos pés à cabeça. A mulher faz um gesto com a arma em direção a porta, e eu entendo que isso significa que ela quer que eu saia por ali, e eu obedeço já que não tenho opção. Passamos no corredor, eu de mãos erguidas e calada, e ela com o cano da arma bem encostado nas minhas costas, como um lembrete.

Ela me faz descer as escadas com a arma colada em mim, e quase não sinto minhas pernas a cada degrau. Paramos frente ao quarto 43, do andar debaixo, onde ela me faz entrar primeiro.

A cama está perfeitamente alinhada, e há uma cadeira com uma algema em cima, bem no centro do quarto.

Engulo seco.

—Caminhe devagar até a cadeira, e não tente nenhuma gracinha, garota. – Sua voz é calma, como se ela fizesse muito esse tipo de coisa. Eu faço exatamente como ela manda, o corpo inteiro frio. Quando me sento, ela me adverte – Eu vou ir até você, colocar as algemas e se você gritar, eu vou atirar, me ouviu?! – Confirmo com a cabeça, a mente em conflito absoluto.

As algemas são tão apertadas que chega a doer.

A mulher se coloca novamente em minha frente, a arma bem direcionada a mim quando começa a falar:

—Vamos começar pelo seu nome verdadeiro, o que acha? – Seu rosto marcante está muito sério, deixando claro que não está disposta a joguinhos.

Mas eu tenho que tentar, mesmo assim.

—Não sei do que está falando...- Tento demonstrar frieza - Me chamo Jude Crawford, lembra?

Ela dá uma risada curta, e ergue a sobrancelha esquerda. Seus olhos azuis são frios como dezembro.

—Você é uma gracinha, sabia? Sabe o que quero dizer por gracinhaInofensiva. Você me acha uma gracinha? – Faço que não com a cabeça. A última coisa que eu quero é irritá-la – Boa garota. Porque eu não sou inofensiva. Vou te perguntar mais uma vez, e embora eu tenha a noite inteira para brincar, você não ia gostar nada disso. E então?

Dou um suspiro longo, tentando me acalmar.

—Hazel. Hazel Laverne. – Meu nome tem um gosto amargo de repente, soa como uma maldição.

Ela sorri.

—Boa garota. Eu só queria ter o prazer de ouvir você mesma dizendo... – Ela se ajoelha na minha frente, ficando com o olhar na altura do meu. Respiro com dificuldade, o suor frio escorrendo pela têmpora – Você não se parece em nada. Sabia? Com ele. Isso é bom para você, eu acho...

Franzo o cenho, sem entender.

—Do que está falando? Do meu pai?! – Ela assente, sorrindo de um jeito meio frio. Seu olhar me lembra o de um gato.

—É, dele mesmo. Quando eu fiquei sabendo de tudo o que aconteceu, fiquei completamente chocada. Eu sabia que a história do Harvey ia acabar mal, ele era uma tragédia anunciada, sabe? Mas não esperava uma tragédia daquela magnitude...E você escapou sem um arranhão, não é? Ou...será que não?

Fico séria, e olho para baixo. As emoções estão nos olhos, e não quero dar esse gostinho a ela. Está se referindo ao incêndio, sei disso. E, mesmo após anos, não consigo ser indiferente ao me lembrar da noite que mudou tudo.

Afinal, se eu sequer fechar os olhos e me concentrar, sou capaz de sentir o cheiro da fumaça me sufocando.

Own...que foi? Toquei em um assunto delicado? – Ela faz um biquinho, de um jeito irônico. Depois se levanta e ergue as mangas da minha blusa, que estão presas para trás da cadeira. Reluto, nervosa por estar sendo exposta dessa maneira. E, porque não estou usando as minhas luvas.

Felizmente, ela não toca nas minhas mãos.

Ouch, isso está feio. Deve ter doído muito. Mas, está melhor do que quando você estava no hospital, em coma. – A olho no fundo dos olhos. Ela vê meu estado de confusão, e resolve se sentar na cama, ainda me apontando sua arma – Sim, Hazel. Eu a visitei no hospital, anos atrás. Claro que a sua avó não me deixou entrar. Por que deixaria, não é mesmo? Nem o seu ex-namoradinho conseguiu. Mas eu dei uma espiada, do meu jeito. Queria ver com os meus próprios olhos o que Harvey tinha causado. Esse mundo não é pequeno, Hazel?

Quem é você? – Digo, entre dentes. O sorriso dela cresce, parece estar se divertindo com tudo isso.

—Eu? Eu sou família. Sua família. – Meu peito sobe e desce de nervoso, enquanto estou hiperventilando. Eu não cresci perto de parente algum...apenas conheci meu avô, marido de Antonella, antes dele morrer, e só. Mamãe não tinha irmãos, e o meu pai nunca falou da própria família, nenhuma vez...

Um pensamento me ocorre.

—Você é irmã do meu pai?! – Minha voz sai incrédula. A mulher me olha satisfeita pela minha linha de raciocínio.

—Por assim dizer. Ele foi adotado, o seu pai. E eu também. Os nossos pais...como posso descrevê-los? – Ela faz uma cara pensativa – Acho que não há uma palavra, mas, a julgar pela maneira como Harvey se saiu na vida, e que eu estou apontando uma arma em sua direção, você deve imaginar que não eram o Sr. e a Sra. Raio de sol, não é? – Um olhar sombrio percorre o rosto dela – De qualquer forma, não estou aqui para falar de família. Estou aqui para falar de negócios.

—Que negócios? – Começo a ficar mais nervosa ainda. Minha mente fica tentando formular maneiras de escapar, mas não consigo pensar em nada com clareza.

—Eu faço todo tipo de negócios, especialmente quando eles me favorecem ao ponto de me trazer...de volta. Passei umas férias no inferno, sabia? Pergunte a Dean Winchester. Ele vai saber te dizer tudo sobre isso, já que ele achou que eu fosse apodrecer lá para sempre..., mas um anjo me trouxe de volta, com uma condição.

Não gosto do sorriso que ela me disfere.

—Um anjo?! – Quase gaguejo – Que anjo?!

—Ele não gosta de correr pela boca pequena, sabe? Nem eu sei o nome dele, ele não me disse. Ele só me contou o necessário, disse que recebeu ordens para dar um fim na sua vida miserável, e que ele não gostou nada desse tipo de tarefa...ele é o tipo de cara que não gosta muito de escolher lados. Ele é... volátil. Pode ser visto até como um traidor por ser assim, mas eu o entendo. Escolher lados é cansativo, e com Castiel e Raphael brigando igual cão e gato, ele não quer se arriscar e tomar um partido sem saber se você é o que andam dizendo a ele...

—E o que seria? O que estão dizendo a ele? – Talvez algo útil saia dessa situação, talvez ela tenha informações valiosas. Ela dá de ombros, desinteressada.

—Ele também não me disse, só me deu instruções as quais vou cumprir. Primeiro, tenho um recado para você...- Ela fica pensativa como se tentasse se lembrar a ordem exata das palavras, e umedece os lábios – “Tudo vai depender do seu sangue, se ele é limpo...ou não. Aí então farei minha escolha”. É, foi exatamente assim que ele falou. Poderoso, não é?

—E se ele é tudo isso, por que mandou uma humana atrás de mim? Pior! Por que tirar alguém do inferno para fazer o trabalho sujo para ele? – Ela ri da minha indignação.

—Por vários motivos, querida. Primeiramente, para irritar o rei das encruzilhadas. Crowley não gosta nadinha quando perde uma alma que havia ganhado com pactos, sabe como é? Até no inferno tudo se resume a negócios e burocracias, você ficaria surpresa. Em segundo lugar, porque ele sabia dos meus talentos para rastrear pessoas e pela nossa “conexãozinha” familiar. Os anjos gostam de ironia. – Ela suspira, cruzando as pernas – E por último, aparentemente você é...irrastreável para anjos. – Me lembro do que Castiel havia me dito, sobre gravar símbolos enoquianos em minhas costelas. Bom saber que isso funciona— Ah! E não vamos esquecer! Ele ainda não se decidiu, então por que se dar ao trabalho de descer aqui embaixo? – Ela se levanta e se aproxima de mim – Agora, de volta aos negócios. Vou pegar o que vim pegar, e depois é com ele.

—Como você me rastreou? Como chegou até...- Ia dizendo, mas ela me interrompe.

—Primeiro, fui a Nova York. Mas Dean Winchester chegou primeiro, e não daria para segui-lo para sempre com o meu carro, não é? Ele pode não ser o mais inteligente, mas eventualmente ia me perceber. Que bom que eu sei grampear celulares, como aquele que você me emprestou, de tão bom grado na lanchonete. Aí foi fácil, só tive que pegar um caminho diferente para chegar no mesmo destino sem ser percebida e então, prontinho. Aqui estou eu.

Quero me bater por ter sido tão burra. Fecho os olhos por um momento me sentindo como a pessoa mais inútil do planeta, mas logo os reabro para fazer a pergunta mais importante:

—O que você vai fazer comigo? – Tento não deixar a minha voz vacilar.

—Você não vai morrer, Hazel Laverne. Fique tranquila. Não hoje, não ainda. Eu vim buscar um pouquinho de sangue, só isso. – Ela caminha em direção a uma cômoda e retira de lá uma faca bem grande, e uma ampola. Meu coração gela quando ela se aproxima de mim, girando a faca entre os dedos – Eu poderia ser gentil, fazer isso com uma seringa e até mesmo fazer um curativo depois. Mas eu quero mandar um recado para Dean Winchester. – Ela me olha bem fundo nos olhos, segurando o meu rosto com as mãos. Suas mãos são frias e me machucam – Quero que ele saiba que eu não o perdoei por me deixar morrer sozinha naquele quarto. Que eu não esqueci o olhar de satisfação no rosto dele quando soube que os cães estavam vindo para me buscar... – Suas palavras saem com raiva, e ela aperta o meu rosto com mais força um pouco antes de soltá-lo – E Hazel? Não grite demais. Se você dificultar as coisas, eu faço pior, muito pior.

Em questão de segundos, ela enfia um pano na minha boca, pano esse que eu mordo e que abafa os meus gritos involuntários enquanto ela crava a faca na minha carne sem nenhum cuidado, traçando um corte fundo que vai do meu pulso até parte interna do meu antebraço, o sangue escorre para fora da minha pele rapidamente e em grande quantidade. Estou tonta de dor, sentindo o ferimento se abrindo enquanto ela coloca o meu sangue na ampola com um sorriso satisfeito. A dor é tão excruciante que minha mente fica turva.

A mulher se vira de costas, guarda o conteúdo em uma caixinha e a coloca dentro de uma bolsa preta. Meu sangue continua pingando sem parar em direção ao chão, e eu começo a ficar zonza.

—É agora que a gente se despede, sobrinha. Te desejaria sorte, mas não adiantaria de nada. Como sei que Dean Winchester deve estar te procurando em todos os lugares menos eficientes até agora, vou fazer um favor por você antes de ir embora. Algo que o ajudará a te encontrar... – Ela retira o celular do meu bolso, até achar o número do Dean na lista de contatos. Quando encontra, ela faz a ligação e fala com a voz amarga embora esteja sorrindo, quando ele atende – Quarto 43, Winchester. Venha rápido, ela está sangrando bastante. E a culpa é toda sua..., se não fizesse tantos inimigos, a vida dos seus amigos seria bem, bem mais fácil. -  Minha cabeça começa a pender para o lado, o corpo enfraquecendo e esfriando lentamente enquanto eu perco sangue. Minha visão fica turva, e tudo o que vejo é a mulher caminhar em direção a janela, sumindo dali como fumaça.

XXX

Acordo deitada em uma das camas do quarto que eu e Dean havíamos alugado ontem à noite. Estou com o braço todo enfaixado, e acabo gemendo de dor quando me mexo.

Arde como se fosse fogo vivo.

—Ei ei, vai com calma...- Percebo que Dean está sentado na outra cama, estava arrumando a própria mochila até ver que acordei – Como está se sentindo? – Ele se levanta e se senta na cama onde estou, com o olhar preocupado.

Eu me sinto com vontade de chorar. Porque isso tudo foi fruto da minha burrice e da minha falta de experiência. Foi tudo culpa minha. No entanto, não choro.

—Eu fui idiota, Dean...- Começo, me sentando. Faço uma careta, já que sinto o machucado repuxando por baixo do curativo gigantesco que está o cobrindo – Foi culpa minha.

—Do que está falando? Como isso pode ser culpa sua? – Ele quer saber. Suspiro antes de começar:

—Quando você foi ao banheiro, no Rosie’s, essa mulher apareceu. Ela parecia estar com problemas e eu quis ajudar, mas fui inocente. Ela me pediu o celular emprestado para fazer uma ligação, e eu emprestei. Resumindo a história...

—Ela grampeou seu telefone...- Dean conclui, esfregando o rosto. Ele não deve ter dormido muito na noite passada – Foi assim que ela chegou até a gente, então. A maldita é tão teatral que ainda por cima deixou uma erva, que gente chama de “cordas do diabo”, na janela. Serve para repelir cães infernais...- Dean se levanta, tenso, e pigarreia antes de continuar – Quando a vi pela penúltima vez, ela estava se protegendo contra cães infernais com essa erva, e mais tarde no mesmo dia tentou matar o Sammy e eu...a vadia sabia que eu reconheceria o recado, quando visse. Agora, o que eu quero que você me conte, é...o que Bela Talbot queria com você?

Dean cruza os braços e me encara.

—Então esse é o nome verdadeiro dela? Agora tudo faz sentido...- Digo isso pensando no sobrenome. Dean se senta na cama, enquanto eu lhe conto tudo o que aconteceu.

Dean Winchester me ouve atentamente, quase sem piscar.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

Minha cabeça está fervendo. Quando a encontrei, estava tão gelada e havia perdido tanto sangue, que achei que tivesse morrido. Achei que eu tivesse falhado mais uma vez.

Por sorte, cheguei a tempo. Estanquei o sangue, depois limpei o seu corte com whisky e por último costurei a ferida. Quando se é um caçador há tanto tempo, você vira quase um enfermeiro nato. Quando ouvi a voz no telefone, tive minhas suspeitas, mas foi só quando vi a erva na janela, que imediatamente soube quem havia estado ali.

Mas como? Eu sabia que ela tinha sido levada pelos cães. Estava morta.

Enquanto eu ouvia o que Hazel dizia, explicando o que havia acontecido, minha primeira reação foi sentir uma raiva descomunal fluindo por todo o meu corpo. Hazel sofreu nas mãos dela por minha causa.

Ela quis esfregar na minha cara que se ressente, quis me manter ocupado demais cuidando do ferimento da Hazel, para não que eu não fosse atrás dela imediatamente.

A inteligência e a frieza de Bela sempre me assustaram.

Depois de digerir tudo, pensei no fato de ela ser, aparentemente, “tia” da Hazel, e isso me pareceu muito suspeito. Liguei para Bobby e pedi para ele correr atrás de informações, então assim que chegarmos ao Kansas, saberemos se o que ela diz é verdade.

E isso não é o pior...quando soube que havia um anjo que trouxe uma alma do inferno  para pegar um pouco de sangue da Hazel, imediatamente tentei contatar o Cas para que ele me contasse, de uma vez por todas, quem era o terceiro anjo que ele havia mencionado. Pelo que Bela Talbot descreveu, só poderia ser o mesmo. Certo? Mas Castiel não respondeu. Então não me resta mais nada a não ser chegar ao Kansas, com Hazel a salvo.

— Hazel...eu sinto muito. Bela não teria te torturado se não fosse por minha causa...- Passo a mão pelos meus cabelos, e suspiro de maneira exausta. Meu peito está oco por dentro, cansado de ver pessoas inocentes passando pelo inferno - Me desculpa, de verdade.

— Não é sua culpa, Dean... - Sorrio de maneira fraca quando ela diz isso. Ela é muito gentil, e isso me lembra do Sammy, porque ele é igualzinho. Ela sabe que é sim minha culpa, mas vai negar essa culpa por pura gentileza.

XXX

Estamos indo em direção a St. Louis, e a minha cabeça está intercalando entre raiva, culpa e preocupação.

Raiva, por motivos óbvios. As coisas nunca estiveram ao meu favor, mas ultimamente? Puta que pariu...

Culpa. Hazel não tem experiência nenhuma como caçadora, é o meu trabalho proteger ela. E se eu tivesse feito o meu trabalho direito, Bela não teria colocado as mãos nela. E se não fosse por mim, Bela não teria feito um estrago tão grande na garota.

“...ela está sangrando bastante. E a culpa é toda sua..., se não fizesse tantos inimigos, a vida dos seus amigos seria bem, bem mais fácil” A frase dela martela sem parar na minha cabeça, como um disco quebrado.

Preocupação, porque estamos correndo contra o tempo. Castiel pode estar em apuros, o corpo de Sam pode estar se aproximando para um confronto ao qual nem Hazel, nem eu, estamos preparados para lidar. Tudo isso enquanto sua alma apodrece na jaula de Lúcifer, e sem a ajuda de Cas...estamos no escuro com relação a esse anjo, estamos no escuro sobre absolutamente tudo.

Estamos perdidos.

Respiro fundo, tomado por uma sensação que eu conheço bem. Tenho minhas suspeitas sobre o que um anjo pode querer com o sangue de uma garota com visões paranormais. Esse filme eu já vi, não é o ditado? Mas não pode ser. Por que se for o que estou pensando...

Então Hazel vai ser como o Sammy, com sangue de demônio ou coisa pior. A garota tem visões com as mãos, para não mencionar todo o resto que aponta para o fato de que ela não é, definitivamente, uma garota normal.

Sacudo a cabeça e tento afastar tudo isso. Se eu não tiver outra coisa para focar a mente, vou ficar louco. Olho para o lado, e percebo Hazel encolhida no banco do carona. Decido fazer algo:

—Ei, por que não escolhe alguma coisa para a gente ouvir? – Pergunto para ela, que estava em silêncio até agora, mais abatida que o normal.

Ela até arregala os olhos, surpresa.

—Você tá me zoando? – Sua voz cadenciada sai incrédula. Faço que não, e sorrio para ela.

—Estou abrindo uma exceção. Mas não se acostuma não, ein! E se você falar para alguém que eu deixei você, uma mera passageira no banco do carona escolher a música ao invés de fechar a matraca, eu vou desmentir você e ainda vou me fazer de louco! – Ela dá risada, e revira a própria bolsa atrás de uma fita cassete.

—Pode ficar tranquilo, não vou contar para ninguém! – Ela soa animada enquanto estamos passando por uma estrada rodeada de pinheiros e montanhas.

—É bom mesmo. Principalmente para o Sammy, quando a gente salvar ele... – Ela, que agora está com a fita que tanto buscava em mãos, me olha com os olhos pendendo entre a esperança e a tristeza.

—Acha que vamos conseguir? Salvá-lo? – Pigarreio e aperto mais o volante.

—Tenho certeza, Laverne. Deus me livre eu continuar tendo que dividir o carro com você. O Sammy senta caladinho aí onde você está e não fica ranhetando igual você! – Olho para ela sorrindo, brevemente, e ela retribui o sorriso de maneira triste, parece pensativa.

—É tão estranho, Dean...-Sua voz sai pesarosa. Percorro os olhos por seu rosto delicado, e vejo o quão fragilizada ela está. Hazel tem o tipo de beleza angelical e melancólica, eu nunca tinha parado para reparar isso como agora – Falar sobre ele. Eu nunca falei sobre ele com ninguém, por me ressentir. E agora...

Sua voz morre.

—E agora...? – Tento incentivá-la a continuar.

—Agora está tudo misturado na minha cabeça, agora que sei a verdade. E não bastasse isso, o corpo dele está por aí, me caçando. E não vou nem mencionar como eu me sinto sabendo onde está a alma dele, nesse exato momento...- Ela respira mais fundo, com dificuldade, os cabelos castanhos muito compridos lhe emoldurando o rosto – Acho que o que estou tentando dizer, é que não faço ideia de como vou reagir quando o vir.

Assinto, pensativo. Nós dois estamos tendo dias difíceis demais, então tento fazer uma graça para descontrair e talvez ajudá-la com tudo isso que está sentindo:

—Vamos fazer um exercício então. Vai, vamos fingir que o Sammy acabou de recuperar a alma dele e está ótimo da cabeça... – Ela me olha sem entender para onde estou indo com essa conversa, mas eu continuo mesmo assim – Aí ele chega para você com aquele cabelo maravilhoso dele... – Uso um tom debochado na esperança de fazê-la rir – E com os olhinhos de cachorrinho perdido e te dizendo “Hazel, precisamos conversar sobre tudo o que aconteceu, você não acha”? – Faço uma voz fininha para dar um ar cômico – Como você reage?

Primeiro, ela me olha incrédula, porque há dois segundos estávamos falando sobre tudo de maneira séria, quase solene. Depois, fica vermelha e abaixa a cabeça.

—Não, Dean. Não posso pensar nisso agora...- Ela reluta, e resolve olhar para a janela.

—Pode sim. Nós não temos nada melhor para fazer e acho que isso até pode te ajudar. É uma situação hipotética, o que você diria a ele? – A encaro, e ela está completamente desconcertada. Só de pensar na possibilidade, já se perdeu completamente.

—Eu não sei, eu acho que eu diria que eu descobri a verdade...- Ela fala, rápido demais e quase gaguejando – E acho que é isso. E desejaria boa sorte para ele e seguiria o meu caminho e...

—Você pode respirar, entre as palavras, sabia? – Provoco ela – Fica tão nervosa assim só de pensar em ter que falar com ele? Temos que trabalhar isso, essa história de “desejar boa sorte e seguir o seu caminho” não colou. – Ela me fuzila com o olhar.

Antes brava e envergonhada do que triste, esse é o meu lema.

—Mas é a verdade, Dean. Eu quero recuperar a alma dele e sair desse pesadelo, e claro, seria muito bom poder esclarecer em uma conversa o que aconteceu a quatro anos atrás! – O rosto está vermelho enquanto ela está gesticulando nervosamente. Será que eu ajudei mesmo? Bom, pelo menos não está mais encolhida no banco...- Mas depois, cada um vai seguir o seu caminho.

—Até parece que é isso o que você quer de verdade...- Rebato, enquanto apoio o cotovelo na janela – E se ele disser algo como “Hazel eu acho que a gente devia dar uma chance”, ein? Quer que eu acredite sinceramente que você diria “não”?

Se olhares matassem, eu estaria morto. De dez maneiras diferentes, talvez o cadáver já estaria pendurado de ponta cabeça, também.

—Dean...pela última vez, ok? Sam e eu, acabou. Quero desesperadamente salvá-lo tanto quanto você. Mas depois que fizer isso, acabou.

Aham, diz isso agora. Mas imagina só esse cenário, acabamos de salvar ele e precisamos dormir em um motel de beira de estrada, e aí por ironia do destino no quarto de vocês dois tem só uma cama...quer mesmo que eu acredite sinceramente que vocês dois não tirariam o atraso de quatro anos até o dia amanhecer?

Trago no rosto um sorrisinho debochado, enquanto ela infla as narinas e está prestes a perder a paciência comigo. Quão mais brava, menos triste!

—Se isso acontecesse, eu dormiria na sacada. Dá para me deixar em paz?! – Está tão desconcertada que chega a ser adorável.

—Na sacada?! O que é que você tem tanto medo de sentir pelo meu irmão que faria você fugir para a sacada? – Ela vai me bater. Estou pressentindo.

—Quer saber?! Para mim já deu! Vai ficar falando sozinho...- Ela vira o corpo em direção a janela, já que não pode sair de perto de mim.

Essa é a melhor parte de provocar alguém em um carro. A pessoa não pode sair andando.

—Como é que os jovens de hoje em dia falam quando eles torcem para um casal ficar junto? Eu esqueci..., mas a gente junta os nomes das pessoas, não é? Ficaria tipo Hamzel? Ou Samzel? – Ela finge que não está me ouvindo e enfia a sua fita cassete na entrada de som, completamente louca da vida comigo.

Ótimo. Pelo menos, não está triste. Nem que seja por cinco minutos, vai sentir outra coisa que não seja tristeza.

Eu costumava fazer isso com o Sammy, quando as coisas ficavam pesadas demais, difíceis demais. O irritava com alguma coisa só para tirar o foco da ferida.

Quando a música começa, primeiro faço uma careta para ela, fingindo que não gosto da música. Pelo meu gosto musical ela deve pensar que não gosto desse folk que ela acaba de colocar, com as gaitas e o ritmo lento, contemplativo. Mal sabe ela.

Ela parece satisfeita com o meu desgosto aparente, pois se encosta na janela, achando que vai ter paz, que vou ficar em silêncio. Deixo a música chegar no refrão, só para ter mais impacto, então encho os meus pulmões e começo a cantar, do jeito mais desafinado que consigo:

The answer, my friend...is blowin' in the wind, the aaanswer is blowing in the wind!— Racho o bico de rir quando ela se enfurece.

—Você só pode estar de brincadeira! – Ela reclama, e eu continuo cantando. Eventualmente, ela vai parando de ficar brava e começa a rir. Dada por vencida, resolve cantar também.

Cantamos a música toda, rindo, fingindo que os dois não estão estilhaçados por sentirmos falta da mesma pessoa.

Fingindo que não dói tanto assim. Fingindo que não estamos sedentos por respostas para tudo o que está por vir..., mas é como diria Bob Dylan nessa canção, não é? A resposta está soprando ao vento.

Só espero que o vento não se transforme em um tornado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É...eu não sei como me sentir.
Foi um capítulo importante para aprofundar a relação de amizade do Dean e da Hazel, bem como a introdução dela cada vez mais ao universo "hunter".
Também teve ali um acontecimento que vai ser importante lá na frente, e foi interessante explorar a confusão mental dela sobre como se sentir sobre o Sam.

Comentem, ok? Faz toda a diferença.
Carry on, Hunters.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Homem que Perdeu a Alma" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.